Modelos de Desenvolvimento Motor - Gallahue, Newell e Tani
Veredas da Palavra (Volume 1) - Roberta Hernandes e Vima Lia Martin.pdf
1. Língua Portuguesa - Ensino Médio
Veredas
da Palavra
Roberta Hernandes •Vima Lia Martin
1
Manual do
Professor
2. Roberta Hernandes
Licenciada, bacharela e mestra em Letras. Doutora em
Letras (área de concentração em Literatura Brasileira)
pela Universidade de São Paulo (USP). Há vinte anos é
professora de Língua Portuguesa em escolas das redes
pública e particularda cidade de São Paulo. Atualmente
é professora de Literatura e coordenadora de Língua
Portuguesa na rede particularde ensino.
Vima Lia Martin
Licenciada, bacharela e mestra em Letras. Doutora em
Letras (área de concentração em Estudos Comparados
de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade
de São Paulo (USP). Pordez anos, foi professora de
Língua Portuguesa na Educação Básica. Atualmente é
professora do curso de Letras da USP.
1
Língua Portuguesa - Ensino Médio
Veredas
da Palavra
Roberta Hernandes •Vima Lia Martin
1ª edição
São Paulo • 2016
Manual do
Professor
4. ApresentAção
C
aro aluno,
este livro vai acompanhá-lo em muitos momen-
tos. por isso, ao escrevê-lo, buscamos usar uma
linguagem acessível, escolher textos motivadores e de
gêneros variados (por vezes apresentados em diálogo
com obras de artes plásticas, fotografias) e propor
atividades interessantes para que você possa refletir
sobre o português – a língua que fala e com a qual es-
creve – e também sobre as literaturas que são escritas
nessa língua.
Um dos principais objetivos desta coleção é fornecer
subsídios para a melhor compreensão dos textos, es-
pecialmente os literários, pois acreditamos que a leitu-
ra da literatura é capaz de realizar mudanças notáveis,
fazendo de nós sujeitos mais sensíveis, éticos e criativos.
Assim, nossa proposta é que você conheça, de forma
sistematizada, não apenas as literaturas brasileira e
portuguesa, mas também as literaturas africanas de
língua portuguesa, pois seu estudo favorece a apreen-
são da diversidade e a descoberta do outro como ele-
mentos fundantes de nossa própria identidade.
esperamos que nosso trabalho possa de fato con-
tribuir para que você se torne um jovem cada vez mais
consciente e livre, capaz de refletir sobre o mundo que
o cerca e atuar positivamente em sua transformação.
Um grande abraço.
As autoras
Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
3
5. Conheça seu livro
O livro é estruturado em cinco Unidades, sendo cada uma delas dividida em quatro capítulos.
Conheça a seguir as seções, os principais boxes e os ícones que compõem este volume.
Leitura
Apresenta textos de diversos
gêneros pertinentes ao tema do
capítulo, contribuindo para a
construção do aprendizado.
para começar
Por meio da leitura de obras
de arte, charges, poemas, etc.
apresenta atividade(s) de
sensibilização para os temas
que serão tratados no capítulo.
Ampliação
Por meio da apresentação
de diferentes informações
complementares e pontos
de vista sobre elas, a seção
destina-se ao aprofundamento
das discussões propostas em
boa parte dos capítulos,
favorecendo a reflexão sobre
a atualidade.
AMPLIAÇÃO
Cada célula usa seis pontos em relevo dispostos em duas colu-
nas, o que possibilita a formação de 63 símbolos diferentes, utili-
zados em literatura nos diversos idiomas, na simbologia matemá-
tica e científica, na música e na informática. Para escrever, usa-se
uma placa de metal, na qual existem várias sequências de seis
pequenas cavidades. Sobre a placa de metal, fica o papel, que é
mais grosso que o normal, no qual são marcados alguns pontos
para formar um caractere. E um instrumento similar ao prego,
porém com a ponta arredondada, faz com que o papel não seja
furado, apenas marcado.
A forma de escrever é da direita para a esquerda e, quando o
papel é retirado da placa, deve ser virado, para que seja lido da
esquerda para a direita. Quando uma pessoa desliza a ponta do dedo
sobre o papel, sente os pontos e entende o que está escrito.
São chamadas cegas e surdas pessoas que não possuem, respectivamente,
nenhuma visão ou audição. A deficiência visual ou auditiva possui vários níveis,
o que implica diferentes graus de limitação. Considera-se deficiência auditiva
a perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibels (dB) ou mais.
• Em pequenos grupos, retomem as definições acima e reflitam sobre as condições que
sua escola e sua cidade oferecem para as pessoas com deficiência: elas têm condições
de frequentar escola, parques, bibliotecas, restaurantes? Há ofertas de trabalho que
contemplamossaberesdelas?Ouseja,essaspessoasestãosocialmenteintegradas?Em
caso positivo, indiquem as ações que possibilitaram essa integração. Em caso negativo,
listem algumas ações que poderiam ser postas em prática para alcançar esse objetivo.
Para refletir
Língua, cidadania e inclusão
Atualmente, a língua brasileira de sinais (Libras) e o braile têm sido cada vez mais usados para favorecer
a comunicação de pessoas surdas e cegas. Seu aprendizado e seu uso ampliam as possibilidades de comu-
nicação das pessoas com deficiência e favorecem seu acesso ao universo do conhecimento formal. A seguir,
saiba mais sobre como funcionam a Libras e o braile.
Libras
A Libras é bastante usada pela comunidade surda no Brasil.
Ao contrário do que muitos imaginam, a língua de sinais não é
simplesmente um apanhado de mímicas e gestos soltos que fa-
cilitam a comunicação entre surdos. É uma língua com estruturas
gramaticais próprias. Por isso, para conversar em Libras, não bas-
ta conhecer os sinais de forma isolada; é necessário combiná-los
em frases, obedecendo à estrutura própria dessa língua.
Cada país possui sua própria língua de sinais, que sofre in-
fluências das culturas nacionais e também possui regionalismos,
expressões que diferem de região para região, o que a legitima
ainda mais como língua.
Os sinais são formados pela combinação da forma e do mo-
vimento das mãos e do ponto no corpo ou no espaço onde esses
sinais são feitos. Veja ao lado uma campanha educativa realizada
com o uso de Libras.
Braile
O sistema braile é um código universal de leitura tátil e de escrita, usado por pessoas cegas. Foi desen-
volvido na França por Louis Braille, um jovem cego que aperfeiçoou um sistema de leitura no escuro, criado
por um oficial de guerra para ler mensagens durante a noite, em lugares onde seria perigoso acender a luz.
Desde 182õ, quando foi criado, impôs-se como o melhor meio de leitura e de escrita para as pessoas cegas.
Pablo
Blazquez
Dominguez/Getty
Images/Agência
France-Presse
Karin
Hildebrand
Lau/Alamy/Latinstock
Reprodução/AJA/UNESCO
Reprodução/Arquivo
da
editora
Foto 1: Michael C. Gray/Shutterstock; foto 2: v.s.anandhakrishna/Shutterstock; foto 3: A and N photography/Shutterstock; foto 4: Robert Daly/Getty Images
NoMuseudoPrado,naexposiçãoHoytocaelPrado,pessoacom deficiência
visualtocaemcópiadeumapinturadeElGreco.Madri,Espanha,2015.
Linguagens e interação 49
Capítulo 2
48
Atividades
Apresenta atividades e
questões criadas especialmente
para este livro ou retiradas
de vestibulares e do Enem, que
possibilitam uma espécie de
roteirização da leitura,
auxiliando o desenvolvimento
de capacidades leitoras.
Você vai, a seguir, acompanhar diferentes possibilidades de diálogo compa-
rativo entre textos verbais e visuais, que foram aproximados a partir de seus
temas. São seis atividades, cujas questões constituem-se como uma espécie de
guia para o olhar lançado sobre os textos.
1. Leia o poema “Arte de amar”, do escritor brasileiro Manuel Bandeira (1886-1968), e
a tela O beijo, do pintor austríaco Gustav Klimt (186ã-1918).
Texto 1
Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação,
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
BANDEIRA, Manuel. 50 poemas escolhidos pelo autor. São Paulo: Cosac Naify, ã006. p. 65.
Texto 2
O beijo. 1907/1908.
Gustav Klimt.
Óleo sobre tela,
180 cm × 180 cm.
Museu do Palácio
de Belvedere, Viena,
Áustria.
Reprodução/Museu
do
Palácio
de
Belvedere,
Viena,
Áustria.
a) O poema propõe uma divisão entre o corpo e a alma. Em que consistiria essa divisão?
b) Essa divisão entre corpo e alma corresponde à concepção de amor que circula co-
mumente em filmes e telenovelas atuais que enfocam relacionamentos amorosos?
c) A tela de Gustav Klimt representa um beijo. Que elementos visuais o pintor utili-
zou para destacar essa cena?
d) Analise comparativamente os dois textos: eles apresentam a mesma ideia sobre
a relação corpo/alma no amor?
Atividades
Capítulo 6
112
LEITURA
O poema que você vai ler foi escrito pelo poeta português António Ramos
Rosa (1924-2013). O texto faz parte de um livro intitulado Grito claro, publicado
em 1958.
Leia o poema para responder às questões propostas.
Poema dum funcionário cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola
do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.
ROSA, António Ramos. Poema dum funcionário cansado. Disponível em:
<www.astormentas.com/ramosrosa.htm>. Acesso em: 8 jan. 2016.
1. De que trata o poema?
2. Esse poema foi escrito num momento em que Portugal vivia sob a ditadura política
de António de Oliveira Salazar, período de regime autoritário e de censura, no qual
os escritores eram vigiados e não podiam se manifestar livremente. Com base nes-
se contexto, o que a “noite” e a atitude vigilante do “chefe” podem representar?
3. É possível afirmar que o poema faz uma denúncia da realidade histórica portugue-
sa durante o período ditatorial? Por quê?
António Ramos Rosa
(1924-2013) é considera-
do um dos maiores poe-
tas portugueses con-
temporâneos. Ganhou
vários prêmios literários
nacionais e internacio-
nais e foi indicado ao
Prêmio Nobel da Litera-
tura. Além de exercer
sua atividade como poe-
ta, produziu também
ensaios e crítica literária.
Nuno
Ferreira
Santos/Acervo
do
fotógrafo
Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
Construindo um conceito de arte 23
CAPÍTULO
17 Texto dramático:
o universo do teatro
A ação dramática acontece agora e não aconteceu no pas-
sado, mesmo quando se trata de um drama histórico. [...] o
dramaturgo não é um historiador; ele não relata o que se
acredita haver acontecido, “mas faz com que aconteça no-
vamente perante os nossos olhos.” [...] Pois a ação dramá-
tica, na sua expressão mais pura, se apresenta sempre
“pela primeira vez”.
ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985. p. 31. (Coleção Debates.)
CAPÍTULOS QUE VOCÊ VAI ESTUDAR NESTA UNIDADE:
17. Texto dramático: o universo do teatro
18. Produção de texto: cena teatral
19. Usos da linguagem na internet
20. Produção de texto: blog
5
U
NIDADE
PARA COMEÇAR
295
294
• Que diferença é possível notar entre as duas formas de construção do palco?
