Texto espaços socioeducativos laura fonseca - dia 30 de setembro
1. INTERFACES NAS AÇÕES DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA, À
ADOLESCÊNCIA E À FAMÍLIA:
UMA REDE DE PROTEÇÃO EM PORTO ALEGRE, RS1.
Autora: Profª. Drª. Laura Souza Fonseca2
Co-autoras: Profª. Priscila Guadalupe Guterres3
Acadêmica Danielli Trindade4
PPG EDU/FACED/UFRGS
INTRODUÇÃO
Insistimos na idéia de que o objeto fundante das ciências está em induzir a
superação da miséria material do ser humano, em especial dos que vivem sob a
exploração de sua força de trabalho e sob as mais diversas formas de opressão, ao fim e
ao cabo, asseguradoras da acumulação incessante do capital. Desejamos que o trabalho
acadêmico, aqui exposto, avance na função social de, ao fazer a crítica da realidade
social em que está imerso o sujeito infanto-juvenil com quem trabalhamos, e fazê-la,
também, com as trabalhadoras das políticas sociais que as atendem e com fóruns da
sociedade civil implicados no controle social dessas políticas, possamos construir teoria
como força material para produzir diferença na vida de quem adquiriu o poderoso
estatuto de sujeito de direitos, mas segue tendo uma vida de menor!
Nesta perspectiva, o trabalho ora apresentado constitui-se em reflexão que
articula pesquisa e ação de extensão realizadas na comunidade da Grande Cruzeiro,
Porto Alegre, RS, a partir da Rede de Proteção e Garantia de Direitos à Criança, ao
Adolescente e à Família (Rede), dispositivo de participação popular vinculado ao
Conselho Tutelar (CT) da Microrregião 5, para discutir e encaminhar ameaças ou
violações de direitos ao infanto-juvenil daquela comunidade. Rede formada por gestoras
e executoras de diferentes políticas sociais, trabalhadoras de políticas públicas de
Estado, prestadoras de serviço das três esferas de governo, lideranças da comunidade,
etc. Um conjunto de espaços que, ao fazer o atendimento às crianças, aos adolescentes e
às famílias, dão materialidade a diferentes processos de sociabilidade a sujeitos
nomeados em vulnerabilidade social.
Uma Rede de Proteção tensionada por políticas de Estado e políticas de governo
que pode (1) carecer de representatividade já que da empiria emerge uma (outra) rede de
atendimento – uma rede (in)visível, como expõem Guterres (Guterres e Trindade,
2009); (2) esmaecer violações de direitos (Fonseca, 2008) e, ainda, implicar em dupla
violação de direitos, como afirmou Trindade (Guterres e Trindade, 2009). Um
dispositivo de participação popular que, ao refletir sobre estes limites, na reunião de
encerramento do ano de 2009, constrói perspectivas de superação para os impasses
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mapeados.
UM POUCO DA HISTÓRIA NA COMUNIDADE
Como professora de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), no
escopo da indissociabilidade, pertinente à Dedicação Exclusiva (DE) como regime de
trabalho docente, venho trabalhando com discentes de graduação em extensão e
pesquisa na comunidade da Grande Cruzeiro desde 1998. A partir da temática do
trabalho infanto-juvenil, olhando a escola e problematizando a partir dela (nem sempre
com ela) a relação com o trabalho de crianças e adolescentes; tomando espaços
protetivos – os núcleos extraclasses, antes da municipalização da Assistência Social, e o
apoio socioeducativo, a partir da municipalização – para, também ali, questionar as
interfaces entre socioeducativo e trabalho na infância e adolescência; e refletindo com
as educadoras sociais sobre o ECA e os direitos do infanto-juvenil. Esta produção é
parte da empiria da tese de doutorado (Fonseca, 2006) e, ao retornar, retomei as práticas
de pesquisa e extensão, com acadêmicas de graduação, analisando a temática no escopo
das violações de direitos às crianças e aos adolescentes.
É parte desta produção que, junto com as graduandas-bolsistas, analiso no
trabalho aqui exposto. Tomamos a Rede de Proteção, vinculada ao Conselho Tutelar
daquela região para perscrutar na pesquisa vestígios, concepções e encaminhamentos de
violações de direitos; e na extensão, refletir com as componentes da Rede o que emergiu
do campo.
