1. ALFABETIZAÇÃO
Por onde começar?
Quando meus alunos precisam estar alfabetizados?
Pode-se alfabetizar na Educação Infantil?
Tire estas e outras dúvidas sobre alfabetização
01/11/2013 13:30
Adaptação do Texto Meire Cavalcante e Juliana Bernardino (edição)
I
nserir todas as crianças de seis anos em um ambiente alfabetizador foi um dos principais
objetivos da aprovação do Ensino Fundamental de 9 anos, em fevereiro de 2006. A
medida beneficiou crianças que não tinham acesso à Educação Infantil, ficando, muitas
vezes, completamente distantes da cultura escrita - o que poderia representar um obstáculo
para a sua experiência futura de alfabetização.
Apesar de a medida ser um passo importante, Telma Weisz, criadora do Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do Ministério da Educação, acredita
que ainda há muito a aprimorar na questão da alfabetização, sobretudo porque a tarefa não
é apenas dos professores das séries iniciais. "Estamos sempre nos alfabetizando, a cada
novo tipo de texto com o qual entramos em contato durante a vida", afirma.
Por essa razão, tratar leitura e escrita como conteúdo central em todos os estágios é a maior
garantia de sucesso que as escolas podem ter para inserir os estudantes na sociedade. É o
que fazem muitas professoras de 1ª a 4ª série de Catas Altas (MG), capacitadas pelo
Programa Escola que Vale. Mesmo recebendo crianças que não nunca tiveram contato com
o chamado mundo letrado antes da 1ª série, os educadores conseguem alfabetizar ao final
de um ano.
"Um fator determinante para a alfabetização é a crença do professor de que o aluno pode
aprender, independentemente de sua condição social", diz Antônio Augusto Gomes Batista,
diretor do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas
Gerais. Esse olhar do docente abre as portas do mundo da escrita para os que vêm de
ambientes que não ofereceram essa bagagem.
No município de São José dos Campos (SP), professores de Educação Infantil tentam evitar
essa defasagem, lendo diariamente para os pequenos. Assim, por meio de brincadeiras,
criam situações das quais a língua escrita faz parte. Já em Taboão da Serra, na Grande São
Paulo, duas especialistas de Língua Portuguesa e Ciências tiveram de correr atrás do
2. prejuízo com turmas de 5ª série que ainda apresentavam problemas de escrita. Para isso,
aliaram muita leitura a um trabalho sobre prevenção à aids, que fazia sentido para eles e
tinha uma função social.
Com base nessas experiências, relatadas a seguir, e na opinião de especialistas,
respondemos a nove questões sobre alfabetização, mostrando ser possível formar leitores e
escritores competentes em qualquer estágio do desenvolvimento.
1 - Meus alunos de 1ª série não têm contato com a escrita. Por onde começo?
O pouco acesso à cultura escrita se deve às condições sociais e econômicas em que vive
grande parte da população. O aluno que vê diariamente os pais folheando revistas,
assinando cheques, lendo correspondências e utilizando a internet tem muito mais facilidade
de aprender a língua escrita do que outro cujos pais são analfabetos ou têm pouca
escolaridade. Isso ocorre porque ao observar os adultos a criança percebe que a escrita é
feita com letras e incorpora alguns comportamentos como folhear livros, pegar na caneta
para brincar de escrever ou mesmo contar uma história ao virar as páginas de um gibi. Cabe
à escola oferecer essas práticas sociais aos estudantes que não têm acesso a elas. O ponto
de partida para democratizar o contato com a cultura escrita é tornar o ambiente
alfabetizador: a sala deve ter livros, cartazes com listas, nomes e textos elaborados pelos
alunos (ditados ao professor) nas paredes e recortes de jornais e revistas do interesse da
garotada ao alcance de todos. Esses são alguns exemplos de como a classe pode se tornar
um espaço provocador para que a criança encontre no sistema de escrita um desafio e uma
diversão. Outra medida para democratizar esses conhecimentos em sala de aula é ler
diariamente para a turma. "A criança lê pelos olhos do professor - porque ainda não pode
fazer isso sozinha -, mas vai se familiarizando com a linguagem escrita", explica a
educadora Patrícia Diaz, da equipe pedagógica do Centro de Educação e Documentação
para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.
