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Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011
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                 IMAGENS DA VIDA INDÍGENA: UMA ANÁLISE DE
              ILUSTRAÇÕES EM LIVROS DE LITERATURA INFANTIL
                             CONTEMPORÂNEA
                                                                                             Verônica Simm1
                                                                                          Iara Tatiana Bonin2
Resumo
Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, que tem como foco as produções de
literatura que abordam a temática indígena. Trata-se, aqui, de um recorte, cujo objetivo é
discutir as representações que se produzem sobre os índios nas ilustrações de algumas
obras que compõem o acervo da pesquisa. Foram selecionados 10 livros para crianças,
ilustrados por três profissionais diferentes. No texto são apresentadas duas categorias
analíticas resultantes deste estudo: o uso de estereótipos na composição dos personagens
e algumas estratégias utilizadas pelos ilustradores para dar dinamicidade às representações
dos povos indígenas. Observa-se, nas imagens, uma tipificação que parece marcar tanto na
caracterização dos personagens, quanto na composição dos cenários das histórias, e que
tem por base alguns estereótipos. Por outro lado, a análise mostra que, em algumas obras,
os autores utilizam estratégias variadas na composição das ilustrações, aspecto que, em
certa medida, contribui para dar dinamicidade às representações.
Palavras-Chave: Estudos Culturais, Literatura Indígena, Literatura Infantil.


Introdução

         A temática indígena vem adquirindo expressividade na cena contemporânea, em
decorrência de variados fatores, e se destaca em muitas das produções como programas de
TV, filmes, documentários, exposições fotográficas, histórias em quadrinhos, entre outros.
         A literatura infantil também incorpora novos elementos e, matizada pelos discursos
que promovem a diversidade cultural, faz circular representações sobre a temática indígena.
É importante ressaltar, no entanto, que estas temáticas não surgem apenas nos dias atuais.
Bonin (2009, p. 1) destaca que os índios,

                                  tem integrado as narrativas literárias brasileiras há pelo menos dois séculos.
                                  Basta lembrarmos dos clássicos indianistas de José de Alencar – Iracema,
                                  O Guarani, ou dos poemas de Gonçalves Dias, compostos no século XIX.
                                  Especificamente para um público infantil, Monteiro Lobato escreveu, em
                                  1927, o livro As aventuras de Hans Staden, no qual Dona Benta é a
                                  narradora.
      De acordo com a autora, nas duas últimas décadas tem surgido um número cada vez
mais expressivo de obras que apresentam a vida indígena sob diferenciadas formas. De

1
 Graduanda do curso Artes Visuais da Universidade Luterana do Brasil – veronicasimm@via-rs.net.
2
 Doutora em Educação/ Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do
Brasil – iara.bonin@uol.com.br
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modo especial, destaca-se o surgimento da literatura indígena – um conjunto crescente de
obras escritas por autores de diferentes etnias. É neste contexto que se situa a pesquisa
Povos indígenas como personagens e autores da literatura que chega às escolas,
coordenado pela Profa. Dra. Iara Tatiana Bonin, que conta com o apoio da FAPERGS.
        Este trabalho é um pequeno recorte da referida pesquisa e tem o objetivo de discutir
como os índios vem sendo apresentados nas ilustrações de alguns livros de literatura infantil
e infanto-juvenil. O projeto de pesquisa conta, até agora, com um acervo composto por 120
livros que trazem personagens indígenas como protagonistas e apresentam narrativas
centradas no que chamamos de vida indígena. Tal acervo foi adquirido depois da realização
de um amplo levantamento de informações, em variadas fontes tais como as listagens do
PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola, os sites de editoras, acervos pessoais de
professores e colaboradores, além de algumas ferramentas de busca da internet, utilizando
como palavras-chave os nomes de alguns autores, ilustradores, e expressões de língua
indígena. Em um levantamento preliminar de dados encontramos 180 livros, 50 editoras, 67
autores e 58 ilustradores, sendo que esses números continuam crescendo, já que em março
de 2008 foi editada a Lei 11.645, instituindo a obrigatoriedade do estudo da história e da
cultura indígena nos estabelecimentos de ensino públicos e privados.
        Para análise, neste texto, foram selecionados 10 livros de literatura, ilustradas por
Mauricio Negro, Inez Martins e Maurício de Souza – este último foi incluído na análise por
ser um dos primeiros a criar personagens indígenas para histórias infantis e pela
repercussão do personagem Papa-Capim (um menino índio) no universo cultural infantil. A
escolha de dois outros ilustradores se deu da seguinte forma: inicialmente selecionamos o
autor indígena com maior numero de livros publicados – Daniel Munduruku. Em seguida
selecionamos 9 obras deste autor, ilustradas por dois profissionais diferentes Passamos a
analisar as ilustrações.
        Realizamos a leitura das histórias e a observação das imagens que compõem cada
obra, destacando algumas categorias e organizando-as na forma de um quadro-síntese. Em
especial, prestamos atenção aos marcadores utilizados para caracterizar os personagens
indígenas e os estereótipos que se expressam nestes materiais. A partir do quadro síntese e
da análise dos dados aí organizados, estabelecemos dois eixos de análise: uso de
estereótipos na composição dos personagens e os deslocamentos e estratégias que
dinamizam representações. Nas seções seguintes serão apresentados alguns destaques
relativos a cada um dos eixos de análise.