PESQUISA E EXTENSÃO A PARTIR DE 2008
Na pesquisa “INTERFACES NAS AÇÕES DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA, À
ADOLESCÊNCIA E À FAMÍLIA: ESCOLA, SOCIOEDUCATIVO E CONSELHO” cujo piloto foi
realizado em novembro de 2007 e contemplada com uma bolsa de Iniciação Científica
(BIC/FAPERGS) vigindo de 2008-2010. Nos primeiros seis meses re-organizamos o
projeto tendo em vista que os conselheiros tutelares que seriam objeto/objetivo na
pesquisa, eleitos no final de 2007, não mantiveram o acordo feito por suas antecessoras.
Assim, com a participação da Rede, partimos das políticas ali inseridas para a
investigação tendo três questões prévias: (1) O que são violações de direitos?, (2) Que
direitos são violados naquela política específica?, (3) Quais são os encaminhamentos
dados para e a partir do Conselho Tutelar?.
Nossa pesquisa inscreve-se como qualitativa e participante (Brandão, 1985) uma
vez que (re)construímos a metodologia com os sujeitos da Rede. Iniciada por
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observações amplas e depois observações focadas, com questões amplas para um
diálogo/vínculo inicial – conteúdo sobre o qual trabalhamos neste artigo. E, a partir da
análise das observações, recortemos uma mostra significativa das políticas de Educação,
Saúde e Assistência Social para, por fim, proceder a entrevistas estruturadas. Nas
observações, fez-se uso de registros fotográficos e de áudio, nos espaços de políticas
sociais com assento na Rede e baseamo-nos na concepção de observação participante
(André, 1995) “o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação
estudada, afetando-a e sendo por ela afetado”. Para a entrevista estruturada, pautamos as
três questões acima referidas, aos sujeitos sociais inseridos nas políticas representadas
na Rede.
De forma articulada, realizamos a ação de extensão “FORMAÇÃO NA REDE:
INTERFACES NAS AÇÕES DE PROTEÇÃO INTEGRAL A INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E FAMÍLIA”,
demandada pela Rede no acordo da pesquisa, como um processo formativo em serviço.
Discutindo o marco regulatório do sujeito de direitos, estudando o livro “Conselhos
participativos e escola” (Sheinvar e Algebaile, 2005) e problematizando concepções,
práticas e encaminhamentos sobre violações de direito apontadas na pesquisa. Buscando
aproximações com o diálogo freireano, partimos das concepções e práticas do grupo,
problematizando-as e tencionando para a produção de novas concepções e práticas.
Formação que, também se constitui em empiria da investigação desenvolvida
por Guterres e Trindade. Na formação e na pesquisa nos espaços institucionais, as
estudantes bolsistas elaboraram memórias e diário de campo para registro e descrição
dos espaços observados, reconstituindo elementos acerca de violações de direitos;
material tomado para esta análise.
EMERGÊNCIAS DESDE O CAMPO
Sujeito de direitos? Infância e Adolescência em situação de vulnerabilidade social.
Esses sujeitos de direitos, infanto-juvenis que, a partir do (Estatuto da Criança e do
Adolescente) ECA, consideramos crianças na faixa etária de zero aos 12 anos e incompletos e
adolescentes na faixa dos 12 aos 18 anos incompletos. Cuja realidade material vem implicando
em múltiplas e sucessivas violações de direitos e, que, nomeados em situação de
vulnerabilidade social, constituem-se em objeto de políticas sociais, quer como política de
Estado quer como política de governo. Como ‘metas’, ou seja, quantitativo de atendimento, a
despeito das condições qualitativas para este, constituem os sujeitos alvo da proteção na Rede
que analisamos.
Em cidades de médio e grande porte e, também, nas esferas estaduais e federal, a vida
dos infanto-juvenis vulnerabilizados pela precariedade das políticas de Estado são alvo de uma
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miríade de projetos e programas na forma de políticas de governo. Porto Alegre não foge à
regra, desde a municipalização da assistência social, crescem as ações que visam a proteção
integral. Nesta escrita, dialogaremos com duas destas políticas: o SASE (Serviço de Apoio
Socioeducativo) que prioriza crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos, e o TE (Trabalho
Educativo) cuja atenção está nos adolescentes entre 14 e 18 anos incompletos. Um e outro
realizam-se em espaços não-escolares, no turno inverso da escola, visando à permanência na
escola, bem como a construção de um projeto de vida daqueles que são atendidos nesses
programas.