• Em sua opinião, em qual dos dois palcos a experiência de assistir à peça é mais participativa? Por quê?
ATENÇÃO!
Não escreva
no livro!
Izzet
Keribar/Lonely
Planet
Images/Getty
Images
Reprodu•‹o/Arena
Houston
4
6. Destaca visualmente
as produções de autoria
africana ou afrodescendente
em língua portuguesa que
não estão organizadas em
bloco, mas que dialogam
com os temas, textos e
autores ao longo de todo
o volume.
Destaca as produções
de autoria ou temática
indígena ao longo do
volume, dialogando
com os demais textos
apresentados.
Interdisciplinaridade
Enfatiza as relações entre as disciplinas,
facilitando assim a compreensão da
relação de temas e textos e oferecendo
a possibilidade de diálogo entre os
saberes de diversas áreas.
Roteiro de avaliação
Em todos os capítulos de Produção de texto são apresentadas
orientações específicas para a produção e a socialização dos
diversos textos orais e escritos propostos, além de um Roteiro de
avaliação desses textos. Dessa forma, as produções escrita e oral
não se limitam a uma execução simplificada e repetitiva.
Há também espetáculos mais modernos que utilizam a ausência de cenário
e mesmo de figurino como estratégia para fazer com que o espectador entre em
contato apenas com o texto teatral, sem se deixar influenciar por mais nada.
Texto 2
Várias peças de teatro estão disponíveis em livros para leitura. Confira algumas sugestões:
• Édipo Rei, de Sófocles (Editora Difel, 2000).
• Gota d’água, uma tragédia brasileira, de Chico Buarque e Paulo Fontes (Editora Civilização
Brasileira, 2002).
• O santo e a porca, de Ariano Suassuna (Editora José Olympio, 2002).
• Romeu e Julieta, de William Shakespeare (L&PM Editores, 1998).
• Tarsila, de Maria Adelaide Amaral (Editora Globo, 2004).
Outras leituras, mais ideias
PRODUÇÃO DO GÊNERO
Depois de estudar o gênero dramático, é sua vez de escrever. Você deverá
produzir uma cena teatral para compartilhar com a turma, em exercícios de leitu-
ra dramática. Para a elaboração dessa tarefa, o ideal é que você tenha assistido a
um espetáculo teatral pelo menos uma vez, e que leia alguns roteiros, para que
tenha a noção completa do que é escrever um texto para ser representado.
A seguir, são apresentadas duas propostas de escrita. Escolha uma delas e,
ao desenvolvê-la, não deixe de elaborar o perfil dos personagens, indicar o mo-
mento de sua entrada em cena, descrever o cenário, a iluminação e o figurino e
elaborar rubricas com indicações de como os atores devem interpretar o texto
e se movimentar no palco.
Depois de escrever, confira se o texto precisa ou não de ajustes, tomando
como referência as questões do roteiro de avaliação.
Proposta 1: criação de cena teatral com base em
elementos de cenário
A seguir, você lerá dois textos que trazem referências a cenários específicos.
Selecione um deles e, com base nos elementos fornecidos, crie uma cena
teatral. Lembre-se: a cena é uma parte da peça, portanto você não escreverá
um roteiro inteiro.
Texto 1
Chegam torcedores com bandeiras e chegam famílias inteiras acompa-
nhadas de suas babás. Carrinhos se agrupam nas entradas do Mineirão,
para vender garapa, frutas, pipoca, amendoim e muita carne de porco – tra-
ço típico da terra. Uma mulher vem vindo com um pastor alemão.
As kombis vão vendendo promoções dos clubes e têm de tudo: lápis,
bandeirolas, canetas, abotoaduras, broches, pentes, chaveiros, copos, frascos,
cinzeiros. A igreja de São Francisco, lá embaixo, entre águas e coqueiros, re-
cebe o sol de chapa e brilha. Lá dentro, os quadros de Portinari. Cá fora, sol,
refrescos, gelo entre laranjas, almofadas dos clubes, amendoim. E chegam
mais sofredores.
ANTÔNIO, João. É uma revolução. In: Guardador.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, í994. p. 93.
Mineirão: estádio de
futebol localizado na
cidade de Belo
Horizonte.
Voltamos no mesmo motor, com uns dez mo-
radores de Acajatuba que iam vender porcos, peixes,
galinhas e mandioca em Manaus. Percebi que mi-
nha mãe falava menos à medida que nos aproxi-
mávamos da cidade. Olhava as margens do rio, não
dizia nada. Os vendedores vigiavam seus animais,
as galinhas se debatiam em gaiolas improvisadas,
os porcos estavam amarrados uns aos outros. O fim
da viagem foi horrível. Começou a chover quando
o motor passava perto do Tarumã. Uma tempesta-
de, com rajadas de chuva grossa. Tudo ficou escuro,
céu e rio pareciam uma coisa só, e o barco balança-
va muito e saltava quando cortava as ondas.
HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 7õ.
motor: barco a motor.
É preciso lembrar que, quanto mais os pais se envolvem com os pro-
blemas escolares do filho, menos este os assume como seus, mais os pais
se estressam e menos têm paciência no relacionamento com o filho. Por
isso, vamos tentar deixar a escola a cargo dos estudantes. Eles podem
resolver sozinhos e a seu modo os problemas, eles merecem a oportuni-
dade de saborear as conquistas e enfrentar os fracassos que experimen-
tarão. Vamos confiar neles e dedicar nosso tempo, paciência, disponibili-
dade e tudo o mais para construir e manter o eixo afetivo familiar.
SAYÃO, Rosely. Ao aluno o que é do aluno. õ jan. 2009. Disponível em:
<http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br/equilibrio/arch2009-0í-0í_2009-0í-í5.html>
Acesso em: 22 fev. 20í6.
Roteiro de avaliação
Depois de escrever a cena teatral, verifique os itens a seguir:
í. Os personagens que participam da cena foram listados no início do texto?
Possuem um perfil definido?
2. A ação está bem desenvolvida, com progressão e desfecho coerentes?
3. Os diálogos são verossímeis e garantem o ritmo do texto? A(s) variedade(s)
linguística(s) usada(s) é (são) adequada(s)?
4. Há indicações de como devem ser o cenário, a iluminação (mais ou menos
escura, por exemplo) e o figurino?
5. Foram elaboradas rubricas para indicar a ordem de entrada dos personagens,
o modo como devem atuar e se movimentar?
Proposta 2: criação de cena teatral com
base em tema
Escreva uma cena teatral inspirada na seguinte reflexão sobre os limites da
intervenção dos pais na vida escolar dos filhos:
Capítulo 18
322 Produção de texto: cena teatral 323
Luz, câmera,
linguagem
Apresenta filmes, séries e
minisséries que estabelecem
relação com os textos apresentados
ao longo do volume.
Texto teatral: origens e desdobramentos
A origem do teatro é bastante remota e está relacionada a rituais antigos, em
queosparticipantesrepresentavamdiferentespapéisnadramatizaçãodeaspectos
da vida cotidiana, como os processos de vida e morte. No Egito antigo, já havia tex-
tos dramáticos baseados em mitologias africanas e, na Grécia antiga, no final do
século VI a.C., o teatro apareceu como resultado de uma transformação dos hinos
cantadosemhonraaDioniso,odeusdovinhoedasfestas.Emfestivaisanuais,eram
encenadas tragédias, que apresentavam ações transgressoras da ordem familiar e
social, e comédias, que satirizavam comportamentos e costumes.
Com o passar do tempo, a dramaturgia – modo de se escrever peças de teatro
– e a encenação – maneira de colocar as peças em cena, ou seja, transformá-las
em espetáculo – foram adquirindo novos contornos. No final do século XIX, por
exemplo, surgiu na Inglaterra a revista musical, gênero híbrido que mistura can-
ções, danças e quadros satíricos e que, no Brasil, ficou conhecido como Teatro de
Revista e alcançou grande sucesso popular nos anos 19ã0 e 19é0.
Outras iniciativas importantes no cenário teatral brasileiro e latino-americano
foram a fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN) e a experiência
doTeatrodoOprimido,
que ganhou relevo no
Brasil, no Peru, na Argen-
tina e na Venezuela.
Ambas as iniciativas,
Teatro Experimental
do Negro (TEN) e
Teatro do Oprimido,
foram trabalhadas no
capítulo anterior.
Em 1998, a peça O auto da Compadecida foi adaptada para a
televisão e exibida em quatro capítulos no formato de minissérie.
Escrita por Adriana Falcão, João Falcão e Guel Arraes e dirigida
por Guel Arraes, a adaptação foi filmada em Cabaceiras, no Ser-
tão da Paraíba, cidade próxima a Taperoá, local em que as aven-
turas de João Grilo e Chicó são retratadas na peça de Suassuna.
O ator Matheus Nachtergaele fez o papel de João Grilo, Selton
Mello fez o papel de Chicó e Fernanda Montenegro fez uma par-
ticipação, curta, mas emocionante, como Nossa Senhora.
Em consequência do grande sucesso obtido, foi lançada pa-
ra o cinema, em 2000, uma versão reduzida – com um corte de
cem minutos – da minissérie.
Luz, câmera, linguagem
Mateus Nachtergaele e Lima Duarte nos papéis
de João Grilo e do Padre, na minissérie O auto da
Compadecida, de 1998.
J.
Bamberg/Acervo
Núcleo
de
Teatro
Experimental
do
Negro
André
Lobo
/Editoras
Caras
S/A
Núcleo de Teatro Experimentaldo
Negro. São Paulo, 1951.
Produção de texto: cena teatral 319
Boxe de conteúdo
Complementa e/ou amplia
informações apresentadas ao
longo do desenvolvimento de
uma seção ou capítulo, de modo
a favorecer a apropriação dos
conteúdos.
Culturas escritas e culturas orais
Ainda que grande parte das sociedades atuais seja fundamentalmente gra-
focêntrica, ou seja, centrada na cultura escrita, várias populações se organizam
predominantemente em sociedades orais, em que a transmissão de conheci-
mentos e as trocas culturais acontecem por meio da palavra falada. Assim, não
devemos tratar a relação entre língua falada e língua escrita de modo polarizado,
como se fossem opostas, e não devemos considerar que uma cultura oral é mais
simples ou menos rica do que uma cultura escrita.
“A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma
habilidade”, nos ensina o historiador Jan Vansina. Essa ideia de que as populações
ágrafas possuem um modo específico de se relacionar com a realidade e de
produzir cultura é essencial para afastar a perspectiva preconceituosa que, fre-
quentemente, qualifica essas comunidades como inferiores às comunidades
letradas. Durante muito tempo, pensou-se que os povos sem escrita eram povos
sem cultura. Hoje, sabemos que isso não é verdade, pois a cultura de um povo
não se inscreve apenas na palavra escrita, mas em suas histórias orais, em seu
vestuário, em seus objetos, em suas festas, em sua culinária.
As sociedades africanas constituídas ao sul do deserto do Saara são exemplos
de sociedades assentadas na tradição oral, em que prevalecem os testemunhos
transmitidos oralmente de uma geração para outra. Nessas sociedades, a fala
não serve apenas como meio de comunicação diária, mas também como um
modo de preservação da sabedoria dos ancestrais. Uma situação similar pode
ser encontrada em comunidades no Brasil, como algumas comunidades indíge-
nas e quilombolas.