1. O uso de estereótipos na composição dos personagens indígenas

                                                       As imagens que formam nosso mundo são
                                                       símbolos, sinais, mensagens e alegorias.
        Iniciamos esta seção com uma epígrafe de Manguel (2001) na qual ele caracteriza a
imagem não como uma única coisa, mas como um leque de possibilidades de interpretação.
Elas são sinais de nossos entendimentos de mundo, são mensagens que recebemos e que
exigem de nós certo esforço de produção de sentido, e são, ainda, alegorias – nelas vemos
constituídas muitas de nossas fantasias. É neste sentido que entendemos a produtividade
das ilustrações dos livros de literatura. Entender como elas vão compondo formas de pensar
e de ver os povos indígenas parece-nos importante para reelaborarmos nossas maneiras de
entender e de nos relacionarmos com a diferença. A este conjunto de processos nos quais
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se estabelecem significados socialmente reconhecidos, podemos chamar de representação.
Para Woodward (2000, p. 17)
                               a representação inclui práticas de significação e os sistemas simbólicos por
                               meio dos quais significados são produzidos, posicionando-nos como
                               sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que
                               damos sentido à nossa existência e aquilo que somos. Podemos inclusive
                               sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e
                               aquilo no qual podemos nos tornar.
        As obras de literatura participam nestes processos, e contribuem para colocar em
circulação alguns significados sobre os povos indígenas. E, no contexto destas produções,
os ilustradores também estão envolvidos com esta produção de significados.
        O estudo mostra que, de um modo geral, nas ilustrações estão presentes alguns
estereótipos, que serviriam para construir uma imagem facilmente reconhecível. Em parte,
esta representação simplificada, e baseada em estereótipos se vincula ao entendimento de
que os leitores – crianças e jovens – não disporiam de elementos mais complexos para “ler”
uma imagem que não fosse óbvia. Tal entendimento poderia explicar a simplificação de
algumas cenas da vida indígena.
        Em alguns casos, os estereótipos acabam funcionando como marca distintiva ou
como característica principal na composição de uma imagem – é o caso do personagem
Papa-Capim, de Mauricio de Sousa – um indiozinho que facilmente reconhecemos, mesmo
que o personagem não esteja inserido nos quadrinhos, ou no contexto da floresta. A cor da
pele, o corte de cabelo, a tanga ao estilo norte americano são, por exemplo, os traços que
distinguem este personagem. No caso de Inez Martins os protagonistas de duas histórias
também são crianças, tal como o Papa-Capim e possuem características bastante
semelhantes às daquele personagem. No entanto, pode-se observar algumas marcas
próprias do desenho desta ilustradora – as imagens são mais elaboradas, contam com um
número maior de elementos que constituem a representação de índios.
        Em relação à composição dos cenários, observa-se também certo apelo a
estereótipos, principalmente porque as histórias ocorrem quase sempre em ambientes
naturais, estabelecendo um vinculo entre índio e natureza.
        No caso de Papa-Capim, pode-se dizer que o personagem circula em diversificados
ambientes – na cidade, em museus, na praia, na escola, na casa de outros personagens por
exemplo. No entanto, na maioria das histórias em quadrinhos o ambiente é a floresta –
reafirmando a vinculação entre índio e natureza, discutida por Bonin (2008 e 2009). Apenas
para ilustrar essa afirmação, apresentamos abaixo duas imagens do personagem –
disponíveis na internet.




                      Figura 1: Dança do Papa Capim, ilustrado por Maurício de Souza (1991)
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                            Figura 2: Papa Capim e um amigo, ilustrado por Maurício de Souza


       A primeira imagem3 mostra o personagem junto a outros indizinhos “dançando e
cantando à luz do luar” – os meninos em círculo, com lanças nas mãos como que
celebrando uma boa caçada e as meninas observando, ao fundo e à direita. Já na segunda
imagem4 Papa Capim e seu melhor amigo observam ao longe a cidade grande e estranham
o ambiente (os balões indicativos de diálogo fazem pensar em ingenuidade, que seria típica
dos habitantes da mata, a partir de uma imagem baseada em estereótipos).
         É importante destacar, mesmo que de modo breve, o entendimento de estereótipo
que orienta esta análise. Este conceito se liga a ideia de simplificação dos traços que
marcam um sujeito ou uma figura. Mas não se trata de falseamento ou de representação
equivocada das coisas. De acordo com Bhabha (2005, p. 117) “o estereótipo não é uma
simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação
porque é uma forma presa, fixa de representação”. Em outras palavras, ao utilizar
estereótipos, o que fazemos é manter a representação estável, sempre de um mesmo
modo, para ser facilmente apreendida.
            Estereótipos funcionam como
                                  um dispositivo de economia semiótica, onde a complexidade do outro é
                                  reduzida a um conjunto mínimo de signos: apenas o mínimo necessário
                                  para lidar com a presença do outro sem ter que se envolver com o custoso
                                  e doloroso processo de lidar com as nuances, as sutilezas e profundidades
                                  da alteridade (SILVA, 1999, p. 51).
        Por essa razão, argumenta Hall (1997, p. 258), “o estereótipo reduz, essencializa,
naturaliza e estabelece a diferença”. Talvez essa seja a principal questão a ser pontuada –
ao naturalizarmos as características de um sujeito em geral somos impelidos a atribuir estas
mesmas características a todos os que identificamos como seus pares – a expressão
coloquial “viu um índio, viu todos”, se aplica muito bem a esta simplificação. O uso
estereótipo impede que sejamos sensíveis ao movimento e ao dinamismo das culturas, de
um modo geral, e das culturas indígenas, em particular.