2- Quando posso pedir que as crianças escrevam?
Elas devem escrever sempre, mesmo quando a escrita parece apenas rabiscos. Ao pegar o
lápis e imitar os adultos, elas criam um "comportamento escritor". E, ao ter contato com
textos e conhecer a estrutura deles, podem começar a elaborar os seus. No primeiro
momento, as crianças ditam e você, professor, escreve num papel grande. Além de pensar
na forma do texto, nessa hora os estudantes percebem, por exemplo, que escrevemos da
esquerda para a direita. "Mostro que a escrita requer um tempo de reflexão antes de ser
colocada no papel", afirma Cleonice Maria Rodrigues Magalhães, professora de 1ª série da
Escola Municipal Agnes Pereira Machado, em Catas Altas (MG). Ela participou do Programa
Escola que Vale, que capacitou professores de 1ª a 4ª série do município durante dois anos
e meio. Antes da escrita, as crianças devem definir quem será o leitor. Assim, quando você
lê o texto coletivo, elas imaginam se ele compreenderá a mensagem. Nas primeiras
3. produções haverá palavras repetidas, como "daí". Pelo contato diário com textos, os alunos
já são capazes de revisar e corrigir erros. "Com o tempo, antes mesmo de ditar, eles evitam
repetir palavras e pensam na melhor forma de contar a história", afirma Rosana Scarpel da
Silva, professora do Infantil IV (6 anos), da Escola Municipal de Educação Infantil Maria Alice
Pasquarelli, em São José dos Campos. Em paralelo, é importante convidar a garotada a
escrever no papel. Isso dá pistas valiosas sobre seu desenvolvimento.
3- Como faço todos avançarem se os níveis de conhecimento são muito diferentes?
Não há nada melhor em uma turma que a heterogeneidade. Como os níveis de
conhecimento são variados, existe aí uma grande riqueza para ser trabalhada em sala.
Organizar os alunos em grupos e duplas durante as atividades é fundamental para que eles
troquem conhecimentos. Mas essa mistura deve ser feita com critérios. É preciso agrupar
crianças que estejam em fases de alfabetização próximas. Quando você coloca uma que
usa muitas letras para escrever cada palavra trabalhando com outra que usa uma letra para
cada sílaba, a discussão pode ser produtiva. Como elas não sabem quem está com a razão,
ambas terão de ouvir o colega, pensar a respeito, reelaborar seu pensamento e argumentar.
Assim, as duas aprendem. Isso não ocorre, no entanto, se os dois estiverem em níveis muito
diferentes. Nesse caso, é provável que o mais adiantado perca a paciência e queira fazer o
serviço pelo outro.
4- Posso alfabetizar minha turma de Educação Infantil?
Sim, desde que a aprendizagem não seja uma tortura. Participar de aulas que despertem a
curiosidade e envolvam brincadeiras e desafios nunca será algo cansativo. Em turmas que
têm acesso à cultura escrita, a alfabetização ocorre mais facilmente. Por observar os
adultos, ouvir historinhas contadas pelos pais e brincar de ler e escrever, algumas crianças
chegam à Educação Infantil em fases avançadas. Por isso, oferecer acesso ao mundo
escrito desde cedo é uma forma de amenizar as diferenças sociais e econômicas que abrem
um abismo entre a qualidade da escolarização de crianças ricas e pobres. Dentro dessa
concepção, a rede municipal de São José dos Campos implementou horas de trabalho
coletivo para a formação continuada dos professores. Há um coordenador pedagógico por
escola e uma equipe técnica responsável pelo acompanhamento dos coordenadores. As
crianças de 3 a 6 anos atendidas pela rede aprendem, brincando, a usar socialmente a
escrita. Em sala, os professores lêem diariamente e promovem brincadeiras. Os pequenos
identificam com seu nome pastas e materiais, usam crachás, produzem textos coletivos que
ficam expostos nas paredes e têm sempre à mão livros e brinquedos. "Nossas atividades
incentivam a pensar sobre a escrita, tornando-a um objeto curioso a ser explorado. E tudo de
forma dinâmica, porque a dispersão é rápida", conta Clarice Medeiros, professora do Infantil
III (5 anos) da escola Maria Alice Pasquarelli. "No ano passado, quando recebi os alunos de
3 anos, eles já sabiam diversos poemas e conheciam Vinicius de Moraes. Também
4. identificavam as diferenças entre alguns gêneros textuais", lembra Liliane Donata Pereira
Rothenberger, professora do Infantil II (4 anos). De acordo com a orientadora pedagógica
Helena Cristina Cruz Ruiz, o objetivo é desenvolver o comportamento leitor desde cedo para
que os alunos se comuniquem bem, produzam conhecimentos e acessem informações.