Letramento em escolas indígenas
As culturas indígenas brasileiras têm tradição oral e não possuíam cultura escrita. No entanto, hoje se coloca
a importância do letramento em escolas indígenas. Afinal, saber se inserir entre a cultura dominante é, inclusive,
uma forma de defender sua
própria cultura. No Brasil, os povos
indígenas têm direito a educação
escolar específica, diferenciada,
intercultural, bilíngue/multilíngue
e comunitária. Para saber um
pouco mais sobre a história da
educação escolar indígena, acesse
o site: <http://pib.socioambiental.
org/pt/c/no-brasil-atual/linguas/
a-escola-e-a-escrita>. Acesso em:
13 jan. 201ó.
Indígenas Pataxó, da Aldeia da Jaqueira.
Município de Coroa Vermelha (BA), 2014.
Renato
Soares/Pulsar
Imagens
Linguagens e interação 41
Boxe biográfico
Apresenta autores e
personalidades que têm papel
relevante na abordagem do
tema ou texto tratado.
Noite
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
NETO, Agostinho. Sagrada esperança. Luanda: Edições Maianga, 2004. p. 29.
Novos desafios
Depois da independência, várias obras proibidas durante o período colonial
foram publicadas nos novos países africanos e também em Portugal. Principal-
mente em Angola e Moçambique, um clima de euforia e otimismo favoreceu a
escritura de obras de teor patriótico, em consonância com as revoluções socia-
listas que foram levadas a cabo nos primeiros anos pós-independência.
Nesse contexto, acentuou-se a necessidade de se (re)contar a história dos
países independentes não mais do ponto de vista do colonizador, mas do homem
colonizado – e então livre –, que pôde finalmente assumir a palavra e explicitar
sua perspectiva sobre a própria realidade e também sobre a realidade global.
Nota-se também o surgimento de mulheres escritoras – raríssimas nos tempos
coloniais – e um maior comprometimento dos autores com o aspecto formal dos
textos, num empenho estético capaz de gerar composições bastante singulares.
Mais recentemente, já no século XXI, o que se observa no panorama das li-
teraturas africanas de língua portuguesa é uma grande abrangência de temas
– fala-se não apenas sobre a situação política, mas também sobre a condição
feminina, a complexidade do universo urbano, a vida rural dos povos do interior,
os sentimentos do homem contemporâneo – e ainda há uma experimentação
formal, que faz dos textos literários um espaço privilegiado para a reflexão sobre
a subjetividade, o mundo social e o próprio ato de escrever literatura.
Driblando a escassez de um público leitor nacional – o público das literaturas
dos países africanos de língua portuguesa é predominantemente português e
brasileiro –, as jovens literaturas africanas apresentam uma vitalidade e um po-
tencial muito grandes, sendo cada vez mais reconhecidas no cenário internacional.
Agostinho Neto (1922-
-19ó9), escritor, militante
político e primeiro presi-
dente de Angola, escre-
veu poemas contra o
colonialismo e o racismo
e em favor da libertação
angolana.
Pressenbild/Agência
France-Presse
Paulina Chiziane, que
nasceu em 1955, é a pri-
meira mulher moçambi-
cana a escrever roman-
ces. Suas obras, como o
romance Niketche, uma
história de poligamia,
abordam as particulari-
dades do universo femi-
nino e a inserção da
mulher na sociedade.
Foca
Lisboa/UFMG
Capítulo 5
94
5
7. Sumário
Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
6
Capítulo 1: Construindo um
conceito de arte ......................................... 11
Conceito de arte .............................................. 13
O que é literatura ............................................ 15
Origens da literatura e dos gêneros literários ......... 17
Gênero épico ................................................ 18
Gênero lírico ................................................ 19
Gênero dramático .......................................... 19
Os gêneros literários hoje ................................. 20
Literatura e sociedade ...................................... 22
Literatura e engajamento ................................. 24
Ampliação: Mitos antigos e mitos contemporâneos 29
Capítulo 2: Linguagens e interação .... 33
Linguagens verbal e não verbal .......................... 35
Multimodalidade e multimídia .......................... 35
O que é língua ................................................ 37
Modalidades oral e escrita da língua .................... 37
Letramento ................................................ 38
A construção dos textos orais ........................... 39
Culturas escritas e culturas orais ........................... 41
Ampliação: Língua, cidadania e inclusão ............... 48
Libras ....................................................... 48
Braile ....................................................... 48
Capítulo 3: Linguagem figurada e
figuras de linguagem .............................. 50
Sentido literal e sentido figurado ........................ 51
Figuras de linguagem ....................................... 54
Principais figuras de linguagem ......................... 56
Comparação ............................................... 56
Metáfora ................................................... 56
Metonímia ................................................. 57
Ironia ....................................................... 57
Antítese ..................................................... 57
Paradoxo ................................................... 58
Sinestesia ................................................... 58
Prosopopeia ou personificação ........................... 58
Hipérbole ................................................... 58
Eufemismo ................................................. 59
Gradação ................................................... 59
Trocadilho ou paronomásia .............................. 59
Ironia e humor ............................................. 65
Ambiguidade e construção de sentido nos textos ... 66
Capítulo 4: Produção de texto:
cartaz ......................................................... 72
Gêneros textuais ............................................ 73
SObre O GênerO ........................................... 74
PrOduçãO dO GênerO .................................. 79
Proposta 1: cartaz de divulgação ......................... 79
Proposta 2: cartaz de campanha de
conscientização ........................................... 79
Roteiro de avaliação ....................................... 80
A dimensão da oralidade representada no
texto publicitário ............................................ 80
Unidade 1
8. Tiago
Mazza
Chiaravalloti/NurPhoto/Agência
France-Presse
7
Capítulo 5: Leitura literária ................. 83
Contexto social e estilo individual ...................... 85
Literaturas de língua portuguesa em perspectiva ... 88
Conhecendo as literaturas africanas de
língua portuguesa ........................................ 90
A importância da literatura oral .......................... 91
O impacto do colonialismo ............................... 92
Literatura e identidade nacional ......................... 93
Novos desafios ............................................ 94
Ampliação: Autobiografia de leitor ..................... 99
Capítulo 6: Literatura em diálogo ...... 101
O poder simbólico das artes ............................. 102
Intertextualidade: paráfrase e paródia ................ 103
A leitura comparada da literatura e outras artes ... 109
Pintura: composição e representação ................. 109
Fotografia: reprodução e representação .............. 110
Ampliação: A paródia nas artes plásticas ............. 118
Capítulo 7: Coesão e coerência .......... 120
Coesão e coerência: conceitos ........................... 120
Como se estabelece a coesão textual .................. 122
As relações entre coesão e coerência .................. 124
A dimensão contextual da coerência .................. 126
Capítulo 8: Produção de texto:
artigo de opinião .................................... 132
SObre O GênerO .......................................... 134
Mais artigos de opinião ................................... 136
PrOduçãO dO GênerO ................................. 142
Proposta 1: artigo de opinião sobre um tema com
base na leitura de coletânea de textos ................ 142
Proposta 2: artigo de opinião a partir de
proposta do Enem ....................................... 148
Roteiro de avaliação ...................................... 149
Unidade 2
9. Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
8
Capítulo 9: A palavra em liberdade
no texto poético....................................... 151
em busca de um conceito de poesia e poema ....... 152
recursos sonoros do poema ............................. 155
Algumas estruturas fixas de composição poética .... 156
Versos brancos e versos livres .......................... 158
Ampliação: Poesia no cotidiano ......................... 163
Capítulo 10: Leitura de poemas.......... 166
Mais sobre a poesia ........................................ 167
Capítulo 11: Dimensão sonora da
língua e convenções da escrita............. 190
A língua e seus sons ....................................... 191
Letras e fonemas ......................................... 192
Classificação dos fonemas .............................. 193
Grupos de fonemas ...................................... 194
Encontros vocálicos ....................................... 194
Encontros consonantais .................................. 194
Convenções da modalidade escrita .................... 197
Algumas regras de acentuação gráfica ................ 198
Algumas regras de ortografia .......................... 200
Algumas regras de pontuação ......................... 205
O caso das vírgulas ...................................... 206
Capítulo 12: Produção de texto:
poema....................................................... 209
SObre O GênerO .......................................... 210
Poema em prosa ......................................... 211
Poema visual e poema concreto ........................ 213
PrOduçãO dO GênerO ................................. 217
Proposta 1: poema motivado ........................... 217
Proposta 2: poema visual ................................ 218
Roteiro de avaliação ...................................... 218
A dimensão da oralidade: leitura expressiva de
texto poético ................................................ 219
Capítulo 13: Texto ficcional:
a reinvenção do real .............................. 221
narrativa de ficção ........................................ 222
Verossimilhança do texto narrativo .................... 223
Diálogo e descrição: estratégias narrativas ........... 224
A criação do mundo ficcional ........................... 227
Ampliação: Microconto ................................... 231
Capítulo 14: Leitura de narrativas
ficcionais ................................................. 234
Conhecendo um pouco mais sobre a ficção .......... 235
Capítulo 15: Variação linguística e
preconceito linguístico........................... 256
Variedades linguísticas .................................... 257
Variedades linguísticas e competência comunicativa 259
Norma-padrão e normas urbanas de prestígio ....... 260
As perspectivas da linguística e da
gramática normativa ................................... 262
Gíria: uma forma de construção da
identidade linguística ................................... 264
Preconceito linguístico ................................... 270
Capítulo 16: Produção de texto:
crônica ..................................................... 278
SObre O GênerO .......................................... 281
PrOduçãO dO GênerO ................................ 283
Proposta 1: crônica com base em uma notícia
de briga entre torcidas .................................. 283
Proposta 2: crônica com base em
notícias selecionadas ................................... 284
Roteiro de avaliação ..................................... 285
A dimensão da oralidade nas crônicas ................ 285
Mais crônicas ............................................... 288
Unidade 4
Unidade 3
10. Divulgação/Coletiva
Grupo
Soarte
Bernardo
França/Arquivo
da
editora
9
Unidade 5
Capítulo 17: Texto dramático:
o universo do teatro .............................. 295
O texto dramático ......................................... 296
Teatro brasileiro em foco ................................ 296
Martins Pena e a comédia de costumes .............. 296
Nelson Rodrigues e a peça Vestido de noiva: um
marco da dramaturgia nacional ....................... 299
O teatro de contestação social ......................... 303
Outras iniciativas teatrais .............................. 308
Ampliação: Mobilização juvenil e teatro .............. 313
Capítulo 18: Produção de texto: cena
teatral ...................................................... 315
O texto teatral .............................................. 316
Texto teatral: origens e desdobramentos ............. 319
SObre O GênerO ......................................... 320
PrOduçãO dO GênerO ................................. 322
Proposta 1: criação de cena teatral com base
em elementos de cenário ............................... 322
Proposta 2: criação de cena teatral com base
em tema .................................................. 323
Roteiro de avaliação ...................................... 323
A dimensão da oralidade: leitura dramática
de cena teatral ........................................... 324
Capítulo 19: Usos da linguagem
na internet .............................................. 325
Suportes e gêneros contemporâneos ................ 326
Vocabulário na internet: novos suportes, novos
gêneros, nova linguagem ................................. 327
Capítulo 20: Produção de
texto: blog .............................................. 338
SObre O GênerO .......................................... 339
PrOduçãO dO GênerO ................................ 340
Proposta 1: produção de blog individual ............... 341
Proposta 2: produção de blog coletivo ................. 341
Roteiro de avaliação ..................................... 342
Bibliografia ......................................... 343
11. Do nascimento à velhice, estamos sempre em busca de ecos
do que vivemos de forma obscura, confusa, e que às vezes
se revela, se explicita de forma luminosa, e se transforma,
graças a uma história, um fragmento ou uma simples frase.
