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Módulo 1 – Fundamentos da investigação do crime de homicídio
Apresentação do Módulo
A investigação de um crime, como todo fazer, antes que seja traduzida
em métodos e técnicas, é uma construção conceitual de conhecimentos
que lhe darão sustentação.
Entretanto, sendo o homicídio uma ação social, antes de iniciar qualquer
fundamento conceitual, é importante sua contextualização histórica e
política para que possa ser compreendido e apurado como tal.
É muito provável que você já seja detentor de vasto conhecimento sobre
investigação criminal – ou até mesmo sobre o tema específico deste
curso. No entanto, este módulo inicial irá levá-lo a revisitar alguns
conceitos básicos, mas necessários ao aprendizado ora proposto.
Sendo assim, temas como princípios constitucionais e princípios
fundamentais da investigação, bem como as atitudes a serem adotadas
pelos profissionais de segurança pública ligada às atividades
investigativas serão revistos de modo a permitir sua compreensão no
contexto da apuração do crime de homicídio.
Aproveite e boas aulas!
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Compreender os aspectos históricos e políticos do enfrentamento
da prática do homicídio.
Compreender conceitos e características próprias da investigação
de homicídio;
Construir uma investigação de homicídio baseada em princípios
fundamentais de respeito à lei e à dignidade da pessoa
humana;
Agir em conformidade com os padrões de postura estabelecidos
para as equipes de investigação durante a apuração de
crimes de homicídio.
Estrutura do Módulo
Aula 1 – Aspectos históricos e políticas nacionais de enfrentamento
da prática de homicídio
Aula 2 – Conceito e características da investigação do crime de
homicídio
Aula 3 – Princípios constitucionais com repercussão na investigação
de homicídio
Aula 4 – Princípios fundamentais da investigação criminal
Aula 5 – Postura do investigador do crime de homicídio
Aula 1 – Aspectos históricos e políticas nacionais de
enfrentamento da prática de homicídio
Você não poderia iniciar o estudo da investigação do crime de homicídio
sem uma rápida abordagem histórica e conceitual desse delito, concorda?
Importante!
Os elementos históricos são referenciais importantes para a compreensão
desse fenômeno social, principalmente no que diz respeito à leitura feita
pelas sociedades na sua gradual criminalização.
A palavra homicídio origina-se do termo latino homicidium, que é
composto de dois elementos: homo, que significa homem e provém de
húmus, terra, país; e caedere, que significa matar.
Nessa mesma linha de raciocínio, é possível conceituar o homicídio como o
ato pelo qual uma pessoa elimina a vida de outra; ou, também, a morte
de alguém causada por uma pessoa.
Historicamente, o primeiro homicídio relatado foi a morte de Abel,
provocada por seu irmão Caim, que agiu motivado por inveja, conforme
consta na Bíblia (Gênesis, capítulo 4).
No estudo da pré-história, há inúmeros relatos de corpos encontrados com
vestígios de violência, o que é um indicativo de que a morte dessas
pessoas tenha sido provocada pela ação humana.
Os manuscritos das civilizações antigas, especialmente dos povos
sumérios e babilônicos, demonstram a adoção do Código de Hamurabi,
conhecido pela Lei de Talião, cuja regra central era o que se chama de
“olho por olho, dente por dente”.
Dessa forma, os crimes de homicídio, em regra, eram punidos com a
morte do autor, forma de punição também adotada pelos egípcios e
assírios, os quais entregavam o autor do crime à família do morto, que,
conforme seu arbítrio, sua vontade, poderia lhe impor a morte ou
apossar-se de seus bens.
Há também o Código de Manu, relacionado ao povo hindu, o qual concedia
privilégios aos brâmanes, parcela privilegiada da população, sendo que, se
um membro desse grupo, que se denomina casta, matasse o membro de
outra casta, nunca seria condenado à pena capital, o que sempre se
verificava em caso contrário.
Por sua vez, a legislação hebraica determinava uma regra geral para o
crime de homicídio: “não matarás” (quinto mandamento da Bíblia); e uma
punição específica no caso dos homicídios involuntários – quando não há a
intenção de matar –, caso em que os autores eram mandados para as
cidades-asilos.
Na Grécia antiga, o crime de homicídio não era punido na cidade-estado
de Esparta, mas era punido na cidade-estado de Atenas.
Na Roma antiga, o homicídio era considerado um crime público e recebeu
inicialmente o nome de parricidium, que significava a morte de um
cidadão romano. Mais tarde, o termo passou a ser empregado para
designar a morte de um ascendente pelo descendente. Somente no final
da república romana adotou-se o termo homicídio.
Em Roma, a pena para o crime de homicídio dependia da condição social
do réu e das circunstâncias do fato. Compreendia o exílio, o confisco dos
bens ou a morte por decapitação ou por animais ferozes.
No direito germânico, o homicídio era considerado crime privado e o
homicida ficava sujeito à vingança da família do morto. Também havia a
possibilidade de composição, que consistia no cumprimento, pelo
homicida, de uma exigência da família da vítima.
Com o ressurgimento do direito romano e a influência do direito canônico,
o homicídio voltou a ser considerado crime público. Contudo, os castigos
corporais e a pena de morte continuaram a ser adotados como punição
para essa prática criminosa.
Aqui, uma nota importante!
No final do século XVI, na Holanda, surgiu o modelo prisional, com caráter
reeducacional. Eram casas correcionais destinadas inicialmente a abrigar
vadios, mendigos e prostitutas. Embora esses estabelecimentos se
destinassem ao cumprimento de pena com caráter educativo, as penas de
suplícios corporais continuaram a ser aplicadas.
Foi no período iluminista, no final do século XVIII, que se iniciou o
movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça
penal, que deveria considerar a humanidade do condenado.
Césare Bonesana Beccaria, o Marquês de Beccaria, em seu livro Dos
Delitos e das Penas, escrito em 1764, contribuiu para a mudança da forma
de execução das penas em toda a Europa. Repudiou as penas cruéis,
estabelecendo a necessidade de respeitar a dignidade do condenado e
demais direitos indisponíveis, entre eles o direito à preservação da
integridade física e da vida.
1.1. A penalização da conduta “matar alguém” na legislação
brasileira
Chamando o tema para o Brasil, o Código Penal de 1830, ainda no período
imperial, trata do crime de homicídio e o considera qualificado, o que traz
o aumento da pena nos casos em que é praticado com veneno, mediante
fraude ou emboscada, com promessa de pagamento ou por mais de uma
pessoa. Nesses casos, a pena variava desde trabalho forçado, galés
perpétuas, até a morte.
Já no período republicano, o Código de 1890 contemplava o crime de
homicídio em seu artigo 294, agravando a pena em várias circunstâncias.
A pena de prisão variava de 12 a 30 anos nas formas qualificadas e de 06
a 24 anos nos casos de homicídio simples.
No Código Penal brasileiro em vigor, de 1940, o crime de homicídio está
inserido no capítulo dos crimes contra a vida, sendo o primeiro crime
tipificado, ou seja, cuja conduta é descrita
com a expressão “matar alguém” (texto do art. 121 do CP).
A proteção à vida tem também seu fundamento na Constituição Federal
de 1988 e está prevista no caput do artigo 5º. É considerado um direito
fundamental, isto é, é indispensável ao desenvolvimento da pessoa
humana.
Entretanto, é importante ressaltar que nenhum direito, mesmo que
fundamental, é absoluto, já que é necessário que todos os direitos
convivam harmoniosamente.
Por isso, o direito à vida também encontra limitação quando em confronto
com outros interesses coletivos ou individuais da sociedade. Nesses casos
a lei cria situações privilegiadas de descriminalização da conduta “matar”,
como é o caso das chamadas causas legais de exclusão da ilicitude.
A respeito da eliminação da vida humana, a própria Constituição Federal
prevê a possibilidade de haver pena de morte em tempo de guerra (artigo
5º, XLVII, a):
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX; [...]
Observe, dessa forma, que o direito à vida, ainda que fundamental, não é
de tudo absoluto.
Por essa razão, o Código Penal brasileiro incrimina, no artigo 121, a
conduta de um ser humano provocar a morte de outro ser humano,
apresentando quatro figuras típicas: o homicídio simples, o homicídio
privilegiado, o homicídio qualificado e o homicídio culposo.
Para os nossos estudos, interessam-nos as três primeiras tipificações, que
tratam do homicídio doloso, que é aquele em que o autor tem a intenção
de eliminar a vida da vítima, tanto na forma consumada quanto tentada.
Para o homicídio simples, a lei penal brasileira determina como pena a
reclusão de 06 a 20 anos.
Entretanto, o mesmo Código Penal determina no § 1º do artigo 121:
“Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social
ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.”
Nesse caso, devem ser consideradas as seguintes possibilidades:
a. Relevante valor social – Trata-se de motivo que atende aos
interesses da coletividade. Exemplo: morte de um traidor da pátria.
b. Relevante valor moral – Trata-se de motivo que, embora seja
relevante para a sociedade, leva em consideração os interesses do
agente. Exemplo: pai que mata o estuprador da filha.
c. Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima – É também chamado de homicídio emocional.
Nesse caso, o autor do crime de homicídio deve estar completamente
dominado pela situação, momentaneamente perturbado em seu
psiquismo, de tal forma que seja capaz de justificar a cólera, a indignação,
que, por sua vez, desencadearão uma reação imediata.
Por outro lado, o Código Penal também enumera no § 2º do artigo 121
motivos, meios, modos e fins que tornam o homicídio qualificado,
tratando-se, nesse caso, de crime hediondo, cuja pena de reclusão é de
12 a 30 anos.
Dessa forma, há o crime de homicídio praticado:
a. Mediante paga ou promessa de recompensa - Na paga, o
dinheiro é entregue antes do crime, mesmo que apenas uma parte dele;
na promessa de recompensa, o recebimento é posterior e não
necessariamente em pecúnia; pode ser, por exemplo, a promessa de um
emprego.
b. Por motivo torpe - É o motivo repugnante, desprezível. Exemplo:
matar os pais para ficar com a herança.
c. Por motivo fútil - É o motivo desproporcional, insignificante.
Exemplo: matar a vítima porque ela olhou de “cara feia” para o autor.
d. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo
comum - Trata-se de qualificadoras objetivas, pois se referem ao meio
empregado para o cometimento do crime de homicídio.
e. À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido -
São circunstâncias que retratam o modo como a vítima é abordada,
determinadas por situação de surpresa ou de falsidade.
f. Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime - É também chamado de homicídio por
conexão. O outro crime pode ser anterior ou posterior e não
necessariamente praticado pelo mesmo autor do homicídio.
Saiba mais...
Leia o texto A História do Delito de Homicídio1
.
Reflita! Qual a importância, para o investigador, de conhecer as
circunstâncias em que o autor praticou o homicídio?
Veja que conhecê-las é fundamental para definir a linha de investigação e
construir a estratégia que ele irá adotar para a coleta das provas.
Importante!
Sabendo o que ocorreu, o investigador saberá que tipo de prova deverá
perseguir com a investigação, sem perder tempo trilhando por caminhos
que não o levam a nada e colhendo informações inúteis.
1.2. Os índices de resolução do crime de homicídio no cenário
nacional
No dia 06/10/2011, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC) divulgou seu primeiro Estudo Global sobre Homicídios.
De acordo com esse estudo, o Brasil tem o terceiro maior índice de
homicídios na América do Sul, com 22,7 casos para cada 100 mil
habitantes.
O Brasil fica atrás apenas da Venezuela e da Colômbia, com 49 casos e
33,4 casos, respectivamente, para cada 100 mil habitantes.
1
http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9832#
Embora, de acordo com o estudo citado, esse número seja melhor do que
há cinco anos e mesmo considerando o tamanho da população, o que
permite que o Brasil desça proporcionalmente para um grupo
intermediário, ainda assim o país se coloca muito longe da Europa, da
Ásia e dos Estados Unidos.
É também importante ressaltar que quatro países também da América do
Sul – Uruguai, Argentina, Peru e Chile – ficam abaixo da média mundial,
que é de 6,9 homicídios por 100 mil habitantes.
Mesmo não tendo alcançado, no contexto geral, a média desejável dos
países citados, no Brasil, o estudo da UNODC destacou positivamente a
cidade de São Paulo como exemplo para outras metrópoles do mundo.
De acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, a taxa de
homicídios na cidade de São Paulo caiu, em cinco anos, de 20,8 para 10,8
em cada cem mil habitantes.
O estudo da ONU também enfatiza que as tendências mostram-se muito
diferentes no que diz respeito a São Paulo, em relação a outras regiões do
Brasil, especialmente ao estado de Alagoas, cujo número de homicídios
ultrapassa 60 em cada 100 mil habitantes.
Em consonância com os dados do Instituto Sangari, que elaborou,
juntamente com o Ministério da Justiça, o mapa da violência 2011 no
Brasil levando em conta os crimes de homicídio e o número de habitantes,
observa-se que a maior incidência, no que concerne às grandes capitais, é
verificada em Maceió-AL, seguindo-se Recife-PE e Vitória-ES.
Saiba mais...
Acesse os links para mais informações sobre o tema:
Jornal Nacional – Brasil é o país com o maior número de homicídios,
aponta a ONU2
.
Agência Brasil – Para reduzir homicídios, Cardozo defende ações
integradas e unidades especiais3
1.3. Política nacional de fomentação da investigação de homicídio
Em fevereiro de 2010, foi lançada a Estratégia Nacional de Justiça e
Segurança Pública (Enasp), com o objetivo de “promover a articulação dos
órgãos responsáveis pela segurança pública, reunir e coordenar as ações
de combate à violência e traçar políticas nacionais na área”.
Essa iniciativa é resultado da parceria entre os Conselhos Nacionais do
Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça (MJ),
sendo que cada qual desenvolve uma ação integrada no contexto da
ENASP.
No caso do CNMP, há o desenvolvimento de ações que visam agilizar e dar
maior efetividade à investigação da polícia, à denúncia do Ministério
Público e ao julgamento pelos Tribunais do Júri dos crimes de homicídio.
Nesse sentido, pode-se citar, como exemplo, a Meta 1 (Subgrupo 1:
Fase de Investigação)4
da ENASP que objetivou a conclusão de todos os
2
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/10/brasil-e-o-pais-com-o-maior-numero-
de-homicidios-aponta-onu.html
3
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-10-06/para-reduzir-homicidios-cardozo-
defende-acoes-integradas-e-unidades-especiais
4
Acessar o arquivo em anexo 2011Metas_ENASP.pdf.
inquéritos e procedimentos que investigam homicídios dolosos instaurados
até 31 de dezembro de 2007.
Dessa forma, observe que a priorização da investigação criminal é de
fundamental importância para que se atinja a proposta-meta, quer seja
para levar a julgamento autores de crimes de homicídio doloso, quer seja
para a promoção do arquivamento dos procedimentos, haja vista o
exaurimento dos procedimentos investigatórios.
Existem vários fatores responsáveis pelo alto índice de violência verificado
no país, dentre eles, os baixos índices de resolução de crimes de
homicídio.
Nesse sentido, é pertinente afirmar que os baixos índices de resolução de
crimes de homicídio, juntamente com outros possíveis fatores, são
responsáveis pelo alto índice de violência verificado no país.
Sendo assim, é possível concluir que a priorização da investigação criminal
do homicídio deve contribuir para a diminuição dessa prática criminosa,
com redução do tempo de resposta do Estado, levando a julgamento os
criminosos e permitindo, assim, que não impere na sociedade o
sentimento de impunidade.
Para o então Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a impunidade é um
dos principais aspectos a serem combatidos, sendo que, para tanto,
deverão ser criadas unidades específicas para a investigação de
homicídios em cada Estado, e os processos judiciais deverão ser
agilizados.
Saiba mais...
Abra os seguintes links para mais informações:
Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública5
CNJ – ENASP6
Aula 2 – Conceito, características e pressupostos da investigação
criminal.
Segundo Ribeiro (2006), “a ciência da investigação é um campo
permanentemente aberto à busca do saber e à descoberta da verdade”.
Isso porque a investigação criminal não encontra limites nos enunciados
das leis penais. Na verdade, a própria legislação penal confere ao
investigador criminal a mais ampla discricionariedade, de forma que a
existência de limites está pautada no uso racional da inteligência e da lei.
É por essa razão que a investigação criminal não se constitui em simples e
aleatória coleta de provas, sem a necessária adoção dos métodos, das
técnicas e dos procedimentos especializados, que devem fundamentar o
trabalho da equipe de investigação.
Sendo assim, o investigador deve possuir formação técnico-científica no
assunto, a qual não significa somente conhecimento jurídico nem somente
boa vontade, mas conhecimento especializado com base nas ciências que
dão suporte à investigação criminal.
Esse conhecimento devidamente aplicado à investigação do homicídio
permite que o investigador realize sua tarefa de forma segura e eficaz,
5
http://portal.mj.gov.br/senasp/main.asp?ViewID=%7B45D2F2A3%2DF723%2D4229%2D94A2%2D311A3DF2A0
CB%7D&params=itemID=%7B5A3DAD20%2D4CB3%2D484C%2D9011%2DC00E225D2A92%7D;&UIPartUID=%7
BE0EA6E2F%2D2D28%2D4749%2D9852%2D31405415DD85%7D
6
http://www.cnj.jus.br/metas-enasp
evitando atitudes irrefletidas que possam comprometer a imagem e o
resultado do trabalho de investigação criminal.
Isso porque se, por um lado, algumas investigações apresentam apenas
um grau razoável de dificuldade, outras, cujos delitos são praticados por
quem vive do crime ou por quem detém recursos financeiros que facilitam
o uso de artifícios geradores da impunidade, exigem do investigador
firmeza e segurança quanto às providências adotadas.
Nesse sentido, não é raro que investigadores estejam às voltas com
denúncias anônimas que pretendem desviá-los da verdade, além de
outros tantos ardis e artifícios engendrados pelo autor do crime, sempre
com esse mesmo objetivo.
Assim sendo, o investigador com conhecimento técnico-científico
especializado conhece o conjunto de preceitos teóricos que alicerçam sua
atuação perante o caso concreto e permitem que ele suporte eventuais
pressões que poderão afetar a eficácia do resultado da investigação.
Há dois tipos de pressão mais comum. Uma é a que diz respeito à
exigência de que a polícia apresente o autor do homicídio o mais urgente
possível. Ceder a esse processo poderá ser o tropeço da investigação ao
atropelar etapas do processo com resultados ineficazes. Outro é a
tentativa de desqualificação da investigação pela ação da defesa por
intermédio de meios que poderão comprometer a eficácia da prova
colhida, por exemplo, de campanhas difamatórias na mídia forjando
situações que colocam em dúvida a legalidade de atos da investigação.
Esses preceitos teóricos permitem que o investigador caminhe no rumo
certo, de forma concreta e segura, adotando a técnica adequada para a
revelação, coleta e análise de cada evidência encontrada.
2.1. Conceito de investigação criminal
Muito embora uma conceituação formal de investigação criminal não seja
elemento fundamental no ensino e aprendizagem dessa disciplina,
conhecer uma proposta conceitual tem a importância de determinar
parâmetros que possam fazer com que o investigador encontre
referenciais teóricos que sirvam de suporte ao seu fazer prático,
fundando-o em métodos e técnicas eficazes.
Veja um conceito de investigação criminal:
“Investigação criminal é o conjunto de procedimentos interdisciplinares,
de natureza inquisitiva que busca, de forma sistematizada, a produção da
prova de um delito penal.” (Araujo, 2008)
No presente estudo, esse delito penal é o crime de homicídio. Todas as
referências teóricas que serão desenvolvidas neste curso terão como
objetivo a investigação do crime de homicídio.
2.2. Características principais da investigação criminal de
homicídio
A investigação de homicídio é uma espécie da investigação criminal que
requer conhecimentos e habilidades cuja aplicação está sujeita a princípios
específicos.
Vimos que o crime de homicídio é um delito complexo, pois envolve os
sentimentos mais profundos do ser humano, o que dificulta,
sobremaneira, o esclarecimento da motivação que determina o elo entre a
vítima e o autor.
Entretanto, na fase processual, esse crime é submetido ao juízo de
pessoas que compõem o júri, leigas quanto ao conhecimento técnico-
especializado da investigação criminal, o que permite que o julgamento
possa sofrer decisiva influência de conteúdo emocional, pois não é raro
que as partes apresentem um forte discurso apelativo, o que permite que
a decisão – culpado ou inocente – possa surgir de um simples detalhe
como o clamor público e a influência da mídia.
Por essas razões é que somente a investigação realizada com métodos e
técnicas científicas poderá trazer um resultado claro, consistente e
coerente, capaz de sustentar um processo judicial sólido.
Nesse contexto, verifica-se que a investigação de homicídio tem
características muito próprias, que se tornam fatores fundamentais de
alerta aos cuidados especiais que o investigador deverá ter. São elas:
exigência de extremo detalhamento, de uma observação
contextual dos vestígios e de uma postura racional, lógica e
analítica. Ou seja, a investigação de homicídio requer de seu executor
habilidades que o permitam fragmentar, o
mais possível, cada uma das informações colhidas, buscando cada
detalhe, cada aspecto, cada ponto de vista sem, contudo, perder a
capacidade de visão do todo dessas informações e, principalmente, sem
perder a capacidade de análise racional do cientista.
Aula 3 – Princípios constitucionais com repercussão na
investigação de homicídio
Não se pode perder de vista a função tutelar de direitos fundamentais que
o Estado brasileiro delegou à investigação criminal, ou seja, a investigação
criminal é a garantia que tem o cidadão de que, praticando um delito
penal, haja um procedimento apuratório legal que lhe garanta um
julgamento justo com aplicação da pena na dimensão adequada à sua
conduta.