A descrição feita por Guterres, a partir de um prontuário que pode acessar em uma das
instituições de atendimento, dá significado à miséria moral a que estão submetidas parte das
famílias sem-direitos, dos sujeitos de direitos.
(...) na história pregressa há relatório de múltiplas abordagens da equipe e do
Conselho Tutelar: mãe (HIV/AIDS, Tuberculose), pai (HIVAIDS, drogadição),
5 filhos (C., L., F., A. e R.). 1997 – 1º encaminhamento ao CT feito pela tia das
crianças: crianças em situação de rua, agressão psicológica familiar, negligência
na área da educação, violência da convivência familiar e comunitária. (...)
Vários encaminhamentos e intervenções do CT. Aplicação de medida
socioeducativa, encaminhamento a programa oficial e/ou comunitário de
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras – Cruz Vermelha, Porto Alegre.
Família inserida nos programas de família e escola. Situações de negligência,
rua-sobrevivência, rua-moradia, violações de direitos em inúmeras instâncias.
C., L., F. e R inseridos sem adesão no SASE, assistente social diz que o trabalho
e os atrativos da ruas estavam sendo mais intensos do que suas freqüências no
SASE. 2004 – todos receberam passe livre para freqüentarem o SASE, mas não
apareceram mais nessa instituição. R. preferia ficar na rua do que “preso” no
SASE. Inseridos sem adesão na escola. Essas crianças eram vistas nos ônibus à
noite, na rua, na Redenção.
(...) inúmeras anotações entre 2004 e 2006
2006 – perda de poder familiar. Família encaminhada a um abrigo na
comunidade. Não se adaptam e voltam à situação de rua.
2007 – todos são abrigados, apenas A permanece. Crianças abordadas
sistematicamente em 2007.
2008 – inserção no política. C. em situação de mendicância nas ruas. O menino
diz que tem 4 irmãos e estudava na 1ª série – pela manhã ia para o SASE. F.
encaminhado ao Conselho Tutelar por situação de rua/moradia. L. e C. são
abordados. L. aceita internação para deixar de lado o uso das drogas.
C.: Ficaram sem notícias dele. (...) R. encaminhado e inserido na FASE,
portando drogas em quantidade de repasse. Medida Socioeducativa. L. retorna
para o abrigo pós-tratamento.
Famílias cujo direito ao trabalho, à moradia, à saúde à escola, ao lazer, à
cultura... quantos são os vilipêndios em que estão imersas as famílias brasileiras?
Quantas privações? Aos 21 anos de Constituição cidadã, nem mesmo os direitos
inscritos, e sabidamente como retrocesso ao que propunham os movimentos sociais à
época, vem sendo assegurados. O Art. 7, inciso IV, (Dos Direitos Sociais) que trata do
salário mínimo é representativo da potente violação de direitos que vive a fração do
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povo brasileiro cujo modo de reprodução da vida está pautado pela exploração de sua
força de trabalho. A drogadição, como outras doenças, não representam aqui uma
condição de resistência à multiplicidade de violações de direitos? Violações estas que
fragilizam a produção de projetos de vida. Que expectativas podem ter pais-mães,
adultos referência quando não conseguem se quer alimentar sua prole?
Em um dos relatos de campo Guterres diz quem são os infanto-juvenis atendidos
pela Rede.
em sua maioria são afro-brasileiros, se pensarmos nesse recorte étnico-racial
notaremos que esse é o grupo que se encontra em intensa situação de
vulnerabilidade, ainda podemos historicizar para não esquecermos o porque de
uma certa população encontrar-se em extrema situação de não-acesso a um
direitos social como a moradia apropriada a uma vida digna.
Pobres, trabalhadores, afro-brasileiros, por séculos sem direitos, e
contemporaneamente acumulando espoliações de direitos. Retomo outra passagem do
diário...
acabei sentando do lado do professor nesse momento de “pátio”, o qual acabou
comentando-me (desabafando) como eram esses sujeitos infanto-juvenis a 6
meses atrás, quando ele ingressou nesse trabalho. Elas faziam guerra de comida
no refeitório. Não havia regras claras para elas, agora é diferente comentou-me.