3
  Disponível em http://www.institutoricardobrennand.org.br/pinacoteca/quadroes/imagem8g.jpg, aceso em 25 de
setembro de 2010.
4
   Disponível em http://peregrinacultural.files.wordpress.com/2009/06/floresta-diminuindo.jpg?w=510&h=316,
aceso em 25 de setembro de 2010.
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       Pensando esta questão relacionada à caracterização dos corpos indígenas, Bonin
(2008, p. 122) afirma:
                                  Narrados através de estereótipos, os povos indígenas adquirem, na maioria
                                  das produções escolares, feições genéricas, ficas, homogenias, sendo esse
                                  um efeito de relações de poder. Nesse sentido, é importante indagar sobre
                                  as representações que circulam mais amplamente e que constituem nossas
                                  maneiras de entender as culturas indígenas.
       Para pensar essa questão, retomamos as capas de três livros ilustrados por Inez
Martins – Um Sonho que não Parecia Sonho, Caçadores de Aventura, O Sumiço da Noite,
todos de autoria de Daniel Munduruku, destacadas abaixo (imagens disponíveis na internet5)




                       Figura 3: Capas de obras de Daniel Munduruku, ilustradas por Inez Martins


        Em duas delas os protagonistas são meninos caracterizados com indumentárias
especificas, adornos corporais característicos, como colares de dentes de animais ou de
sementes; ornamentos com penas, pinturas corporais. Eles portam arco e flecha, e
apresentam um corte de cabelo considerado “próprio” dos povos indígenas. Na capa de Um
Sonho que não Parecia Sonho um menino aparece deitado numa rede, com um semblante
sorridente. Ao fundo, destaca-se um luar e um céu estrelado. Tal imagem faz pensar na
simplicidade e na tranquilidade que imaginamos caracterizar a vida indígena. Já na capa de
Caçadores de Aventura, destaca-se um grupo constituído por cinco meninos portando arco
e flecha em um cenário natural, ilustração que nos remete a representação de índios como
exímios caçadores, vivendo dos recursos oferecidos pela natureza. O fato de não haver
menina no grupo também remete a noção de que a floresta seria espaço masculino e o
âmbito doméstico seria feminino.
        A terceira obra – O Sumiço da Noite – trás como ilustração de capa um homem
indígena que, tal como os meninos tem o corpo pintado e coberto somente com adereços e
ornamentos como brincos, colares e pulseiras. No entanto ele é representado com dois
símbolos de poder, que estabelecem certo lugar hierárquico em relação aos outros
personagens: o cocar e um instrumento ritualístico (um recipiente no qual se guarda os
segredos da noite). Em outras obras analisadas, utilizam-se recursos diversificados para
compor as ilustrações. É o que discutimos na seção seguinte.

2. Estratégias para dar dinamicidade às representações

        Ao que parece, o uso de técnicas diferenciadas e materiais diversos pode produzir
certos deslocamentos também nos significados que atribuímos à vida indígena. Em seis dos
livros analisados, o ilustrador – Mauricio Negro - lança mão de muitos elementos para

5
    Disponível em http://www.livrariacultura.com.br, acesso em 13 de setembro de 2010.
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    Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador                                                         92



produzir as ilustrações. Um deles é a utilização de pigmentos extraídos de sementes, raízes,
plantas, bem como anilinas e outros corantes naturais, que dão vida aos cenários e
personagens.
       O ilustrador destas obras é apresentado, na contracapa do livro A palavra do Grande
Chefe, com os seguintes termos:
                                  [Mauricio Negro] tem se dedicado a desenvolver a técnica ancestral da
                                  pirogravura, colorizada com pigmentos e recursos naturais e algumas vezes
                                  combinadas com materiais rústicos ou reaproveitados, colagens e
                                  estampas. Em alguns momentos flerta com os registros rupestres, étnicos
                                  ou primitivos. Em outros dialoga com a chamada arte popular; quase
                                  sempre em busca de uma releitura simbólica dessas influências ante o
                                  imaginário contemporâneo.
      A releitura simbólica proposta pelo ilustrador oferece, a nosso ver, possibilidades
também para uma releitura de outros aspectos contidos na história. Não se trata de um
ambiente simples, linear, e sim de um mundo complexo e com múltiplas possibilidades.
Destacamos algumas ilustrações dos livros de literatura escritos por Daniel Munduruku, para
exemplificar o uso de variadas técnicas6.




       Figura 4: Imagem da obra A palavra do Grande Chefe, de autoria de Daniel Munduruku, ilustrada por Mauricio Negro.




                        Figura 5: Capas de duas obras de Daniel Munduruku, ilustradas por Mauricio Negro.