5- Faz sentido oferecer textos a estudantes não-alfabetizados?
Canções, poesias e parlendas são úteis para se chegar à incrível mágica de fazer a criança
ler sem saber ler. Quando ela decora uma cantiga, pode acompanhar com o dedinho as
letras que formam as estrofes. Conhecendo o que está escrito, resta descobrir como isso foi
feito. Se o aluno sabe que o título é Atirei o Pau no Gato, ele tenta ler e verificar o que está
escrito com base no que sabe sobre as letras e as palavras - sempre acompanhado pelo
professor. O leitor eficiente só inicia a leitura depois de observar o texto, sua forma, seu
portador (revista, jornal, livro etc.) e as figuras que o acompanham e imaginar o tema. Pense
que você nunca viu um jornal em alemão. Mesmo sem saber decifrar as palavras, é possível
"ler". Se há uma foto de dois carros batidos, por exemplo, deduz-se que a reportagem é
sobre um acidente. Ao mostrar vários gêneros, você permite à criança conhecer os aspectos
de cada um e as pistas que trazem sobre o conteúdo. Assim, ela é capaz de antecipar o que
virá no texto, contribuindo para a qualidade da leitura.
6- Como seleciono e uso os textos em sala?
Segundo Patrícia Diaz, do Cedac, é preciso ter critérios e objetivos bem estabelecidos ao
escolher os textos. Por exemplo: se ao tentar diversificar os gêneros você ler um por dia, os
alunos não perceberão as características de cada um. "O ideal é que a turma passeie por
diversos gêneros ao longo do ano, mas que o professor trace um plano de trabalho para se
aprofundar em um ou dois", afirma. Patrícia sugere a narração como base para o trabalho na
alfabetização inicial, pois ela permite ao aluno aprender sobre a estrutura da linguagem e do
encadeamento de idéias. A escolha dos textos deve ser feita de acordo com o repertório da
turma. É preciso verificar se a maioria dos alunos passou ou não pela Educação Infantil, que
experiência eles têm com a escrita e que gêneros conhecem. Durante a leitura de uma
revista, por exemplo, é importante chamar a atenção para títulos, legendas e fotos. Assim,
as crianças aprendem sobre a forma e o conteúdo. Se o texto é sobre plantas, percebem
que nomes científicos aparecem em itálico. "Por isso é fundamental trabalhar com os
originais ou fotocópias", ressalta Patrícia. Adaptar os textos também não é recomendável. As
crianças devem ter contato com obras originais, uma vez que, ao longo da vida, serão elas
que cruzarão o seu caminho. Se um texto é muito difícil para turmas de uma certa faixa
etária, o melhor é procurar outro, sobre o mesmo assunto, de compreensão mais fácil.
5. 7- Ao fim da 1ª série, todos devem estar alfabetizados?
Não necessariamente, apesar de ser recomendável. Se a criança foi exposta a textos e
leituras variadas e teve oportunidade de refletir sobre a língua e produzir textos, é bem
provável que ela termine essa série alfabetizada. Mas isso depende de outros fatores, como
ter cursado a Educação Infantil e recebido apoio dos pais em casa. "Crianças que não têm
esse contato com textos e que não convivem com leitores podem precisar de mais tempo
para aprender o sistema de escrita. Mas minha experiência mostra que nenhuma criança
leva mais de dois anos para isso", diz a educadora Telma Weisz, de São Paulo. Como na
educação não existem fôrmas em que se encaixem as crianças, é papel da escola oferecer
condições para que elas se desenvolvam, sempre respeitando o ritmo de cada uma. Quando
se adota o sistema de ciclos, isso ocorre naturalmente, pois os alunos têm possibilidade de
se aperfeiçoar no ano seguinte. Quando não há essa chance, eles correm o risco de
engrossar os índices de reprovação. O aluno pode iniciar a 2ª série ainda tendo que
melhorar a sua compreensão sobre o sistema de escrita, mas ao fim do segundo ano a
escola teve tempo suficiente para ensinar a todos.