(educador/a de SASE)
Expressa alguma contradição quem vive sem-comida, fazer guerra de comida
quando a tem? Ou que vive sem-direitos ter ‘dificuldade’ de se adequar a regras? E
como será que são (im)postas as regras, via de regra, ao sujeito infanto-juvenil? Em
outro SASE que trabalhamos, em que pese a totalidade das crianças e adolescentes
atendidos ser afro-brasileiros e não se declararem católicos, tinha como ‘regra’ rezar o
pai-nosso antes das refeições. Qual é o sentido? Não constitui mais uma violação de
direitos uma política para o público com recursos públicos, impor uma crença?
De volta ao diário de campo, com Guterres transcrevendo a conversa com um/a
educador/a
tive a possibilidade de ir na casa dessas crianças e adolescentes que moram
muito próximo dessa instituição. Para entrar aonde eles moram é muito difícil.
Alguns, grande maioria, moram em uns becos que só entra uma pessoa. É
horrível. As casas deles são umas malocas (maloquinhas). Às vezes dá para
entendê-los... dormem 2 ou 3 pessoas em uma mesma cama, sendo a cama
ocupada por aqueles que chegam primeiro... (educador/a de SASE)
tem um menino “aquele” (mostrou-me discretamente o educando), que era
agredido pelo seu padrasto e sua mãe resolveu deixá-lo morando com a sua avó.
Ele tem os dois dentes da frente quebrados pelo seu padrasto. Um outro
educando, mostrou-me e disse que era filho de uma mãe que é traficante, esse é
a mesma profissão da mãe de uma outra crianças que não havia até o mês de
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março, ainda sido matriculada na escola, assim a iniciativa da instituição foi
chamar a responsável para que ela fizesse a matricula de seu filho. A instituição
frisou que se a criança não está na escola, ela não tem o direito do freqüentar o
SASE. (educador/a de SASE)
Outra vez, mostras incontestes da violência do Estado contra a classe
trabalhadora brasileira: a crueldade de não ter moradia digna; a violência familiar e o
tráfico como emprego (e como não?); a inscrição das famílias como em situação de
vulnerabilidade social, que possibilita inserção em uma política social. E, ao mesmo
tempo, o impedimento por não cumprir condicionalidades, mas como cumpri-las?
Aqui não estaria explicitada uma dupla violação de direitos?
Inúmeras passagens do diário de Guterres materializam a vida do infanto-juvenil
atendido na Rede que estudamos, fecho o presente diálogo com uma situação-síntese de
violações,
deparei-me com um menino na frente dessa instituição, que estava realizando a
catação de materiais recicláveis, falei com ele que me disse ter 14 anos, estava
estudando no 5º ano, mas comentou que estava recolhendo aqueles materiais
para vender, pois a sua família precisava de dinheiro para visitarem o seu pai
em São Leopoldo.
A inserção precoce de crianças e desprotegida de adolescentes, marcas da
exploração do trabalho infanto-juvenil segue sendo criminosa violação do direito a
desfrutar infância e adolescência, escolarizando-se, brincando, adolescendo... esmaecida
por elementos de cultura e pobreza. Na comunidade com a qual trabalhamos, além da
exploração sexual (abuso), o trabalho infanto-juvenil como avião ou olheiro do tráfico
de drogas, na catação de lixo seco (resíduos sólidos), exploração sexual e comercial, o
trabalho doméstico e o trabalho domiciliar são expressões contundentes de uma vida de
menor para o sujeito de direitos.
Trindade nos traz elementos importantes para refletir sobre a relação com o CT,
segundo uma gestora entrevistada, a relação é bastante complicada porque o conselho
encaminha crianças e ‘exige’ que a instituição disponha de vagas imediatamente, o que
não é tão simples assim. Quando é a instituição que encaminha crianças a resposta tarda
demasiadamente para chegar, um encaminhamento de suspeita de abuso de uma criança
de três anos, feito em 23/09 de setembro, em 29/10 ainda não havia retorno.