Os atos da investigação criminal são atos da Administração Pública,
portanto atos administrativos. A compatibilidade desses atos com a
missão tutelar de direitos foi garantida pelo constituinte de 1988 ao
moldar princípios que regulam os procedimentos da Administração
Pública, reflexos aos procedimentos da investigação.
Portanto, a investigação de homicídio sofre o efeito dessa ação transversal
dos princípios constitucionais em todos os seus atos.
3.1. Marco regulatório
O marco regulatório dos princípios que regem a investigação criminal é o
art. 37 da Constituição Federal, que formula os fundamentos legais que
deverão servir de referência para todos os atos da Administração Pública.
Diz o texto:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. (C.F.)
Importante!
São esses princípios que irão nortear os procedimentos a serem
desenvolvidos na apuração das provas do crime de homicídio.
Veja, a seguir, o que foi dito por Araujo (2008) no curso Investigação
Criminal I, agora
focado na sua transversalidade na investigação de homicídio.
3.1.1. Princípios
“[...]
Princípio da legalidade
Foi visto que no Estado Democrático de Direito todos deverão se submeter
à supremacia da lei.
O princípio da legalidade é a pedra de toque do Estado de Direito e
estabelece dois tipos de relação: uma com a Administração Pública, outra
com o cidadão.
Relação com Administração Pública
A atuação da Administração Pública só pode ser operada em conformidade
com a lei. É uma relação de submissão.
Relação com o cidadão
É permitido ao cidadão fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Não poderá
ser obrigado a fazer o que não lhe é determinado por lei.
É uma relação de autonomia que resulta no princípio da liberdade do
ser humano, configurado, também, na Constituição Federal como um dos
princípios fundamentais:
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei.” (CF., art. 5º, inc. II)
Portanto, o princípio da legalidade é direito fundamental de cidadania que
servirá de base para todos os demais princípios.
Observe que a acepção dada pela norma constitucional ao vocábulo “lei”
não é restrita, mas abrangente, abarcando a lei propriamente dita e todo
o contexto jurídico em que ela está contida.
Significa que as normas que regulam a investigação criminal, mesmo as
administrativas (portarias, ordens de serviços, protocolos de
procedimentos, etc.) estão nesse contexto e
deverão respeitar o princípio da legalidade.
Princípio da impessoalidade
A impessoalidade na investigação criminal significa que as atitudes do
investigador deverão refletir objetividade no atendimento do interesse
público, sem qualquer possibilidade de promoção pessoal do agente ou da
autoridade.
O interesse público contido na investigação criminal é o de explicar o fato
acontecido, para que os dados coletados possam formar a prova
necessária para aplicação da pena justa ao infrator. Não cabe utilizar a
investigação para promoção pessoal de quem quer que seja.
Significa também que o ato de investigar não deve ser usado para
prejudicar ou beneficiar pessoa determinada.
Princípio da moralidade
A moralidade da Administração Pública está relacionada com aquilo que a
sociedade, em determinado momento, considerou eticamente adequado,
moralmente aceito.
As práticas da investigação terão que estar de acordo com o ideário moral
vigente no grupo social, como honestidade, bondade, compaixão,
equidade e justiça.
As decisões tomadas para o processo da investigação deverão adequar-se
aos valores que a sociedade adota como norte para a relação de
convivência das pessoas e destas para com o ambiente.
Princípio da publicidade
A acepção fundamental do princípio é de transparência.
Reflexão
Sobre esse termo aplicado à investigação criminal, cuja natureza tem
como elemento principal o sigilo: É possível aplicá-lo?
A transparência na Administração Pública tem como objetivo o controle,
que poderá ser feito pela própria Administração, pelo poder judiciário e
pelo cidadão.
O controle da gestão pública exercido pelo cidadão é garantia fundamental
de direitos assegurada em vários itens constitucionais do art. 5º, como o
de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular,
coletivo ou geral (inciso XXXIII); o de obtenção de certidões em
repartições públicas (inciso XXXIV); e o de conhecimento de informações
relativas à pessoa interessada, constantes de bancos de registros ou
bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público
(inciso LXXII).
E na investigação, como se aplicaria esse princípio?
Como toda regra, o princípio não é absoluto.
A própria Constituição impõe limites, colocando como exceção ao direto à
informação as hipóteses de sigilo:
[...] ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas
no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.’ (CF, art.
5º, inciso XXXIII)
A transparência é a regra. A exceção está expressa na lei.
Todos os atos da investigação são necessariamente sigilosos?
Em princípio não.
No caso da investigação criminal, devem ser considerados dois aspectos:
o contexto da apuração, de interesse da sociedade geral, pois diz
respeito às demandas imediatas de bem-estar da coletividade, e o
aspecto de ato operacional específico, cujo interesse é mediato.
Ou seja, a apuração de provas da prática de um delito, como ato geral de
gestão pública, deve ser do conhecimento da comunidade, para que ela
tenha segurança jurídica quanto à garantia de proteção de seu bem-estar.
Entretanto, mesmo sendo de seu interesse, os procedimentos
operacionais de apuração, em regra, são executados em sigilo,
exatamente para garantir a exequibilidade da investigação.
Já imaginou se a polícia anunciar antecipadamente as estratégias que irá
aplicar na investigação de delitos praticados por quadrilhas de tráfico de
drogas? É pouco provável que consiga alguma prova.
Princípio da eficiência
Também de observância prioritária e universal no exercício de toda
atividade administrativa do Estado.
O termo remete à acepção de boa administração vinculada à
produtividade, profissionalismo e adequação técnica do exercício funcional
às demandas do interesse público.
Segundo Pazzaglini (2000, p.32), ‘o administrador público tem o dever
jurídico de, ao cuidar de uma situação concreta, escolher e aplicar, entre
as soluções previstas e autorizadas pela lei, a medida eficiente para obter
o resultado desejado pela sociedade’.
Significa que a Administração Pública e seus profissionais, no exercício das
atividades funcionais, deverão aplicar os recursos avaliando a relação de
custo-benefício, buscar a otimização de recursos, aplicar os critérios
técnicos e legais necessários para maior eficácia possível em benefício da
boa qualidade de vida do cidadão. E, ainda, diz respeito ao investimento
na formação profissional.”
A aplicação prática do princípio na investigação criminal se concretiza com
todos os cuidados necessários para sua eficácia, desde o planejamento,
com a escolha adequada dos meios, até os cuidados com a proteção aos
direitos fundamentais das pessoas envolvidas no processo e com a
legalidade na coleta da prova. (Araujo, 2008)
Perceba o quanto é fundamental para o cidadão a observância desses
princípios pela atividade investigativa da polícia. Em especial no que se
refere à legalidade dos atos. É importante que o investigador tenha a
percepção de que os atos limitadores praticados pela polícia são exceções
com permissão legal para que, dentro dos limites da lei, sempre prevaleça
o interesse público e não o pessoal.
Refletindo sobre a questão
Suas práticas como investigador sempre são precedidas da preocupação
com os limites da legalidade dos seus atos? Discuta isso com seus colegas
no fórum ou por outras redes sociais do grupo.
Aula 4 – Princípios fundamentais da investigação criminal
A investigação criminal é a primeira fase da aplicação da justiça pelo
Estado aos infratores. É a fase inicial desse processo que possibilita a
apresentação do infrator ao Poder Judiciário com o mínimo de informações
necessárias ao desenvolvimento do processo penal na busca da
determinação da sua culpabilidade ou inocência.
Falar em princípios fundamentais possibilita pensar em regras que dizem
respeito ao trato com as pessoas enquanto tais, individual ou
institucionalmente consideradas.
A investigação criminal, ainda que vinculada ao processo penal, sob o
controle judicial e do Ministério Público é, inegavelmente, uma atividade
administrativa com certa dose de discricionariedade e considerável nível
de autonomia por parte dos investigadores. Daí a necessidade de que haja
em suas ações, além do conteúdo legal, um conteúdo regulatório de
natureza ética muito eficaz e respeito às normas dos direitos humanos,
visto o grau de repercussão tanto na individualidade das pessoas que são
objeto da ação investigatória quanto na qualidade de vida da sociedade,
principal beneficiário da investigação.
Neste sentido dispõe o Art. 2 º do Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (adotado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas pela resolução nº 34/169, de
17 de dezembro de 1979) ao dispor que “No cumprimento do seu
dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem
respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os
direitos fundamentais de todas as pessoas”.
No curso Investigação Criminal I, Araujo (2008) diz: “quanto maior o grau
de lesividade do ato investigatório, maior deverá ser o cuidado do
investigador para com as garantias protetoras do investigado”.
O investigador deverá lembrar-se sempre de que investigar crimes é um
procedimento extremamente invasivo à intimidade das pessoas
envolvidas, seja a vítima, o suspeito ou a testemunha. Esse grau de
invasão é muito maior quando se trata de apuração de crime contra a
vida, em especial do homicídio, visto que um dos métodos de apuração
mais aplicado, como você estudará adiante, é a varredura das relações
pessoais da vítima, do suspeito e, muitas vezes, da própria testemunha,
na busca de vínculos com a conduta delituosa. É nesse processo que se
materializa a característica invasiva, a mais marcante da investigação
criminal.
No processo de busca das provas caem nas mãos do investigador as mais
íntimas informações sobre a vida pessoal dos atores envolvidos. Cabe a
ele o juízo do que deva ser considerado relevante ou não para a
investigação de provas.
Sem dúvida essa ação invasiva acaba por lesar direitos e garantias
fundamentais (como a intimidade e o ir e vir) na busca de informações
necessárias à construção da prova.
Foi com essa preocupação que o Alto Comissariado das Nações Unidas
editou o Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças
Policiais7
, nele formatando o que chamou de “princípios fundamentais da
investigação policial” (criminal). São princípios norteadores dos
procedimentos da investigação criminal.
Diz o texto do manual, com enumeração dos princípios:
“Durante as investigações, audição de testemunhas, vítimas e suspeitos,
revistas pessoais, buscas de veículos e instalações, bem como
interceptação de correspondência e escuta telefônica:
a. Todo indivíduo tem direito à segurança pessoal;
b. Todo indivíduo tem direito a um julgamento justo;
c. Todo indivíduo tem direito à presunção de inocência até que a sua culpa
fique provada no decurso de um processo equitativo;
d. Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, família,
domicílio ou correspondência;
e. Ninguém sofrerá ataques à sua honra ou reputação;
7
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Manual1.pdf
f. Não será exercida qualquer pressão, física ou mental, sobre os
suspeitos, testemunhas ou vítimas, a fim de obter informação;
g. A tortura e outros tratamentos desumanos ou degradantes são
absolutamente proibidos;
h. As vítimas e testemunhas deverão ser tratadas com compaixão e
consideração;
i. A informação sensível deverá ser sempre tratada com cuidado e o seu
caráter confidencial respeitado em todas as ocasiões;
j. Ninguém será obrigado a confessar-se culpado nem a testemunhar
contra si próprio;
k. As atividades de investigação deverão ser conduzidas em conformidade
com a lei e apenas quando devidamente justificadas;
l. Não serão permitidas atividades de investigação arbitrárias ou
indevidamente intrusivas.” (Manual de Formação em Direitos Humanos
para as Forças Policiais, p. 79)
O próprio manual nos induz ao entendimento de que esses princípios,
considerando as normas internacionais que tratam dos direitos humanos
da pessoa objeto de investigação criminal, poderão ser resumidos nos
seguintes princípios:
• Presunção da inocência de todos os arguidos;
• Direito de todas as pessoas a um julgamento justo;
• Respeito pela dignidade, honra e privacidade de todas as pessoas.
Essas são normas fundamentais que precisam receber toda a atenção da
equipe de investigação de homicídio, pois, do contrário, haverá muita
dificuldade para a validação de qualquer prova apontada para um
suspeito, como selo de garantia da regularidade.
Aula 5 – Postura da equipe de investigação do crime de homicídio
Como visto em aula anterior, a história jamais registrou uma sociedade
sem homicidas, sendo certo que o indivíduo que mata seu semelhante é,
quase sempre, o mesmo com o qual este convive no dia a dia.
É por essa razão que a equipe de investigação criminal de homicídio não
deve adotar posturas pré-concebidas, preconceituosas em face de um
caso concreto.
Portanto, esse profissional deve entender que a investigação é um
processo científico e como tal tem seus pressupostos alicerçados em
princípios que permitem o exato e seguro conhecimento dos pontos de
partida e de chegada, bem como do caminho a serem trilhados entre
esses dois pontos. Não há espaço para leviandades.
Não é menos importante que a equipe de investigação criminal do
homicídio saiba conduzir a investigação sempre na busca da verdade, sob
o entendimento de que o êxito na investigação nem sempre significa a
elucidação da autoria. Isso porque não é raro que, mesmo adotando todos
os procedimentos possíveis e necessários, não se consiga a prova
induvidosa da autoria.
Certamente, nesse caso, pode-se dizer que a equipe de investigação
obteve êxito sim na investigação, ou seja, que soube escolher e aplicar os
métodos e técnicas adequadas à revelação e coleta das evidências do
crime, agindo sempre com isenção, de forma lógica e racional.
Contudo, por razões diversas, não conseguiu alcançar o objetivo principal
da investigação, que é a determinação da autoria, da materialidade e das
circunstâncias do homicídio investigado.
Pode também acontecer da equipe de investigação alcançar o autor do
crime, inclusive obtendo a
confissão dele, e não ser possível determinar a causa da morte da vítima,
tendo em vista, por exemplo, que o corpo só foi encontrado muito tempo
depois da notícia do desaparecimento dessa vítima e já estava em
adiantado estado de putrefação.
É possível ainda que nunca se encontre o corpo de uma vítima, mas se
consiga provas suficientes, por meio de testemunhos e comprovação de
circunstâncias – por exemplo, o DNA da vítima identificado a partir de
mancha de sangue encontrada no veículo do suspeito – de que houve a
morte e de quem é o seu autor.
O certo é que a equipe de investigação deve sempre adotar uma postura
racional, lógica e analítica em face do crime investigado. Para tanto, ele
deve conhecer profundamente o fato investigado, deve querer investigar
(ter boa vontade), trabalhar com empenho, perspicácia,
comprometimento profissional, organização, coragem, método e técnica e,
principalmente, ter um plano, administrar a investigação, o que pressupõe
saber a hora de iniciá-la e concluí-la, não descuidando do relato
pormenorizado de tudo o que tiver sido efetivamente apurado.
Para Ribeiro (2006), “O trabalho da polícia é como o do médico. Este não
é obrigado a todo custo a salvar o paciente, mas dispensar-lhe o melhor
atendimento médico possível. Isso também se aplica, com toda certeza,
ao trabalho prestado pela polícia investigativa”.
Finalmente, é de fundamental importância que a equipe de investigação
não tenha medo da prova, que só será legítima e verdadeira se for
harmônica com o conjunto probatório e com a legalidade. É a verdade da
investigação que deverá sempre prevalecer.
Importante!
É importante lembrar que cada crime de homicídio tem suas próprias
características, que normalmente são inerentes à relação entre autor e
vítima e, portanto, tem sua própria conformação, e não aquela que
pretenda o investigador, a mídia ou quem quer que seja.
Concluindo...
Neste módulo, você estudou:
A evolução histórica da penalização da conduta de matar alguém e as
políticas governamentais de enfrentamento dessa conduta criminosa;
Conceitos e características próprias da investigação de homicídio,
bem como;
Os princípios constitucionais que são aplicados no controle da
legalidade da investigação de homicídio e os princípios aplicados no
controle operacional desse processo investigatório no que diz respeito ao
respeito à dignidade da pessoa humana;
As atitudes que devem ser adotadas pela equipe de investigação de
homicídio.
Módulo 2 – Princípios operacionais básicos da investigação do
homicídio
Apresentação do Módulo
Até aqui tudo muito fácil, não?
No primeiro módulo, uma contextualização coloca o crime de homicídio
em um nível de compreensão da sua dimensão histórica e política. E
ainda, são postos princípios constitucionais de controle da legalidade dos
atos de investigação e princípios que apontam para a legitimidade no que
se refere ao respeito da dignidade das personagens objetos das ações
policiais. Para findar, é ressaltado o perfil ideal do operador da
investigação, elemento fundamental para o resultado final do
procedimento.
Neste módulo, dando continuidade ao aprendizado anterior, traz-se para
estudo e discussão os princípios operacionais básicos da investigação de
homicídio. São regras fundamentais do “como fazer” a apuração das
provas do crime de homicídio.
Perceba que parte dessas regras está relacionada à percepção da
conduta, dos motivos que levaram o infrator à prática do delito,
enquanto a outra parte diz respeito à postura da própria equipe de
investigação. Faça uma análise criteriosa do texto com o necessário
olhar de compreensão desses princípios, pois serão de grande valia na
prática da investigação.
Essas normas o nortearão na escolha dos métodos e técnicas a serem
adotadas na apuração do homicídio. Portanto, muita atenção para a
compreensão e aplicação desses princípios nas suas atividades
investigativas.
Lembre que o homicídio está em um contexto de motivações variadas, e
conhecê-las possibilitará a definição de uma linha de investigação possível
e eficaz.
Bom aprendizado!
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Aplicar princípios que nortearão a prática da investigação de
homicídio;
Reconhecer ações do infrator que buscam impedir o trabalho de
investigação do delito de homicídio;
Distinguir atitudes que ajudarão a equipe de investigação na
apuração do crime de homicídio.
Estrutura do Módulo
Aula 1 – Aspectos conceituais
Aula 1 – Aspectos conceituais
Para Ribeiro (2006), “princípios são preceitos básicos que formam o
alicerce do comportamento, a ser adotado diante dos casos concretos
[...]” e que “conferem ao profissional uma filosofia de trabalho”.
É essa filosofia de trabalho que evita, por exemplo, avaliações e juízos
precipitados, atitudes preconceituosas, insegurança na realização do
trabalho e “achismos” em face das evidências e formulação de hipóteses.
É também essa perspectiva de trabalho que protege a equipe de
investigação contra pressões diversas e evita que ele se deixe levar pelas
aparências.
É muito comum, por exemplo, que, nos crimes de homicídio em que o
autor é o marido ou o companheiro da vítima, ele tente simular, perante
amigos e parentes do casal, uma reconciliação, o que pode comprometer
a convicção dessas pessoas quanto ao seu envolvimento.
Dessa forma, a equipe de investigação deve considerar na realização de
seu trabalho o empenho dos infratores com vistas a impedir à apuração
dos fatos, o cuidadoso planejamento das ações criminosas, a eliminação
de provas, a ameaça a testemunhas e a incorporação dos avanços
científicos e tecnológicos na prática delituosa.
1.1. Princípios
Estudem as seguir, os princípios operacionais muito próprios da
investigação de homicídio.
1.1.1. Todo ser humano deve ser considerado um homicida em
potencial
Primeiramente, deve-se considerar que o crime de homicídio é uma
decorrência natural do instinto da agressividade humana.
Por essa razão, a equipe de investigação não deve concluir se alguém é ou
não suspeito da prática de um crime de homicídio somente em razão da
aparência dessa pessoa ou de sua condição social, assim como também
não pode afastar a suspeição que concretamente recaia sobre um
indivíduo somente considerando seu grau de parentesco ou seus laços de
amizade com a vítima.
Existem vários casos em que é o próprio autor quem noticia à polícia o
desaparecimento da vítima, que depois é encontrada morta. Em outros
casos, o autor mostra-se sempre solícito e cooperativo com a polícia,
aparentando tranquilidade o tempo todo, e os amigos e familiares da
vítima demonstram acreditar firmemente em sua inocência.
O fato é que os elementos a serem considerados pelo investigador para
consolidar sua suspeita quanto à autoria necessitam ser concretos,
devendo basear-se sempre nas circunstâncias e vestígios do crime.
1.1.2. A racionalidade humana norteia a ação criminosa
Não é raro ouvir alguém dizer: “Falei sem pensar!”, “Agi sem pensar!”.
Contudo, isso não é verdade.
Nem que seja por uma fração mínima de segundos, o ser humano, que é
dotado de raciocínio, faz um exercício mental no qual, mesmo de forma
precária, analisa a situação antes de falar ou de agir. A esse exercício
mental de avaliação da situação, do problema, da hipótese, chama-se de
racionalidade humana.
Importante!
A racionalidade não implica necessariamente uma lógica natural. O autor
do crime pode, por exemplo, inverter a lógica comum, a fim de dissimular
os fatos.
Os principais fatores que conduzem o homem a agir com racionalidade
são: segurança, certeza, facilidade, comodidade, possibilidade e, no caso
do criminoso, também a garantia da impunidade.
Pensando nesses fatores é que o autor de crime escolhe o momento, as
circunstâncias, o local, os colaboradores, o instrumento e até mesmo a
versão do crime que apresentará eventualmente à polícia.
Por essa razão, assim que a equipe de investigação colher os primeiros
elementos informativos sobre o crime, deverá analisá-los com critério,
lógica e racionalidade.
1.1.3. O homicídio é delito de motivação necessária
Para Ribeiro (2006), “motivação é a razão ou os motivos pelos quais uma
pessoa resolve matar outra”.
Assim sendo, a equipe de investigação não pode se esquecer de que não
existe homicídio doloso sem motivação, muito embora, algumas vezes,
seja muito difícil defini-la, pois é um elemento subjetivo e variado.
A motivação de um crime de homicídio pode ser passional, ocasional, por
interesse patrimonial, por vingança, por pistolagem, para queima de
arquivo ou de origem psicopata.
Estude, a seguir, sobre cada uma dessas motivações.
a. Passional
O crime passional tem origem na paixão e surge do relacionamento
amoroso entre duas pessoas.
A traição, o desprezo, o ciúme exagerado, o rompimento inesperado são
acontecimentos que podem levar um dos parceiros a eliminar o outro.
