O documento discute a derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2014 e critica a dependência excessiva do orgulho nacional no futebol. O autor argumenta que o Brasil tem outras riquezas além do futebol que merecem mais atenção e que a derrota foi um acidente, não um reflexo da capacidade do técnico ou dos jogadores.
1. Qualquer um que me conheça poderá dizer que está longe de ser de meu
feitio falar sobre futebol. Nasci no Brasil, mas eu odeio o esporte com uma
paixão fervente. No entanto, os recentes acontecidos demandam de todos
que se posicionem de alguma maneira. Aqui está a minha singela opinião.
Vamos abordar o assunto em etapas. Já disse que não gosto de futebol, e,
já que não gosto, não é difícil concluir que eu não entenda de táticas e
estratégias, portanto não é sobre isso que vou tratar aqui.
Começamos do início, da escalação. Naquela época, ninguém com um
nome de peso dizia que deveria ser levado este
ou aquele jogador ao invés deste ou daquele
outro. Havia, cito a maior formadora de opinião
desse país, um “clima de consenso” em torno da
lista de convocados. Agora é muito fácil dizer
que um jogador de “experiência” poderia ter
substituído um outro, que a dita má fase de
certo jogador deveria ser relevada. Se a cúpula técnica da CBF tivesse feito
as alterações tardiamente propostas por estes comentaristas,
profissionais ou não, talvez tivesse sido criticada há 40, 50 dias atrás
quando fez o anúncio dos jogadores que comporam a seleção brasileira na
sua última campanha. Depois, quaisquer alterações não seriam nenhuma
garantia de vitória.
Digo mais, posso estar errado, mas eu acredito que o “clima de consenso”
que surgiu na convocação foi porque ela refletiu quase perfeitamente a
seleção campeã da Copa das Confederações, melhor ainda, porque ela
refletiu a seleção que ganhou da Espanha, a Invencível Armada do nosso
tempo, que, como aquela pretérita, fez uma cena ridícula e naufragou
facilmente em uma situação em que era a favorita.
Outra possível razão dada pelo
fracasso da seleção brasileira foi o
establishment de tal esporte no
nosso país. Sinto informar, mas a
figura do cartola é global. Casos de
corrupção assolam o esporte, todas
as modalidades, mas especialmente
2. o futebol. A Fifa é uma das instituições mais corruptas do mundo, se os
sucessivos escândalos são qualquer indicativo, os grandes times europeus
são financiados com recursos de origem dúbia da mão de conhecidos
“chefões” da assim chamada “máfia russa”. No Oriente Médio, esse
esporte é um dos muitos caprichos de uma aristocracia hedonista e
decadente, que queima recursos falsamente considerados como infinitos
e que, na concepção mais amplamente difundida, seriam de propriedade
pública nacional. Acredita-se até que um dos países daquela região, o
Catar, tenha literalmente comprado o direito de sediar a Copa do Mundo
por meio de infindáveis esquemas de pagamento de propinas.
Eu poderia citar, expor e explicar detalhadamente vários esquemas de
corrupção envolvendo o esporte, mas esse não é o propósito do texto.
Sigamos adiante. Sobre a imagem que o técnico Luís Felipe Scolari teve
durante o mundial.
Até a fatídica data, Scolari era, por falta de palavra melhor, deificado por
sua posição enquanto técnico da seleção brasileira. Era quase nauseante a
quantidade absurda de tempo em que ele aparecia na rede de televisão
aberta deste país. A sensação era que todas
as empresas eram patrocinadoras oficiais de
alguma coisa relacionada ao mundial e/ou a
seleção brasileira, que todas elas tinham
Scolari como garoto-propaganda. Entre final
de janeiro e início de maio, de acordo com
rankings da organização Controle da
Concorrência, Neymar, Ronaldo, Luís Felipe
Scolari e Hulk em 1653 inserções nas redes de
TV Globo, Bandeirantes, Record, SBT e Rede TV.
E, em um espaço de 90 minutos, ele se torna, cito, “asqueroso”. A
inconstância do comportamento desta nação é comparável ao de uma
criança que é facilmente distraída com um doce ou um objeto brilhante.
O senhor Luís Felipe Scolari é um ser humano merecedor de dignidade. Eu
já acho um absurdo que os jogadores o chamem de “professor”, e não de
S. Ex. Sr. Técnico Luís Felipe Scolari. O máximo que ele poderia ser
chamado pela imprensa, e quem quer que fosse, nos limites do aceitável,
3. é de “incompetente”, alcunha que não me cabe taxar ou não o atual
técnico da seleção brasileira. E mais, ninguém perde intencionalmente,
Scolari fez tudo no limite de sua capacidade, não lhe é justo queimá-lo em
praça pública pelo resultado mais que infortúnio.
A imagem da criança crédula me volta a mente quando eu vejo os limites
que alguns dos meus conterrâneos vão em nome desse esporte. É
admissível se entristecer, sentir-se
desapontado, desanimado, verter
algumas lágrimas. Mas não há
justificativa se comportar como se
em um velório, ou pior, queimar
bandeiras, atacar estrangeiros,
tentar subverter a ordem,
desrespeitar altas autoridades, e
outros espetáculos patéticos que só reforçam a imagem nefasta que o
mundo tem de nós: selvagens incivilizados vivendo em uma selva.
A imprensa tem a sua parcela de culpa nestas reações inflamadas da
sociedade ao passo que esta deu motivações e atenção às injúrias a Scolari
como também perpetua a ideia do futebol como fonte única de orgulho
nacional. Não havia jornal, revista, site ou programa de televisão que não
falasse no assunto da derrota do Brasil para a Alemanha por 7 gols a 1. E
mais, o jornalismo morre durante a
Copa do Mundo, visto que nenhuma
outra coisa é noticiada em veículo
nenhum. Vou deixar bem claro um
ponto: ninguém, repito, ninguém
precisa de informações de hora em
hora de cada minúsculo movimento de
qualquer agremiação de futebol ou
pseudo-estatísticas de décadas de idade, isso não acrescenta em nada na
vida do cidadão comum desta nação.
Despertamos pena na comunidade internacional. Isso é o que deveria
doer mais o nosso orgulho. Ontem, fomos dignos da generalizada piedade,
um cachorro morto que não vale a pena chutar.
4. Mas eu não culpo isso na Confederação Brasileira de Futebol, na Fifa, na
Dilma, no Alkmin ou no establishment. Eu culpo as gerações de brasileiros
que vieram antes de mim e
aqueles que me são
contemporâneos que elegeram
como únicas fontes de orgulho
nacional uma festa popular de
apoio minguante, uma
reputação de promiscuidade
ímpar, e uma tola atividade
física escrava dos desígnios do
azar. Temos outras riquezas que são desprezadas pela nossa gente. Uma
geografia piedosa, o melhor programa de combate a AIDS, uma das
melhores organizações de mídia do planeta, uma agropecuária fecunda,
uma vocação diplomática admirável.
Aos brasileiros só digo mais uma coisa: enxugue as lágrimas ou encontre
outra razão pela qual chorar, o hexacampeonato só foi adiado pelo menos
por quatro anos. Quanto a mim, eu dou este assunto como encerrado.
Pedro Klein Garcia
Ivinhema, 10 de julho de 2014
5. Crédito das Imagens:
André Durrão/Globoesporte.com
KAL/The Economist
Divulgação/Claro
Marcelo de Jesus/UOL
Avener Prado/Folhapress
Thomas Hodel/Reuters