Outra situação delicada que Trindade relata é um manejo dado quando a ex-
presidente da instituição, era conselheira e encaminhava crianças para a instituição (que
coordenava) sem relatar nada, sem dizer o motivo do encaminhamento. E, ainda sobre o
CT, os conselheiros encaminham o atendimento para outro conselheiro. Dizem que o
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problema não é da sua área de atuação.
Quando refere a uma ONG pesquisada, revela a cobrança de taxa “sessenta e
cinco reais, mas (...) “cada caso é caso”, (...) ocorrem muitas exceções como crianças
que pagam dez, vinte, etc.”. A cobrança é justificada “(...) se o atendimento é gratuito as
famílias não valorizam o trabalho da instituição”. No entanto, a instituição recebe
recurso público em acordo com as metas que atende! E “uma grande quantidade de
pessoas prestam trabalho voluntário em diversas áreas como informática, capoeira,
inglês e na diretoria na ONG”. Ou seja, nesta política de governo, um setor privado
recebe recurso público para prestar atendimento ao público, cobra deste público e ainda
garante trabalho não-remunerado, consagrado como voluntário.
Trouxemos aqui uma breve síntese analítica da precariedade das condições de
vida dos sujeitos infanto-juvenis e algumas peculiaridades da Rede de Proteção que
vulnerabilizam-na na garantia de direitos, a seguir ampliamos a discussão sobre esta
explícita contradição.
Rede de proteção e Garantia de Direitos
Sheinvar (2005, 2008a e 2008b) analisa as relações entre conselho participativos
e a escola, enfatizando demandas, formas de intervenção, e sentidos de cidadania e
garantia de direitos expressas no atravessamento destes dos equipamentos sociais, os
trabalhos que temos realizado ratificam na empiria algumas análises da pesquisadora.
O ECA, como expressão articuladora da proteção integral, implicado no
processo de democratização das políticas sociais, potencializador da descentralização no
atendimento ao infanto-juvenil, tem sido expressão de lacunas, de rupturas quer nas
possibilidades de avanço de práticas coletivas, quer no comprometimento de uma rede
que atenda, com qualidade, demandas indutoras de materialidade a condição de sujeito
de direitos. Avistamos rupturas nas relações entre os conselhos (tutelar, da escola e de
direitos) e a Rede de Proteção; é possível detectar um sentido de tutela às crianças e aos
adolescentes, se não por outro motivo, pela ausência deste sujeito nos espaços de
representação; a precariedade da rede de atendimento e da participação desta na Rede de
Proteção oferece pistas de encaminhamentos individualizados a partir de uma política
social, de uma instituição, sem necessariamente, passar pela Rede de Proteção – há um
descompasso entre rede de atendimento e rede proteção, produzindo (in)visibilidade de
uma e frágil representatividade da outra .
A Rede que se instituiu no escopo da proteção integral à criança e ao
adolescente, voltada para superações coletivas através da mobilização das comunidades:
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Grande Cruzeiro, Medianeira e Santa Tereza, Glória e Cristal. Articulando Associações
Comunitárias, Associações de Moradores; Conselho Tutelar; Creches, Escolas de
Educação Infantil, Escolas de Ensino Fundamental e Médio; Unidades de Saúde5;
Programas da Assistência Social6; projetos de cultura, esporte e lazer; Ministério
Público; Juizado da Infância e da Juventude; Defensoria Pública; DECA (Delegacia
Especial da Criança e do Adolescente), e sociedade em geral, nos encaminhamentos e
soluções dos problemas detectados em reuniões quinzenais.
Que, como as demais redes, constitui-se em estratégia indispensável à garantia
de proteção integral ao infanto-juvenil, tendo como princípio de organização um
trabalho coletivo de representantes das políticas sociais. Onde reivindicam, deliberam,
executam políticas, e constroem instrumentos para assegurá-los, quando não são
efetivados ou estão sendo violados os direitos dos sujeitos infanto-juvenis. Um espaço
geopolítico articulado em torno das políticas sociais, de um lado, como políticas
públicas de Estado e, de outro, como políticas de governo realizadas no escopo da
reforma do Estado pelo repasse de recurso público para setores não estatais (Peroni,
2006). Uma política para o público, mas não mais uma política pública.