Geralmente, o homicídio passional é cuidadosamente planejado e seu
autor não confessa, pois, de um lado, vê-se protegido pelos membros da
família, que não acreditam no seu envolvimento; e, de outro lado, teme a
indignação e a revolta desses mesmos familiares.
b. Ocasional
É o homicídio praticado em razão de um desentendimento, de uma
desavença momentânea, motivada por uma discussão casual, que pode
ser no trânsito, num bar, num estádio de futebol, numa reunião de
condomínio, etc.
Nesse caso, a motivação surge quase que concomitantemente à prática do
crime.
c. Interesse patrimonial
O autor quer eliminar a outra pessoa para ter seu patrimônio aumentado
ou mesmo para não vê-lo diminuído.
O autor cobiça o testamento da vítima, a herança; almeja receber um
prêmio de seguro de vida; obter a posse de propriedades, terras ou
edificações; quitar dívidas com terceiros ou mesmo com a vítima, etc.
d. Vingança
É o crime de homicídio movido por um sentimento pessoal no qual o autor
sente-se prejudicado, financeira ou moralmente, pela vítima.
Podem ser citados como exemplo os crimes cometidos por integrantes de
gangues, quando o grupo rival pretende matar para vingar a morte de um
de seus componentes, a qual foi praticada pelos rivais. Normalmente, é
um crime precedido por ameaças.
e. Pistolagem
Ocorre quando uma ou mais pessoas são contratadas para executar a
vítima mediante o pagamento pelo serviço contratado.
A investigação desses crimes é complexa, pois não há vínculo direto entre
o executante e a vítima; e a comprovação do vínculo contratual entre o
executante e o contratante é de difícil comprovação.
Na maioria das vezes, o contratante não tem antecedentes criminais,
razão pela qual se argumenta desarrazoadamente que ele não se
relacionaria com o executor, o qual, via de regra, é um criminoso
contumaz.
f. Queima de arquivo
É o crime de homicídio praticado para encobrir outro crime. A prática
criminosa visa manter o autor ou o mandante impune às sanções que
podem advir de suas atividades ilícitas ou mesmo imorais.
O autor, executor ou mandante silencia a vítima, para que ela não revele
fatos que possam colocar em risco sua impunidade.
Em alguns casos, a vítima desfrutava da confiança do autor e esta é
quebrada.
Em outros casos, não existe vínculo entre autor e vítima, mas esta última
presenciou ou, de alguma forma, tomou conhecimento de algum fato que
poderia comprometer a impunidade de seu algoz.
g. Origem psicopata
É o crime de homicídio praticado por um indivíduo ou por um grupo que
apresenta transtorno de comportamento e reage de forma violenta e
explosiva, com extrema brutalidade, em face de qualquer motivo.
Dentro desse aspecto, é importante ressaltar que a motivação para a
prática do crime de homicídio pode decorrer de vários fatores acumulados
durante anos de relacionamento entre autor e vítima.
A experiência tem demonstrado que aquilo que é motivo suficiente para
uma pessoa matar outra pode não ser para uma terceira pessoa. Motivo
de crime de homicídio não se discute. O certo é que, se há
homicídio doloso, necessariamente há uma motivação.
Por isso, a equipe de investigação, após apurar quem era a vítima e seu
universo pessoal de relacionamentos, deverá buscar quem tinha a
motivação para matá-la.
1.1.4. Domínio do fato
Outro princípio que você deve considerar é domínio do fato pela equipe de
investigação. Ele deve ter sempre em mente que o esclarecimento de um
crime de homicídio pode trazer grandes prejuízos patrimoniais para o
autor e também sua desmoralização perante seus comparsas, seus
amigos e familiares, especialmente, nesse último caso, quando se trata de
crime passional ou doméstico, quando, por exemplo, um filho mata os
pais para ficar com a herança.
Nessas situações, o criminoso de certo não deseja ver sua trama
desvendada e usará de todos os ardis e artifícios a fim de não ser
alcançado.
Por outro lado, nenhum profissional poderá realizar seu trabalho com
eficiência e eficácia sem conhecer o objeto de sua atividade, que, no caso,
é o fato criminoso.
A equipe de investigação não pode se esquecer dos interesses contrários
que terá de enfrentar na apuração das provas, pois estará procurando
desvendar aquilo que o criminoso está tentando de toda forma esconder
com o fito de furtar-se da punição do Estado.
Dessa forma, a equipe de investigação deve conhecer a fundo o objeto do
seu trabalho: os vestígios encontrados no local do crime, as lesões
apontadas no exame de corpo de delito – cadavérico –, as informações
sobre o instrumento utilizado para praticar o crime, os eventuais
testemunhos, o fragmento de impressão digital encontrado no local do
crime, etc. Elementos de convicção que o próprio autor pode desconhecer.
Sem esse conhecimento, a equipe de investigação dificilmente saberá
conduzir a investigação com critério e segurança; dificilmente saberá
reconhecer uma prova no contexto de todo o conjunto probatório,
entendendo que a importância de cada prova não depende de seu
tamanho.
O conhecimento profundo do fato investigado permite a realização de um
trabalho lógico e coerente; permite que a equipe de investigação saiba o
limite da investigação, ou seja, até aonde deverá ir à busca das provas.
Para Ribeiro (2006), “O rastro do crime é a bússola da equipe de
investigação”, que deverá “seguir rigorosamente os elementos do crime, e
não achar nada, pois esses devem falar por si mesmos, como fontes vivas
e insubstituíveis da verdade real.”.
1.1.5. Qualificação técnica
Durante vários anos, a atividade investigativa foi desenvolvida de forma
empírica, isto é, a equipe de investigação realizava uma diligência
repetindo um procedimento que aprendera com seus colegas mais antigos
e que dera bom resultado.
O certo é que não parava para raciocinar sobre a atividade executada.
Apenas a repetia. Não havia base teórica estabelecida que lhe norteasse a
atividade. Essa era a realidade das polícias do país e continua sendo, até
hoje, em muitas delas.
Não obstante, com a funesta especialização dos meios para prática dos
crimes, especialmente do crime de homicídio, a equipe de investigação
necessitou vencer o paradigma da mera repetição e, muitas vezes, da
truculência.
Viu-se diante da necessidade de conhecer a estrutura do crime que tinha
para apurar, entendendo como a prática criminosa foi realizada, a fim de
colher os elementos necessários à apuração do crime.
Dessa forma, esse profissional deparou-se com a necessidade de
qualificar-se, sentimento comum na atualidade. Por essa razão, observou
que, somente conhecendo o fato investigado melhor do que o próprio
autor do crime teria as condições necessárias para o esclarecimento.
Assim sendo, quando presente na cena criminosa, a equipe de
investigação com qualificação técnica tem um olhar perscrutador sobre os
vestígios, sabendo a informação que precisa extrair deles.
A qualificação técnica possibilita não só colher a prova de forma oportuna
e conveniente, mas também refiná-la, cuidando para que seja preservada
em toda a sua extensão.
Certamente, a atuação técnica da equipe de investigação possibilita uma
resposta eficiente e eficaz à demanda social quanto à apuração do crime
em lapso temporal que permita reflexos no sentimento de impunidade que
se estabelece quando o Estado demora a agir.
1.1.6. Imparcialidade
A equipe de investigação não deve temer a prova.
Isso significa que ele deve seguir o rastro deixado pela ação criminosa, o
que faz com que uma prova leve à prova subsequente.
Muitas vezes, a equipe de investigação acredita erroneamente que,
inquirindo familiares do suspeito, estará colhendo provas que o
inocentem. Isso não é verdade absoluta. A prova colhida, não importa de
que fonte venha, somente será substancial se harmônica com o restante
do conjunto probatório. Fazer juízo do efeito da prova quanto a inocentar
ou não um suspeito não é função da equipe de investigação. Em face do
princípio da imparcialidade, sua missão é colher a prova, seja qual for seu
efeito no processo judicial ao qual será submetido o suspeito.
De outro modo, não são raras as situações em que familiares do suspeito
contribuem com a investigação mesmo sem querer, quando, por exemplo,
relatam simplesmente que o mesmo viajou.
Com técnica, é possível que a equipe de investigação apure que o suspeito
esteve no local do crime e que só viajou para outra localidade após
cometê-lo.
É importante ter sempre em mente que, quando a polícia identifica um
suspeito, passa a ter duas possibilidades: colher prova que demonstre a
inocência ou a culpabilidade desse suspeito.
Isso significa que o trabalho da polícia deve ser imparcial e ter um único
objetivo: a verdade.
Sendo o suspeito de fato o autor do crime, isso virá naturalmente como
consequência do bom trabalho de investigação.
A verdade dispensa favores e a prática de outros crimes para que seja
estabelecida.
Concluindo...
Neste módulo você estudou e discutiu regras que são princípios básicos a
serem aplicados na execução das atividades de busca da prova do crime
de homicídio.
Percebeu que algumas dessas regras se vinculam da conduta do infrator e
outras, a fatores decorrentes da postura da equipe de investigação?
Discuta com seus colegas.
Você também estudou como esses conhecimentos ora discutidos poderão
ser valiosos no desenvolvimento do plano da investigação.
Compreender as regras que norteiam a conduta, que motivam a prática
delituosa, no mínimo, é criar uma possibilidade da formatação de uma
linha de investigação, certo?
No próximo módulo você estudará sobre a estrutura do crime de homicídio
e a importância da identificação de cada um dos elementos que formam
essa estrutura para a construção da prova.
Módulo 3 – Elementos essenciais do crime de homicídio
Apresentação do Módulo
Olá!
No módulo 2 você estudou as regras que são os princípios básicos da
operacionalidade da investigação de homicídio. São normas que,
aplicadas, permitirão à equipe de investigação dar rumo à sua
investigação do crime de homicídio, concorda?
Pois bem, neste módulo, você voltará sua atenção para o fato delituoso
em si e para o universo de informações, ações e reações que o rodeiam.
Lembra-se da afirmação, feita na apresentação do curso, de que a
investigação parte de uma história, de um contexto? E que ambos
precisam ser conhecidos e explorados?
É isso. O olhar da equipe de investigação terá que estar voltado
atentamente para um fato, uma história de alguém que matou ou tentou
matar uma pessoa, procurando compreendê-la inserida em um contexto.
Parte desse contexto diz respeito aos espaços temporais, territoriais e aos
mecanismos aplicados na prática do delito. É nesses espaços que está
formatada a estrutura do crime de homicídio com seus elementos de
tempo, espaço, ação e resultado.
É preciso decompor cada uma dessas partes para conhecer os elementos
essenciais e acessórios do homicídio, compreendendo como e porque
aconteceu em um determinado ambiente de espaço territorial e de tempo,
estabelecendo o necessário vínculo de autoria.
Essa é a proposta de aprendizado deste módulo.
Boa sorte!
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Descrever a estrutura do crime de homicídio;
Identificar os elementos essenciais do crime de homicídio;
Compreender a estrutura do crime de homicídio como conhecimento
fundamental para a efetividade da investigação das provas da prática
de tal delito.
Estrutura do Módulo
Aula 1 – A estrutura do crime de homicídio
Conclusão
Exercícios
Aula 1 – A estrutura do crime de homicídio
Todo crime de homicídio é praticado dentro de uma estrutura de tempo,
espaço, ação e resultado.
Isso significa que o crime é cometido em um determinado momento da
eternidade, em determinado lugar do planeta; exige um “fazer”, um
“atuar” por parte do autor que culmina em um resultado, a morte da
vítima.
Cabe à equipe de investigação deslindar essa estrutura, a fim de
esclarecer o crime em todas as suas circunstâncias, certo?
Entretanto, isso só é possível se a equipe de investigação não limitar sua
ação ao momento da execução.
Mesmo nos crimes de homicídio cuja motivação é ocasional, existe uma
cogitação e uma preparação mínimas para a prática do delito. É
impossível cometer um crime sem se dedicar a esse mecanismo.
Por isso, não se pode limitar a investigação ao momento executório, pois
há o risco de que ocorra a identificação do provável autor sem que seja
possível a coleta de provas suficientes para confirmação da autoria.
Por exemplo, se a equipe de investigação não tiver conseguido
determinar, mesmo que aproximadamente, o tempo do crime, o autor
poderá apresentar um álibi legítimo e safar-se da punição por uma fração
de tempo não superior a quinze minutos, por exemplo – intervalo em que
considerável distância poderá ser percorrida, considerando o concurso dos
modernos meios de transporte.
Assim sendo, a equipe de investigação que pretende realizar um trabalho
consistente deverá decompor adequadamente a estrutura do crime de
homicídio – tempo, espaço, ação e resultado – com o objetivo de exaurir
todas as possibilidades investigativas.
1.1. Elementos essenciais do crime de homicídio
O estudo científico pressupõe a segmentação do todo em partes que
devem ser detidamente analisadas, para que se possa melhor entender o
todo.
No que diz respeito ao crime de homicídio, essa segmentação determina o
entendimento de que cinco elementos essenciais sempre estão presentes
nessa prática: a vítima, o autor, o lugar, o tempo, o instrumento e a
motivação.
Portanto, não há que se falar em crime de homicídio sem a concorrência
necessária desses elementos.
A equipe de investigação, diante de um crime dessa natureza, sabe,
portanto, quais elementos deve invariavelmente buscar.
Veja cada um deles:
a. A vítima
É o primeiro elemento essencial do crime de homicídio.
Por isso, a equipe de investigação deverá conhecer a vítima
profundamente, apurando, por exemplo, com quem convivia, onde
morava e trabalhavam, quais eram os seus hábitos, quem eram seus
familiares, seus amigos, seus inimigos e desafetos, o que exatamente
fazia na hora e no local do crime, quem a acompanhava, de onde vinha e
para onde ia, se pretendia encontrar-se com alguém, etc. É preciso
determinar suas relações familiares, sociais e profissionais.
Investigar a vítima nem sempre é uma tarefa fácil. Muitos dados sobre ela
são obtidos pela polícia por intermédio de consulta a bancos de dados e
registros públicos.
Algumas dessas consultas, como a quebra de dados telefônicos, visando a
conhecer as pessoas com as quais a vítima mantinha contato, necessitam
de autorização judicial e, por vezes, a respectiva informação leva bastante
tempo para ser disponibilizada para a polícia.
Outras vezes, as pessoas mais próximas da vítima não revelam tudo o
que sabem em relação ela, pois imaginam estarem preservando sua
memória escondendo da equipe de investigação, por exemplo, um
relacionamento com uma pessoa comprometida, uma traição ou mesmo
que ela era usuária de drogas.
No entanto, investigar a vítima pode ser ainda mais difícil quando sequer
se sabe sua identidade. Em alguns casos, a vítima é encontrada morta e
seu cadáver está em adiantado estado de decomposição, impossibilitando
que a identidade seja estabelecida pela coleta e análise das impressões
digitais (pelo exame necropapiloscópico).
Em outros casos, o corpo da vítima está em perfeito estado de
conservação, mas a investigação não tem elementos que permitam a
localização de parentes conhecidos, porque a vítima não é identificada civil
nem criminalmente.
Há também casos em que somente uma ossada é encontrada, o que, em
situações nas quais existe uma suspeição quanto à identidade e parentes
conhecidos, é possível a determinação por meio de exame de DNA.
Apesar de todas as dificuldades citadas, a equipe de investigação deverá
realizar todos os procedimentos possíveis para colher dados, registros e
informações sobre a vítima, para esclarecer o crime ou exaurir a
investigação.
b. O autor
Não existe crime de homicídio sem autor.
Por essa razão, deve a equipe de investigação criminal promover as
diligências necessárias, visando à identificação da autoria do homicídio.
Normalmente, uma vez identificada e devidamente investigada a vítima,
alguns suspeitos são postos, o que impõe que sejam minuciosamente
investigados e inquiridos.
Tudo o que for dito pelo suspeito deverá ser submetido ao crivo de
rigorosa investigação.
O suspeito deverá ser questionado sobre todas as suas atividades antes,
durante e depois do horário do crime, considerando que o crime
compreende as fases da cogitação, da preparação, da execução e da
consumação.
É imperioso ressaltar que tanto a confissão do suspeito quanto a sua
negativa só tem valor se confirmadas por outros meios de prova.
Não se pode esquecer também que existe a autoria direta e a indireta;
esta última quando se trata de crime por encomenda, em que o executor,
autor direto, é contratado pelo mandante, autor indireto, sendo certo que
é este último que tem relação com a vítima.
Nesse sentido, a equipe de investigação deverá buscar provas do acordo
entre o mandante e o executor, evidenciando encontros e contatos entre
ambos antes, durante e após o crime.
c. O lugar
De acordo com Ribeiro (2006), “o delito, por ser um acontecimento
concreto, ocorre sempre em um determinado espaço físico”.
No crime de homicídio, não é sempre que o corpo é encontrado no lugar
em que os atos executórios foram praticados. Assim, por exemplo, a
vítima pode ter sido morta dentro de um veículo automotor ou dentro de
uma residência e o corpo ter sido abandonado em qualquer outro lugar, o
que é comum em crimes planejados ou praticados por grupos de
extermínio.
Há casos em que o lugar do crime pode ser determinado por meio de
exames periciais, analisando-se os vestígios encontrados no corpo da
vítima, como fragmentos de vegetais, solo ou de insetos. Contudo, nem
sempre isso é possível.
Há outros casos em que se determina o lugar por meio de provas
testemunhais ou pela conjunção desses testemunhos com as provas
periciais.
Saber exatamente onde o crime foi praticado é de fundamental
importância, pois certamente é onde estão importantes elementos de
convicção, vestígios materiais e testemunhais, sobre a autoria do crime.
É a partir do local do crime que se irradiam os elementos de prova do
crime de homicídio. Quanto ao aspecto processual, o lugar do crime
determina a competência do juiz.
Não é por outra razão que existe determinação legal para que, tomando
conhecimento da notícia do crime, a autoridade policial e seus agentes
devem dirigir-se ao local e providenciar a sua preservação para que não
se altere o estado das coisas e também porque a partir desse local
desdobram-se as possibilidades investigativas.
Para Ribeiro (2006), “quem não sabe onde o crime aconteceu, muito
menos sabe exatamente onde procurar a prova”.
d. O tempo
Ainda gozando dos ensinamentos de Ribeiro (2006), para ele o crime
acontece em algum momento exato da eternidade.
A equipe de investigação deverá, portanto, determinar com a maior
precisão possível o tempo da ação criminosa.
Em muitos casos, não é possível demonstrar o exato momento do crime,
especialmente quando o corpo é ocultado ou abandonado em local ermo e
só é encontrado muito tempo depois.
Contudo, a equipe de investigação não pode se furtar de realizar todas as
diligências possíveis, com o objetivo de, pelo menos, aproximar-se o
máximo possível do lapso temporal em que o crime foi praticado.
A experiência tem demonstrado que, quando não há precisão quanto ao
tempo do crime, é possível que sejam encaixados álibis, que sustentam
que o autor estava em outro lugar na hora do crime, fazendo outra coisa e
acompanhado por outras pessoas.
Exemplo
No homicídio em que foi vítima um desembargador, morto a tiros quando
fazia caminhada nas proximidades do local em que residia, o executor dos
disparos, após o crime, dirigiu-se imediatamente para sua casa, distantes
vinte e oito quilômetros do local do fato, percurso realizado de carro em
quarenta minutos.
Chegando em sua casa, imediatamente realizou um telefonema para uma
ex-companheira, com quem tinha uma filha, a fim de criar um álibi, o que
poderia ser atestado pelo extrato telefônico.
Ocorre que foi possível determinar o exato tempo do crime, pois as
câmeras de segurança de edifícios vizinhos ao local do crime gravaram o
momento em que um grupo de jovens que conversava em frente de onde
se deu a execução correu após ouvir o primeiro disparo.
A prova testemunhal corroborou o tempo determinado, assim como a
prova técnica, pois foi realizada uma reprodução simulada dos fatos, na
qual ficou demonstrado que o autor teve tempo suficiente de se deslocar,
após o crime, até sua residência, e realizar o telefonema mencionado.
O autor foi preso, processado, julgado e condenado.
e. O instrumento
Considerando que o homicídio é a eliminação da vida humana de forma
não natural, mas violenta, o autor do crime necessita de um meio
qualquer para que o resultado morte ocorra. Por essa razão, todo crime
de homicídio exige a utilização de um instrumento.
Esse instrumento pode ser as mãos do autor (quando se tem a morte por
esganadura, por exemplo), pode ser uma arma branca (faca, punhal,
facão, etc.), uma arma de fogo (revólver, pistola, etc.), substâncias
tóxicas (venenos em geral), paus, pedras, segmentos de ferro, entre
outros.
Assim, é fundamental que a investigação determine o tipo de instrumento
usado para matar a vítima, mesmo que não consiga encontrá-lo.
Em regra, o instrumento do crime tem estreita relação com os hábitos,
atividade profissional, condição socioeconômica, idade e sexo do autor.
Cabe a equipe de investigação definir qual foi o instrumento do crime;
depois deve buscar saber em poder de quem estava esse instrumento no
momento do crime, qual seu paradeiro após o crime e qual sua eficiência
e compatibilidade com as lesões que a vítima apresentava.
Especialmente no caso de o instrumento ser uma arma de fogo, deverá a
equipe de investigação apurar o mais rápido possível qual o calibre dessa
arma, mediante exame pela perícia criminal dos projéteis e estojos de
cartuchos por ventura encontrados no local do crime ou extraídos do
cadáver da vítima.
A equipe de investigação não deve, entretanto, sentir-se desestimulado se
não conseguir localizar o instrumento, pois o autor normalmente tudo faz
para se desfazer dele.
Considerando o uso de arma de fogo, é comum entre autores contumazes,
haver uma grande rotatividade de armas, o que dificulta ou mesmo
impossibilita sua localização e apreensão pela polícia.
No entanto, como já foi dito, o que condena um criminoso é o conjunto
probatório consistente e harmônico.