6
    Imagens retiradas do site http://mauricionegro.blogspot.com, acesso em 15 de setembro de 2010.
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        Os sentidos destas ilustrações não são óbvios e exigem do leitor uma observação
mais detida e a produção de significados diferentes. Nas imagens em destaque o ilustrador
mescla de elementos orgânicos - fibras vegetais, sementes, folhas, cascas de árvore, pena,
terra, conchas - para produzir texturas e efeitos na composição da imagem. Também se
destaca o uso da pirogravura, técnica na qual as figuras são construídas com a queima do
material utilizado como suporte principal do desenho (que, nestas ilustrações é quase
sempre a madeira). Chama atenção, em particular, as montagens feitas com elementos
diversos – destacados acima – que, depois de ordenados de modo a compor uma imagem
desejada pelo autor, são fotografados.
        As ilustrações possuem, em alguns casos, texturas e relevos, o que também
colabora para que o leitor detenha-se por certo tempo a observá-las. Assim, lendo os textos
e lendo as imagens, ele configura os sentidos da história. Vale ressaltar, ainda, que alguns
ilustradores dedicam-se ao estudo e à pesquisa das tradições do povo indígena que
protagoniza a história e, desse modo, incorporam elementos característicos daquela etnia
em particular: arte plumária, cestaria, pinturas corporais específicas, que não se confundem
com outras etnias.
        Neste sentido, pode-se destacar uma ilustração do livro A primeira estrela que vejo é
a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas de amor. Nela, destaca-se uma
imagem em pirogravura de uma mulher indígena, com pinturas e ornamentos característicos
do povo Karajá. Além disso, a imagem construída assemelha-se às meninas-moças
modeladas em barro pelos próprios Karajá.




    Figura 6: Imagem da obra A palavra do Grande Chefe, de autoria de Daniel Munduruku, ilustrada por Mauricio Negro



      Também parece relevante destacar, de certas ilustrações, a incorporação de
aspectos vinculados às tradições, à história, à religiosidade dos povos indígenas – na
mesma ilustração destacada acima, há outra imagem – desta vez de um homem que
aparece com um cocar que envolve toda a cabeça, cujas penas estão posicionadas na
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forma de raios, que lembram o sol. A iluminação em torno desta imagem é mais intensa e
ela parece iluminar – e, quem sabe, orientar, a menina-moça, estabelecendo, deste modo,
um sentido que se liga à divindade.
       Por fim, ainda que o texto dessas histórias seja relativamente simples (uma vez que
elas são classificadas como literatura infantil ou infanto-juvenil) os investimentos em
algumas ilustrações são quase sempre mais complexas, possibilitando variadas leituras. Há
elementos para fácil reconhecimento dos personagens e acontecimentos da história, mas há
também o uso de técnicas variadas acaba dando uma dinamicidade para as ilustrações.
       Tudo isso colabora para produzir representações variáveis das culturas e formas de
viver dos povos indígenas, rompendo, ainda que parcialmente, com a imagem
homogeneizada da figura do índio, tão comum em manuais escolares e em ilustrações que
circulam em diferentes mídias. É importante ressaltar, contudo, que as pessoas interpretam
as mesmas imagens visuais de modos bem distintos. Por essa razão, e em sintonia com as
teorizações dos Estudos Culturais, ao olharmos para as ilustrações das obras infantis não
estamos buscando interpretar o “real” sentido que elas teriam, mas sim discutir algumas das
possíveis mensagens que elas nos endereçam.

Palavras Finais

         As questões considerações trazidas neste texto mostram que as ilustrações não
cumprem um papel secundário na narrativa, especialmente quando falamos em literatura
infantil. Muitas obras contemporâneas, aliás, possuem um entrelaçamento entre texto verbal
e imagético, de tal modo que, sem as ilustrações, a história narrada não teria sentido. Em
certos livros, as imagens fazem muito mais do que ilustrar as histórias, elas efetivamente
compõem a narrativa.
         E essas produções imagéticas colocam em cena uma variedade de significados e de
representações, que tanto podem confirmar mensagens contidas nos textos verbais, quanto
podem estabelecer certos deslocamentos e, assim, ampliar o leque de sentidos É nesta
direção que podemos entender, como o faz Manguel (2001, p. 27), que “as imagens, assim
como as palavras, são matérias de que somos feitos. Com elas vamos constituindo as
coisas e as pessoas com as quais nos relacionamos, e vamos constituindo nosso próprio
olhar e nossas maneiras de pensar a vida”. Este autor salienta também que, alo lermos
imagens de variados tipos – pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas – articulamos a
elas outros elementos (um caráter temporal, um olhar tridimensional, por exemplo). Assim, a
imagem que nos é apresentada em uma moldura, nos limites de uma página do livro, é
movimentada para muitas direções – o que o texto disse antes, o que ainda virá.
Conferimos, deste modo, certo sentido de movimento e dinamismo ao que, no suporte do
livro, aparece de modo fixo.

Referências

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
BONIN, Iara Tatiana. Com quais palavras se narra a literatura infantil e infanto-juvenisl que
    chega às escolas. In: SILVEIRA, Rosa Maria H. Estudos Culturais para professor@s.
    Canoas: Editora da ULBRA, 2008, p. 115-133.
______. Cenas da vida indígena na literatura que chega às escolas. In: Série-Estudos –
     Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande: UCDB, n. 27, jan/jun.
     2009, p. 97-109.
Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011
 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador                                95



MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia
   das Letras, 2001.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In.
   SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
   culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 7-72.