A Rede que tomamos como objeto para construir a problemática de que as
políticas sociais, como lócus de disputa entre políticas de Estado e políticas de
governos: as primeiras representadas pela Educação e Assistência Social (porque nosso
diálogo privilegia essa interface), constituídas pela legislação pós-Constituição de 1988,
ECA (1990), LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996)) e LOAS
(Lei Orgânica da Assistência Social, 1993), com fundo público definido e conselhos de
controle social; e as políticas de governo, constituídas da miríade de ações atravessadas
pelo setor não-governamental, exacerbadas pelo modo neoliberal de gestão do Estado
que, ao precarizar, justifica a privatização do público. Não se trata de supervalorizar o
Estado, menos ainda de desvalorizar a sociedade civil, mas de focar, num e na outra,
concepções e práticas que radicalizem a esfera pública, o que é dizer universalizem com
qualidade social o atendimento, no caso aqui, de crianças, adolescentes e suas famílias,
cujo extrato de pertencimento é a classe trabalhadora.
Como um espaço-tempo de possível fragilidade da proteção integral à infância, à
adolescência e à família, tendo em vista o esgarçamento de seus fios condutores, quando
agentes das políticas de governo ao invés de exercer o controle social das políticas de
Estado sustentadoras do sujeito de direitos, tornam-se prestadores de serviço dos
governos. Assim, quem exercerá o controle das ações e o controle social das políticas?
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Quem tencionará o Estado pela ampliação com qualidade social das políticas públicas?
Scheinvar (2008b) levanta a hipótese de que práticas do conselho tutelar
fortaleçam a jurisdicialização no campo da Assistência Social e, como efeito da
expansão desta para o terreno da escola, ter tornado a escola mais um espaço
jurisdicional que de diálogo e invenções. A partir de autores como Donzelot, Chauí,
Telles, Linhares entende que este processo não é um acontecimento isolado,
mas uma rota política que o esvaziamento das políticas públicas, a privatização
da área social, o enfraquecimento do movimento social reivindicativo, o
fortalecimento dos movimentos messiânicos e das práticas caritativas vêm
fortalecendo, distanciando-se do ideal de ter no conselho tutelar uma
organização política participativa e reivindicativa.
O CT como integrante da Rede e as práticas desta nos permitem aproximar estas
compreensões. Os estudos da pesquisadora apontam que a criminalização e a
menorização do tratamento de operadores da proteção integral contrapõe-se à legislação
que anunciava o afastamento da área jurídica, ao mesmo tempo em que potencializava
formas luta em defesa da infância e da adolescência. A recorrência com que assistimos
gestoras imputando responsabilidades às trabalhadoras, trabalhadoras culpabilizando
famílias, famílias violentadas e violadoras, crianças e adolescentes alvo de violências e
violentos... nos 21 anos da Constituição de 1988 e 18 anos do ECA há empiria para
corroborar o alerta de Wacquant, de que ao invés de um Estado social avançamos em
direção de um Estado policial.
INTERFACES NAS AÇÕES DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA, À ADOLESCÊNCIA E À
FAMÍLIA EM UMA REDE DE PROTEÇÃO
A compreensão fenômeno material social violação de direitos, implica apreendê-
la como síntese de múltiplas determinações (Marx, 1982). Assim, nesta análise das
observações feitas, pontuamos algumas mediações: infância e adolescência em situação
de vulnerabilidade social, conselho tutelar e rede de proteção, políticas sociais como
políticas de Estado ou como políticas de governo. Particularidades que podem ser
expressas como categorias simples e historicizadas como totalidades que, em nova
composição, como interfaces nas ações de proteção integral, materializam as violações
de direitos na Rede estudada.
Para haver a interface das ações de proteção integral articulando a Rede e o CT,
são necessárias políticas sociais destinadas ao infanto-juvenil, já previstas no marco
regulatório. Ocorre que a democracia burguesa vem sendo implementada em tempos de
gestão neoliberal no aparelho de Estado, acarretando o enxugamento das políticas
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públicas de Estado asseguradas como direitos sociais desde o contrato Constituinte, bem
como o Estado de Direito. Na medida em que o Estado abre mão do papel de executar
políticas públicas garantidas no marco legal, a sociedade civil – quer na forma de
movimentos sociais, ONGs e/ou terceiro setor – ao invés de fazer o controle social,
executa políticas de governo, comprometendo seu papel nos fóruns e conselhos que
compõem.