Na maioria das vezes, mesmo localizando-se a arma de fogo e havendo
projéteis para confronto, o exame pode resultar inconclusivo por questões
técnicas.
Assim sendo, o que a equipe de investigação não poderá deixar de
esclarecer é a natureza, a espécie e o tipo de instrumento utilizado para
praticar o crime de homicídio.
f. O motivo
Por último, há o motivo, a razão da prática do crime. Como você já
estudou, não há homicídio doloso sem motivo.
O motivo é o acontecimento que precede o crime e leva uma pessoa a
eliminar outra.
O motivo é aquele interesse ou desejo contrariado; é um bem cobiçado; é
um valor moral atingido; é uma relação ameaçada, rompida ou
indesejada; é um compromisso descumprido; é o interesse de se ocultar
alguma coisa.
Os motivos que levam uma pessoa a eliminar outra são variados e
imprevisíveis. Portanto, é tarefa impossível enumerar todos os tipos de
motivos.
Em geral, os motivos são de ordem social, patrimonial, criminosa,
amorosa, política e psicopata.
Os motivos de ordem social são aqueles que decorrem das condições
de vida, das relações da ambiência social do indivíduo.
Exemplos: Brigas em botecos entre pessoas embriagadas, por assuntos
triviais, pela disputa por um copo de bebida, por um simples empurrão;
desentendimentos entre vizinhos; intolerância das pessoas no convívio em
sociedade.
Os motivos de ordem patrimonial surgem da disputa ou do interesse
pelo patrimônio, o qual poderá ser tanto da vítima quanto do autor, ou até
de um terceiro.
Exemplos: A disputa por herança, a briga entre sócios e a divisão de
terras.
Os motivos de ordem criminosa são aqueles que têm origem dos
conflitos entre aqueles indivíduos que vivem do crime.
Exemplos: Pode ser uma queima de arquivo, a disputa pelo domínio de
uma área, o não pagamento de dívidas (comum no tráfico de drogas), o
desacerto na divisão do produto de um crime (roubo, extorsão mediante
sequestro), entre outros.
Os motivos de ordem amorosa advêm de fatores gerados do
relacionamento entre casais.
Exemplos: Casos que estão geralmente afetos ao ciúme, à traição, ao
orgulho ferido e à paixão.
Os motivos de ordem política surgem das disputas acirradas pelo poder
político ou mesmo do objetivo de se encobrirem atos de improbidade no
exercício do cargo.
Os motivos de ordem psicopata emergem de um estado mental
patológico.
Exemplo: O caso que ficou nacionalmente conhecido como “maníaco do
parque”, no qual um jovem humilde atraía moças jovens para locais
desertos, com a promessa de que seriam modelos, e as estuprava e
matava.
6.1. Outra classificação do motivo
O motivo do crime de homicídio pode também ser classificado em
imediato ou mediato, único ou múltiplo, determinante e não
determinante.
O motivo imediato é aquele que acontece em tempo próximo ao da
prática do crime.
Exemplo: O empurrão sofrido pelo autor leva-o ao imediato saque de
uma faca e agressão à vítima.
O motivo mediato é aquele cuja ocorrência se verifica muito antes do
cometimento do crime. Nesse caso, o autor tem tempo suficiente apenas
para as medidas indispensáveis à preparação e à execução do crime.
Exemplo: O não pagamento de uma dívida pela vítima, quando ela é
ameaçada de morte pelo autor, que monta uma emboscada para matá-la.
Quando o autor só tem uma razão para matar a vítima, o motivo é
único.
Quando estão envolvidos vários fatores motivacionais, se está diante de
uma motivação múltipla.
Exemplo: Uma mulher manda matar o marido, pois ele a maltratou com
agressões físicas e verbais durante anos, tem amantes e goza de
considerável patrimônio.
O motivo determinante é aquele que conduz o agente a decidir matar a
vítima. Ele pode ser imediato ou mediato, pois o autor pode decidir matar
a vítima em seguida ao fator determinante ou, por conveniência e
aguardando uma melhor oportunidade, esperar por determinado tempo.
O motivo não determinante é aquele que não conduz o autor a decidir-
se pela morte da vítima. É o caso das agressões sofridas, durante anos,
por uma esposa, a qual só decide matar o marido quando toma
conhecimento de que ele pretende separar-se dela para casar com a
amante.
Muitas vezes, a investigação não consegue demonstrar de forma
indubitável a motivação de um crime de homicídio, pois ela integra o
universo pessoal do autor.
Importante!
Motivação de crime não se discute, apenas se constata. E ainda, não é
porque alguém tenha, em tese, motivo para matar outrem que é o autor
do crime. Pense nisso.
Concluindo...
A conduta que leva à prática do crime de homicídio tem uma estrutura
operacional que precisa ser devidamente considerada pela equipe de
investigação.
A visualização dos elementos de espaço, tempo, ação e resultado na
conduta delituosa em estudo é fator preponderante na compreensão das
razões e do modo como ocorreu o delito, possibilitando a formulação de
estratégias eficazes na apuração das provas.
Neste módulo foram estudados e discutidos os elementos essenciais da
estrutura do crime de homicídio. No próximo módulo você fechará esse
estudo com a verificação dos elementos acessórios.
Módulo 4 – Elementos acessórios do crime de homicídio
Apresentação do Módulo
Seja bem-vindo ao módulo 4 do curso!
Neste módulo você complementará o estudo do módulo anterior tratando
dos elementos acessórios na conduta do crime de homicídio.
Vimos que a conduta que leva à prática do homicídio está contida em uma
estrutura de tempo, espaço, ação e resultado, e que esses elementos são
formados por outros elementos que se subdividem em essenciais e
acessórios.
Como visto, para a investigação, desmontar esses elementos estruturais é
a possibilidade de um olhar completo sobre a conduta do infrator,
apontando os caminhos a serem seguidos na busca da prova.
É com esse olhar que você deverá desenvolver o estudo deste módulo,
discutindo e conhecendo os chamados elementos acessórios da conduta
do crime de homicídio.
Boa sorte!
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Identificar os elementos acessórios do crime de homicídio;
Explicar os processos da destruição, da subtração ou da ocultação do
cadáver como circunstâncias norteadoras da apuração das provas da
prática do delito de homicídio.
Estrutura do Módulo
Aula 1 – Elementos acessórios do crime de homicídio
Aula 2 – A destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver
Aula 1 – Elementos acessórios do crime de homicídio
Elementos acessórios ao crime de homicídio são aqueles que, por razões
diversas, agregam-se aos elementos essenciais, mas que, diferentemente
destes, não são encontrados em todos os crimes de homicídio.
Os elementos acessórios constituem o elo que permeia e sedimenta os
elementos essenciais.
Como elementos acessórios, podem-se apontar: os vestígios materiais,
as circunstâncias, as testemunhas.
Veja então cada um desses elementos:
a. Os vestígios materiais – São normalmente encontrados no local do
crime e no corpo da vítima e/ou do autor.
Sim, mas o que são esses chamados vestígios de um crime?
Para Erich Anuschat (1933), “[...] é tudo que possa ser percebido como
matéria, corpo, objeto, etc., que tenha ou possa ter ligação com o crime
ou criminoso e que sirva à elucidação do crime e determinação da
autoria”.
Na cena do crime são encontrados objetos, marcas ou sinais ali deixados
como resultado da ação delituosa, os quais são, portanto, detentores de
informações sobre o evento ali ocorrido. Esses vestígios poderão estar
tanto no corpo da vítima como no ambiente da ocorrência ou, ainda, no
corpo e nas vestes do próprio autor.
Todos esses elementos são considerados vestígios materiais por serem
palpáveis, verificáveis como matéria.
Exemplo: Mancha de sangue, respingo de saliva, lesão corporal,
impressão digital, pegadas, etc.
Ocorre que nem sempre se sabe o exato local do crime ou se encontra o
cadáver da vítima, o que não impedirá a apuração de provas.
b. As circunstâncias – Dizem respeito à situação, ao estado em que
ocorreu a prática do homicídio, podendo ser demonstradas pela leitura dos
vestígios matérias deixados na cena do crime.
Ocorre que, em determinadas situações, os vestígios são alterados por
ação dos fenômenos naturais (chuva que apaga escorrimentos de sangue,
marcas de pneumático, etc.), por ação do tempo (quando se encontra
apenas a ossada da vítima, impedindo que se determine se há evidências
de violência) ou por ação do criminoso (o qual queima a roupa que usava
quando praticou o crime ou dá fim à arma do crime, destruindo-a ou
jogando em um rio), impedindo assim a constatação das reais
circunstâncias que envolveram o crime.
São exemplos de informações sobre as circunstâncias o número de golpes
sofridos pela vítima, dedos arrancados, olhos perfurados, genitália
queimada.
Veja que as circunstâncias têm estreita relação com a motivação de delito
e, consequentemente, com o autor.
c. A prova testemunhal - É o último dos três elementos acessórios do
crime de homicídio.
Embora a prova testemunhal possa, muitas vezes, gerar dúvidas sobre a
verdade real, a harmonia do que for informado pela testemunha com as
demais provas coletadas durante a investigação trará a equipe de
investigação a certeza da veracidade do testemunho.
Exemplo: em um bairro pouco habitado, um pescador, após discutir com
sua esposa, retira a vida da última com um golpe de faca. Acreditando
que o crime não possuía testemunhas, o autor abandona a faca no local e
parte em direção a um rio próximo, onde permanece pescando por vários
dias. Ao retornar, acaba sendo preso preventivamente, pois a única
vizinha do imóvel, uma vez tendo presenciado o ocorrido, relata os fatos
à equipe de investigação, que os retransmite a autoridade policial. Esta
por sua vez, com base no referido testemunho e nas impressões digitais
encontradas na faca, representa pela sua prisão e o indicia pela prática do
crime de homicídio.
Entretanto, tal quais os vestígios materiais, muitas vezes há ausência
desse elemento (teste munhas) na apuração do homi cí dio.
Aula 2 – A destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver
Embora a destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver sejam um
tipo penal autônomo, para a investigação criminal devem ser consideradas
as circunstâncias do crime de homicídio.
A prática dessas condutas pelo criminoso normalmente objetivo assegurar
a impunidade do crime de homicídio, pois o autor acredita que, se o corpo
da vítima não for encontrado, não se poderá afirmar sequer que o crime
aconteceu.
É também uma prática comum usada pelos grupos de extermínio, como
aconteceu, em diversos casos, no Rio de Janeiro, onde as vítimas eram
queimadas em pneus, como no caso do jornalista Tim Lopes1
. Essa
circunstância verifica-se com certa frequência quando o crime de
homicídio é doméstico, ou seja, quando foi praticado dentro do próprio lar.
Nesses casos, o autor procura simular um desaparecimento da vítima ou
mesmo um sequestro.
Mesmo sendo tais circunstâncias resultantes de uma ação intencional do
criminoso – portanto de extrema relevância na investigação criminal, pois
permitem o estabelecimento de hipóteses viáveis para o desenvolvimento
da apuração – nem sempre elas estão presentes no crime de homicídio.
1
http://www.timlopes.com.br/casotimlopesmobilizatodoopais.htm
Concluindo...
Com este módulo você encerra seus estudos sobre o tema que diz
respeito aos espaços temporais, territoriais e aos mecanismos
operacionais da prática do homicídio. Esse é o contexto no qual se
encontra formatada a estrutura da conduta homicida com seus elementos
de tempo, espaço, ação e resultado.
Compreendeu?
Necessariamente a equipe de investigação deverá lançar seu olhar inicial
para cada um desses elementos, essenciais e acessórios, que compõem a
conduta do homicídio, identificando e analisando cada um deles na busca
da compreensão do onde, quando, como e por que o crime ocorreu,
pois essas são as portas que o levarão às provas necessárias para a
apuração.
No módulo seguinte você estudará sobre a prova na investigação do
crime de homicídio.
É muito provável que você já tenha estudado esse tema, principalmente
se foi aluno do curso Investigação Criminal da REDE EAD da SENASP.
Entretanto, essa abordagem traz uma análise específica para o caso de
homicídio e novos conceitos para a compreensão do tema, como os que
tratam da “volatilidade dos vestígios” e da “linha do tempo”.
Módulo 5 – A prova na investigação do crime de homicídio
Apresentação do Módulo
Os dois módulos anteriores trataram do tema que diz respeito aos espaços
temporais, territoriais e aos mecanismos operacionais da prática do
homicídio, certo? Ou seja, você estudou aquilo que é chamado de
estrutura da conduta homicida.
Estudou que nessa estrutura estão contidos os elementos de tempo,
espaço, ação e resultado e que nesses elementos estão inseridos outros
elementos de natureza essencial ou acessória para a operacionalidade da
investigação.
Neste módulo você estudará sobre prova, que é o personagem principal
não só da investigação criminal, mas de todo o processo penal.
Você fará uma análise sobre os cuidados que deverão ser dispensados aos
vestígios e evidências no processo de coleta, estabelecendo o diferencial
entre valorizar e valorar a prova, e, ainda, uma abordagem conceitual
sobre a volatilidade dos vestígios e sobre a linha do tempo e sua
importância para a apuração das provas.
Boa sorte!
Objetivos do Módulo
Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de:
Definir o que seja prova no contexto da investigação do homicídio;
Explicar quais os cuidados necessários para a valorização e a
valoração da prova do crime de homicídio;
Aplicar métodos necessários à preservação da cadeia de evidências
de um homicídio.
Estrutura do Módulo
Aula 1 – Contexto da prova no crime de homicídio
Aula 2 – A valorização e a valoração da prova do crime de homicídio
Aula 3 – Cadeia de evidências
Aula 4 – Preservação da cadeia de evidências
Aula 5 – Volatilidade dos vestígios
Aula 6 – Linha do tempo
Aula 1 – Contexto da prova no crime de homicídio
Não resta dúvida de que o objetivo da investigação criminal é coletar
provas das circunstâncias em que ocorreu determinado delito e de sua
autoria, para que haja um processo de avaliação da culpabilidade ou
inocência do indivíduo apontado como autor.
Provar não é supor. Provar é demonstrar fatos. Entretanto, nem sempre é
simples demonstrar a ocorrência de um fato. Essa é a grande encruzilhada
pela qual passa o investigador, em especial o do crime de homicídio.
Não é objetivo deste curso fomentar nenhuma discussão doutrinária sobre
a prova penal, mas contextualizar o conceito de prova nas práticas da
investigação de homicídio para que o investigador possa compreender o
que realmente poderá considerar como evidência de provas dessa prática
delituosa.
Entretanto, é importante que se tenha uma referência conceitual desse
elemento fundamental do processo penal, visto ser ele o objeto
perseguido em todo o caminho apuratório.
1.1. Conceitos
Segundo Noronha (1983), “provar é fornecer no processo o conhecimento
de qualquer fato, adquirindo para si e gerando em outro a convicção da
substância ou verdade do mesmo fato”.
Para outro processualista, Tourinho Filho (2003, p. 476), provar é, antes
de tudo, estabelecer a existência da verdade.
Para Malatesta ([s.d.], p. 19), a prova é o meio objetivo pelo qual o
espírito humano se apodera da verdade.
1.2. Comunhão dos meios de prova
Nessa toada, há alguns indicadores que precisam ser percebidos pelo
investigador, pois eles darão rumos que possibilitarão a busca da prova.
Um desses indicadores é o de que a construção da prova de um homicídio
não é um fim em si mesmo, mas, como toda a produção da prova penal,
está dentro de um contexto que se chama justiça criminal; portanto, a
primeira indicação é de que a prova não é da investigação em si, mas do
processo como um todo.
Como se tem um sistema processual penal acusatório, com a prevalência
dos princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda que a
investigação tenha uma conotação inquisitiva, não deixa de ser submetida
ao controle do juiz e das partes (acusação e defesa).
Por que isso acontece?
Porque há no processo um princípio aplicado à coleta de provas que se
chama: princípio da comunhão dos meios de prova. Ou seja, a prova
que é levada ao processo pode ser utilizada por qualquer um dos seus
sujeitos: o juiz, a acusação ou a defesa.
Você saberia explicar o que isso significa na prática da investigação do
homicídio?
Simples. Que a busca da prova penal deve ser guiada também pela
imparcialidade do investigador, como você estudou em aula anterior. O
investigador não coleta a prova para A ou B, mas para o processo. Ela
servirá aos litigantes e ao interesse da Justiça.
1.3. Hierarquia das provas
Outro aspecto importante da prova é que não há uma hierarquia entre
as provas. O valor da prova é determinado pela sua harmonia com as
demais e pela regularidade do processo de coleta, portanto não há
método ou técnica de investigação mais importante que o outro. Eles
simplesmente se complementam.
Nesse contexto, cada peça da prova terá que ser devidamente encaixada
entre as demais, completando o todo. Isso significa que o depoimento de
uma testemunha que narra uma circunstância deverá se adequar à
informação registrada no vestígio material, porventura deixado como
prova do fato. Daí a importância da interação entre os investigadores.
1.4. Classificação das provas
Segundo Araujo (2008), doutrinariamente, a classificação de provas mais
compreensível didaticamente é a seguinte:
a.Provas objetivas ou materiais – São aquelas representadas por
vestígios produzidos ou decorrentes da conduta tida como infração
penal. São aquelas constatáveis materialmente por meio de exame
pericial.
Exemplos: As provas representadas pelos laudos dos exames de lesões
corporais, exames de armas, drogas, substâncias orgânicas, etc.
b.Provas subjetivas ou informativas – São aquelas representadas
por depoimentos de testemunhas, autor e vítimas.
Exemplos: Termos de declarações, de interrogatórios, de reconhecimento,
etc.
c. Provas complementares – São aquelas representadas por
elementos ou dados auxiliares que, em geral, reforçam, corroboram as
demais provas.
Exemplos: A identificação criminal, a folha de antecedentes, relatórios
sobre a vida pregressa do indiciado, a reprodução simulada do fato, etc.
d.Indiciárias ou circunstanciais – “Considera-se indício a
circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato,
autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias”. (art. 239 do CPP )
Exemplos: A circunstância de que alguém foi visto saindo correndo de
uma sala, onde se encontra o corpo de uma vítima de homicídio,
segurando um revólver, logo depois de ouvidos os estampidos dos
disparos de uma arma de fogo.
1.5. Tipos de testemunhas do homicídio
Preste atenção em um aspecto importante na apuração de provas de
homicídio que diz respeito aos tipos de testemunhas com as quais o
investigador poderá se deparar.
Compreender essa diversificação vinculada às circunstâncias, tempo e
ambientação da testemunha fará com que seja mais fácil para o
investigador selecionar aquelas pessoas potencialmente portadoras de
informações sobre o caso. Ele saberá, principalmente, determinar com
maior precisão as questões que deverão ser postas para cada uma.
Ainda seguindo as orientações de Mingardi (2006), o investigador de
homicídios poderá deparar-se com os seguintes tipos de testemunhas:
a.Aquelas que encontraram o corpo – Elas terão informações sobre
as circunstâncias iniciais que envolveram a cena do crime,
provavelmente sobre características de suspeitos.
b. Aquelas que conheciam a vítima ou se apresentaram
voluntariamente para prestar alguma informação.
c. Aquelas que atenderam a ocorrência – Elas poderão saber o que
ocorreu depois do crime, como alterações na cena e possíveis
testemunhas e suspeitos.
Conhecer esse grupo de testemunhas é um aspecto prático da
investigação que facilitará o planejamento da abordagem de cada uma
delas, evitando a perda de tempo procurando colher informações com
fontes erradas.
Aula 2 – A valorização e a valoração da prova do crime de
homicídio
Na aula anterior você estudou a prova no seu nível conceitual para que
pudesse compreendê-la como a essência do processo penal. Sem a
demonstração de que existe uma infração penal e uma possível autoria,
não há como falar em justa causa para o processo.
Ocorre que, antes de se falar efetivamente na existência de uma prova,
uma série de procedimentos deverão ser desenvolvidos pelo investigador,
como a identificação de vestígios (sejam materiais ou testemunhais) e seu
isolamento, preservação e análise até que se possa classificá-la como
prova de determinado delito.
Você verá que a apuração de provas de um delito é um processo científico
que, como qualquer outro, requer métodos, técnicas e procedimentos;
portanto, exige cuidados específicos com as fontes de informação.
O resultado da investigação está diretamente relacionado com a qualidade
desses cuidados. A captura das informações buscadas sobre determinado
fato está vinculada ao grau de preservação das fontes dessas
informações. Quanto maior for o cuidado com essas fontes, maior será a
possibilidade de que forneçam as informações buscadas pelo investigador.
O que seria, então, valorizar a prova?
Veja.
2.1. Valorização da prova
Você estudou que a coleta da prova de um delito é um processo científico
e que esse processo requer cuidados próprios. Para compreender o
conceito de valorização da prova, tenha como ponto de partida o conceito
de cuidar, certo?
Aqui há alguns dos significados dicionarizados do termo “cuidar”: ocupar-
se de; tratar de; zelar pelo bem-estar.
Ora, só se cuida daquilo que de alguma forma tem valor para nós, não é
verdade? E ter valor não é ter estimação, valia para alguém? É nessa linha
de raciocínio que o investigador do homicídio deve tratar as fontes de
informações identificadas e selecionadas para a produção da prova
criminal.
Percebeu que há uma relação semântica entre os termos cuidar e
valorizar? É nessa transição do verbo valorizar para o nome valorização
que está assentado o conceito de valorização da prova. Como se trata
de um resultado da ação, valorização da prova tem o sentido de cuidado,
atenção, zelo pelas fontes e pelas informações produzidas na
investigação.
Vale lembrar que esse cuidado não se restringe aos dados materiais, mas
também às fontes e informações subjetivas (testemunhas, vítimas e,
havendo, os informantes.). Isso significa que a prova testemunhal
também deverá ser submetida ao zelo da preservação.