E nossa sede de palavras, de elaboração simbólica, é tama-
nha que, com frequência, imaginamos assistir a esse retorno
de um conhecimento sobre nós mesmos surgindo sabe-se lá
de que estranhas fontes, redirecionando o texto lido a nos-
so bel-prazer, encontrando nele o que o autor nunca teria
imaginado que havia colocado.
PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Paulo: Editora 34, 2012. p. 112.
NESTA UNIDADE, VOCÊ VAI ESTUDAR OS SEGUINTES CAPÍTULOS:
1. Construindo um conceito de arte
2.Linguagens e interação
3.Linguagem figurada e figuras de linguagem
4.Produção de texto: cartaz
1
U
NIDADE
10
12. CAPÍTULO
1 Construindo um
conceito de arte
para comEçar
11
• Quando se fala em arte, qual é a ideia que vem à sua mente?
• Para você, essas duas obras, a tela e a máscara, podem ser
consideradas formas de arte? Por quê?
• O quanto a arte é importante em sua vida? Reflita sobre
isso e aponte momentos em que ela está presente em seu
dia a dia.
• Compartilhe sua opinião com os colegas.
Ver Manual – Item 1.
Bridgeman
Photo
Library/Keystone
Brasil/Galeria
Tretyakov,
Moscou,
Rússia.
Prisma/Album/Latinstock/
Coleção
particular,
Camerún.
Abstração lírica. 1913. Vassily kandinsky. Óleo sobre tela, 200 cm 3 300 cm.
Galeria Tretyakov, Moscou, Rússia.
Máscara
bamileke.
Foumban.
Coleção
Particular.
Camerún.
atenção!
Não escreva
no livro!
13. lEitUra
Muitas são as definições do que vem a ser a arte. No poema a seguir, o poeta
maranhense Ferreira Gullar apresenta um questionamento sobre o assunto.
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
GULLAR, Ferreira. Poemas escolhidos. São Paulo: ediouro, 1989. p. 96.
1. De que trata o poema de Ferreira Gullar?
2. Como o título se relaciona ao conteúdo do poema?
3. Releia a última estrofe do poema. Nela, o eu lírico apresenta uma hipótese do que
poderia ser a arte. Que hipótese é essa?
4. Após a leitura do poema e a reflexão sobre ele, retome a questão proposta na aber-
tura do capítulo e responda: para você, o que é arte?
1. Espera-se que os alunos
identifiquem que o poema trata
das contradições do ser
humano.
2. O título aponta a tentativa do
eu lírico de tentar traduzir (ou
explicar, entender) suas
próprias contradições.
3. O eu lírico se pergunta se arte
não é a tentativa de tradução
de si mesmo por meio dos
contrários que o compõem, ou
seja, as várias partes (faces) de
que cada um é feito.
3. Se julgar necessário, resgate os
conceitos de verso e estrofe e leve
os alunos a perceber como o
poema é estruturado quanto a
essas questões.
4. Resposta pessoal.
4. O esperado é que os alunos,
depois da discussão proposta,
possam ampliar sua concepção de
arte, compreendendo-a como
uma forma de expressão própria
do ser humano, por meio da qual
manifesta seus valores, suas
ideias, seus pensamentos.
A versão musicada do texto de
Ferreira Gullar, interpretada por
Fagner e também por Adriana
Calcanhotto, pode ser
encontrada em sites de
compartilhamento de vídeo.
Basta digitar o título do poema
em ferramentas de busca na
internet.
Ferreira Gullar (São Luís,
1930-) é considerado um
dos poetas brasileiros
mais importantes da
contemporaneidade.
Seu livro Em alguma
parte alguma (editora
José Olympio) recebeu o
prêmio Jabuti de 2011 na
categoria poesia.
Leticia
Moreira/Folhapress
Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
Capítulo 1
12
14. conceito de arte
O conceito de arte é bastante amplo e pode englobar manifestações que
fazem parte do cotidiano. A criação artística, não importa a forma que assuma,
é uma necessidade humana, mas conceituá-la não é tarefa fácil.
Leia, a seguir, a opinião de alguns especialistas sobre o assunto.
Outro exemplo de
metalinguagem é o
filme O artista,
dirigido por Michel
Hazanavicius. Veja
mais informações
sobre o filme no boxe
Luz, câmera,
linguagem presente
no Capítulo 5.
Nada existe realmente a que se possa dar o nome Arte. Existem somente
artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colo-
rida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de
uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para
tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém
dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente
que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares
diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe.
GOMBRiCH, ernest Hans Josef. A história da arte. Rio de Janeiro: LtC, 1995. p. 15.
Costuma-se relacionar a arte à ideia de beleza. Há muito tempo, tenta-se
definir o que é capaz de despertar essa ideia no ser humano e até hoje não se
chegou a uma resposta exata. Cada cultura, cada contexto constrói um concei-
to sobre o que seja arte e beleza. No mercado formal, os limites para determinar
o que seja uma obra de arte são tênues e imprecisos. Essa determinação, em
geral,ficaacargodecríticos,historiadores,peritosedamídiaespecializadaque,
durante muito tempo, adotou uma concepção estática eurocentrista, interpre-
tando os fenômenos segundo os valores do ocidente europeu. [...]
Sabemos,hoje,queoconceitodeartenãoserestringeàestéticaeurocentris-
ta e podemos falar em Artes e não apenas em Arte. [...] arte é linguagem que se
manifestaatravésdemúsica,dança,teatro,imagens.Seusprocessosdeconstru-
çãodesenvolvemumalógicainternaparticularnaorganizaçãodesons,silêncios,
ritmos, cores, formas, linhas, gestos, de acordo com a intenção do produtor.
SOUZA, Ana Lúcia et al. De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros. Salvador: Centro de estudos
afro-orientais; Brasília: Fundação Palmares, 2005. p. 141.
Você sabe o que é
metalinguagem?
A metalinguagem con-
siste em usar uma lin-
guagem para tratar
dela mesma. São exem-
plos de textos metalin-
guísticos poemas em
que o poeta reflete so-
bre a elaboração da
própria poesia (“Tradu-
zir-se”, de Ferreira
Gullar; “Poética”, de
Manuel Bandeira; ou
“Procura da poesia”, de
Carlos Drummond de
Andrade); textos narra-
tivos que contam sobre
a própria narrativa (o
capítulo LXXI, “O senão
do livro”, do romance
Memórias póstumas de
Brás Cubas, de Macha-
do de Assis); filmes
sobre filmes (Cinema
Paradiso, de Giuseppe
Tornatore; Saneamento
básico, o filme, de Jorge
Furtado); canções sobre
canções (“Não identifi-
cado”, de Caetano Velo-
so; “Uma canção é pra
isso”, do Skank); e pin-
turas que aludem ao
próprio ato de pintar,
como podemos ver em
As meninas, de Diego
Velásquez, na qual o
pintor se retrata pin-
tando o quadro.
Os dois textos levam a pensar no surgimento da arte, nos valores diversos que
ela assumiu ao longo do tempo, bem como no contexto histórico em que se insere
qualquer obra.
Por um lado, parece difícil chegar a um conceito único do que seja a arte; por
outro, é consenso que o objeto artístico foi valorizado por uma de suas funções
centrais: possibilitar ao ser humano vivenciar experiências e emoções. A arte é
também uma experiência formativa, nunca se esgota a aprendizagem sobre ela,
pois há sempre novas obras sendo produzidas e, consequentemente, novos
horizontes de sentido a descobrir, a sentir.
Muitas vezes, a arte é provocativa, pois rompe com padrões preestabelecidos
e revela outra forma de encarar a realidade circundante.
Um exemplo de arte provocativa pode ser encontrado nas obras do sergipa-
no Arthur Bispo do Rosário (1909-1989). Diagnosticado como esquizofrênico, ele
passou grande parte de sua vida internado em manicômios. Sua obra faz uso de
elementos do cotidiano de instituições psiquiátricas para representar o modo
como ele percebia o universo ao seu redor.
INTERDISCIPLINARIDADE
com Arte (História da Arte).
Construindo um conceito de arte 13
15. Lençóis, sucata e linhas, que ele desfiava do uniforme dos internos, eram
alguns dos materiais usados pelo artista para a elaboração de túnicas e instala-
ções, como mostram as imagens ao lado.
em sua obra Talheres, Arthur Bispo do Rosário se
afasta da forma realista de representação. Ao pendurar
uma série de talheres em uma estrutura de papelão, o
artista desloca esses objetos do seu uso cotidiano e
atribui a eles um novo sentido: eles já não servem mais
de utensílios, mas para provocar a reflexão de quem
os contempla. Assim, ao se utilizar de materiais diversos
que faziam parte de sua rotina no manicômio (papelão,
tecido, aço, ferro, metal; e objetos variados, como cal-
çados, canecas, talheres, etc.) e que representam a
reificação e a massificação existentes nesses lugares,
o artista os transforma e atribui a eles valor estético,
obtido pelo deslocamento de sentidos.
reifica•‹o: processo em que o ser
humano perde a identidade pessoal
e passa a ser visto como coisa.
Talheres. [s.d.] Arthur Bispo
do Rosário. 84 talheres em
metais variados e duas caixas
de papelão, plástico, pregos,
fita de tecido e fórmica.
197 cm 3 70 cm. Museu Nise
da Silveira, Rio de Janeiro, RJ.
Rodrigo
Lopes/Museu
Bispo
do
Rosário
Arte
Contemporânea/Prefeitura
da
Cidade
do
Rio
de
Janeiro
O artista plástico
Arthur Bispo do Rosário
vestindo uma de suas
obras, o Manto da
Apresentação, tecido,
118,5 cm 3 141 cm 3 20 cm.
Reprodução/Museu
Bispo
do
Rosário
Arte
Contemporânea/Prefeitura
da
Cidade
do
Rio
de
Janeiro
Reprodução/Coleção
particular
The
Bridgeman
Art
Library/Keystone
Brasil/Museu
de
Arte
de
São
Paulo
Natureza-morta com prato,
vaso e flores. 1886. Vincent
van Gogh. Óleo sobre tela,
54 cm 3 45 cm. Museu de
Arte de São Paulo, Brasil.
Ybá de orixás. 2015. Terciliano Jr. Acrílico sobre tela,
80 cm 3 100 cm. Coleção particular.
Detalhe do manto
de Arthur Bispo do
Rosário.
lEitUra
As obras a seguir estão distanciadas por três séculos. Faça a sua leitura e
responda às questões sobre elas.
texto 1 texto 2
Capítulo 1
14
16. 1. Que objetos estão representados na primeira e na segunda obra?
2. Qual das duas obras representa os objetos de modo mais fiel à realidade?
3. Você conhece a palavra “natureza-morta”? Qual é o seu significado? Se necessário,
pesquise-o no dicionário ou em uma enciclopédia e registre-o.
