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OPINIÃO
03
PÁG.
Déjà vu!
Era uma vez um país que, cansado de anos a
fio de frases, revoluções e tiros, decidiu fa-
zer uma Regeneração para ser “europeu”.
Chamava-se Portugal e corria o ano de 1851.
Saldanha serviu de espada a uma nova geração
de homens prosaicos e positivos, para quem o
comboio valia mais do que uma
constituição e de que o maior
expoente seria o jovem e jano-
ta engenheiro Fontes Pereira de
Melo. Como o país era pobre,
Fontes nunca teve dúvidas de
que o “fomento” só poderia ser
“derramado” através de gene-
rosos empréstimos estrangei-
ros, concedidos pelas potências
europeias a partir da década de
1850, quando estas acreditaram
que Portugal estava liberalmen-
te crescidinho e oferecia boas
perspectivas de investimento
e de comportamento. Bem ala-
vancado com os dinheiros de
Londres ou Paris, o fontismo foi
um keynesianismo avant la let-
tre: o Estado (ou seja, o gover-
no) multiplicou pelo país estra-
das, pontes, comboios, faróis,
um sistema de funcionalismo e
algumas fábricas e escolas que
fizeram do período da Regene-
ração, na segunda metade de
Oitocentos, uma época de indesmentível cres-
cimento. Alexandre Herculano foi dos poucos
que avisou logo, ainda a festa estava a come-
çar, que aos “melhoramentos materiais” ha-
veria que juntar os “melhoramentos morais”
(educação, cultura, qualificação profissional),
e a esquerda monárquica lá foi fazendo car-
reira com o ocasional protesto contra o cré-
dito desnacionalizador – embora, chegada ao
governo, continuasse a pedir emprestado. A
“civilização”, como depois escreveria Eça de
Queirós n’ “Os Maias”, vinha-nos de fora, era
caríssima e ficava-nos “curta nas mangas”. A
festa durou até que a torneira europeia en-
trou em crise, com a falência de bancos que
costumavam emprestar a Portugal, causando
uma brutal contracção interna. Descobriu-se
então em quanto ia a factura. De 1851 para
1890, a dívida pública mais do que quintupli-
cara e nos últimos anos da década de 1880 o
défice de execução orçamental duplicara. Com
os credores à porta e incapaz de se financiar,
Portugal teve de declarar a
bancarrota em 1892, iniciando
uma espiral de divergência em
relação à Europa que cavou um
sulco de atraso nacional duran-
te grande parte do século XX.
Num ápice, a euforia regenera-
dora transmutou-se em amargu-
rados diagnósticos de decadên-
cia e “finis patriae”. Quando se
olhava para trás, reconhecia-
se que o país mudara muito e
para melhor; mas lamentava-se
que não tivesse mudado de ma-
neira mais sustentada e que o
progresso, posto que indesmen-
tível, não parecesse poder re-
sistir ao abalo sério da crise do
ultimato e do final do século.
Lembrei-me desta época da his-
tória nacional ao ler sobre as
conclusões do estudo realiza-
do pela equipa de Augusto Ma-
teus para a Fundação Francisco
Manuel dos Santos sobre os 25
anos de Portugal na CEE/UE. Se
substituirmos 1851 por 1986, o fontismo pelo
cavaquismo (ou pelo guterrismo, barrosismo,
socratismo e etc.), e a crise de 1890-92 pela
de 2011-13 temos a medida do quanto alguma
cultura histórica teria feito falta aos deciso-
res que nos governaram nos últimos 25 anos.
Como Karl Marx um dia escreveu, a história
acontece a primeira vez como tragédia e a se-
gunda como farsa. A catástrofe que arruinou
o fontismo foi uma tragédia que o século XX
levou décadas a pagar; ainda estamos para sa-
ber quanto nos vai custar, no bolso e em anos,
a farsa. Entendamo-nos: estamos melhor ago-
ra do que em 1985; o que dói é pensar quão
melhor poderíamos e deveríamos estar nesta
Regeneração mais recente.