Entendido? Veja a um exemplo?
Exemplo: Em uma cena de crime de homicídio, o investigador encontra
potenciais testemunhas e vários vestígios materiais, como respingos de
sangue, garrafas quebradas, pegadas, arma, etc. Identificadas e
selecionadas tais fontes, devidamente acondicionadas e protegidas, elas
passam a receber todos os cuidados de preservação para que possam ser
examinadas e delas colhidas as informações necessárias.
Perceba que, além da sua importância, a valorização da prova é um
procedimento que ocorre na investigação criminal, durante a fase
inquisitorial da coleta de prova, cuja finalidade é garantir que a fonte
selecionada seja preservada e dela capturadas as informações que serão
transformadas em prova.
Esse cuidado é responsabilidade tanto daquele que fará o exame da fonte
(perito/legista/papiloscopista/investigador cartorário) como daquele que é
responsável pelos primeiros atos de preservação dessas informações no
local de crime.
Valorar a prova é diferente de valorizar? O que ocorre na valoração da
prova? Veja!
2.2. Valoração da prova
A investigação criminal, como todo processo científico, além de métodos e
técnicas tem também uma linguagem própria, muitas vezes com termos
semelhantes, mas facilmente diferençáveis quanto ao significado.
No caso de valorizar e valorar, há uma diferença conceitual e prática de
suma importância, pois as duas ações, ainda que semelhantes e
complementares, ocorrem em momentos diversos do processo de coleta e
análise das provas e são praticadas por diferentes agentes.
A investigação criminal faz parte de um sistema de produção de provas
que envolve duas fases distintas: a de produção propriamente dita e a
de apreciação e avaliação. Se considerarmos a investigação como o
próprio sistema, essas duas fases poderão ocorrer nela mesma. Mas, se a
considerarmos como parte do grande sistema processual penal, nela só
ocorrerá a primeira fase, a da produção, enquanto a última fase caberá
exclusivamente ao órgão julgador. Portanto, é nesse processo
desenvolvido pelo juiz (ou pelo júri) que ocorre a valoração da prova.
No caso do termo valorar (a prova) há uma abordagem conceitual-jurídica
que deve ser considerada, visto que esse procedimento só ocorre na fase
processual.
Veja como se processa.
2.3. Sistema do livre convencimento motivado
O investigador não pode perder de vista o fato de que sua atividade faz
parte da ação de um Estado Democrático de Direito fundado em garantias
e direitos do cidadão. A coleta de provas da prática de um homicídio é
uma dessas garantias, conforme comenta Leal (2010): “O direito à prova
insere-se no campo das garantias que integram o devido processo legal
[...]”.
Com relação à avaliação da prova feita pelo juiz, veja o que dizem a
Constituição Federal e o Código de Processo Penal, respectivamente:
Art. 93. [...]
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se
o interesse público o exigir limitar a presença em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; (CF, 1988)
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (CPP.
Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Percebeu?
Aqui a lei define o sistema probatório no processo penal brasileiro, que é o
sistema do livre convencimento motivado, ou seja, aquele processo
pelo qual o juiz (ou júri) construirá seu convencimento apreciando,
livremente, as provas apresentadas no processo e submetidas ao
contraditório, sem submetê-las a qualquer ordem hierárquica, sem
considerar mais uma ou outra, de forma crítica e com persuasão racional.
Entretanto, não se trata de uma avaliação arbitrária, mas necessária de
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homicidio

  • 1. Módulo 1 – Fundamentos da investigação do crime de homicídio Apresentação do Módulo A investigação de um crime, como todo fazer, antes que seja traduzida em métodos e técnicas, é uma construção conceitual de conhecimentos que lhe darão sustentação. Entretanto, sendo o homicídio uma ação social, antes de iniciar qualquer fundamento conceitual, é importante sua contextualização histórica e política para que possa ser compreendido e apurado como tal. É muito provável que você já seja detentor de vasto conhecimento sobre investigação criminal – ou até mesmo sobre o tema específico deste curso. No entanto, este módulo inicial irá levá-lo a revisitar alguns conceitos básicos, mas necessários ao aprendizado ora proposto. Sendo assim, temas como princípios constitucionais e princípios fundamentais da investigação, bem como as atitudes a serem adotadas pelos profissionais de segurança pública ligada às atividades investigativas serão revistos de modo a permitir sua compreensão no contexto da apuração do crime de homicídio. Aproveite e boas aulas!
  • 2. Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Compreender os aspectos históricos e políticos do enfrentamento da prática do homicídio. Compreender conceitos e características próprias da investigação de homicídio; Construir uma investigação de homicídio baseada em princípios fundamentais de respeito à lei e à dignidade da pessoa humana; Agir em conformidade com os padrões de postura estabelecidos para as equipes de investigação durante a apuração de crimes de homicídio.
  • 3. Estrutura do Módulo Aula 1 – Aspectos históricos e políticas nacionais de enfrentamento da prática de homicídio Aula 2 – Conceito e características da investigação do crime de homicídio Aula 3 – Princípios constitucionais com repercussão na investigação de homicídio Aula 4 – Princípios fundamentais da investigação criminal Aula 5 – Postura do investigador do crime de homicídio
  • 4. Aula 1 – Aspectos históricos e políticas nacionais de enfrentamento da prática de homicídio Você não poderia iniciar o estudo da investigação do crime de homicídio sem uma rápida abordagem histórica e conceitual desse delito, concorda? Importante! Os elementos históricos são referenciais importantes para a compreensão desse fenômeno social, principalmente no que diz respeito à leitura feita pelas sociedades na sua gradual criminalização. A palavra homicídio origina-se do termo latino homicidium, que é composto de dois elementos: homo, que significa homem e provém de húmus, terra, país; e caedere, que significa matar. Nessa mesma linha de raciocínio, é possível conceituar o homicídio como o ato pelo qual uma pessoa elimina a vida de outra; ou, também, a morte de alguém causada por uma pessoa. Historicamente, o primeiro homicídio relatado foi a morte de Abel, provocada por seu irmão Caim, que agiu motivado por inveja, conforme consta na Bíblia (Gênesis, capítulo 4). No estudo da pré-história, há inúmeros relatos de corpos encontrados com vestígios de violência, o que é um indicativo de que a morte dessas pessoas tenha sido provocada pela ação humana. Os manuscritos das civilizações antigas, especialmente dos povos sumérios e babilônicos, demonstram a adoção do Código de Hamurabi, conhecido pela Lei de Talião, cuja regra central era o que se chama de “olho por olho, dente por dente”. Dessa forma, os crimes de homicídio, em regra, eram punidos com a morte do autor, forma de punição também adotada pelos egípcios e
  • 5. assírios, os quais entregavam o autor do crime à família do morto, que, conforme seu arbítrio, sua vontade, poderia lhe impor a morte ou apossar-se de seus bens. Há também o Código de Manu, relacionado ao povo hindu, o qual concedia privilégios aos brâmanes, parcela privilegiada da população, sendo que, se um membro desse grupo, que se denomina casta, matasse o membro de outra casta, nunca seria condenado à pena capital, o que sempre se verificava em caso contrário. Por sua vez, a legislação hebraica determinava uma regra geral para o crime de homicídio: “não matarás” (quinto mandamento da Bíblia); e uma punição específica no caso dos homicídios involuntários – quando não há a intenção de matar –, caso em que os autores eram mandados para as cidades-asilos. Na Grécia antiga, o crime de homicídio não era punido na cidade-estado de Esparta, mas era punido na cidade-estado de Atenas. Na Roma antiga, o homicídio era considerado um crime público e recebeu inicialmente o nome de parricidium, que significava a morte de um cidadão romano. Mais tarde, o termo passou a ser empregado para designar a morte de um ascendente pelo descendente. Somente no final da república romana adotou-se o termo homicídio. Em Roma, a pena para o crime de homicídio dependia da condição social do réu e das circunstâncias do fato. Compreendia o exílio, o confisco dos bens ou a morte por decapitação ou por animais ferozes. No direito germânico, o homicídio era considerado crime privado e o homicida ficava sujeito à vingança da família do morto. Também havia a possibilidade de composição, que consistia no cumprimento, pelo homicida, de uma exigência da família da vítima.
  • 6. Com o ressurgimento do direito romano e a influência do direito canônico, o homicídio voltou a ser considerado crime público. Contudo, os castigos corporais e a pena de morte continuaram a ser adotados como punição para essa prática criminosa. Aqui, uma nota importante! No final do século XVI, na Holanda, surgiu o modelo prisional, com caráter reeducacional. Eram casas correcionais destinadas inicialmente a abrigar vadios, mendigos e prostitutas. Embora esses estabelecimentos se destinassem ao cumprimento de pena com caráter educativo, as penas de suplícios corporais continuaram a ser aplicadas. Foi no período iluminista, no final do século XVIII, que se iniciou o movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal, que deveria considerar a humanidade do condenado. Césare Bonesana Beccaria, o Marquês de Beccaria, em seu livro Dos Delitos e das Penas, escrito em 1764, contribuiu para a mudança da forma de execução das penas em toda a Europa. Repudiou as penas cruéis, estabelecendo a necessidade de respeitar a dignidade do condenado e demais direitos indisponíveis, entre eles o direito à preservação da integridade física e da vida. 1.1. A penalização da conduta “matar alguém” na legislação brasileira Chamando o tema para o Brasil, o Código Penal de 1830, ainda no período imperial, trata do crime de homicídio e o considera qualificado, o que traz o aumento da pena nos casos em que é praticado com veneno, mediante fraude ou emboscada, com promessa de pagamento ou por mais de uma
  • 7. pessoa. Nesses casos, a pena variava desde trabalho forçado, galés perpétuas, até a morte. Já no período republicano, o Código de 1890 contemplava o crime de homicídio em seu artigo 294, agravando a pena em várias circunstâncias. A pena de prisão variava de 12 a 30 anos nas formas qualificadas e de 06 a 24 anos nos casos de homicídio simples. No Código Penal brasileiro em vigor, de 1940, o crime de homicídio está inserido no capítulo dos crimes contra a vida, sendo o primeiro crime tipificado, ou seja, cuja conduta é descrita com a expressão “matar alguém” (texto do art. 121 do CP). A proteção à vida tem também seu fundamento na Constituição Federal de 1988 e está prevista no caput do artigo 5º. É considerado um direito fundamental, isto é, é indispensável ao desenvolvimento da pessoa humana. Entretanto, é importante ressaltar que nenhum direito, mesmo que fundamental, é absoluto, já que é necessário que todos os direitos convivam harmoniosamente. Por isso, o direito à vida também encontra limitação quando em confronto com outros interesses coletivos ou individuais da sociedade. Nesses casos a lei cria situações privilegiadas de descriminalização da conduta “matar”, como é o caso das chamadas causas legais de exclusão da ilicitude. A respeito da eliminação da vida humana, a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de haver pena de morte em tempo de guerra (artigo 5º, XLVII, a):
  • 8. XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; [...] Observe, dessa forma, que o direito à vida, ainda que fundamental, não é de tudo absoluto. Por essa razão, o Código Penal brasileiro incrimina, no artigo 121, a conduta de um ser humano provocar a morte de outro ser humano, apresentando quatro figuras típicas: o homicídio simples, o homicídio privilegiado, o homicídio qualificado e o homicídio culposo. Para os nossos estudos, interessam-nos as três primeiras tipificações, que tratam do homicídio doloso, que é aquele em que o autor tem a intenção de eliminar a vida da vítima, tanto na forma consumada quanto tentada. Para o homicídio simples, a lei penal brasileira determina como pena a reclusão de 06 a 20 anos. Entretanto, o mesmo Código Penal determina no § 1º do artigo 121: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.” Nesse caso, devem ser consideradas as seguintes possibilidades: a. Relevante valor social – Trata-se de motivo que atende aos interesses da coletividade. Exemplo: morte de um traidor da pátria. b. Relevante valor moral – Trata-se de motivo que, embora seja relevante para a sociedade, leva em consideração os interesses do agente. Exemplo: pai que mata o estuprador da filha.
  • 9. c. Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima – É também chamado de homicídio emocional. Nesse caso, o autor do crime de homicídio deve estar completamente dominado pela situação, momentaneamente perturbado em seu psiquismo, de tal forma que seja capaz de justificar a cólera, a indignação, que, por sua vez, desencadearão uma reação imediata. Por outro lado, o Código Penal também enumera no § 2º do artigo 121 motivos, meios, modos e fins que tornam o homicídio qualificado, tratando-se, nesse caso, de crime hediondo, cuja pena de reclusão é de 12 a 30 anos. Dessa forma, há o crime de homicídio praticado: a. Mediante paga ou promessa de recompensa - Na paga, o dinheiro é entregue antes do crime, mesmo que apenas uma parte dele; na promessa de recompensa, o recebimento é posterior e não necessariamente em pecúnia; pode ser, por exemplo, a promessa de um emprego. b. Por motivo torpe - É o motivo repugnante, desprezível. Exemplo: matar os pais para ficar com a herança. c. Por motivo fútil - É o motivo desproporcional, insignificante. Exemplo: matar a vítima porque ela olhou de “cara feia” para o autor. d. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum - Trata-se de qualificadoras objetivas, pois se referem ao meio empregado para o cometimento do crime de homicídio. e. À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido - São circunstâncias que retratam o modo como a vítima é abordada, determinadas por situação de surpresa ou de falsidade.
  • 10. f. Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime - É também chamado de homicídio por conexão. O outro crime pode ser anterior ou posterior e não necessariamente praticado pelo mesmo autor do homicídio. Saiba mais... Leia o texto A História do Delito de Homicídio1 . Reflita! Qual a importância, para o investigador, de conhecer as circunstâncias em que o autor praticou o homicídio? Veja que conhecê-las é fundamental para definir a linha de investigação e construir a estratégia que ele irá adotar para a coleta das provas. Importante! Sabendo o que ocorreu, o investigador saberá que tipo de prova deverá perseguir com a investigação, sem perder tempo trilhando por caminhos que não o levam a nada e colhendo informações inúteis. 1.2. Os índices de resolução do crime de homicídio no cenário nacional No dia 06/10/2011, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgou seu primeiro Estudo Global sobre Homicídios. De acordo com esse estudo, o Brasil tem o terceiro maior índice de homicídios na América do Sul, com 22,7 casos para cada 100 mil habitantes. O Brasil fica atrás apenas da Venezuela e da Colômbia, com 49 casos e 33,4 casos, respectivamente, para cada 100 mil habitantes. 1 http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9832#
  • 11. Embora, de acordo com o estudo citado, esse número seja melhor do que há cinco anos e mesmo considerando o tamanho da população, o que permite que o Brasil desça proporcionalmente para um grupo intermediário, ainda assim o país se coloca muito longe da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos. É também importante ressaltar que quatro países também da América do Sul – Uruguai, Argentina, Peru e Chile – ficam abaixo da média mundial, que é de 6,9 homicídios por 100 mil habitantes. Mesmo não tendo alcançado, no contexto geral, a média desejável dos países citados, no Brasil, o estudo da UNODC destacou positivamente a cidade de São Paulo como exemplo para outras metrópoles do mundo. De acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, a taxa de homicídios na cidade de São Paulo caiu, em cinco anos, de 20,8 para 10,8 em cada cem mil habitantes. O estudo da ONU também enfatiza que as tendências mostram-se muito diferentes no que diz respeito a São Paulo, em relação a outras regiões do Brasil, especialmente ao estado de Alagoas, cujo número de homicídios ultrapassa 60 em cada 100 mil habitantes. Em consonância com os dados do Instituto Sangari, que elaborou, juntamente com o Ministério da Justiça, o mapa da violência 2011 no Brasil levando em conta os crimes de homicídio e o número de habitantes, observa-se que a maior incidência, no que concerne às grandes capitais, é verificada em Maceió-AL, seguindo-se Recife-PE e Vitória-ES. Saiba mais... Acesse os links para mais informações sobre o tema:
  • 12. Jornal Nacional – Brasil é o país com o maior número de homicídios, aponta a ONU2 . Agência Brasil – Para reduzir homicídios, Cardozo defende ações integradas e unidades especiais3 1.3. Política nacional de fomentação da investigação de homicídio Em fevereiro de 2010, foi lançada a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), com o objetivo de “promover a articulação dos órgãos responsáveis pela segurança pública, reunir e coordenar as ações de combate à violência e traçar políticas nacionais na área”. Essa iniciativa é resultado da parceria entre os Conselhos Nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça (MJ), sendo que cada qual desenvolve uma ação integrada no contexto da ENASP. No caso do CNMP, há o desenvolvimento de ações que visam agilizar e dar maior efetividade à investigação da polícia, à denúncia do Ministério Público e ao julgamento pelos Tribunais do Júri dos crimes de homicídio. Nesse sentido, pode-se citar, como exemplo, a Meta 1 (Subgrupo 1: Fase de Investigação)4 da ENASP que objetivou a conclusão de todos os 2 http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/10/brasil-e-o-pais-com-o-maior-numero- de-homicidios-aponta-onu.html 3 http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-10-06/para-reduzir-homicidios-cardozo- defende-acoes-integradas-e-unidades-especiais 4 Acessar o arquivo em anexo 2011Metas_ENASP.pdf.
  • 13. inquéritos e procedimentos que investigam homicídios dolosos instaurados até 31 de dezembro de 2007. Dessa forma, observe que a priorização da investigação criminal é de fundamental importância para que se atinja a proposta-meta, quer seja para levar a julgamento autores de crimes de homicídio doloso, quer seja para a promoção do arquivamento dos procedimentos, haja vista o exaurimento dos procedimentos investigatórios. Existem vários fatores responsáveis pelo alto índice de violência verificado no país, dentre eles, os baixos índices de resolução de crimes de homicídio. Nesse sentido, é pertinente afirmar que os baixos índices de resolução de crimes de homicídio, juntamente com outros possíveis fatores, são responsáveis pelo alto índice de violência verificado no país. Sendo assim, é possível concluir que a priorização da investigação criminal do homicídio deve contribuir para a diminuição dessa prática criminosa, com redução do tempo de resposta do Estado, levando a julgamento os criminosos e permitindo, assim, que não impere na sociedade o sentimento de impunidade. Para o então Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a impunidade é um dos principais aspectos a serem combatidos, sendo que, para tanto, deverão ser criadas unidades específicas para a investigação de homicídios em cada Estado, e os processos judiciais deverão ser agilizados.
  • 14. Saiba mais... Abra os seguintes links para mais informações: Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública5 CNJ – ENASP6 Aula 2 – Conceito, características e pressupostos da investigação criminal. Segundo Ribeiro (2006), “a ciência da investigação é um campo permanentemente aberto à busca do saber e à descoberta da verdade”. Isso porque a investigação criminal não encontra limites nos enunciados das leis penais. Na verdade, a própria legislação penal confere ao investigador criminal a mais ampla discricionariedade, de forma que a existência de limites está pautada no uso racional da inteligência e da lei. É por essa razão que a investigação criminal não se constitui em simples e aleatória coleta de provas, sem a necessária adoção dos métodos, das técnicas e dos procedimentos especializados, que devem fundamentar o trabalho da equipe de investigação. Sendo assim, o investigador deve possuir formação técnico-científica no assunto, a qual não significa somente conhecimento jurídico nem somente boa vontade, mas conhecimento especializado com base nas ciências que dão suporte à investigação criminal. Esse conhecimento devidamente aplicado à investigação do homicídio permite que o investigador realize sua tarefa de forma segura e eficaz, 5 http://portal.mj.gov.br/senasp/main.asp?ViewID=%7B45D2F2A3%2DF723%2D4229%2D94A2%2D311A3DF2A0 CB%7D&params=itemID=%7B5A3DAD20%2D4CB3%2D484C%2D9011%2DC00E225D2A92%7D;&UIPartUID=%7 BE0EA6E2F%2D2D28%2D4749%2D9852%2D31405415DD85%7D 6 http://www.cnj.jus.br/metas-enasp
  • 15. evitando atitudes irrefletidas que possam comprometer a imagem e o resultado do trabalho de investigação criminal. Isso porque se, por um lado, algumas investigações apresentam apenas um grau razoável de dificuldade, outras, cujos delitos são praticados por quem vive do crime ou por quem detém recursos financeiros que facilitam o uso de artifícios geradores da impunidade, exigem do investigador firmeza e segurança quanto às providências adotadas. Nesse sentido, não é raro que investigadores estejam às voltas com denúncias anônimas que pretendem desviá-los da verdade, além de outros tantos ardis e artifícios engendrados pelo autor do crime, sempre com esse mesmo objetivo. Assim sendo, o investigador com conhecimento técnico-científico especializado conhece o conjunto de preceitos teóricos que alicerçam sua atuação perante o caso concreto e permitem que ele suporte eventuais pressões que poderão afetar a eficácia do resultado da investigação. Há dois tipos de pressão mais comum. Uma é a que diz respeito à exigência de que a polícia apresente o autor do homicídio o mais urgente possível. Ceder a esse processo poderá ser o tropeço da investigação ao atropelar etapas do processo com resultados ineficazes. Outro é a tentativa de desqualificação da investigação pela ação da defesa por intermédio de meios que poderão comprometer a eficácia da prova colhida, por exemplo, de campanhas difamatórias na mídia forjando situações que colocam em dúvida a legalidade de atos da investigação. Esses preceitos teóricos permitem que o investigador caminhe no rumo certo, de forma concreta e segura, adotando a técnica adequada para a revelação, coleta e análise de cada evidência encontrada. 2.1. Conceito de investigação criminal
  • 16. Muito embora uma conceituação formal de investigação criminal não seja elemento fundamental no ensino e aprendizagem dessa disciplina, conhecer uma proposta conceitual tem a importância de determinar parâmetros que possam fazer com que o investigador encontre referenciais teóricos que sirvam de suporte ao seu fazer prático, fundando-o em métodos e técnicas eficazes. Veja um conceito de investigação criminal: “Investigação criminal é o conjunto de procedimentos interdisciplinares, de natureza inquisitiva que busca, de forma sistematizada, a produção da prova de um delito penal.” (Araujo, 2008) No presente estudo, esse delito penal é o crime de homicídio. Todas as referências teóricas que serão desenvolvidas neste curso terão como objetivo a investigação do crime de homicídio. 2.2. Características principais da investigação criminal de homicídio A investigação de homicídio é uma espécie da investigação criminal que requer conhecimentos e habilidades cuja aplicação está sujeita a princípios específicos. Vimos que o crime de homicídio é um delito complexo, pois envolve os sentimentos mais profundos do ser humano, o que dificulta, sobremaneira, o esclarecimento da motivação que determina o elo entre a vítima e o autor. Entretanto, na fase processual, esse crime é submetido ao juízo de pessoas que compõem o júri, leigas quanto ao conhecimento técnico- especializado da investigação criminal, o que permite que o julgamento possa sofrer decisiva influência de conteúdo emocional, pois não é raro
  • 17. que as partes apresentem um forte discurso apelativo, o que permite que a decisão – culpado ou inocente – possa surgir de um simples detalhe como o clamor público e a influência da mídia. Por essas razões é que somente a investigação realizada com métodos e técnicas científicas poderá trazer um resultado claro, consistente e coerente, capaz de sustentar um processo judicial sólido. Nesse contexto, verifica-se que a investigação de homicídio tem características muito próprias, que se tornam fatores fundamentais de alerta aos cuidados especiais que o investigador deverá ter. São elas: exigência de extremo detalhamento, de uma observação contextual dos vestígios e de uma postura racional, lógica e analítica. Ou seja, a investigação de homicídio requer de seu executor habilidades que o permitam fragmentar, o mais possível, cada uma das informações colhidas, buscando cada detalhe, cada aspecto, cada ponto de vista sem, contudo, perder a capacidade de visão do todo dessas informações e, principalmente, sem perder a capacidade de análise racional do cientista. Aula 3 – Princípios constitucionais com repercussão na investigação de homicídio Não se pode perder de vista a função tutelar de direitos fundamentais que o Estado brasileiro delegou à investigação criminal, ou seja, a investigação criminal é a garantia que tem o cidadão de que, praticando um delito penal, haja um procedimento apuratório legal que lhe garanta um julgamento justo com aplicação da pena na dimensão adequada à sua conduta.