4. Qual delas mais lhe agrada? Justifique sua resposta.
o que é literatura
Há várias maneiras de conceituar a literatura, e, ao longo do tempo, muitos
estudiosos dedicaram-se a refletir sobre o tema.
Leia, a seguir, a reflexão de dois pesquisadores brasileiros do século XX sobre
as especificidades da literatura e da leitura.
1. Na primeira obra, um prato, com ramo de folha e flores, além de uma jarra. Na segunda, podem-se
distinguir os ybás (ou ibás), onde são colocados os apetrechos dos orixás.
2. A primeira obra, que representa
os objetos de uma forma mais
aproximada ao real (ou seja, tal
como podem ser empiricamente
observados), quase como se fosse
uma fotografia.
3. Natureza-morta é um gênero de
pintura em que se representam seres
inanimados e objetos, geralmente
compondo arranjos de frutas, flores,
legumes com utensílios domésticos
como mesas, pratos, jarros, garrafas,
copos – ou ainda instrumentos
musicais, livros, ferramentas,
cachimbo. Nesse gênero, valoriza-se a
representação da natureza e de objetos
tais como podem ser observados
empiricamente e que geralmente se
referem à esfera doméstica (ao âmbito
privado da casa ou dos hobbies).
4. O importante é que os alunos justifiquem seu ponto
de vista. Atente para a coerência das justificativas dadas.
A literatura,como toda arte,é uma transfiguração do real,é a realidade
recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para
as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova reali-
dade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e
da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes
origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças à imagi-
nação do artista. São agora fatos de outra natureza, diferentes dos fatos
naturais objetivados pela ciência, ou pela história, ou pelo social.
O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são
mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades fatuais. Os fatos que ma-
nipula não têm comparação com os da realidade concreta. São verdades
humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma
compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido da vida, e
que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida.
A literatura é, assim, vida, parte da vida, não se admitindo que possa
haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos
contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens
e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana.
COUtiNHO, Afrânio. Notas de teoria literária.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. p. 9-10.
Quando se fala em
“transfiguração do
real”, é importante
levar em conta
também o conceito
de “verossimilhança”.
Veja as considerações
a respeito de
verossimilhança
no item
Verossimilhança
do texto narrativo,
no Capítulo 13.
[...] A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.
Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do
texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações
entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato
de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fun-
damentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências
mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha moci-
dade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em
mim constituindo.
FReiRe, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1989. p. 9.
Paulo Freire (1921-1997)
desempenhou um papel
fundamental na alfabe-
tização de jovens e adul-
tos no Brasil. Com base
nas ideias presentes em
sua Pedagogia do Opri-
mido, desenvolveu um
método de alfabetiza-
ção que considera o
aprendiz como sujeito
da aprendizagem, não
um mero receptor de
conhecimentos.
Sérgio
Tomisaki/Folhapress
Construindo um conceito de arte 15
17. Para o educador pernambucano Paulo Freire, o ato de ler é importante porque
amplia nossa possibilidade de ler o mundo. em sua concepção, a leitura de um
texto exige do leitor mais que a decodificação das palavras: exige a realização
da leitura de mundo, a fim de que perceba a importância social do que lê e o
contexto em que o texto foi produzido e em que é lido.
A leitura é, portanto, a relação estabelecida entre o mundo do texto e o
mundo do leitor. O texto oferece ao leitor uma proposta de leitura, a qual varia de
acordo com o propósito comunicativo, o gênero, as intencionalidades do autor.
O leitor, por sua vez, ao realizar a leitura do texto, coloca a serviço dela seus co-
nhecimentos prévios, suas expectativas, sua memória, sua visão de mundo, seus
pensamentos e sentimentos, suas experiências de leituras. Logo, o ato de leitura
é um ato de produção de sentido, resultado da relação entre esses dois mundos.
De modo geral, todo texto oferece ao leitor possibilidades interpretativas,
em maior ou em menor grau. isso significa dizer que há categorias de textos que,
pela própria natureza, não oferecem ao leitor um leque muito variado de
interpretações (como textos de caráter jornalístico, científico ou acadêmico). Já
outros textos (como os ficcionais) exigem do leitor o preenchimento de espaços
a serem completados no ato da leitura, de maneira a interpretar as pistas que
são deixadas (intencionalmente ou não) pelo autor.
Por pacto de leitura compreende-se um contrato implícito estabelecido entre
autor e leitor, mediado pelo texto, no qual o leitor aceita de antemão as regras
do universo ficcional criadas pelo autor, as pistas deixadas por ele no texto e,
com base nelas, constrói o sentido do texto, dando a ele sua interpretação.
É esse acordo prévio que permite, por exemplo, que nos assustemos quando
assistimos a um filme de suspense, ou que nos emocionemos com determinado
personagem quando lemos um conto, mesmo sabendo que é ficcional.
Portanto, o modo como lemos uma notícia de jornal é e deve ser diferente
do modo como lemos um poema. isso se dá porque cada texto exige do leitor
um modo de ler específico, considerando suas características essenciais, ou seja,
Divulgação/Sandra
Krampelhuber/Linz
Kultur/Cooperação
ao
Desenvolvimento
Autraliano/Ministério
da
Cultura
da
Áustria
grafite, educação e prevenção
Certamente você já ouviu falar que o analfabetismo é um problema social que gera exclusão. Mas como
essa exclusão acontece na prática? em alguns países africanos, um dos desafios a serem superados no enfren-
tamento da epidemia do vírus HiV é a dificuldade em informar as formas de prevenção e tratamento para uma
populaçãoquenãosabeler.NoSenegal,umainiciativa
positiva partiu de grupos de grafiteiros que usam sua
arteparacriarmuraisilustrativosparaqueapopulação
tenha acesso às informações de cura e prevenção da
doença. Docta, um dos grafiteiros desse grupo, é um
dospioneirosdografiteemseupaísedefendequesua
arte é uma forma de oferecer algo para a população,
comoaconscientizaçãosobreanãoviolência,odireito
à educação e à saúde. No site <www.afreaka.com.br/
notas/docta-graffiti-como-intervencao-urbana-e-
social>(acessoem:7jan.2016)vocêpodeconhecerum
pouco mais sobre a vida e o trabalho desse artista. O grafiteiro Docta.
Capítulo 1
16
18. as convenções próprias do gênero ou da esfera discursiva. Logo, entre leitor-texto-
-autor estabelecem-se relações e pactos de leitura específicos. No caso da leitura
de textos ficcionais, o leitor precisa atentar para seu caráter de simulacro, isto
é, de (re)invenção da realidade, de simulação de seres, sentimentos, pensamentos
e situações, os quais dão uma impressão de ser reais, mas não o são.
Assim, como todas as formas de arte, a literatura, na sua especificidade que
é a de um trabalho elaborado com as palavras, cria realidades ficcionais, discute
valores e estabelece um diálogo estético e crítico com a realidade. Logo, o texto
literário, assim como outras formas de arte, tem a característica de promover
deslocamentos, recriar realidades imaginárias, representar situações fictícias,
isso tudo por meio de um trabalho com formas linguísticas elaborado para
produzir, antes de mais nada, efeitos estéticos.
Assim, o escritor de textos literários é um criador de mundos imaginários
que, por meio de um cuidadoso arranjo das palavras, pode despertar sensações
e sentimentos, promover o questionamento acerca da realidade empírica,
representar de forma muito particular os dramas existenciais, as alegrias, as
dificuldades, os sonhos, as frustrações próprias da humanidade. Logo, ler um
texto literário requer disposição para (re)construir sentidos, considerando as
pistas deixadas pelo autor. Para que isso ocorra, o modo como as palavras são
usadas, os sentidos contidos nas entrelinhas e as sutilezas do estilo do autor
devem ser observados e levados em conta na interpretação do texto.
Portanto, reconhecer um texto como literário consiste em encontrar nele
esse trabalho com a linguagem, essa realidade inventada, essa construção de
simulacros, cuja função não é utilitária, mas fundamentalmente estética, visto
que seu objetivo principal é o de promover a fruição, ou seja, o prazer da leitura,
a felicidade de encontrar algo novo ou surpreendente.
origens da literatura e dos gêneros literários
A literatura surgiu para atender à necessidade humana de compreender
melhor a realidade e de transmitir experiências. todas as culturas, em todo o
mundo, desenvolveram sua própria literatura, que era oral inicialmente. A lite-
ratura escrita, tal como a conhecemos hoje, só foi produzida posteriormente.
Os textos literários dividem-se em gêneros. O conceito de gênero literário
está ligado a formas e funções dos textos escritos e tem sofrido inúmeras
variações desde a Antiguidade clássica até os nossos dias.
A primeira teorização sobre os gêneros data do século iV a.C. Naquele período,
desenvolveu-se,naGrécia,umaliteraturadiversificadaetambémumaprimeiraforma
de organização dos gêneros, que serviu de base para toda a literatura ocidental. essa
classificação surgiu das apropriações que foram sendo feitas das reflexões do filóso-
fo grego Aristóteles, especialmente aquelas contidas na obra intitulada Poética.
Com Aristóteles, presenciamos a primeira tentativa de uma sistemati-
zação das “formas” literárias: como, todavia, a sua Política ficasse incomple-
ta, apenas temos uma ideia aproximada do que seria a sua concepção de
gênero. Refere a epopeia, a tragédia, a comédia, o ditirambo [...] mas se de-
mora tão somente nas três primeiras, sobretudo a tragédia.
MOiSÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 12. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 196. Fragmento.
ditirambo: na
Antiguidade, consistia
em um canto de louvor
ao deus do vinho
(Dioniso ou Baco). A
esse canto,
acrescentavam-se a
dança e a música tocada
em flauta. Foi se
modificando no decorrer
do tempo, assumindo
formas mais livres.
Construindo um conceito de arte 17
19. E então a sábia Penélope respondeu-lhe novamente:
“Estrangeiro, os sonhos são verdadeiramente confusos, ambíguos e, para os
homens, nem tudo se cumpre. Pois são dois os portões dos tênues sonhos:
um é feito de chifre, e o outro de marfim. Os sonhos que passam através do
cerrado portão de marfim enganam, trazendo promessas que não se cum-
prem; mas, os que saem pelo polido portão de chifre, esses se cumprem,
para os mortais que os veem.
HOMeRO. Odisseia. Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo. asp?num=0094>. Acesso em: 7 jan. 2016.
ambíguos: que possuem
mais de um sentido.
tênues: frágeis, sutis,
não densos.
cerrado: fechado,
vedado.
polido: lustroso.
Segundo a visão aristotélica, cada um dos gêneros corresponde à expressão
de determinada experiência humana.
Gênero épico
O gênero épico focaliza o mundo exterior ao poeta, sendo, por isso, mais
objetivo. Desde a perspectiva de um poeta-observador, o mundo é descrito com
seus acontecimentos, personagens e paisagens. Nas épicas gregas, sobressaíam
heróis de caráter elevado, capazes de vencer todos os obstáculos, como Odisseu
(Ulisses) e Aquiles. O maior poeta épico grego foi Homero, autor dos poemas
Odisseia e Ilíada, que se baseiam numa longa tradição oral e só assumiram forma
escrita no final do século Vi a.C.