Obras Analisadas

MUNDURUKU, Daniel. A palavra do grande chefe. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo:
   Global, 2008.
________. Parece que foi ontem. Ilustrações Mauricio negro. São Paulo: Global, 2006.
________. Outras tantas histórias indígenas de origem das coisas e do Universo. Ilustrações
     Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2008.
________. A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas
     de amor. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2007.
________. O banquete dos deuses: conversa sobre a origem da cultura brasileira.
     Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2009.
________.O Sumiço da Noite. Ilustrações Inez Martins. São Paulo: Editora Caramelo, 2006.
________. Caçadores de Aventuras. Ilustrações Inez Martins. São Paulo: Editora Caramelo,
     2006.
________. Um sonho que não parecia sonho. Ilustrações Inez Martins. São Paulo: Editora
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________. O Karaíba: Uma História do Pré-Brasil. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo:
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SOUSA, Mauricio de. Manual do índio do Papa-Capim. São Paulo: Globo, 2003.

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  • 1. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 87 IMAGENS DA VIDA INDÍGENA: UMA ANÁLISE DE ILUSTRAÇÕES EM LIVROS DE LITERATURA INFANTIL CONTEMPORÂNEA Verônica Simm1 Iara Tatiana Bonin2 Resumo Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, que tem como foco as produções de literatura que abordam a temática indígena. Trata-se, aqui, de um recorte, cujo objetivo é discutir as representações que se produzem sobre os índios nas ilustrações de algumas obras que compõem o acervo da pesquisa. Foram selecionados 10 livros para crianças, ilustrados por três profissionais diferentes. No texto são apresentadas duas categorias analíticas resultantes deste estudo: o uso de estereótipos na composição dos personagens e algumas estratégias utilizadas pelos ilustradores para dar dinamicidade às representações dos povos indígenas. Observa-se, nas imagens, uma tipificação que parece marcar tanto na caracterização dos personagens, quanto na composição dos cenários das histórias, e que tem por base alguns estereótipos. Por outro lado, a análise mostra que, em algumas obras, os autores utilizam estratégias variadas na composição das ilustrações, aspecto que, em certa medida, contribui para dar dinamicidade às representações. Palavras-Chave: Estudos Culturais, Literatura Indígena, Literatura Infantil. Introdução A temática indígena vem adquirindo expressividade na cena contemporânea, em decorrência de variados fatores, e se destaca em muitas das produções como programas de TV, filmes, documentários, exposições fotográficas, histórias em quadrinhos, entre outros. A literatura infantil também incorpora novos elementos e, matizada pelos discursos que promovem a diversidade cultural, faz circular representações sobre a temática indígena. É importante ressaltar, no entanto, que estas temáticas não surgem apenas nos dias atuais. Bonin (2009, p. 1) destaca que os índios, tem integrado as narrativas literárias brasileiras há pelo menos dois séculos. Basta lembrarmos dos clássicos indianistas de José de Alencar – Iracema, O Guarani, ou dos poemas de Gonçalves Dias, compostos no século XIX. Especificamente para um público infantil, Monteiro Lobato escreveu, em 1927, o livro As aventuras de Hans Staden, no qual Dona Benta é a narradora. De acordo com a autora, nas duas últimas décadas tem surgido um número cada vez mais expressivo de obras que apresentam a vida indígena sob diferenciadas formas. De 1 Graduanda do curso Artes Visuais da Universidade Luterana do Brasil – veronicasimm@via-rs.net. 2 Doutora em Educação/ Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil – iara.bonin@uol.com.br
  • 2. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 88 modo especial, destaca-se o surgimento da literatura indígena – um conjunto crescente de obras escritas por autores de diferentes etnias. É neste contexto que se situa a pesquisa Povos indígenas como personagens e autores da literatura que chega às escolas, coordenado pela Profa. Dra. Iara Tatiana Bonin, que conta com o apoio da FAPERGS. Este trabalho é um pequeno recorte da referida pesquisa e tem o objetivo de discutir como os índios vem sendo apresentados nas ilustrações de alguns livros de literatura infantil e infanto-juvenil. O projeto de pesquisa conta, até agora, com um acervo composto por 120 livros que trazem personagens indígenas como protagonistas e apresentam narrativas centradas no que chamamos de vida indígena. Tal acervo foi adquirido depois da realização de um amplo levantamento de informações, em variadas fontes tais como as listagens do PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola, os sites de editoras, acervos pessoais de professores e colaboradores, além de algumas ferramentas de busca da internet, utilizando como palavras-chave os nomes de alguns autores, ilustradores, e expressões de língua indígena. Em um levantamento preliminar de dados encontramos 180 livros, 50 editoras, 67 autores e 58 ilustradores, sendo que esses números continuam crescendo, já que em março de 2008 foi editada a Lei 11.645, instituindo a obrigatoriedade do estudo da história e da cultura indígena nos estabelecimentos de ensino públicos e privados. Para análise, neste texto, foram selecionados 10 livros de literatura, ilustradas por Mauricio Negro, Inez Martins e Maurício de Souza – este último foi incluído na análise por ser um dos primeiros a criar personagens indígenas para histórias infantis e pela repercussão do personagem Papa-Capim (um menino índio) no universo cultural infantil. A escolha de dois outros ilustradores se deu da seguinte forma: inicialmente selecionamos o autor indígena com maior numero de livros publicados – Daniel Munduruku. Em seguida selecionamos 9 obras deste autor, ilustradas por dois profissionais diferentes Passamos a analisar as ilustrações. Realizamos a leitura das histórias e a observação das imagens que compõem cada obra, destacando algumas categorias e organizando-as na forma de um quadro-síntese. Em especial, prestamos atenção aos marcadores utilizados para caracterizar os personagens indígenas e os estereótipos que se expressam nestes materiais. A partir do quadro síntese e da análise dos dados aí organizados, estabelecemos dois eixos de análise: uso de estereótipos na composição dos personagens e os deslocamentos e estratégias que dinamizam representações. Nas seções seguintes serão apresentados alguns destaques relativos a cada um dos eixos de análise. 