  • 18. Os atos da investigação criminal são atos da Administração Pública, portanto atos administrativos. A compatibilidade desses atos com a missão tutelar de direitos foi garantida pelo constituinte de 1988 ao moldar princípios que regulam os procedimentos da Administração Pública, reflexos aos procedimentos da investigação. Portanto, a investigação de homicídio sofre o efeito dessa ação transversal dos princípios constitucionais em todos os seus atos. 3.1. Marco regulatório O marco regulatório dos princípios que regem a investigação criminal é o art. 37 da Constituição Federal, que formula os fundamentos legais que deverão servir de referência para todos os atos da Administração Pública. Diz o texto: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. (C.F.) Importante! São esses princípios que irão nortear os procedimentos a serem desenvolvidos na apuração das provas do crime de homicídio. Veja, a seguir, o que foi dito por Araujo (2008) no curso Investigação Criminal I, agora focado na sua transversalidade na investigação de homicídio. 3.1.1. Princípios
  • 19. “[...] Princípio da legalidade Foi visto que no Estado Democrático de Direito todos deverão se submeter à supremacia da lei. O princípio da legalidade é a pedra de toque do Estado de Direito e estabelece dois tipos de relação: uma com a Administração Pública, outra com o cidadão. Relação com Administração Pública A atuação da Administração Pública só pode ser operada em conformidade com a lei. É uma relação de submissão. Relação com o cidadão É permitido ao cidadão fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Não poderá ser obrigado a fazer o que não lhe é determinado por lei. É uma relação de autonomia que resulta no princípio da liberdade do ser humano, configurado, também, na Constituição Federal como um dos princípios fundamentais: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” (CF., art. 5º, inc. II) Portanto, o princípio da legalidade é direito fundamental de cidadania que servirá de base para todos os demais princípios. Observe que a acepção dada pela norma constitucional ao vocábulo “lei” não é restrita, mas abrangente, abarcando a lei propriamente dita e todo o contexto jurídico em que ela está contida. Significa que as normas que regulam a investigação criminal, mesmo as administrativas (portarias, ordens de serviços, protocolos de procedimentos, etc.) estão nesse contexto e
  • 20. deverão respeitar o princípio da legalidade. Princípio da impessoalidade A impessoalidade na investigação criminal significa que as atitudes do investigador deverão refletir objetividade no atendimento do interesse público, sem qualquer possibilidade de promoção pessoal do agente ou da autoridade. O interesse público contido na investigação criminal é o de explicar o fato acontecido, para que os dados coletados possam formar a prova necessária para aplicação da pena justa ao infrator. Não cabe utilizar a investigação para promoção pessoal de quem quer que seja. Significa também que o ato de investigar não deve ser usado para prejudicar ou beneficiar pessoa determinada. Princípio da moralidade A moralidade da Administração Pública está relacionada com aquilo que a sociedade, em determinado momento, considerou eticamente adequado, moralmente aceito. As práticas da investigação terão que estar de acordo com o ideário moral vigente no grupo social, como honestidade, bondade, compaixão, equidade e justiça. As decisões tomadas para o processo da investigação deverão adequar-se aos valores que a sociedade adota como norte para a relação de convivência das pessoas e destas para com o ambiente. Princípio da publicidade A acepção fundamental do princípio é de transparência. Reflexão Sobre esse termo aplicado à investigação criminal, cuja natureza tem como elemento principal o sigilo: É possível aplicá-lo?
  • 21. A transparência na Administração Pública tem como objetivo o controle, que poderá ser feito pela própria Administração, pelo poder judiciário e pelo cidadão. O controle da gestão pública exercido pelo cidadão é garantia fundamental de direitos assegurada em vários itens constitucionais do art. 5º, como o de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral (inciso XXXIII); o de obtenção de certidões em repartições públicas (inciso XXXIV); e o de conhecimento de informações relativas à pessoa interessada, constantes de bancos de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público (inciso LXXII). E na investigação, como se aplicaria esse princípio? Como toda regra, o princípio não é absoluto. A própria Constituição impõe limites, colocando como exceção ao direto à informação as hipóteses de sigilo: [...] ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.’ (CF, art. 5º, inciso XXXIII) A transparência é a regra. A exceção está expressa na lei. Todos os atos da investigação são necessariamente sigilosos? Em princípio não. No caso da investigação criminal, devem ser considerados dois aspectos: o contexto da apuração, de interesse da sociedade geral, pois diz respeito às demandas imediatas de bem-estar da coletividade, e o aspecto de ato operacional específico, cujo interesse é mediato.
  • 22. Ou seja, a apuração de provas da prática de um delito, como ato geral de gestão pública, deve ser do conhecimento da comunidade, para que ela tenha segurança jurídica quanto à garantia de proteção de seu bem-estar. Entretanto, mesmo sendo de seu interesse, os procedimentos operacionais de apuração, em regra, são executados em sigilo, exatamente para garantir a exequibilidade da investigação. Já imaginou se a polícia anunciar antecipadamente as estratégias que irá aplicar na investigação de delitos praticados por quadrilhas de tráfico de drogas? É pouco provável que consiga alguma prova. Princípio da eficiência Também de observância prioritária e universal no exercício de toda atividade administrativa do Estado. O termo remete à acepção de boa administração vinculada à produtividade, profissionalismo e adequação técnica do exercício funcional às demandas do interesse público. Segundo Pazzaglini (2000, p.32), ‘o administrador público tem o dever jurídico de, ao cuidar de uma situação concreta, escolher e aplicar, entre as soluções previstas e autorizadas pela lei, a medida eficiente para obter o resultado desejado pela sociedade’. Significa que a Administração Pública e seus profissionais, no exercício das atividades funcionais, deverão aplicar os recursos avaliando a relação de custo-benefício, buscar a otimização de recursos, aplicar os critérios técnicos e legais necessários para maior eficácia possível em benefício da boa qualidade de vida do cidadão. E, ainda, diz respeito ao investimento na formação profissional.” A aplicação prática do princípio na investigação criminal se concretiza com todos os cuidados necessários para sua eficácia, desde o planejamento, com a escolha adequada dos meios, até os cuidados com a proteção aos
  • 23. direitos fundamentais das pessoas envolvidas no processo e com a legalidade na coleta da prova. (Araujo, 2008) Perceba o quanto é fundamental para o cidadão a observância desses princípios pela atividade investigativa da polícia. Em especial no que se refere à legalidade dos atos. É importante que o investigador tenha a percepção de que os atos limitadores praticados pela polícia são exceções com permissão legal para que, dentro dos limites da lei, sempre prevaleça o interesse público e não o pessoal. Refletindo sobre a questão Suas práticas como investigador sempre são precedidas da preocupação com os limites da legalidade dos seus atos? Discuta isso com seus colegas no fórum ou por outras redes sociais do grupo. Aula 4 – Princípios fundamentais da investigação criminal A investigação criminal é a primeira fase da aplicação da justiça pelo Estado aos infratores. É a fase inicial desse processo que possibilita a apresentação do infrator ao Poder Judiciário com o mínimo de informações necessárias ao desenvolvimento do processo penal na busca da determinação da sua culpabilidade ou inocência. Falar em princípios fundamentais possibilita pensar em regras que dizem respeito ao trato com as pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas. A investigação criminal, ainda que vinculada ao processo penal, sob o controle judicial e do Ministério Público é, inegavelmente, uma atividade administrativa com certa dose de discricionariedade e considerável nível de autonomia por parte dos investigadores. Daí a necessidade de que haja
  • 24. em suas ações, além do conteúdo legal, um conteúdo regulatório de natureza ética muito eficaz e respeito às normas dos direitos humanos, visto o grau de repercussão tanto na individualidade das pessoas que são objeto da ação investigatória quanto na qualidade de vida da sociedade, principal beneficiário da investigação. Neste sentido dispõe o Art. 2 º do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela resolução nº 34/169, de 17 de dezembro de 1979) ao dispor que “No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas”. No curso Investigação Criminal I, Araujo (2008) diz: “quanto maior o grau de lesividade do ato investigatório, maior deverá ser o cuidado do investigador para com as garantias protetoras do investigado”. O investigador deverá lembrar-se sempre de que investigar crimes é um procedimento extremamente invasivo à intimidade das pessoas envolvidas, seja a vítima, o suspeito ou a testemunha. Esse grau de invasão é muito maior quando se trata de apuração de crime contra a vida, em especial do homicídio, visto que um dos métodos de apuração mais aplicado, como você estudará adiante, é a varredura das relações pessoais da vítima, do suspeito e, muitas vezes, da própria testemunha, na busca de vínculos com a conduta delituosa. É nesse processo que se materializa a característica invasiva, a mais marcante da investigação criminal.
  • 25. No processo de busca das provas caem nas mãos do investigador as mais íntimas informações sobre a vida pessoal dos atores envolvidos. Cabe a ele o juízo do que deva ser considerado relevante ou não para a investigação de provas. Sem dúvida essa ação invasiva acaba por lesar direitos e garantias fundamentais (como a intimidade e o ir e vir) na busca de informações necessárias à construção da prova. Foi com essa preocupação que o Alto Comissariado das Nações Unidas editou o Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais7 , nele formatando o que chamou de “princípios fundamentais da investigação policial” (criminal). São princípios norteadores dos procedimentos da investigação criminal. Diz o texto do manual, com enumeração dos princípios: “Durante as investigações, audição de testemunhas, vítimas e suspeitos, revistas pessoais, buscas de veículos e instalações, bem como interceptação de correspondência e escuta telefônica: a. Todo indivíduo tem direito à segurança pessoal; b. Todo indivíduo tem direito a um julgamento justo; c. Todo indivíduo tem direito à presunção de inocência até que a sua culpa fique provada no decurso de um processo equitativo; d. Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, família, domicílio ou correspondência; e. Ninguém sofrerá ataques à sua honra ou reputação; 7 http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Manual1.pdf
  • 26. f. Não será exercida qualquer pressão, física ou mental, sobre os suspeitos, testemunhas ou vítimas, a fim de obter informação; g. A tortura e outros tratamentos desumanos ou degradantes são absolutamente proibidos; h. As vítimas e testemunhas deverão ser tratadas com compaixão e consideração; i. A informação sensível deverá ser sempre tratada com cuidado e o seu caráter confidencial respeitado em todas as ocasiões; j. Ninguém será obrigado a confessar-se culpado nem a testemunhar contra si próprio; k. As atividades de investigação deverão ser conduzidas em conformidade com a lei e apenas quando devidamente justificadas; l. Não serão permitidas atividades de investigação arbitrárias ou indevidamente intrusivas.” (Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais, p. 79) O próprio manual nos induz ao entendimento de que esses princípios, considerando as normas internacionais que tratam dos direitos humanos da pessoa objeto de investigação criminal, poderão ser resumidos nos seguintes princípios: • Presunção da inocência de todos os arguidos; • Direito de todas as pessoas a um julgamento justo; • Respeito pela dignidade, honra e privacidade de todas as pessoas. Essas são normas fundamentais que precisam receber toda a atenção da equipe de investigação de homicídio, pois, do contrário, haverá muita dificuldade para a validação de qualquer prova apontada para um suspeito, como selo de garantia da regularidade.
  • 27. Aula 5 – Postura da equipe de investigação do crime de homicídio Como visto em aula anterior, a história jamais registrou uma sociedade sem homicidas, sendo certo que o indivíduo que mata seu semelhante é, quase sempre, o mesmo com o qual este convive no dia a dia. É por essa razão que a equipe de investigação criminal de homicídio não deve adotar posturas pré-concebidas, preconceituosas em face de um caso concreto. Portanto, esse profissional deve entender que a investigação é um processo científico e como tal tem seus pressupostos alicerçados em princípios que permitem o exato e seguro conhecimento dos pontos de partida e de chegada, bem como do caminho a serem trilhados entre esses dois pontos. Não há espaço para leviandades. Não é menos importante que a equipe de investigação criminal do homicídio saiba conduzir a investigação sempre na busca da verdade, sob o entendimento de que o êxito na investigação nem sempre significa a elucidação da autoria. Isso porque não é raro que, mesmo adotando todos os procedimentos possíveis e necessários, não se consiga a prova induvidosa da autoria. Certamente, nesse caso, pode-se dizer que a equipe de investigação obteve êxito sim na investigação, ou seja, que soube escolher e aplicar os métodos e técnicas adequadas à revelação e coleta das evidências do crime, agindo sempre com isenção, de forma lógica e racional. Contudo, por razões diversas, não conseguiu alcançar o objetivo principal da investigação, que é a determinação da autoria, da materialidade e das circunstâncias do homicídio investigado. Pode também acontecer da equipe de investigação alcançar o autor do crime, inclusive obtendo a
  • 28. confissão dele, e não ser possível determinar a causa da morte da vítima, tendo em vista, por exemplo, que o corpo só foi encontrado muito tempo depois da notícia do desaparecimento dessa vítima e já estava em adiantado estado de putrefação. É possível ainda que nunca se encontre o corpo de uma vítima, mas se consiga provas suficientes, por meio de testemunhos e comprovação de circunstâncias – por exemplo, o DNA da vítima identificado a partir de mancha de sangue encontrada no veículo do suspeito – de que houve a morte e de quem é o seu autor. O certo é que a equipe de investigação deve sempre adotar uma postura racional, lógica e analítica em face do crime investigado. Para tanto, ele deve conhecer profundamente o fato investigado, deve querer investigar (ter boa vontade), trabalhar com empenho, perspicácia, comprometimento profissional, organização, coragem, método e técnica e, principalmente, ter um plano, administrar a investigação, o que pressupõe saber a hora de iniciá-la e concluí-la, não descuidando do relato pormenorizado de tudo o que tiver sido efetivamente apurado. Para Ribeiro (2006), “O trabalho da polícia é como o do médico. Este não é obrigado a todo custo a salvar o paciente, mas dispensar-lhe o melhor atendimento médico possível. Isso também se aplica, com toda certeza, ao trabalho prestado pela polícia investigativa”. Finalmente, é de fundamental importância que a equipe de investigação não tenha medo da prova, que só será legítima e verdadeira se for harmônica com o conjunto probatório e com a legalidade. É a verdade da investigação que deverá sempre prevalecer. Importante!
  • 29. É importante lembrar que cada crime de homicídio tem suas próprias características, que normalmente são inerentes à relação entre autor e vítima e, portanto, tem sua própria conformação, e não aquela que pretenda o investigador, a mídia ou quem quer que seja.
  • 30. Concluindo... Neste módulo, você estudou: A evolução histórica da penalização da conduta de matar alguém e as políticas governamentais de enfrentamento dessa conduta criminosa; Conceitos e características próprias da investigação de homicídio, bem como; Os princípios constitucionais que são aplicados no controle da legalidade da investigação de homicídio e os princípios aplicados no controle operacional desse processo investigatório no que diz respeito ao respeito à dignidade da pessoa humana; As atitudes que devem ser adotadas pela equipe de investigação de homicídio.
  • 31. Módulo 2 – Princípios operacionais básicos da investigação do homicídio Apresentação do Módulo Até aqui tudo muito fácil, não? No primeiro módulo, uma contextualização coloca o crime de homicídio em um nível de compreensão da sua dimensão histórica e política. E ainda, são postos princípios constitucionais de controle da legalidade dos atos de investigação e princípios que apontam para a legitimidade no que se refere ao respeito da dignidade das personagens objetos das ações policiais. Para findar, é ressaltado o perfil ideal do operador da investigação, elemento fundamental para o resultado final do procedimento. Neste módulo, dando continuidade ao aprendizado anterior, traz-se para estudo e discussão os princípios operacionais básicos da investigação de homicídio. São regras fundamentais do “como fazer” a apuração das provas do crime de homicídio. Perceba que parte dessas regras está relacionada à percepção da conduta, dos motivos que levaram o infrator à prática do delito, enquanto a outra parte diz respeito à postura da própria equipe de investigação. Faça uma análise criteriosa do texto com o necessário olhar de compreensão desses princípios, pois serão de grande valia na prática da investigação. Essas normas o nortearão na escolha dos métodos e técnicas a serem adotadas na apuração do homicídio. Portanto, muita atenção para a compreensão e aplicação desses princípios nas suas atividades investigativas.
  • 32. Lembre que o homicídio está em um contexto de motivações variadas, e conhecê-las possibilitará a definição de uma linha de investigação possível e eficaz. Bom aprendizado! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Aplicar princípios que nortearão a prática da investigação de homicídio; Reconhecer ações do infrator que buscam impedir o trabalho de investigação do delito de homicídio; Distinguir atitudes que ajudarão a equipe de investigação na apuração do crime de homicídio. Estrutura do Módulo Aula 1 – Aspectos conceituais Aula 1 – Aspectos conceituais Para Ribeiro (2006), “princípios são preceitos básicos que formam o alicerce do comportamento, a ser adotado diante dos casos concretos [...]” e que “conferem ao profissional uma filosofia de trabalho”.
  • 33. É essa filosofia de trabalho que evita, por exemplo, avaliações e juízos precipitados, atitudes preconceituosas, insegurança na realização do trabalho e “achismos” em face das evidências e formulação de hipóteses. É também essa perspectiva de trabalho que protege a equipe de investigação contra pressões diversas e evita que ele se deixe levar pelas aparências. É muito comum, por exemplo, que, nos crimes de homicídio em que o autor é o marido ou o companheiro da vítima, ele tente simular, perante amigos e parentes do casal, uma reconciliação, o que pode comprometer a convicção dessas pessoas quanto ao seu envolvimento. Dessa forma, a equipe de investigação deve considerar na realização de seu trabalho o empenho dos infratores com vistas a impedir à apuração dos fatos, o cuidadoso planejamento das ações criminosas, a eliminação de provas, a ameaça a testemunhas e a incorporação dos avanços científicos e tecnológicos na prática delituosa. 1.1. Princípios Estudem as seguir, os princípios operacionais muito próprios da investigação de homicídio. 1.1.1. Todo ser humano deve ser considerado um homicida em potencial Primeiramente, deve-se considerar que o crime de homicídio é uma decorrência natural do instinto da agressividade humana. Por essa razão, a equipe de investigação não deve concluir se alguém é ou não suspeito da prática de um crime de homicídio somente em razão da aparência dessa pessoa ou de sua condição social, assim como também
  • 34. não pode afastar a suspeição que concretamente recaia sobre um indivíduo somente considerando seu grau de parentesco ou seus laços de amizade com a vítima. Existem vários casos em que é o próprio autor quem noticia à polícia o desaparecimento da vítima, que depois é encontrada morta. Em outros casos, o autor mostra-se sempre solícito e cooperativo com a polícia, aparentando tranquilidade o tempo todo, e os amigos e familiares da vítima demonstram acreditar firmemente em sua inocência. O fato é que os elementos a serem considerados pelo investigador para consolidar sua suspeita quanto à autoria necessitam ser concretos, devendo basear-se sempre nas circunstâncias e vestígios do crime. 1.1.2. A racionalidade humana norteia a ação criminosa Não é raro ouvir alguém dizer: “Falei sem pensar!”, “Agi sem pensar!”. Contudo, isso não é verdade. Nem que seja por uma fração mínima de segundos, o ser humano, que é dotado de raciocínio, faz um exercício mental no qual, mesmo de forma precária, analisa a situação antes de falar ou de agir. A esse exercício mental de avaliação da situação, do problema, da hipótese, chama-se de racionalidade humana. Importante! A racionalidade não implica necessariamente uma lógica natural. O autor do crime pode, por exemplo, inverter a lógica comum, a fim de dissimular os fatos.
