1) O autor critica as alterações propostas ao currículo escolar pelo Ministério da Educação, afirmando que privilegiam a transmissão de conhecimentos em detrimento do desenvolvimento das crianças.
2) Ele argumenta que o currículo proposto é desequilibrado e focado em rentabilidade, o que pode produzir pessoas "amputadas".
3) O autor defende que o currículo deve valorizar diversas dimensões da formação dos alunos, como artes, formação cívica e compreensão do mundo.
1. OPINIÃO Um currículo desequilibrado
Manuel Pinto
Professor da Universidade do Minho
Está em consulta pública um despacho do minis- que designa por “versões extremas de algumas
tro da Educação que introduz alterações substan- orientações pedagógicas”, para contrapor uma
tivas no currículo dos alunos dos ensinos básico versão que tem, afinal, tanto de “extremo” como
e secundário. Uma matéria desta natureza não a que tem vigorado, ao pôr a ênfase na “trans-
é, seguramente, secundária e mereceria a maior missão de conhecimentos”, “aquisição de infor-
atenção de todos os atores do sistema educativo, mação”, “desenvolvimento de automatismos”,
incluindo os media. Contudo, o debate sobre os memorização” e objetivos “claros, precisos e
planos de Nuno Crato tem sido mensuráveis”. Sem ques-
escasso e mais centrado em Aquilo que se inscreve ou tionar a importância destas
PÁG. efeitos e danos colaterais do
exclui da aprendizagem dos dimensões, o desprezo pe-
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que na matéria em si (filoso- los processos de ensino e de
fia e conteúdo das alterações alunos assume um carater aprendizagem, pelos contex-
pretendidas). Fora os receios claramente político, na tos, pelos ritmos diferencia-
sindicais de que as medidas medida em que constitui a dos, em suma, pelas pessoas
visem sobretudo a redução iniciação das gerações mais que moram nos professores e
dos docentes, as preocupações
novas à vida da polis. Nesse nos alunos pode tornar estas
oficiais parecem centrar-se na orientações o reverso de um
gestão do novo figurino, pers- sentido, seja-me permitido “eduquês” carregado de riscos
petiva em que bastariam as manifestar a grande para o futuro.
sessões de esclarecimento com preocupação com que li Há ali, ainda, desvalorização
os diretores de escolas. o despacho ministerial da autonomia das escolas na
Um assunto destes exigiria que definição de componentes le-
atualmente em debate.
os especialistas do currículo se tivas e não letivas do currí-
pronunciassem. Mas não só. culo, bem como desprezo por
Aquilo que se inscreve ou exclui da aprendiza- tudo o que tem que ver com artes, com forma-
gem dos alunos assume um carater claramente ção cívica e com a compreensão do mundo atual.
político, na medida em que constitui a iniciação Um currículo assim, desequilibrado e de formato
das gerações mais novas à vida da polis. Nesse único, orientado para a rentabilidade e para o
sentido, seja-me permitido manifestar a grande mercado, só pode fabricar pessoas amputadas de
preocupação com que li o despacho ministerial dimensões fundamentais na sua formação. Teme-
atualmente em debate. se que o Ministério desconheça a realidade dos
O seu preâmbulo preconiza a rutura com aquilo alunos reais que frequentam hoje as escolas.
para podermos ter em Portugal um ensino de exce-
Educar é um risco lência.
A Renascença debate esta semana o tema da edu- Contribuir para o debate público sem tabus é o que
cação. a Renascença, em colaboração com o Fórum para
O ponto de partida é a proposta de revisão curricu- a Liberdade de Educação, se propõe esta semana
lar que o Ministério da Educação apresentou para o fazer. Para isso, pedimos a atenção e o contributo
ensino básico e secundário. dos nossos ouvintes, porque a educação dos nossos
Num tempo de crise e dificuldades, o país precisa, filhos é o maior investimento que podemos e deve-
mais do que nunca, de qualificar as novas gerações, mos fazer e essa é a grande razão pela qual não se
para que Portugal possa vir a ter um futuro bem deve partir para este debate com preconceitos ou
mais promissor do que aquela que tem sido a nossa ideias feitas.
realidade. Educar é sempre um risco, mas é um risco que, sem
Voltar ao essencial e acabar com a dispersão em dis- dúvida, vale a pena correr.
ciplinas consideradas menos importantes é a ideia
fundamental apresentada pelo ministro, mas há
quem considere que o nosso sistema de educação
precisa de muito mais do que agora está em jogo,
Raquel Abecasis
r/com renascença comunicação multimédia, 2012