Se substituirmos 1851
por 1986, o fontismo
pelo cavaquismo (ou
pelo guterrismo,
barrosismo,
socratismo e etc.),
e a crise de 1890-
92 pela de 2011-13
temos a medida do
quanto alguma cultura
histórica teria feito
falta aos decisores que
nos governaram nos
últimos 25 anos. Como
Karl Marx um dia
escreveu, a história
acontece a primeira
vez como tragédia e a
segunda como farsa
José Miguel Sardica
Professor da Universidade Católica Portuguesa
r/com renascença comunicação multimédia, 2013

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Comparação entre a Regeneração do século XIX e a adesão à UE

  • 1. OPINIÃO 03 PÁG. Déjà vu! Era uma vez um país que, cansado de anos a fio de frases, revoluções e tiros, decidiu fa- zer uma Regeneração para ser “europeu”. Chamava-se Portugal e corria o ano de 1851. Saldanha serviu de espada a uma nova geração de homens prosaicos e positivos, para quem o comboio valia mais do que uma constituição e de que o maior expoente seria o jovem e jano- ta engenheiro Fontes Pereira de Melo. Como o país era pobre, Fontes nunca teve dúvidas de que o “fomento” só poderia ser “derramado” através de gene- rosos empréstimos estrangei- ros, concedidos pelas potências europeias a partir da década de 1850, quando estas acreditaram que Portugal estava liberalmen- te crescidinho e oferecia boas perspectivas de investimento e de comportamento. Bem ala- vancado com os dinheiros de Londres ou Paris, o fontismo foi um keynesianismo avant la let- tre: o Estado (ou seja, o gover- no) multiplicou pelo país estra- das, pontes, comboios, faróis, um sistema de funcionalismo e algumas fábricas e escolas que fizeram do período da Regene- ração, na segunda metade de Oitocentos, uma época de indesmentível cres- cimento. Alexandre Herculano foi dos poucos que avisou logo, ainda a festa estava a come- çar, que aos “melhoramentos materiais” ha- veria que juntar os “melhoramentos morais” (educação, cultura, qualificação profissional), e a esquerda monárquica lá foi fazendo car- reira com o ocasional protesto contra o cré- dito desnacionalizador – embora, chegada ao governo, continuasse a pedir emprestado. A “civilização”, como depois escreveria Eça de Queirós n’ “Os Maias”, vinha-nos de fora, era caríssima e ficava-nos “curta nas mangas”. A festa durou até que a torneira europeia en- trou em crise, com a falência de bancos que costumavam emprestar a Portugal, causando uma brutal contracção interna. Descobriu-se então em quanto ia a factura. De 1851 para 1890, a dívida pública mais do que quintupli- cara e nos últimos anos da década de 1880 o défice de execução orçamental duplicara. Com os credores à porta e incapaz de se financiar, Portugal teve de declarar a bancarrota em 1892, iniciando uma espiral de divergência em relação à Europa que cavou um sulco de atraso nacional duran- te grande parte do século XX. Num ápice, a euforia regenera- dora transmutou-se em amargu- rados diagnósticos de decadên- cia e “finis patriae”. Quando se olhava para trás, reconhecia- se que o país mudara muito e para melhor; mas lamentava-se que não tivesse mudado de ma- neira mais sustentada e que o progresso, posto que indesmen- tível, não parecesse poder re- sistir ao abalo sério da crise do ultimato e do final do século. Lembrei-me desta época da his- tória nacional ao ler sobre as conclusões do estudo realiza- do pela equipa de Augusto Ma- teus para a Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre os 25 anos de Portugal na CEE/UE. Se substituirmos 1851 por 1986, o fontismo pelo cavaquismo (ou pelo guterrismo, barrosismo, socratismo e etc.), e a crise de 1890-92 pela de 2011-13 temos a medida do quanto alguma cultura histórica teria feito falta aos deciso- res que nos governaram nos últimos 25 anos. Como Karl Marx um dia escreveu, a história acontece a primeira vez como tragédia e a se- gunda como farsa. A catástrofe que arruinou o fontismo foi uma tragédia que o século XX levou décadas a pagar; ainda estamos para sa- ber quanto nos vai custar, no bolso e em anos, a farsa. Entendamo-nos: estamos melhor ago- ra do que em 1985; o que dói é pensar quão melhor poderíamos e deveríamos estar nesta Regeneração mais recente. Se substituirmos 1851 por 1986, o fontismo pelo cavaquismo (ou pelo guterrismo, barrosismo, socratismo e etc.), e a crise de 1890- 92 pela de 2011-13 temos a medida do quanto alguma cultura histórica teria feito falta aos decisores que nos governaram nos últimos 25 anos. Como Karl Marx um dia escreveu, a história acontece a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa José Miguel Sardica Professor da Universidade Católica Portuguesa r/com renascença comunicação multimédia, 2013