8- Preciso ensinar o nome das letras?
Sim. Como a criança poderá falar sobre o que está estudando sem saber o nome das letras?
Ter esse conhecimento ajuda a turma a explicar qual letra deve iniciar uma palavra, por
exemplo. Para ensinar isso, basta citar o nome das letras durante conversas corriqueiras. Se
a criança está mostrando a que quer usar e não sabe o nome, basta que você a aponte e
diga qual é. Trata-se de algo que se aprende naturalmente e de forma rápida, sem precisar
de atividades de decoreba que cansam e desperdiçam o seu tempo e o do aluno.
9- Como ajudo alunos de 5ª série que ainda não lêem nem escrevem bem?
É angustiante para o professor receber crianças com problemas de alfabetização. Por não
conhecer o assunto, acredita que a escrita incorreta é indício de que elas não se
alfabetizaram. Mas nem sempre essa avaliação é verdadeira. O mais comum é a criança já
dominar a base alfabética, mas ter sérios problemas de ortografia e interpretação. Daí a
impressão de que ela não sabe ler e escrever. Foi essa experiência por que passaram as
professoras Valéria de Araújo Pereira, de Língua Portuguesa, e Jaidê Canuto de Sousa, de
Ciências, ambas da Escola Estadual Maria Catharina Comino, em Taboão da Serra (SP).
Em 2005, elas lecionavam para uma turma de 5ª série de recuperação de ciclos com muitos
problemas de escrita, o que as motivou a procurar a Diretoria de Ensino para participar do
programa Letra e Vida, oferecido pela rede paulista a professores de 1ª a 4ª série. "Fiquei
6. surpresa com a insistência das duas. Como havia vagas, abrimos uma exceção e valeu a
pena", diz Silvia Batista de Freitas, coordenadora-geral do programa na Diretoria de Ensino
da cidade. O curso iniciou em março. No segundo semestre, a turma de alunos foi distribuída
nas salas regulares. Com o objetivo de trabalhar a escrita, Valéria e Jaidê elaboraram um
projeto sobre aids. Os alunos assistiram a vídeos, debateram e levantaram o que sabiam e o
que gostariam de saber sobre o assunto. As leituras foram sistemáticas e diárias, com
pesquisas em livros, revistas, enciclopédias, internet e panfletos informativos - gênero
escolhido para ser o produto final do projeto. "Leitura e escrita não são apenas conteúdos de
Língua Portuguesa. São práticas necessárias em todas as disciplinas e em todas as séries",
diz Jaidê. "Por isso, temos a responsabilidade de conhecer o modo como os alunos
aprendem e assim estimulá-los a ser leitores e escritores mais competentes", conclui
Valéria.
Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/dicas-alfabetizacao-403863.shtml
7. surpresa com a insistência das duas. Como havia vagas, abrimos uma exceção e valeu a
pena", diz Silvia Batista de Freitas, coordenadora-geral do programa na Diretoria de Ensino
da cidade. O curso iniciou em março. No segundo semestre, a turma de alunos foi distribuída
nas salas regulares. Com o objetivo de trabalhar a escrita, Valéria e Jaidê elaboraram um
projeto sobre aids. Os alunos assistiram a vídeos, debateram e levantaram o que sabiam e o
que gostariam de saber sobre o assunto. As leituras foram sistemáticas e diárias, com
pesquisas em livros, revistas, enciclopédias, internet e panfletos informativos - gênero
escolhido para ser o produto final do projeto. "Leitura e escrita não são apenas conteúdos de
Língua Portuguesa. São práticas necessárias em todas as disciplinas e em todas as séries",
diz Jaidê. "Por isso, temos a responsabilidade de conhecer o modo como os alunos
aprendem e assim estimulá-los a ser leitores e escritores mais competentes", conclui
Valéria.
Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/dicas-alfabetizacao-403863.shtml