Na Ilíada, Homero narra o cerco à cidade de troia, o qual durou dez anos. Na
Odisseia, o poeta narra as aventuras do herói Odisseu (ou Ulisses) ao retornar a
sua casa após o término da Guerra de troia.
No trecho da Odisseia transcrito a seguir, Penélope, esposa de Ulisses, descreve
o reino dos sonhos ao estrangeiro (que é o próprio Ulisses, que, disfarçado de
mendigo, acaba de retornar ao seu lar).
a fidelidade de penélope
Segundo consta na Odisseia, durante os vinte anos em que Ulisses esteve ausente por causa da Guerra de
troiaedasaventurasqueviveunaviagemderegresso,Penélopesempreresistiuaquebrarosvotosmatrimoniais.
Por ser considerada viúva, muitos pretendentes se apresentavam a ela, mas, para fugir deles, declarou que
escolheria um novo marido apenas quando terminasse de tecer um manto fúnebre – a mortalha de Laertes,
seu sogro, já bastante idoso. Penélope, então, pôs-se a tecer o manto. Durante o dia trabalhava no tecido e,
0à noite, às escondidas, desmanchava tudo o que tecera. Assim, enganou os pretendentes durante três anos,
até que foi descoberta. Ulisses, porém, retornou a tempo de eliminar os pretendentes e proteger sua casa.
Penélopeeseumanto.1912.JohnWilliam
Waterhouse.Óleosobretela,131cm3191cm.
AberdeenArtGallery,Aberdeen,ReinoUnido.
Obra Penélope, criada porTatiana Blass comtapete,teare
fios de lã e chenille. Capela do Morumbi, São Paulo, 2011.
Reprodução/Estúdio
da
Cena
Reprodução/Galeria
de
Arte
&
Museus
de
Aberdeen,
Escócia.
Fotos:
Everton
Ballardin/Galeria
Millan
Capítulo 1
18
20. Gênero lírico
O gênero lírico tem como objeto o mundo interior do poeta, sendo, portanto,
mais subjetivo que o gênero épico. Nele, uma voz central exprime suas emoções
e reflexões, expressando-se por meio de poemas que, na época de Aristóteles,
eram relativamente curtos e caracterizavam-se mais pela exploração de
sentimentos do que pela narração de acontecimentos, o que era próprio da poesia
épica. entre os poetas líricos gregos, podem ser citados: Alceu, Píndaro e Safo,
nascida na ilha de Lesbos, provavelmente em meados do século Vii a.C.,
considerada a primeira mulher da cultura ocidental a se destacar como poetisa.
O amor, terno ou ardente, mas sempre expresso com simplicidade natural, é o
tema de seus poemas.
Leia a seguir um poema lírico de Safo.
antigamente, era assim que dançavam
a essa hora, as mulheres de Kreta;
ao som da música, em todo altar sagrado
dançavam, calcando sob os pés delicados
as flores tenras da relva
SAFO. in: FONteS, Joaquim Brasil. Eros, tecelão de mitos: a poesia de
Safo de Lesbos. São Paulo, estação Liberdade, 1991. p. 345.
Gênero dramático
De acordo com Aristóteles, o gênero dramático
aborda os grandes e pequenos conflitos das relações
humanas em peças teatrais que se dividiam em
tragédiasecomédias.Foramimportantesdramaturgos
gregos: Sófocles, Ésquilo e eurípedes, autores de
tragédias,eAristófanes,Plautoeterêncio,decomédias.
Acompanhe o trecho final da tragédia Édipo rei,
escrita por Sófocles. A peça narra o triste destino de
Édipo, o primeiro filho de Laio, rei de tebas. Vítima
de uma maldição, Édipo cumpriu um trágico destino:
sem saber, assassinou o pai e se casou com a própria
mãe, Jocasta. No fragmento a seguir, Édipo lamenta
a sua má sorte.
Édipo e Antígona sendo exilados de Tebas. 1843. Eugene-Ernest
Hillemacher. Óleo sobre tela. Museu de Belas Artes, Orleans, França.
Reprodução/Museu
de
Belas
Artes,
Orleans.
Busto de mármore. Safo. Museu
Capitolino, Roma, Itália.
Marsiella
Musil/Alamy/Latinstock
ÉDIPO: Que mais posso eu contemplar, ou
amar, na vida? Que palavra poderei ouvir com
prazer? Levai-me para longe daqui, levai-me de-
pressa para bem longe. Eu sou um réprobo, um
maldito, a criatura mais odiada pelos deuses entre
os mortais!
CORIFEU: Como inspiras piedade, pelo senti-
mento que tens de tua sorte infeliz! Ah! Bom seria
que eu nunca te houvesse conhecido!
ÉDIPO: Que morra aquele que, na deserta
montanha, desprendeu meus pés feridos e salvou-
-me da morte, mas salvou-me para minha maior
desgraça!
Ah! Se eu tivesse então perecido,não seria hoje
uma causa de aflição e horror para mim e para todos!
CORIFEU: Também eu assim preferiria!
ÉDIPO:Eu não teria sido o matador de meu pai,
nem o esposo daquela que me deu a vida! Mas... os
deuses me abandonaram: fui um filho maldito, e
fecundei no seio que me concebeu! Se há um mal
pior que a desgraça,coube esse mal ao infeliz Édipo!
CORIFEU: Teria sido razoável tua resolução, ó
Édipo? Não sei dizer, na verdade, se te seria prefe-
rível a morte a viver na cegueira.
SÓFOCLeS. Édipo rei. Disponível em: <www.ufrgs.br/proin/
versao_1/edipo/index51.html>. Acesso em: 8 jan. 2016.
réprobo: aquele que foi
banido da sociedade;
malvado, detestado,
infame.
Construindo um conceito de arte 19
21. os gêneros literários hoje
A classificação dos gêneros literários proposta por Aristóteles continua ser-
vindo de base para a classificação da literatura nos dias de hoje. Porém, com as
transformações ocorridas nas sociedades, novos gêneros textuais foram surgin-
do, o que levou a uma diversificação e ampliação dos gêneros literários.
No final da idade Média, surgiram as novelas de cavalaria, precursoras do
romance moderno que, no século XViii, se afirmou como uma forma épica vol-
tada para a representação da vida burguesa. Já no século XiX, gêneros narrativos
como a crônica e o conto ganharam novo fôlego com a acentuada expansão da
imprensa, a qual permitiu a publicação desses gêneros em revistas e jornais.
Assim, o romance, o conto, a crônica e mesmo os roteiros de cinema e as novelas
de televisão são gêneros narrativos derivados do antigo gênero épico.
lEitUra
Você lerá a seguir um conto da escritora brasileira Clarice Lispector (1920-
-1977). Acompanhando a experiência da narradora, descobrimos que ler um
texto literário pode ser uma grande – e clandestina – felicidade.
Felicidade clandestina
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos ex-
cessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um
busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos
achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois
bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas
possuía o que qualquer criança devoradora de his-
tórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela
toda era pura vingança, chupando balas com baru-
lho. Como essa menina devia nos odiar, nós que
éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias,
altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com
calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia
de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me
submetia: continuava a implorar-lhe emprestados
os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar
a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como
casualmente, informou-me que possuía As Reina-
ções de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro
para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormin-
do-o. E completamente acima de minhas posses.
Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia se-
guinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na pró-
pria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava
devagar num mar suave, as ondas me levavam e
me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente
correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e
sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando
bem para meus olhos, disse-me que havia empres-
tado o livro a outra menina, e que eu voltasse no
dia seguinte para buscá-lo.
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a es-
perança de novo me tomava toda e eu recomeçava
na rua a andar pulando, que era o meu modo es-
tranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez
nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia se-
guinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a
minha vida inteira, o amor pelo mundo me espe-
rava, andei pulando pelas ruas como sempre e não
caí nenhuma vez.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela
sabia que era tempo in-
definido, enquanto o fel
não escorresse todo de
seu corpo grosso. Eu já
começara a adivinhar
que ela me escolhera
sadismo: prazer com o
sofrimento alheio.
magno: grande,
importante.
fel: mau humor,
azedume, —dio.
Capítulo 1
20
22. para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando
mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer
sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa,
sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o
livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só
veio de manhã, de modo que o emprestei a outra
menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as
olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de
sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recu-
sa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando
a aparição muda e diária daquela menina à porta
de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve
uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras
pouco elucidativas. A senhora achava cada vez
mais estranho o fato de não estar entendendo. Até
que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha
e com enorme surpresa exclamou: mas este livro
nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta
do que acontecia. Devia ser a descoberta horroriza-
da da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio:
a potência de perversidade de sua filha desconhe-
cida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao
vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente
se refazendo, disse firme e calma para a filha: você
vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E
você fica com o livro por quanto tempo quiser.” En-
tendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo
tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa,
grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava eston-
teada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu
não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando
como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que
segurava o livro grosso com as duas mãos, compri-
mindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até
chegar em casa, também pouco importa. Meu pei-
to estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia
que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter.
Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilho-
sas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei
ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi
que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria
-o por alguns instantes. Criava as mais falsas difi-
culdades para aquela coisa clandestina que era a
felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina
para mim. Parece que eu já pressentia. Como demo-
rei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim.
Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me
com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase
puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era
uma mulher com o seu amante.
LiSPeCtOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 9.
Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
elucidativas: que esclarecem,
que tornam algo compreensível.
perversidade: extrema maldade.
estonteada: tonta, atordoada.
pudor: recato, vergonha.
Construindo um conceito de arte 21
23. Para ampliar a compreensão do conto que você acabou de ler, responda às
questões a seguir.
1. Qual era o objeto de desejo da narradora do conto? Como ela o obteve?
2. Como a narradora do conto caracteriza psicologicamente sua colega, a filha do
dono da livraria? Selecione passagens da narrativa que confirmem sua resposta.
3. Releia a frase: “ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho”. O efeito
sonoro, criado no texto pela presença dos sons representados pelas letras p, d e b
em “chupando balas com barulho”, realça que ideia?
4. Depois de obter o livro de Monteiro Lobato, como agiu a narradora em relação a ele?
Como você explica as atitudes dela?
5. tendo em vista que os sentidos do texto literário estão expressos também em suas
entrelinhas, interprete a frase que encerra o conto: “Não era mais uma menina com
um livro: era uma mulher com o seu amante”.
6. Reflita sobre o título do conto. Considerando que “clandestino” significa “feito às
escondidas”, como se pode explicar a opção pelo uso dessa palavra?
literatura e sociedade
O discurso literário possui uma dimensão social, uma vez que é produzido
por indivíduos que estão inseridos em dada sociedade, na qual circulam ideias,
princípios, valores e visões de mundo específicos, que acabam por orientar pen-
samentos e comportamentos sociais, políticos, econômicos, religiosos. A isso se
dá o nome de ideologia. em sentido amplo, ideologia compreende o conjunto
de representações e ideias que revelam o modo como determinada sociedade
compreende o mundo em que vive.