  • 35. Os principais fatores que conduzem o homem a agir com racionalidade são: segurança, certeza, facilidade, comodidade, possibilidade e, no caso do criminoso, também a garantia da impunidade. Pensando nesses fatores é que o autor de crime escolhe o momento, as circunstâncias, o local, os colaboradores, o instrumento e até mesmo a versão do crime que apresentará eventualmente à polícia. Por essa razão, assim que a equipe de investigação colher os primeiros elementos informativos sobre o crime, deverá analisá-los com critério, lógica e racionalidade. 1.1.3. O homicídio é delito de motivação necessária Para Ribeiro (2006), “motivação é a razão ou os motivos pelos quais uma pessoa resolve matar outra”. Assim sendo, a equipe de investigação não pode se esquecer de que não existe homicídio doloso sem motivação, muito embora, algumas vezes, seja muito difícil defini-la, pois é um elemento subjetivo e variado. A motivação de um crime de homicídio pode ser passional, ocasional, por interesse patrimonial, por vingança, por pistolagem, para queima de arquivo ou de origem psicopata. Estude, a seguir, sobre cada uma dessas motivações. a. Passional O crime passional tem origem na paixão e surge do relacionamento amoroso entre duas pessoas. A traição, o desprezo, o ciúme exagerado, o rompimento inesperado são acontecimentos que podem levar um dos parceiros a eliminar o outro.
  • 36. Geralmente, o homicídio passional é cuidadosamente planejado e seu autor não confessa, pois, de um lado, vê-se protegido pelos membros da família, que não acreditam no seu envolvimento; e, de outro lado, teme a indignação e a revolta desses mesmos familiares. b. Ocasional É o homicídio praticado em razão de um desentendimento, de uma desavença momentânea, motivada por uma discussão casual, que pode ser no trânsito, num bar, num estádio de futebol, numa reunião de condomínio, etc. Nesse caso, a motivação surge quase que concomitantemente à prática do crime. c. Interesse patrimonial O autor quer eliminar a outra pessoa para ter seu patrimônio aumentado ou mesmo para não vê-lo diminuído. O autor cobiça o testamento da vítima, a herança; almeja receber um prêmio de seguro de vida; obter a posse de propriedades, terras ou edificações; quitar dívidas com terceiros ou mesmo com a vítima, etc. d. Vingança É o crime de homicídio movido por um sentimento pessoal no qual o autor sente-se prejudicado, financeira ou moralmente, pela vítima. Podem ser citados como exemplo os crimes cometidos por integrantes de gangues, quando o grupo rival pretende matar para vingar a morte de um de seus componentes, a qual foi praticada pelos rivais. Normalmente, é um crime precedido por ameaças. e. Pistolagem Ocorre quando uma ou mais pessoas são contratadas para executar a vítima mediante o pagamento pelo serviço contratado.
  • 37. A investigação desses crimes é complexa, pois não há vínculo direto entre o executante e a vítima; e a comprovação do vínculo contratual entre o executante e o contratante é de difícil comprovação. Na maioria das vezes, o contratante não tem antecedentes criminais, razão pela qual se argumenta desarrazoadamente que ele não se relacionaria com o executor, o qual, via de regra, é um criminoso contumaz. f. Queima de arquivo É o crime de homicídio praticado para encobrir outro crime. A prática criminosa visa manter o autor ou o mandante impune às sanções que podem advir de suas atividades ilícitas ou mesmo imorais. O autor, executor ou mandante silencia a vítima, para que ela não revele fatos que possam colocar em risco sua impunidade. Em alguns casos, a vítima desfrutava da confiança do autor e esta é quebrada. Em outros casos, não existe vínculo entre autor e vítima, mas esta última presenciou ou, de alguma forma, tomou conhecimento de algum fato que poderia comprometer a impunidade de seu algoz. g. Origem psicopata É o crime de homicídio praticado por um indivíduo ou por um grupo que apresenta transtorno de comportamento e reage de forma violenta e explosiva, com extrema brutalidade, em face de qualquer motivo. Dentro desse aspecto, é importante ressaltar que a motivação para a prática do crime de homicídio pode decorrer de vários fatores acumulados durante anos de relacionamento entre autor e vítima. A experiência tem demonstrado que aquilo que é motivo suficiente para uma pessoa matar outra pode não ser para uma terceira pessoa. Motivo
  • 38. de crime de homicídio não se discute. O certo é que, se há homicídio doloso, necessariamente há uma motivação. Por isso, a equipe de investigação, após apurar quem era a vítima e seu universo pessoal de relacionamentos, deverá buscar quem tinha a motivação para matá-la. 1.1.4. Domínio do fato Outro princípio que você deve considerar é domínio do fato pela equipe de investigação. Ele deve ter sempre em mente que o esclarecimento de um crime de homicídio pode trazer grandes prejuízos patrimoniais para o autor e também sua desmoralização perante seus comparsas, seus amigos e familiares, especialmente, nesse último caso, quando se trata de crime passional ou doméstico, quando, por exemplo, um filho mata os pais para ficar com a herança. Nessas situações, o criminoso de certo não deseja ver sua trama desvendada e usará de todos os ardis e artifícios a fim de não ser alcançado. Por outro lado, nenhum profissional poderá realizar seu trabalho com eficiência e eficácia sem conhecer o objeto de sua atividade, que, no caso, é o fato criminoso. A equipe de investigação não pode se esquecer dos interesses contrários que terá de enfrentar na apuração das provas, pois estará procurando desvendar aquilo que o criminoso está tentando de toda forma esconder com o fito de furtar-se da punição do Estado.
  • 39. Dessa forma, a equipe de investigação deve conhecer a fundo o objeto do seu trabalho: os vestígios encontrados no local do crime, as lesões apontadas no exame de corpo de delito – cadavérico –, as informações sobre o instrumento utilizado para praticar o crime, os eventuais testemunhos, o fragmento de impressão digital encontrado no local do crime, etc. Elementos de convicção que o próprio autor pode desconhecer. Sem esse conhecimento, a equipe de investigação dificilmente saberá conduzir a investigação com critério e segurança; dificilmente saberá reconhecer uma prova no contexto de todo o conjunto probatório, entendendo que a importância de cada prova não depende de seu tamanho. O conhecimento profundo do fato investigado permite a realização de um trabalho lógico e coerente; permite que a equipe de investigação saiba o limite da investigação, ou seja, até aonde deverá ir à busca das provas. Para Ribeiro (2006), “O rastro do crime é a bússola da equipe de investigação”, que deverá “seguir rigorosamente os elementos do crime, e não achar nada, pois esses devem falar por si mesmos, como fontes vivas e insubstituíveis da verdade real.”. 1.1.5. Qualificação técnica Durante vários anos, a atividade investigativa foi desenvolvida de forma empírica, isto é, a equipe de investigação realizava uma diligência repetindo um procedimento que aprendera com seus colegas mais antigos e que dera bom resultado. O certo é que não parava para raciocinar sobre a atividade executada. Apenas a repetia. Não havia base teórica estabelecida que lhe norteasse a
  • 40. atividade. Essa era a realidade das polícias do país e continua sendo, até hoje, em muitas delas. Não obstante, com a funesta especialização dos meios para prática dos crimes, especialmente do crime de homicídio, a equipe de investigação necessitou vencer o paradigma da mera repetição e, muitas vezes, da truculência. Viu-se diante da necessidade de conhecer a estrutura do crime que tinha para apurar, entendendo como a prática criminosa foi realizada, a fim de colher os elementos necessários à apuração do crime. Dessa forma, esse profissional deparou-se com a necessidade de qualificar-se, sentimento comum na atualidade. Por essa razão, observou que, somente conhecendo o fato investigado melhor do que o próprio autor do crime teria as condições necessárias para o esclarecimento. Assim sendo, quando presente na cena criminosa, a equipe de investigação com qualificação técnica tem um olhar perscrutador sobre os vestígios, sabendo a informação que precisa extrair deles. A qualificação técnica possibilita não só colher a prova de forma oportuna e conveniente, mas também refiná-la, cuidando para que seja preservada em toda a sua extensão. Certamente, a atuação técnica da equipe de investigação possibilita uma resposta eficiente e eficaz à demanda social quanto à apuração do crime em lapso temporal que permita reflexos no sentimento de impunidade que se estabelece quando o Estado demora a agir.
  • 41. 1.1.6. Imparcialidade A equipe de investigação não deve temer a prova. Isso significa que ele deve seguir o rastro deixado pela ação criminosa, o que faz com que uma prova leve à prova subsequente. Muitas vezes, a equipe de investigação acredita erroneamente que, inquirindo familiares do suspeito, estará colhendo provas que o inocentem. Isso não é verdade absoluta. A prova colhida, não importa de que fonte venha, somente será substancial se harmônica com o restante do conjunto probatório. Fazer juízo do efeito da prova quanto a inocentar ou não um suspeito não é função da equipe de investigação. Em face do princípio da imparcialidade, sua missão é colher a prova, seja qual for seu efeito no processo judicial ao qual será submetido o suspeito. De outro modo, não são raras as situações em que familiares do suspeito contribuem com a investigação mesmo sem querer, quando, por exemplo, relatam simplesmente que o mesmo viajou. Com técnica, é possível que a equipe de investigação apure que o suspeito esteve no local do crime e que só viajou para outra localidade após cometê-lo. É importante ter sempre em mente que, quando a polícia identifica um suspeito, passa a ter duas possibilidades: colher prova que demonstre a inocência ou a culpabilidade desse suspeito. Isso significa que o trabalho da polícia deve ser imparcial e ter um único objetivo: a verdade. Sendo o suspeito de fato o autor do crime, isso virá naturalmente como consequência do bom trabalho de investigação. A verdade dispensa favores e a prática de outros crimes para que seja estabelecida.
  • 42. Concluindo... Neste módulo você estudou e discutiu regras que são princípios básicos a serem aplicados na execução das atividades de busca da prova do crime de homicídio. Percebeu que algumas dessas regras se vinculam da conduta do infrator e outras, a fatores decorrentes da postura da equipe de investigação? Discuta com seus colegas. Você também estudou como esses conhecimentos ora discutidos poderão ser valiosos no desenvolvimento do plano da investigação. Compreender as regras que norteiam a conduta, que motivam a prática delituosa, no mínimo, é criar uma possibilidade da formatação de uma linha de investigação, certo? No próximo módulo você estudará sobre a estrutura do crime de homicídio e a importância da identificação de cada um dos elementos que formam essa estrutura para a construção da prova.
  • 43. Módulo 3 – Elementos essenciais do crime de homicídio Apresentação do Módulo Olá! No módulo 2 você estudou as regras que são os princípios básicos da operacionalidade da investigação de homicídio. São normas que, aplicadas, permitirão à equipe de investigação dar rumo à sua investigação do crime de homicídio, concorda? Pois bem, neste módulo, você voltará sua atenção para o fato delituoso em si e para o universo de informações, ações e reações que o rodeiam. Lembra-se da afirmação, feita na apresentação do curso, de que a investigação parte de uma história, de um contexto? E que ambos precisam ser conhecidos e explorados? É isso. O olhar da equipe de investigação terá que estar voltado atentamente para um fato, uma história de alguém que matou ou tentou matar uma pessoa, procurando compreendê-la inserida em um contexto. Parte desse contexto diz respeito aos espaços temporais, territoriais e aos mecanismos aplicados na prática do delito. É nesses espaços que está formatada a estrutura do crime de homicídio com seus elementos de tempo, espaço, ação e resultado. É preciso decompor cada uma dessas partes para conhecer os elementos essenciais e acessórios do homicídio, compreendendo como e porque aconteceu em um determinado ambiente de espaço territorial e de tempo, estabelecendo o necessário vínculo de autoria. Essa é a proposta de aprendizado deste módulo. Boa sorte!
  • 44. Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Descrever a estrutura do crime de homicídio; Identificar os elementos essenciais do crime de homicídio; Compreender a estrutura do crime de homicídio como conhecimento fundamental para a efetividade da investigação das provas da prática de tal delito. Estrutura do Módulo Aula 1 – A estrutura do crime de homicídio Conclusão Exercícios Aula 1 – A estrutura do crime de homicídio Todo crime de homicídio é praticado dentro de uma estrutura de tempo, espaço, ação e resultado. Isso significa que o crime é cometido em um determinado momento da eternidade, em determinado lugar do planeta; exige um “fazer”, um “atuar” por parte do autor que culmina em um resultado, a morte da vítima. Cabe à equipe de investigação deslindar essa estrutura, a fim de esclarecer o crime em todas as suas circunstâncias, certo? Entretanto, isso só é possível se a equipe de investigação não limitar sua ação ao momento da execução.
  • 45. Mesmo nos crimes de homicídio cuja motivação é ocasional, existe uma cogitação e uma preparação mínimas para a prática do delito. É impossível cometer um crime sem se dedicar a esse mecanismo. Por isso, não se pode limitar a investigação ao momento executório, pois há o risco de que ocorra a identificação do provável autor sem que seja possível a coleta de provas suficientes para confirmação da autoria. Por exemplo, se a equipe de investigação não tiver conseguido determinar, mesmo que aproximadamente, o tempo do crime, o autor poderá apresentar um álibi legítimo e safar-se da punição por uma fração de tempo não superior a quinze minutos, por exemplo – intervalo em que considerável distância poderá ser percorrida, considerando o concurso dos modernos meios de transporte. Assim sendo, a equipe de investigação que pretende realizar um trabalho consistente deverá decompor adequadamente a estrutura do crime de homicídio – tempo, espaço, ação e resultado – com o objetivo de exaurir todas as possibilidades investigativas. 1.1. Elementos essenciais do crime de homicídio
  • 46. O estudo científico pressupõe a segmentação do todo em partes que devem ser detidamente analisadas, para que se possa melhor entender o todo. No que diz respeito ao crime de homicídio, essa segmentação determina o entendimento de que cinco elementos essenciais sempre estão presentes nessa prática: a vítima, o autor, o lugar, o tempo, o instrumento e a motivação. Portanto, não há que se falar em crime de homicídio sem a concorrência necessária desses elementos. A equipe de investigação, diante de um crime dessa natureza, sabe, portanto, quais elementos deve invariavelmente buscar. Veja cada um deles: a. A vítima É o primeiro elemento essencial do crime de homicídio. Por isso, a equipe de investigação deverá conhecer a vítima profundamente, apurando, por exemplo, com quem convivia, onde morava e trabalhavam, quais eram os seus hábitos, quem eram seus familiares, seus amigos, seus inimigos e desafetos, o que exatamente fazia na hora e no local do crime, quem a acompanhava, de onde vinha e para onde ia, se pretendia encontrar-se com alguém, etc. É preciso determinar suas relações familiares, sociais e profissionais. Investigar a vítima nem sempre é uma tarefa fácil. Muitos dados sobre ela são obtidos pela polícia por intermédio de consulta a bancos de dados e registros públicos. Algumas dessas consultas, como a quebra de dados telefônicos, visando a conhecer as pessoas com as quais a vítima mantinha contato, necessitam
  • 47. de autorização judicial e, por vezes, a respectiva informação leva bastante tempo para ser disponibilizada para a polícia. Outras vezes, as pessoas mais próximas da vítima não revelam tudo o que sabem em relação ela, pois imaginam estarem preservando sua memória escondendo da equipe de investigação, por exemplo, um relacionamento com uma pessoa comprometida, uma traição ou mesmo que ela era usuária de drogas. No entanto, investigar a vítima pode ser ainda mais difícil quando sequer se sabe sua identidade. Em alguns casos, a vítima é encontrada morta e seu cadáver está em adiantado estado de decomposição, impossibilitando que a identidade seja estabelecida pela coleta e análise das impressões digitais (pelo exame necropapiloscópico). Em outros casos, o corpo da vítima está em perfeito estado de conservação, mas a investigação não tem elementos que permitam a localização de parentes conhecidos, porque a vítima não é identificada civil nem criminalmente. Há também casos em que somente uma ossada é encontrada, o que, em situações nas quais existe uma suspeição quanto à identidade e parentes conhecidos, é possível a determinação por meio de exame de DNA. Apesar de todas as dificuldades citadas, a equipe de investigação deverá realizar todos os procedimentos possíveis para colher dados, registros e informações sobre a vítima, para esclarecer o crime ou exaurir a investigação. b. O autor Não existe crime de homicídio sem autor. Por essa razão, deve a equipe de investigação criminal promover as diligências necessárias, visando à identificação da autoria do homicídio.
  • 48. Normalmente, uma vez identificada e devidamente investigada a vítima, alguns suspeitos são postos, o que impõe que sejam minuciosamente investigados e inquiridos. Tudo o que for dito pelo suspeito deverá ser submetido ao crivo de rigorosa investigação. O suspeito deverá ser questionado sobre todas as suas atividades antes, durante e depois do horário do crime, considerando que o crime compreende as fases da cogitação, da preparação, da execução e da consumação. É imperioso ressaltar que tanto a confissão do suspeito quanto a sua negativa só tem valor se confirmadas por outros meios de prova. Não se pode esquecer também que existe a autoria direta e a indireta; esta última quando se trata de crime por encomenda, em que o executor, autor direto, é contratado pelo mandante, autor indireto, sendo certo que é este último que tem relação com a vítima. Nesse sentido, a equipe de investigação deverá buscar provas do acordo entre o mandante e o executor, evidenciando encontros e contatos entre ambos antes, durante e após o crime. c. O lugar De acordo com Ribeiro (2006), “o delito, por ser um acontecimento concreto, ocorre sempre em um determinado espaço físico”. No crime de homicídio, não é sempre que o corpo é encontrado no lugar em que os atos executórios foram praticados. Assim, por exemplo, a vítima pode ter sido morta dentro de um veículo automotor ou dentro de uma residência e o corpo ter sido abandonado em qualquer outro lugar, o que é comum em crimes planejados ou praticados por grupos de extermínio.
  • 49. Há casos em que o lugar do crime pode ser determinado por meio de exames periciais, analisando-se os vestígios encontrados no corpo da vítima, como fragmentos de vegetais, solo ou de insetos. Contudo, nem sempre isso é possível. Há outros casos em que se determina o lugar por meio de provas testemunhais ou pela conjunção desses testemunhos com as provas periciais. Saber exatamente onde o crime foi praticado é de fundamental importância, pois certamente é onde estão importantes elementos de convicção, vestígios materiais e testemunhais, sobre a autoria do crime. É a partir do local do crime que se irradiam os elementos de prova do crime de homicídio. Quanto ao aspecto processual, o lugar do crime determina a competência do juiz. Não é por outra razão que existe determinação legal para que, tomando conhecimento da notícia do crime, a autoridade policial e seus agentes devem dirigir-se ao local e providenciar a sua preservação para que não se altere o estado das coisas e também porque a partir desse local desdobram-se as possibilidades investigativas. Para Ribeiro (2006), “quem não sabe onde o crime aconteceu, muito menos sabe exatamente onde procurar a prova”. d. O tempo Ainda gozando dos ensinamentos de Ribeiro (2006), para ele o crime acontece em algum momento exato da eternidade. A equipe de investigação deverá, portanto, determinar com a maior precisão possível o tempo da ação criminosa.
  • 50. Em muitos casos, não é possível demonstrar o exato momento do crime, especialmente quando o corpo é ocultado ou abandonado em local ermo e só é encontrado muito tempo depois. Contudo, a equipe de investigação não pode se furtar de realizar todas as diligências possíveis, com o objetivo de, pelo menos, aproximar-se o máximo possível do lapso temporal em que o crime foi praticado. A experiência tem demonstrado que, quando não há precisão quanto ao tempo do crime, é possível que sejam encaixados álibis, que sustentam que o autor estava em outro lugar na hora do crime, fazendo outra coisa e acompanhado por outras pessoas. Exemplo No homicídio em que foi vítima um desembargador, morto a tiros quando fazia caminhada nas proximidades do local em que residia, o executor dos disparos, após o crime, dirigiu-se imediatamente para sua casa, distantes vinte e oito quilômetros do local do fato, percurso realizado de carro em quarenta minutos. Chegando em sua casa, imediatamente realizou um telefonema para uma ex-companheira, com quem tinha uma filha, a fim de criar um álibi, o que poderia ser atestado pelo extrato telefônico. Ocorre que foi possível determinar o exato tempo do crime, pois as câmeras de segurança de edifícios vizinhos ao local do crime gravaram o momento em que um grupo de jovens que conversava em frente de onde se deu a execução correu após ouvir o primeiro disparo. A prova testemunhal corroborou o tempo determinado, assim como a prova técnica, pois foi realizada uma reprodução simulada dos fatos, na qual ficou demonstrado que o autor teve tempo suficiente de se deslocar, após o crime, até sua residência, e realizar o telefonema mencionado.
  • 51. O autor foi preso, processado, julgado e condenado. e. O instrumento Considerando que o homicídio é a eliminação da vida humana de forma não natural, mas violenta, o autor do crime necessita de um meio qualquer para que o resultado morte ocorra. Por essa razão, todo crime de homicídio exige a utilização de um instrumento. Esse instrumento pode ser as mãos do autor (quando se tem a morte por esganadura, por exemplo), pode ser uma arma branca (faca, punhal, facão, etc.), uma arma de fogo (revólver, pistola, etc.), substâncias tóxicas (venenos em geral), paus, pedras, segmentos de ferro, entre outros. Assim, é fundamental que a investigação determine o tipo de instrumento usado para matar a vítima, mesmo que não consiga encontrá-lo. Em regra, o instrumento do crime tem estreita relação com os hábitos, atividade profissional, condição socioeconômica, idade e sexo do autor. Cabe a equipe de investigação definir qual foi o instrumento do crime; depois deve buscar saber em poder de quem estava esse instrumento no momento do crime, qual seu paradeiro após o crime e qual sua eficiência e compatibilidade com as lesões que a vítima apresentava. Especialmente no caso de o instrumento ser uma arma de fogo, deverá a equipe de investigação apurar o mais rápido possível qual o calibre dessa arma, mediante exame pela perícia criminal dos projéteis e estojos de cartuchos por ventura encontrados no local do crime ou extraídos do cadáver da vítima. A equipe de investigação não deve, entretanto, sentir-se desestimulado se não conseguir localizar o instrumento, pois o autor normalmente tudo faz para se desfazer dele.