1. O uso de estereótipos na composição dos personagens indígenas As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Iniciamos esta seção com uma epígrafe de Manguel (2001) na qual ele caracteriza a imagem não como uma única coisa, mas como um leque de possibilidades de interpretação. Elas são sinais de nossos entendimentos de mundo, são mensagens que recebemos e que exigem de nós certo esforço de produção de sentido, e são, ainda, alegorias – nelas vemos constituídas muitas de nossas fantasias. É neste sentido que entendemos a produtividade das ilustrações dos livros de literatura. Entender como elas vão compondo formas de pensar e de ver os povos indígenas parece-nos importante para reelaborarmos nossas maneiras de entender e de nos relacionarmos com a diferença. A este conjunto de processos nos quais
  • 3. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 89 se estabelecem significados socialmente reconhecidos, podemos chamar de representação. Para Woodward (2000, p. 17) a representação inclui práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa existência e aquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar. As obras de literatura participam nestes processos, e contribuem para colocar em circulação alguns significados sobre os povos indígenas. E, no contexto destas produções, os ilustradores também estão envolvidos com esta produção de significados. O estudo mostra que, de um modo geral, nas ilustrações estão presentes alguns estereótipos, que serviriam para construir uma imagem facilmente reconhecível. Em parte, esta representação simplificada, e baseada em estereótipos se vincula ao entendimento de que os leitores – crianças e jovens – não disporiam de elementos mais complexos para “ler” uma imagem que não fosse óbvia. Tal entendimento poderia explicar a simplificação de algumas cenas da vida indígena. Em alguns casos, os estereótipos acabam funcionando como marca distintiva ou como característica principal na composição de uma imagem – é o caso do personagem Papa-Capim, de Mauricio de Sousa – um indiozinho que facilmente reconhecemos, mesmo que o personagem não esteja inserido nos quadrinhos, ou no contexto da floresta. A cor da pele, o corte de cabelo, a tanga ao estilo norte americano são, por exemplo, os traços que distinguem este personagem. No caso de Inez Martins os protagonistas de duas histórias também são crianças, tal como o Papa-Capim e possuem características bastante semelhantes às daquele personagem. No entanto, pode-se observar algumas marcas próprias do desenho desta ilustradora – as imagens são mais elaboradas, contam com um número maior de elementos que constituem a representação de índios. Em relação à composição dos cenários, observa-se também certo apelo a estereótipos, principalmente porque as histórias ocorrem quase sempre em ambientes naturais, estabelecendo um vinculo entre índio e natureza. No caso de Papa-Capim, pode-se dizer que o personagem circula em diversificados ambientes – na cidade, em museus, na praia, na escola, na casa de outros personagens por exemplo. No entanto, na maioria das histórias em quadrinhos o ambiente é a floresta – reafirmando a vinculação entre índio e natureza, discutida por Bonin (2008 e 2009). Apenas para ilustrar essa afirmação, apresentamos abaixo duas imagens do personagem – disponíveis na internet. Figura 1: Dança do Papa Capim, ilustrado por Maurício de Souza (1991)
  • 4. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 90 Figura 2: Papa Capim e um amigo, ilustrado por Maurício de Souza A primeira imagem3 mostra o personagem junto a outros indizinhos “dançando e cantando à luz do luar” – os meninos em círculo, com lanças nas mãos como que celebrando uma boa caçada e as meninas observando, ao fundo e à direita. Já na segunda imagem4 Papa Capim e seu melhor amigo observam ao longe a cidade grande e estranham o ambiente (os balões indicativos de diálogo fazem pensar em ingenuidade, que seria típica dos habitantes da mata, a partir de uma imagem baseada em estereótipos). É importante destacar, mesmo que de modo breve, o entendimento de estereótipo que orienta esta análise. Este conceito se liga a ideia de simplificação dos traços que marcam um sujeito ou uma figura. Mas não se trata de falseamento ou de representação equivocada das coisas. De acordo com Bhabha (2005, p. 117) “o estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa de representação”. Em outras palavras, ao utilizar estereótipos, o que fazemos é manter a representação estável, sempre de um mesmo modo, para ser facilmente apreendida. Estereótipos funcionam como um dispositivo de economia semiótica, onde a complexidade do outro é reduzida a um conjunto mínimo de signos: apenas o mínimo necessário para lidar com a presença do outro sem ter que se envolver com o custoso e doloroso processo de lidar com as nuances, as sutilezas e profundidades da alteridade (SILVA, 1999, p. 51). Por essa razão, argumenta Hall (1997, p. 258), “o estereótipo reduz, essencializa, naturaliza e estabelece a diferença”. Talvez essa seja a principal questão a ser pontuada – ao naturalizarmos as características de um sujeito em geral somos impelidos a atribuir estas mesmas características a todos os que identificamos como seus pares – a expressão coloquial “viu um índio, viu todos”, se aplica muito bem a esta simplificação. O uso estereótipo impede que sejamos sensíveis ao movimento e ao dinamismo das culturas, de um modo geral, e das culturas indígenas, em particular. 3 Disponível em http://www.institutoricardobrennand.org.br/pinacoteca/quadroes/imagem8g.jpg, aceso em 25 de setembro de 2010. 4 Disponível em http://peregrinacultural.files.wordpress.com/2009/06/floresta-diminuindo.jpg?w=510&h=316, aceso em 25 de setembro de 2010.