A literatura tem, simultaneamente, um cunho individual e social. isso signifi-
caqueotextoliterário,alémdetrazerasmarcaspessoaisdoescritorqueoproduziu,
está relacionado ao universo social no qual o escritor se insere. Por essa razão, o
texto literário dialoga, direta ou indiretamente, com o momento social e histórico
em que foi produzido. Assim, a literatura e a História têm uma relação estreita, pois
todo escritor está circunscrito a seu tempo e às tensões que marcam a sociedade.
Você também vai
estudar essa relação
entre o individual e o
social no item Contexto
social e estilo individual,
no Capítulo 5.
O termo “ideologia” é amplamente utilizado,
sobretudo, por influência do pensamento de Marx,
na filosofia e nas ciências humanas e sociais em
geral, significando o processo de racionalização –
um autêntico mecanismo de defesa – dos interesses
de uma classe ou grupo dominante. Tem por obje-
tivo justificar o domínio exercido e manter coesa
a sociedade, apresentando o real como homogêneo,
a sociedade como indivisa, permitindo com isso
evitar os conflitos e exercer a dominação.
JAPiASSÚ, Hilton; MARCONDeS, Danilo. Dicionário básico de filosofia.
5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 141.
Como uma das expressões da cultura do ho-
mem, sujeita, portanto, às modificações construí-
das no tempo, a literatura apresenta uma caracte-
rística muito especial. Ao mesmo tempo em que se
revela como um produto da História, ela tem a ca-
pacidade de atuar no sentido de transformar essa
História. Como as outras formas de arte (a música,
as artes plásticas, o cinema, etc.), ela traduz e pro-
voca inquietações que vão, muitas vezes, alimentar
a busca de mudanças que é própria do homem vivo.
[...]
CHAVeS, Rita. As escolas literárias. São Paulo: Ática, 1988. p. 9.
1. Era o livro de Monteiro Lobato Reinações de Narizinho. Ela o obteve graças à intervenção da mãe de sua colega, já que a menina prometia
emprestá-lo à narradora, mas sempre adiava o cumprimento dessa promessa.
2. Como uma menina invejosa e sádica, que se divertia ao humilhar os colegas, especialmente a narradora. Algumas passagens que confirmam
essa caracterização são: “Mas que
talento tinha para a crueldade”; “Comigo
exerceu com calma ferocidade o seu
sadismo”; “[...] como essa menina devia
nos odiar”.
3. A presença dos sons representados
pelas letras p e d e a repetição do som
(aliteração) da consoante b reafirmam o
sentido do texto, chamando a atenção
para o barulho da bala sendo chupada.
4. Ela passou a adiar ao máximo a
apreciação do livro, lendo-o aos poucos.
Provavelmente, fez isso para adiar o
prazer da leitura do texto literário e,
assim, intensificá-lo ainda mais.
Comente com os alunos que
frequentemente muitos de nós adiamos
pequenos prazeres numa tentativa de
experimentá-los com maior intensidade.
Um exemplo banal dessa atitude é deixar
o melhor de uma refeição para o final.
5. No final do conto, o prazer da
narradora com o livro é comparado ao
prazer de uma mulher junto de seu
amante. Do ponto de vista da narradora,
esse prazer seria supremo e
representaria, em última instância, a
possibilidade máxima de entrega afetiva,
do encontro com o outro.
6. Para a narradora do texto, que nos conta um episódio da própria história, a leitura do livro que
ela mais almejava era uma felicidade que deveria ser vivida de maneira clandestina, escondida.
Trata-se da instauração de um “jogo”
que tem como objetivo adiar e
aumentar o prazer da leitura.
Capítulo 1
22
24. lEitUra
O poema que você vai ler foi escrito pelo poeta português António Ramos
Rosa (1924-2013). O texto faz parte de um livro intitulado Grito claro, publicado
em 1958.
Leia o poema para responder às questões propostas.
Poema dum funcionário cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola
do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.
ROSA, António Ramos. Poema dum funcionário cansado. Disponível em:
<www.astormentas.com/ramosrosa.htm>. Acesso em: 8 jan. 2016.
1. De que trata o poema?
2. esse poema foi escrito num momento em que Portugal vivia sob a ditadura política
de António de Oliveira Salazar, período de regime autoritário e de censura, no qual
os escritores eram vigiados e não podiam se manifestar livremente. Com base nes-
se contexto, o que a “noite” e a atitude vigilante do “chefe” podem representar?
3. É possível afirmar que o poema faz uma denúncia da realidade histórica portugue-
sa durante o período ditatorial? Por quê?
1. O poema trata da solidão e da
tristeza de um homem que se sente
como um “funcionário cansado”
num mundo em que não há mais
espaço para os sonhos e o lirismo.
2. A noite pode representar a ditadura, e a atitude vigilante
do chefe pode representar a censura que oprime e impede
as pessoas de expressarem suas opiniões.
3. Sim. Porque o poema revela como as pessoas
se sentiam prisioneiras, vigiadas por um chefe sempre à espreita; viviam uma realidade limitadora,
caracterizada pela ausência de liberdade, que angustia e deixa todos insatisfeitos.
António Ramos Rosa
(1924-2013) é considera-
do um dos maiores poe-
tas portugueses con-
temporâneos. Ganhou
vários prêmios literários
nacionais e internacio-
nais e foi indicado ao
Prêmio Nobel da Litera-
tura. Além de exercer
sua atividade como poe-
ta, produziu também
ensaios e crítica literária.
Nuno
Ferreira
Santos/Acervo
do
fotógrafo
Filipe
Rocha/Arquivo
da
editora
Construindo um conceito de arte 23
25. literatura e engajamento
emseulivroQueéaliteratura?,ofilósofoJean-PaulSartrerefletesobreasrelações
entre literatura e sociedade e propõe uma concepção radical do engajamento lite-
rário. Segundo ele, embora se dirija potencialmente a um “público universal”, todo
escritorsabeque,naprática,seupúblicoleitormaisimediatopossuiumperfilespe-
cíficoecompartilhadedeterminadosvaloresquesãocomunsàmaioriadasocieda-
de.essacompreensãodarealidade,queimplicaconsideraroleitorcomseuhorizon-
te concreto de expectativas, levaria o escritor a exercer a função de “revelador do
mundo”. A realidade social seria, assim, desvendada pelo escritor, que mostraria
suas injustiças com o objetivo de aboli-las. Dessa forma, ocorreria um pacto de ge-
nerosidadeentreautoreleitor,emqueumconfiarianooutroporqueambosseriam
livres – e, portanto, responsáveis para escolher como interferir na realidade social.
As principais ideias de Sartre, que abordam as relações entre literatura e
ética, foram concebidas no período entre as duas guerras mundiais, em que
muitos escritores de todo o mundo defendiam que a obra de arte deveria contri-
buir para a conscientização e para a emancipação das pessoas. Sartre discute o
papel do escritor, do leitor e da obra literária num mundo profundamente desigual
e afirmou que a liberdade é condição essencial para a existência humana.
Leia agora algumas reflexões de Sartre a esse respeito.
• Sobre a criação da obra literária:
engajamento: tomada
de posição em face
de questões políticas e
sociais.
[...] é preciso que a obra, por mais perversa e
desesperada que seja a humanidade aí representa-
da, tenha um ar de generosidade. Não que essa ge-
nerosidade deva exprimir-se por discursos edifi-
cantes ou por personagens virtuosas: ela não deve
sequer ser premeditada, e é bem verdade que não
se fazem bons livros com bons sentimentos. [...]
E se o mundo me é dado com suas injustiças, não é
para que eu as contemple com frieza, mas para que
as anime com minha indignação, para que as des-
vende e as crie com sua natureza de injustiças, isto
é, de abusos que devem ser suprimidos.
SARtRe, Jean-Paul. Que é a literatura?
São Paulo: Ática, 1999. p. 50.
• Sobre a leitura da obra literária:
[...] a leitura é um pacto de generosidade entre
o autor e o leitor; cada um confia no outro, conta com
o outro, exige do outro tanto quanto exige de si mes-
mo. Essa confiança já é, em si mesma, generosidade:
ninguém pode obrigar o autor a crer que o leitor
fará uso da sua liberdade; ninguém pode obrigar o
leitor a crer que o autor fez uso da sua. É uma decisão
livre que cada um deles toma independentemente.
SARtRe, Jean-Paul. Que é a literatura?
São Paulo: Ática, 1999. p. 46.
Jean-Paul Sartre (1905-1980) é considerado um dos maiores filósofos do século XX,
defensor do existencialismo, corrente filosófica que sustenta a ideia de que a exis-
tência precede a essência e de que o ser humano é livre para projetar a própria vida.
Seu relacionamento amoroso e intelectual com a também filósofa Simone de Beau-
voir (1908-1986) se tornou célebre por fugir às convenções da época (eles nunca foram
casados nem monogâmicos e moravam em casas separadas). Além de suas obras de
cunho filosófico, como o tratado O ser e o nada (1943), escreveu também romances,
como A Náusea (1938); contos, como O muro (1939); peças teatrais, como Mortos sem
sepultura (1946); e ensaios, como Que é a literatura? (1947).
James
Andanson/Apis/Sygma/Corbis/Latinstock
Capítulo 1
24
26. 1. Você vai ler agora três textos: o primeiro, escrito pelo brasileiro Ferreira Gullar; o
segundo, pelo moçambicano José Craveirinha; e o terceiro, pelos brasileiros Arnaldo
Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Britto, então integrantes da banda titãs. Leia
cada um deles com bastante atenção para responder às questões propostas.
Texto 1
Agosto 1964
Entre lojas de flores e de sapatos, bares
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro ‒ Leblon.
Volto do trabalho, à noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato,
um poema,
uma bandeira.
GULLAR, Ferreira. Agosto 1964. in: MORiCONi, Ítalo (Org.). Os cem melhores
poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 267.
Texto 2
Reza, Maria
(À minha mulher)
Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!
Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!
Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!
Lembre aos alunos que o poeta está se referindo mais especificamente à
dominação colonial portuguesa em Moçambique. Mas, nessa perspectiva,
a condição de opressão do negro estende-se por todo o mundo.
atividades
Filipe
Rocha/Arquivo
da
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Filipe
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Construindo um conceito de arte 25
27. Crias morrem à míngua de pão
vermes na rua estendem a mão à caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!
Bichos espreitam nas cercas de arame farpado
Curvam cansados dorsos ao peso das cargas
E também não são bichos
Mas gente humilhada, Maria!
Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança
Ah! Maria
põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos
e reza, Maria!
CRAVeiRiNHA, José. Obra poética. Maputo: imprensa Universitária, 2002. p. 188.
Texto 3
Comida
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.
ANtUNeS, Arnaldo; FROMeR, Marcelo; BRittO, Sergio. Comida. in: titãs.
Jesus não tem dentes no país dos banguelas. Rio de Janeiro: WeA, 1987. 1 CD. Faixa 2.
a) Com base no que aprendeu sobre literatura e engajamento, você afirmaria que
os três textos são engajados? Por quê?
b) escolha o texto de que mais gostou e, sobre ele, responda:
i. De que modo os aspectos da realidade estão retratados no texto?
ii. Como seu(s) autor(es) se posiciona(m) diante dessa realidade?
1. a) Espera-se que os alunos
identifiquem os três textos
como engajados, porque todos
apresentam um posicionamento
crítico de seus autores em
relação à realidade social.