Dois conceitos emergem como categorias analíticas que explicitam essa a
fragilidade da Rede como proteção e potencializam violações: rede (in)visível e dupla
violação de direitos. A invisibilidade constitui-se na medida em que há uma rede de
atendimento que recebe encaminhamentos da microrregião 5 por fora da Rede de
proteção. A dupla violação pode encontrar materialidade quando as políticas propostas
para atender quem está definido com em situação de vulnerabilidade, fica outra vez
vulnerável pela precariedade das condições de atendimento, mantendo violações.
À guisa de conclusão podemos indicar que no escopo do desenvolvimento
desigual e combinado (Trotsky, 2003), numa formação social de capitalismo dependente
(Fernandes, 1975), na contemporaneidade da acumulação flexível (Harvey, 2003)
fortemente atravessada pela forma de despossessão (Harvey, 2004) tanto os agentes das
políticas sociais quanto os sujeitos crianças, adolescentes, jovens e adultos atendidos
por estas políticas estão submetidos a uma vida provisória sem prazo (Frigotto, 2009).
Os primeiros, dependentes da forma de frente de trabalho que estruturam os
projetos/programas sociais, os demais manietados por bolsas, projetos e programas que
quando atendem as condicionalidades são contemplados ainda que de forma precária,
mas há um tênue limite entre dispositivos de proteção e novas formas de violação.
Para não dizer que deixamos de falar de esperanças, importa registrar que como
dispositivo de participação popular, ao refletir sobre estes limites, na reunião de
encerramento em dezembro de 2009, a Rede constrói perspectivas de superação para os
impasses mapeados. Afirma a imperiosidade de fortalecer as lutas pela garantia dos
direitos às crianças e adolescentes!
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1
Pesquisa realizada com apoio da FAPERGS, bolsa IC e ARD (Auxílio Recém-doutor) e da FAPERJ, em
nível nacional à pesquisa associada à investigação “Estatuto da Criança e do Adolescente: Dispositivo de
Intervenção na Área da Infância e da Adolescência” coordenada pela Profª Drª Estela Scheinvar (UERJ).
2
Professora Adjunta, na área da EJA (Educação de Jovens e Adultos), coordenadora do NIEPE-EJA,
grupo cadastrado no diretório do CNPq. Integrante do TRAMSE no PPG EDU/UFRGS.
3
Professora da Rede Municipal de Porto Alegre, acadêmica do curso de Pedagogia na FACED/UFRGS,
bolsista de Iniciação Científica BIC/FAPERGS, agosto 2008 a julho 2009, na pesquisa “Interfaces nas
Ações de Proteção Integral à Infância, à Adolescência e à Família: a Rede de Proteção da Micro 5 em
Porto Alegre, RS”. Atuando como voluntária na pesquisa desde sua nomeação como professora na
Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre
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Acadêmica do curso de Pedagogia na FACED/UFRGS, bolsista de Iniciação Científica BIC/FAPERGS,
agosto 2009 a julho 2010, na pesquisa “Interfaces nas Ações de Proteção Integral à Infância, à
Adolescência e à Família: a Rede de Proteção da Micro 5 em Porto Alegre, RS”.
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NASCA (Núcleo de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente), PSF (Programa de Saúde Familiar)
e UBS (Unidade Básica de Saúde) representados na REDE; e PAIGA (Programa de Atenção Integral à
Gestante Adolescente) e CRAE (Centro de Referência ao Atendimento Infanto-Juvenil, vítimas de abuso
sexual) ações voltadas ao infanto-juvenil em situação de vulnerabilidade.
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SASE (Serviço de Apoio Sócio-educativo), NASF (Núcleo de Apoio Sócio Familiar), PAIF (Programa
Nacional de Atendimento à Família), PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), PEMSE
(Programa Municipal de Execução de Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto) e Ação Rua
representados na REDE; há outros nove programas constituídos para essa população infanto-juvenil,
disponibilizados em nível municipal, em esfera federal (Bolsa Família, por exemplo), ou localizados.