  • 5. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 91 Pensando esta questão relacionada à caracterização dos corpos indígenas, Bonin (2008, p. 122) afirma: Narrados através de estereótipos, os povos indígenas adquirem, na maioria das produções escolares, feições genéricas, ficas, homogenias, sendo esse um efeito de relações de poder. Nesse sentido, é importante indagar sobre as representações que circulam mais amplamente e que constituem nossas maneiras de entender as culturas indígenas. Para pensar essa questão, retomamos as capas de três livros ilustrados por Inez Martins – Um Sonho que não Parecia Sonho, Caçadores de Aventura, O Sumiço da Noite, todos de autoria de Daniel Munduruku, destacadas abaixo (imagens disponíveis na internet5) Figura 3: Capas de obras de Daniel Munduruku, ilustradas por Inez Martins Em duas delas os protagonistas são meninos caracterizados com indumentárias especificas, adornos corporais característicos, como colares de dentes de animais ou de sementes; ornamentos com penas, pinturas corporais. Eles portam arco e flecha, e apresentam um corte de cabelo considerado “próprio” dos povos indígenas. Na capa de Um Sonho que não Parecia Sonho um menino aparece deitado numa rede, com um semblante sorridente. Ao fundo, destaca-se um luar e um céu estrelado. Tal imagem faz pensar na simplicidade e na tranquilidade que imaginamos caracterizar a vida indígena. Já na capa de Caçadores de Aventura, destaca-se um grupo constituído por cinco meninos portando arco e flecha em um cenário natural, ilustração que nos remete a representação de índios como exímios caçadores, vivendo dos recursos oferecidos pela natureza. O fato de não haver menina no grupo também remete a noção de que a floresta seria espaço masculino e o âmbito doméstico seria feminino. A terceira obra – O Sumiço da Noite – trás como ilustração de capa um homem indígena que, tal como os meninos tem o corpo pintado e coberto somente com adereços e ornamentos como brincos, colares e pulseiras. No entanto ele é representado com dois símbolos de poder, que estabelecem certo lugar hierárquico em relação aos outros personagens: o cocar e um instrumento ritualístico (um recipiente no qual se guarda os segredos da noite). Em outras obras analisadas, utilizam-se recursos diversificados para compor as ilustrações. É o que discutimos na seção seguinte. 2. Estratégias para dar dinamicidade às representações Ao que parece, o uso de técnicas diferenciadas e materiais diversos pode produzir certos deslocamentos também nos significados que atribuímos à vida indígena. Em seis dos livros analisados, o ilustrador – Mauricio Negro - lança mão de muitos elementos para 5 Disponível em http://www.livrariacultura.com.br, acesso em 13 de setembro de 2010.
  • 6. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 92 produzir as ilustrações. Um deles é a utilização de pigmentos extraídos de sementes, raízes, plantas, bem como anilinas e outros corantes naturais, que dão vida aos cenários e personagens. O ilustrador destas obras é apresentado, na contracapa do livro A palavra do Grande Chefe, com os seguintes termos: [Mauricio Negro] tem se dedicado a desenvolver a técnica ancestral da pirogravura, colorizada com pigmentos e recursos naturais e algumas vezes combinadas com materiais rústicos ou reaproveitados, colagens e estampas. Em alguns momentos flerta com os registros rupestres, étnicos ou primitivos. Em outros dialoga com a chamada arte popular; quase sempre em busca de uma releitura simbólica dessas influências ante o imaginário contemporâneo. A releitura simbólica proposta pelo ilustrador oferece, a nosso ver, possibilidades também para uma releitura de outros aspectos contidos na história. Não se trata de um ambiente simples, linear, e sim de um mundo complexo e com múltiplas possibilidades. Destacamos algumas ilustrações dos livros de literatura escritos por Daniel Munduruku, para exemplificar o uso de variadas técnicas6. Figura 4: Imagem da obra A palavra do Grande Chefe, de autoria de Daniel Munduruku, ilustrada por Mauricio Negro. Figura 5: Capas de duas obras de Daniel Munduruku, ilustradas por Mauricio Negro. 6 Imagens retiradas do site http://mauricionegro.blogspot.com, acesso em 15 de setembro de 2010.