1. b) Ver Manual – Item 2.
Gabriela
Ramos/<http://olheosmuros.tumblr.com>
Filipe
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Capítulo 1
26
28. 2. Leia o poema “O céu é mesmo um buraco”, do brasileiro Solano trindade (1908-1973),
considerado um dos mais importantes escritores afro-brasileiros.
O céu é mesmo um buraco
Todos os dias
na minha rua
passa um menino pro céu
num caixãozinho todo azul.
– de tosse?
– de febre?
– de que foi que ele morreu?
De fome
de necessidade
por todas essas coisas
passa menino pro céu...
O céu é no fim da minha rua
é um buraco
onde se bota o caixãozinho
tão bonitinho todo azul!
nunca vi nenhum subir
subir subir
de asinhas.
Só se acontece isso
com os meninos
de Copacabana
mas para os de Caxias
o céu é mesmo um buraco...
tRiNDADe, Solano. Canto negro. São Paulo: Nova Alexandria, 2006. p. 45.
a) Qual é o tema do poema? 2. a) O tema da mortalidade infantil.
b) em sua opinião, por que, na segunda estrofe, o poeta usa por três vezes o verbo
“subir”?
c) Qual é o efeito de sentido produzido pelo uso dos diminutivos “caixãozinho” e
“bonitinho” no texto? 2. c) Eles expressam afeto e ternura pela criança morta.
d) O poema faz referência a dois espaços da cidade do Rio de Janeiro: Copacabana
e Caxias. Que diferença poderia haver, segundo o eu lírico, entre a morte de
crianças nesses dois espaços?
e) em sua opinião, para as crianças que morrem muito cedo em razão de uma vida
precária, com pouca assistência, “o céu é mesmo um buraco”? Justifique sua
resposta.
3. Como vimos, muitos escritores expressam, no processo de composição de suas obras,
uma visão crítica da realidade que os cerca, discutindo temas e questões que exigem
de seus leitores um olhar mais atento à sociedade em que vivem. esse é o caso do
paulistano João Antônio (1937-1996), um dos mais importantes contistas brasileiros
do século XX, que ficou conhecido por sua irreverência e por sua postura combativa,
demonstrada em inúmeras entrevistas, palestras, e também em artigos de jornal.
Você lerá, a seguir, o trecho de uma entrevista concedida por ele no início dos anos
1990, na qual comenta seu empenho em conversar com os leitores, fala dos traços
fundamentais da cultura brasileira e qual seria a principal função da literatura num
país como o Brasil.
2. b) Sugestão: Para reforçar a ideia de que a suposta subida da
alma da criança para o céu é lenta e gradual.
2. e) Espera-se que os alunos
cheguem à conclusão de que,
para as famílias pobres do Brasil
e do mundo, a mortalidade
infantil é uma dura realidade.
Nesse sentido, mais que um
lugar de acolhimento e
consolação, o céu representaria
um lugar qualquer, onde vão
parar as crianças que não foram
devidamente assistidas, que
foram tratadas como “números”,
como apenas mais uma criança
que morreu e que é enterrada.
2. d) Copacabana é um bairro
de classe média, onde se
concentra uma população
com mais recursos materiais.
Caxias localiza-se no
subúrbio/periferia, onde
moram as pessoas mais
pobres e onde há menor
infraestrutura. O eu lírico
sugere que morrer em Caxias
é diferente de morrer em
Copacabana, dizendo que a
causa da morte da criança em
Caxias é a “necessidade”, a
precariedade da vida
cotidiana.
Filipe
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Construindo um conceito de arte 27
29. Leia com atenção a entrevista e reflita, na sequência, sobre o papel do escritor na
perspectiva de João Antônio.
[...]
Entrevistador – Como você vê o papel do escritor em um país como o Brasil?
João Antônio – Para mim, o escritor, enquanto escreve, é exclusivamente um escritor
– operário da palavra queimando olhos e criando corcunda sobre o papel e a máquina.
Pronto o livro, o autor brasileiro não deve fugir à realidade de que é um vendedor,
como um vendedor de cebolas ou batatas. Mas com uma diferença, é claro: no Brasil
o livro não é considerado como produto de primeira necessidade, como os cereais.
Também por isso, há de se sair a campo e de se divulgar o que se sabe fazer. Efetiva-
mente, é mais do que um camelô de sua área: conversa sobre a obra, mas o ideal é que
ouça muito o seu parceiro, o leitor. Que jamais se estabeleça um clima formal, douto-
ral, beletrístico, mas de debate, discussão, questionamento, amizade. Se o escritor se
enclausura numa torre, se atende apenas à onda geral da feira de vaidades que é a
chamada vida literária, jamais poderá sentir a realidade de seu público.
Entrevistador – Em sua opinião, o que falta à literatura brasileira?
João Antônio – Precisamos de uma arte literária, como de um teatro, de um cinema, de
um jornalismo, que firam, penetrem, compreendam, exponham, descarnem as nossas
áreasdevida.Nãoseráofutebolonossomaiortraçodecultura,omaisnacionaleomais
internacional, tão importante quanto o couro brasileiro ou o café of Brazil? A umbanda
nãoseráanossamaiseloquentereligião,tropicaledesconcertante,luso-afro-tupiniquim
por excelência, maldita e ingênua, malemolente e terrível, que gosta de sangue e gosta
de flores? A desconhecida vida de nossas favelas, local onde mais se canta e onde mais
existeumespíritocomunitário;ainéditavidaindustrial;osnossossubúrbiosesconden-
do quase sempre 75% de nossas populações urbanas; os nossos interiores – os nossos
intestinos, enfim, onde estão em nossa literatura? Para mim, o caminho é claro e, tam-
bém por isso, difícil – sem grandes mistérios e escolas. Um corpo a corpo com a vida
brasileira.Umaliteraturaqueseralenosfatosequenãoreleneles.Nisso,asuaprincipal
missão – ser a estratificação da vida de um povo e participar da melhoria e da modifi-
cação desse povo. Corpo a corpo. A briga é essa. Ou nenhuma.
ANtÔNiO, João. Malagueta, Perus e Bacanaço. São Paulo: Ática, 1998. p. 7-9. Fragmento.
a) Você concorda com as ideias defendidas por João Antônio? Para você, qual é a
função central do artista?
b) Você conhece algum movimento social organizado, empenhado na mudança da
realidade? Sabe qual é a sua “causa”, ou seja, quais são as suas reivindicações?
c) Você já participou ou participa de algum movimento, manifestação ou mesmo
de alguma campanha para a melhoria da condição de vida das pessoas? Conver-
se com os colegas sobre essas questões.
beletrístico: que diz
respeito às belas-artes,
à literatura amena.
enclausurar-se:
afastar-se do convívio
social.
malemolente: que tem
moleza, indisposição,
molejo.
estratificação:
sedimentação, fixação,
estabilização.
3. Depois de ler a entrevista com os alunos, incentive uma discussão para ampliar a compreensão
sobre a postura do escritor engajado. Comente com eles a preocupação de João Antônio em
valorizar o leitor e contribuir para sua conscientização. Esse posicionamento está em consonância
com o de Sartre. Leve os alunos a perceber que o rap, manifestação artística contemporânea, é
também uma forma de arte engajada, por exemplo.
Você já ouviu falar no documentário Lixo extraordinário? Nele, o
artista plástico brasileiro Vik Muniz registrou, ao longo de quase dois
anos, o processo vivido por um grupo de catadores de materiais reciclá-
veis, convidado a trabalhar na elaboração de seus próprios retratos,
produzidos em tamanho gigante, com colagem de sucata. O envolvi-
mento dos catadores com o projeto, a projeção internacional alcançada
pelo trabalho e, sobretudo, os sonhos e desejos de cada participante
revelam o potencial emancipador da arte, quando ela se torna acessível
a todos.
luz, câmera, linguagem
João Antônio Ferreira
Filho (1937-1996), escri-
tor paulista, é autor de
obras premiadas, como
Malagueta, Perus e Ba-
canaço (1963), Leão de
Chácara (1975), Dedo
Duro (1982) e Guarda-
dor (1992). teve um im-
portante papel como
jornalista, contribuindo
com publicações como
O Pasquim e Realidade.
Observador crítico do
cotidiano, João Antônio
construiu um retrato
preciso da marginalida-
de nas metrópoles.
Reprodução/Arquivo
pessoal
Divulgação/O2
Filmes/Intelligent
Media/Almega
Projects
Capítulo 1
28
30. AmpliAção
Leia, no verbete a seguir, os significados do termo “mito”.
mitos antigos e mitos contemporâneos
Comente com os alunos que as imagens de abertura desta seção representam um mito
antigo (a escultura de Netuno) e dois mitos contemporâneos e reais (Beyoncé e Usain Bolt).
Como você pode ver nas acepções 1, 2, 3, os mitos são relatos fantásticos que explicam, de forma simbólica,
o surgimento dos seres da natureza, as formas de organização social e alguns aspectos dos seres humanos.
De modo geral, os mitos constituem-se em uma das primeiras formas literárias de que se tem conheci-
mento e pretendem esclarecer, de um ponto de vista fictício, os acontecimentos do mundo e da vida huma-
na, tentando dar a eles algum sentido. São exemplos de mitos as narrativas que explicam a criação do
mundo e da humanidade, bem como as narrativas sobre deuses, heróis e personificações alegóricas, como
a inveja, a Calúnia, a Fama, a Velhice, a Verdade, a Amizade e a Piedade.
Com o desenvolvimento da Filosofia e das ciências, os mitos antigos perderam grande parte de sua
importância na organização da vida social, mas permaneceram os interesses literário, antropológico, socio-
lógico e filosófico que eles despertam nos leitores ainda hoje. Por meio desses mitos, é possível compreen-
der o modo como se organizavam, e ainda se organizam, algumas sociedades, assim como reconhecer as-
pectos da nossa personalidade, projetados nas ações e nos destinos dos seres mitológicos.
Foto
1:
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France-Presse;
foto
2:
The
Bridgeman
Art
Library/
Keystone
Brasil/Museu
do
Louvre,
Paris.;
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3:
Ververidis
Vasilis/Shutterstock
• substantivo masculino
1. relato fantástico de tradição oral,ger.protagoniza-
do por seres que encarnam as forças da natureza
e os aspectos gerais da condição humana; lenda
Exs.: m. e lendas dos índios do Xingu
os m. da Grécia antiga
o m. de Narciso
2. narrativaacercadostemposheroicos,queger.guar-
da um fundo de verdade
Ex.: o m. dos argonautas e do velocino de ouro
3. Rubrica:antropologia.
relato simbólico, passado de geração em geração
dentro de um grupo, que narra e explica a origem
de determinado fenômeno, ser vivo, instituição,
costume social
4. representação de fatos e/ou personagens históri-
cos, amplificados através do imaginário coletivo
e de longas tradições literárias orais ou escritas
Ex.: o m. em torno de Tiradentes
5. exposição alegórica de uma ideia qualquer,de uma
doutrina ou teoria filosófica; alegoria
6. representação idealizada do estado da humanida-
de, no passado ou no futuro
Ex.: m. do Eldorado
HOUAiSS, Antônio; ViLLAR, Mauro de Salles;
FRANCO, Francisco Manoel de Mello.
Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
29
Construindo um conceito de arte