  • 7. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 93 Os sentidos destas ilustrações não são óbvios e exigem do leitor uma observação mais detida e a produção de significados diferentes. Nas imagens em destaque o ilustrador mescla de elementos orgânicos - fibras vegetais, sementes, folhas, cascas de árvore, pena, terra, conchas - para produzir texturas e efeitos na composição da imagem. Também se destaca o uso da pirogravura, técnica na qual as figuras são construídas com a queima do material utilizado como suporte principal do desenho (que, nestas ilustrações é quase sempre a madeira). Chama atenção, em particular, as montagens feitas com elementos diversos – destacados acima – que, depois de ordenados de modo a compor uma imagem desejada pelo autor, são fotografados. As ilustrações possuem, em alguns casos, texturas e relevos, o que também colabora para que o leitor detenha-se por certo tempo a observá-las. Assim, lendo os textos e lendo as imagens, ele configura os sentidos da história. Vale ressaltar, ainda, que alguns ilustradores dedicam-se ao estudo e à pesquisa das tradições do povo indígena que protagoniza a história e, desse modo, incorporam elementos característicos daquela etnia em particular: arte plumária, cestaria, pinturas corporais específicas, que não se confundem com outras etnias. Neste sentido, pode-se destacar uma ilustração do livro A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas de amor. Nela, destaca-se uma imagem em pirogravura de uma mulher indígena, com pinturas e ornamentos característicos do povo Karajá. Além disso, a imagem construída assemelha-se às meninas-moças modeladas em barro pelos próprios Karajá. Figura 6: Imagem da obra A palavra do Grande Chefe, de autoria de Daniel Munduruku, ilustrada por Mauricio Negro Também parece relevante destacar, de certas ilustrações, a incorporação de aspectos vinculados às tradições, à história, à religiosidade dos povos indígenas – na mesma ilustração destacada acima, há outra imagem – desta vez de um homem que aparece com um cocar que envolve toda a cabeça, cujas penas estão posicionadas na
  • 8. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 94 forma de raios, que lembram o sol. A iluminação em torno desta imagem é mais intensa e ela parece iluminar – e, quem sabe, orientar, a menina-moça, estabelecendo, deste modo, um sentido que se liga à divindade. Por fim, ainda que o texto dessas histórias seja relativamente simples (uma vez que elas são classificadas como literatura infantil ou infanto-juvenil) os investimentos em algumas ilustrações são quase sempre mais complexas, possibilitando variadas leituras. Há elementos para fácil reconhecimento dos personagens e acontecimentos da história, mas há também o uso de técnicas variadas acaba dando uma dinamicidade para as ilustrações. Tudo isso colabora para produzir representações variáveis das culturas e formas de viver dos povos indígenas, rompendo, ainda que parcialmente, com a imagem homogeneizada da figura do índio, tão comum em manuais escolares e em ilustrações que circulam em diferentes mídias. É importante ressaltar, contudo, que as pessoas interpretam as mesmas imagens visuais de modos bem distintos. Por essa razão, e em sintonia com as teorizações dos Estudos Culturais, ao olharmos para as ilustrações das obras infantis não estamos buscando interpretar o “real” sentido que elas teriam, mas sim discutir algumas das possíveis mensagens que elas nos endereçam. Palavras Finais As questões considerações trazidas neste texto mostram que as ilustrações não cumprem um papel secundário na narrativa, especialmente quando falamos em literatura infantil. Muitas obras contemporâneas, aliás, possuem um entrelaçamento entre texto verbal e imagético, de tal modo que, sem as ilustrações, a história narrada não teria sentido. Em certos livros, as imagens fazem muito mais do que ilustrar as histórias, elas efetivamente compõem a narrativa. E essas produções imagéticas colocam em cena uma variedade de significados e de representações, que tanto podem confirmar mensagens contidas nos textos verbais, quanto podem estabelecer certos deslocamentos e, assim, ampliar o leque de sentidos É nesta direção que podemos entender, como o faz Manguel (2001, p. 27), que “as imagens, assim como as palavras, são matérias de que somos feitos. Com elas vamos constituindo as coisas e as pessoas com as quais nos relacionamos, e vamos constituindo nosso próprio olhar e nossas maneiras de pensar a vida”. Este autor salienta também que, alo lermos imagens de variados tipos – pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas – articulamos a elas outros elementos (um caráter temporal, um olhar tridimensional, por exemplo). Assim, a imagem que nos é apresentada em uma moldura, nos limites de uma página do livro, é movimentada para muitas direções – o que o texto disse antes, o que ainda virá. Conferimos, deste modo, certo sentido de movimento e dinamismo ao que, no suporte do livro, aparece de modo fixo. Referências BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. BONIN, Iara Tatiana. Com quais palavras se narra a literatura infantil e infanto-juvenisl que chega às escolas. In: SILVEIRA, Rosa Maria H. Estudos Culturais para professor@s. Canoas: Editora da ULBRA, 2008, p. 115-133. ______. Cenas da vida indígena na literatura que chega às escolas. In: Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande: UCDB, n. 27, jan/jun. 2009, p. 97-109.
  • 9. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 95 MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In. SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 7-72. Obras Analisadas MUNDURUKU, Daniel. A palavra do grande chefe. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2008. ________. Parece que foi ontem. Ilustrações Mauricio negro. São Paulo: Global, 2006. ________. Outras tantas histórias indígenas de origem das coisas e do Universo. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2008. ________. A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas de amor. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2007. ________. O banquete dos deuses: conversa sobre a origem da cultura brasileira. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Global, 2009. ________.O Sumiço da Noite. Ilustrações Inez Martins. São Paulo: Editora Caramelo, 2006. ________. Caçadores de Aventuras. Ilustrações Inez Martins. São Paulo: Editora Caramelo, 2006. ________. Um sonho que não parecia sonho. Ilustrações Inez Martins. São Paulo: Editora Caramelo, 2007. ________. O Karaíba: Uma História do Pré-Brasil. Ilustrações Mauricio Negro. São Paulo: Amarilys/Manole, 2009. SOUSA, Mauricio de. Manual do índio do Papa-Capim. São Paulo: Globo, 2003.