  • 52. Considerando o uso de arma de fogo, é comum entre autores contumazes, haver uma grande rotatividade de armas, o que dificulta ou mesmo impossibilita sua localização e apreensão pela polícia. No entanto, como já foi dito, o que condena um criminoso é o conjunto probatório consistente e harmônico. Na maioria das vezes, mesmo localizando-se a arma de fogo e havendo projéteis para confronto, o exame pode resultar inconclusivo por questões técnicas. Assim sendo, o que a equipe de investigação não poderá deixar de esclarecer é a natureza, a espécie e o tipo de instrumento utilizado para praticar o crime de homicídio. f. O motivo Por último, há o motivo, a razão da prática do crime. Como você já estudou, não há homicídio doloso sem motivo. O motivo é o acontecimento que precede o crime e leva uma pessoa a eliminar outra. O motivo é aquele interesse ou desejo contrariado; é um bem cobiçado; é um valor moral atingido; é uma relação ameaçada, rompida ou indesejada; é um compromisso descumprido; é o interesse de se ocultar alguma coisa. Os motivos que levam uma pessoa a eliminar outra são variados e imprevisíveis. Portanto, é tarefa impossível enumerar todos os tipos de motivos. Em geral, os motivos são de ordem social, patrimonial, criminosa, amorosa, política e psicopata. Os motivos de ordem social são aqueles que decorrem das condições de vida, das relações da ambiência social do indivíduo.
  • 53. Exemplos: Brigas em botecos entre pessoas embriagadas, por assuntos triviais, pela disputa por um copo de bebida, por um simples empurrão; desentendimentos entre vizinhos; intolerância das pessoas no convívio em sociedade. Os motivos de ordem patrimonial surgem da disputa ou do interesse pelo patrimônio, o qual poderá ser tanto da vítima quanto do autor, ou até de um terceiro. Exemplos: A disputa por herança, a briga entre sócios e a divisão de terras. Os motivos de ordem criminosa são aqueles que têm origem dos conflitos entre aqueles indivíduos que vivem do crime. Exemplos: Pode ser uma queima de arquivo, a disputa pelo domínio de uma área, o não pagamento de dívidas (comum no tráfico de drogas), o desacerto na divisão do produto de um crime (roubo, extorsão mediante sequestro), entre outros. Os motivos de ordem amorosa advêm de fatores gerados do relacionamento entre casais. Exemplos: Casos que estão geralmente afetos ao ciúme, à traição, ao orgulho ferido e à paixão. Os motivos de ordem política surgem das disputas acirradas pelo poder político ou mesmo do objetivo de se encobrirem atos de improbidade no exercício do cargo. Os motivos de ordem psicopata emergem de um estado mental patológico. Exemplo: O caso que ficou nacionalmente conhecido como “maníaco do parque”, no qual um jovem humilde atraía moças jovens para locais
  • 54. desertos, com a promessa de que seriam modelos, e as estuprava e matava. 6.1. Outra classificação do motivo O motivo do crime de homicídio pode também ser classificado em imediato ou mediato, único ou múltiplo, determinante e não determinante. O motivo imediato é aquele que acontece em tempo próximo ao da prática do crime. Exemplo: O empurrão sofrido pelo autor leva-o ao imediato saque de uma faca e agressão à vítima. O motivo mediato é aquele cuja ocorrência se verifica muito antes do cometimento do crime. Nesse caso, o autor tem tempo suficiente apenas para as medidas indispensáveis à preparação e à execução do crime. Exemplo: O não pagamento de uma dívida pela vítima, quando ela é ameaçada de morte pelo autor, que monta uma emboscada para matá-la. Quando o autor só tem uma razão para matar a vítima, o motivo é único. Quando estão envolvidos vários fatores motivacionais, se está diante de uma motivação múltipla. Exemplo: Uma mulher manda matar o marido, pois ele a maltratou com agressões físicas e verbais durante anos, tem amantes e goza de considerável patrimônio. O motivo determinante é aquele que conduz o agente a decidir matar a vítima. Ele pode ser imediato ou mediato, pois o autor pode decidir matar a vítima em seguida ao fator determinante ou, por conveniência e aguardando uma melhor oportunidade, esperar por determinado tempo.
  • 55. O motivo não determinante é aquele que não conduz o autor a decidir- se pela morte da vítima. É o caso das agressões sofridas, durante anos, por uma esposa, a qual só decide matar o marido quando toma conhecimento de que ele pretende separar-se dela para casar com a amante. Muitas vezes, a investigação não consegue demonstrar de forma indubitável a motivação de um crime de homicídio, pois ela integra o universo pessoal do autor. Importante! Motivação de crime não se discute, apenas se constata. E ainda, não é porque alguém tenha, em tese, motivo para matar outrem que é o autor do crime. Pense nisso.
  • 56. Concluindo... A conduta que leva à prática do crime de homicídio tem uma estrutura operacional que precisa ser devidamente considerada pela equipe de investigação. A visualização dos elementos de espaço, tempo, ação e resultado na conduta delituosa em estudo é fator preponderante na compreensão das razões e do modo como ocorreu o delito, possibilitando a formulação de estratégias eficazes na apuração das provas. Neste módulo foram estudados e discutidos os elementos essenciais da estrutura do crime de homicídio. No próximo módulo você fechará esse estudo com a verificação dos elementos acessórios.
  • 57. Módulo 4 – Elementos acessórios do crime de homicídio Apresentação do Módulo Seja bem-vindo ao módulo 4 do curso! Neste módulo você complementará o estudo do módulo anterior tratando dos elementos acessórios na conduta do crime de homicídio. Vimos que a conduta que leva à prática do homicídio está contida em uma estrutura de tempo, espaço, ação e resultado, e que esses elementos são formados por outros elementos que se subdividem em essenciais e acessórios. Como visto, para a investigação, desmontar esses elementos estruturais é a possibilidade de um olhar completo sobre a conduta do infrator, apontando os caminhos a serem seguidos na busca da prova. É com esse olhar que você deverá desenvolver o estudo deste módulo, discutindo e conhecendo os chamados elementos acessórios da conduta do crime de homicídio. Boa sorte! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Identificar os elementos acessórios do crime de homicídio; Explicar os processos da destruição, da subtração ou da ocultação do cadáver como circunstâncias norteadoras da apuração das provas da prática do delito de homicídio.
  • 58. Estrutura do Módulo Aula 1 – Elementos acessórios do crime de homicídio Aula 2 – A destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver Aula 1 – Elementos acessórios do crime de homicídio Elementos acessórios ao crime de homicídio são aqueles que, por razões diversas, agregam-se aos elementos essenciais, mas que, diferentemente destes, não são encontrados em todos os crimes de homicídio. Os elementos acessórios constituem o elo que permeia e sedimenta os elementos essenciais. Como elementos acessórios, podem-se apontar: os vestígios materiais, as circunstâncias, as testemunhas. Veja então cada um desses elementos: a. Os vestígios materiais – São normalmente encontrados no local do crime e no corpo da vítima e/ou do autor. Sim, mas o que são esses chamados vestígios de um crime? Para Erich Anuschat (1933), “[...] é tudo que possa ser percebido como matéria, corpo, objeto, etc., que tenha ou possa ter ligação com o crime ou criminoso e que sirva à elucidação do crime e determinação da autoria”. Na cena do crime são encontrados objetos, marcas ou sinais ali deixados como resultado da ação delituosa, os quais são, portanto, detentores de informações sobre o evento ali ocorrido. Esses vestígios poderão estar tanto no corpo da vítima como no ambiente da ocorrência ou, ainda, no corpo e nas vestes do próprio autor.
  • 59. Todos esses elementos são considerados vestígios materiais por serem palpáveis, verificáveis como matéria. Exemplo: Mancha de sangue, respingo de saliva, lesão corporal, impressão digital, pegadas, etc. Ocorre que nem sempre se sabe o exato local do crime ou se encontra o cadáver da vítima, o que não impedirá a apuração de provas. b. As circunstâncias – Dizem respeito à situação, ao estado em que ocorreu a prática do homicídio, podendo ser demonstradas pela leitura dos vestígios matérias deixados na cena do crime. Ocorre que, em determinadas situações, os vestígios são alterados por ação dos fenômenos naturais (chuva que apaga escorrimentos de sangue, marcas de pneumático, etc.), por ação do tempo (quando se encontra apenas a ossada da vítima, impedindo que se determine se há evidências de violência) ou por ação do criminoso (o qual queima a roupa que usava quando praticou o crime ou dá fim à arma do crime, destruindo-a ou jogando em um rio), impedindo assim a constatação das reais circunstâncias que envolveram o crime. São exemplos de informações sobre as circunstâncias o número de golpes sofridos pela vítima, dedos arrancados, olhos perfurados, genitália queimada. Veja que as circunstâncias têm estreita relação com a motivação de delito e, consequentemente, com o autor. c. A prova testemunhal - É o último dos três elementos acessórios do crime de homicídio. Embora a prova testemunhal possa, muitas vezes, gerar dúvidas sobre a verdade real, a harmonia do que for informado pela testemunha com as
  • 60. demais provas coletadas durante a investigação trará a equipe de investigação a certeza da veracidade do testemunho. Exemplo: em um bairro pouco habitado, um pescador, após discutir com sua esposa, retira a vida da última com um golpe de faca. Acreditando que o crime não possuía testemunhas, o autor abandona a faca no local e parte em direção a um rio próximo, onde permanece pescando por vários dias. Ao retornar, acaba sendo preso preventivamente, pois a única vizinha do imóvel, uma vez tendo presenciado o ocorrido, relata os fatos à equipe de investigação, que os retransmite a autoridade policial. Esta por sua vez, com base no referido testemunho e nas impressões digitais encontradas na faca, representa pela sua prisão e o indicia pela prática do crime de homicídio. Entretanto, tal quais os vestígios materiais, muitas vezes há ausência desse elemento (teste munhas) na apuração do homi cí dio. Aula 2 – A destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver Embora a destruição, a subtração ou a ocultação do cadáver sejam um tipo penal autônomo, para a investigação criminal devem ser consideradas as circunstâncias do crime de homicídio. A prática dessas condutas pelo criminoso normalmente objetivo assegurar a impunidade do crime de homicídio, pois o autor acredita que, se o corpo da vítima não for encontrado, não se poderá afirmar sequer que o crime aconteceu. É também uma prática comum usada pelos grupos de extermínio, como aconteceu, em diversos casos, no Rio de Janeiro, onde as vítimas eram
  • 61. queimadas em pneus, como no caso do jornalista Tim Lopes1 . Essa circunstância verifica-se com certa frequência quando o crime de homicídio é doméstico, ou seja, quando foi praticado dentro do próprio lar. Nesses casos, o autor procura simular um desaparecimento da vítima ou mesmo um sequestro. Mesmo sendo tais circunstâncias resultantes de uma ação intencional do criminoso – portanto de extrema relevância na investigação criminal, pois permitem o estabelecimento de hipóteses viáveis para o desenvolvimento da apuração – nem sempre elas estão presentes no crime de homicídio. 1 http://www.timlopes.com.br/casotimlopesmobilizatodoopais.htm
  • 62. Concluindo... Com este módulo você encerra seus estudos sobre o tema que diz respeito aos espaços temporais, territoriais e aos mecanismos operacionais da prática do homicídio. Esse é o contexto no qual se encontra formatada a estrutura da conduta homicida com seus elementos de tempo, espaço, ação e resultado. Compreendeu? Necessariamente a equipe de investigação deverá lançar seu olhar inicial para cada um desses elementos, essenciais e acessórios, que compõem a conduta do homicídio, identificando e analisando cada um deles na busca da compreensão do onde, quando, como e por que o crime ocorreu, pois essas são as portas que o levarão às provas necessárias para a apuração. No módulo seguinte você estudará sobre a prova na investigação do crime de homicídio. É muito provável que você já tenha estudado esse tema, principalmente se foi aluno do curso Investigação Criminal da REDE EAD da SENASP. Entretanto, essa abordagem traz uma análise específica para o caso de homicídio e novos conceitos para a compreensão do tema, como os que tratam da “volatilidade dos vestígios” e da “linha do tempo”.
  • 63. Módulo 5 – A prova na investigação do crime de homicídio Apresentação do Módulo Os dois módulos anteriores trataram do tema que diz respeito aos espaços temporais, territoriais e aos mecanismos operacionais da prática do homicídio, certo? Ou seja, você estudou aquilo que é chamado de estrutura da conduta homicida. Estudou que nessa estrutura estão contidos os elementos de tempo, espaço, ação e resultado e que nesses elementos estão inseridos outros elementos de natureza essencial ou acessória para a operacionalidade da investigação. Neste módulo você estudará sobre prova, que é o personagem principal não só da investigação criminal, mas de todo o processo penal. Você fará uma análise sobre os cuidados que deverão ser dispensados aos vestígios e evidências no processo de coleta, estabelecendo o diferencial entre valorizar e valorar a prova, e, ainda, uma abordagem conceitual sobre a volatilidade dos vestígios e sobre a linha do tempo e sua importância para a apuração das provas. Boa sorte! Objetivos do Módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Definir o que seja prova no contexto da investigação do homicídio; Explicar quais os cuidados necessários para a valorização e a valoração da prova do crime de homicídio;
  • 64. Aplicar métodos necessários à preservação da cadeia de evidências de um homicídio. Estrutura do Módulo Aula 1 – Contexto da prova no crime de homicídio Aula 2 – A valorização e a valoração da prova do crime de homicídio Aula 3 – Cadeia de evidências Aula 4 – Preservação da cadeia de evidências Aula 5 – Volatilidade dos vestígios Aula 6 – Linha do tempo Aula 1 – Contexto da prova no crime de homicídio Não resta dúvida de que o objetivo da investigação criminal é coletar provas das circunstâncias em que ocorreu determinado delito e de sua autoria, para que haja um processo de avaliação da culpabilidade ou inocência do indivíduo apontado como autor. Provar não é supor. Provar é demonstrar fatos. Entretanto, nem sempre é simples demonstrar a ocorrência de um fato. Essa é a grande encruzilhada pela qual passa o investigador, em especial o do crime de homicídio. Não é objetivo deste curso fomentar nenhuma discussão doutrinária sobre a prova penal, mas contextualizar o conceito de prova nas práticas da investigação de homicídio para que o investigador possa compreender o que realmente poderá considerar como evidência de provas dessa prática delituosa.
  • 65. Entretanto, é importante que se tenha uma referência conceitual desse elemento fundamental do processo penal, visto ser ele o objeto perseguido em todo o caminho apuratório. 1.1. Conceitos Segundo Noronha (1983), “provar é fornecer no processo o conhecimento de qualquer fato, adquirindo para si e gerando em outro a convicção da substância ou verdade do mesmo fato”. Para outro processualista, Tourinho Filho (2003, p. 476), provar é, antes de tudo, estabelecer a existência da verdade. Para Malatesta ([s.d.], p. 19), a prova é o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade. 1.2. Comunhão dos meios de prova Nessa toada, há alguns indicadores que precisam ser percebidos pelo investigador, pois eles darão rumos que possibilitarão a busca da prova. Um desses indicadores é o de que a construção da prova de um homicídio não é um fim em si mesmo, mas, como toda a produção da prova penal, está dentro de um contexto que se chama justiça criminal; portanto, a primeira indicação é de que a prova não é da investigação em si, mas do processo como um todo. Como se tem um sistema processual penal acusatório, com a prevalência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda que a investigação tenha uma conotação inquisitiva, não deixa de ser submetida ao controle do juiz e das partes (acusação e defesa). Por que isso acontece?
  • 66. Porque há no processo um princípio aplicado à coleta de provas que se chama: princípio da comunhão dos meios de prova. Ou seja, a prova que é levada ao processo pode ser utilizada por qualquer um dos seus sujeitos: o juiz, a acusação ou a defesa. Você saberia explicar o que isso significa na prática da investigação do homicídio? Simples. Que a busca da prova penal deve ser guiada também pela imparcialidade do investigador, como você estudou em aula anterior. O investigador não coleta a prova para A ou B, mas para o processo. Ela servirá aos litigantes e ao interesse da Justiça. 1.3. Hierarquia das provas Outro aspecto importante da prova é que não há uma hierarquia entre as provas. O valor da prova é determinado pela sua harmonia com as demais e pela regularidade do processo de coleta, portanto não há método ou técnica de investigação mais importante que o outro. Eles simplesmente se complementam. Nesse contexto, cada peça da prova terá que ser devidamente encaixada entre as demais, completando o todo. Isso significa que o depoimento de uma testemunha que narra uma circunstância deverá se adequar à informação registrada no vestígio material, porventura deixado como prova do fato. Daí a importância da interação entre os investigadores. 1.4. Classificação das provas Segundo Araujo (2008), doutrinariamente, a classificação de provas mais compreensível didaticamente é a seguinte:
  • 67. a.Provas objetivas ou materiais – São aquelas representadas por vestígios produzidos ou decorrentes da conduta tida como infração penal. São aquelas constatáveis materialmente por meio de exame pericial. Exemplos: As provas representadas pelos laudos dos exames de lesões corporais, exames de armas, drogas, substâncias orgânicas, etc. b.Provas subjetivas ou informativas – São aquelas representadas por depoimentos de testemunhas, autor e vítimas. Exemplos: Termos de declarações, de interrogatórios, de reconhecimento, etc. c. Provas complementares – São aquelas representadas por elementos ou dados auxiliares que, em geral, reforçam, corroboram as demais provas. Exemplos: A identificação criminal, a folha de antecedentes, relatórios sobre a vida pregressa do indiciado, a reprodução simulada do fato, etc. d.Indiciárias ou circunstanciais – “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. (art. 239 do CPP ) Exemplos: A circunstância de que alguém foi visto saindo correndo de uma sala, onde se encontra o corpo de uma vítima de homicídio, segurando um revólver, logo depois de ouvidos os estampidos dos disparos de uma arma de fogo. 1.5. Tipos de testemunhas do homicídio
  • 68. Preste atenção em um aspecto importante na apuração de provas de homicídio que diz respeito aos tipos de testemunhas com as quais o investigador poderá se deparar. Compreender essa diversificação vinculada às circunstâncias, tempo e ambientação da testemunha fará com que seja mais fácil para o investigador selecionar aquelas pessoas potencialmente portadoras de informações sobre o caso. Ele saberá, principalmente, determinar com maior precisão as questões que deverão ser postas para cada uma. Ainda seguindo as orientações de Mingardi (2006), o investigador de homicídios poderá deparar-se com os seguintes tipos de testemunhas: a.Aquelas que encontraram o corpo – Elas terão informações sobre as circunstâncias iniciais que envolveram a cena do crime, provavelmente sobre características de suspeitos. b. Aquelas que conheciam a vítima ou se apresentaram voluntariamente para prestar alguma informação. c. Aquelas que atenderam a ocorrência – Elas poderão saber o que ocorreu depois do crime, como alterações na cena e possíveis testemunhas e suspeitos. Conhecer esse grupo de testemunhas é um aspecto prático da investigação que facilitará o planejamento da abordagem de cada uma delas, evitando a perda de tempo procurando colher informações com fontes erradas. Aula 2 – A valorização e a valoração da prova do crime de homicídio Na aula anterior você estudou a prova no seu nível conceitual para que pudesse compreendê-la como a essência do processo penal. Sem a
  • 69. demonstração de que existe uma infração penal e uma possível autoria, não há como falar em justa causa para o processo. Ocorre que, antes de se falar efetivamente na existência de uma prova, uma série de procedimentos deverão ser desenvolvidos pelo investigador, como a identificação de vestígios (sejam materiais ou testemunhais) e seu isolamento, preservação e análise até que se possa classificá-la como prova de determinado delito. Você verá que a apuração de provas de um delito é um processo científico que, como qualquer outro, requer métodos, técnicas e procedimentos; portanto, exige cuidados específicos com as fontes de informação. O resultado da investigação está diretamente relacionado com a qualidade desses cuidados. A captura das informações buscadas sobre determinado fato está vinculada ao grau de preservação das fontes dessas informações. Quanto maior for o cuidado com essas fontes, maior será a possibilidade de que forneçam as informações buscadas pelo investigador. O que seria, então, valorizar a prova? Veja. 2.1. Valorização da prova Você estudou que a coleta da prova de um delito é um processo científico e que esse processo requer cuidados próprios. Para compreender o conceito de valorização da prova, tenha como ponto de partida o conceito de cuidar, certo? Aqui há alguns dos significados dicionarizados do termo “cuidar”: ocupar- se de; tratar de; zelar pelo bem-estar. Ora, só se cuida daquilo que de alguma forma tem valor para nós, não é verdade? E ter valor não é ter estimação, valia para alguém? É nessa linha
  • 70. de raciocínio que o investigador do homicídio deve tratar as fontes de informações identificadas e selecionadas para a produção da prova criminal. Percebeu que há uma relação semântica entre os termos cuidar e valorizar? É nessa transição do verbo valorizar para o nome valorização que está assentado o conceito de valorização da prova. Como se trata de um resultado da ação, valorização da prova tem o sentido de cuidado, atenção, zelo pelas fontes e pelas informações produzidas na investigação. Vale lembrar que esse cuidado não se restringe aos dados materiais, mas também às fontes e informações subjetivas (testemunhas, vítimas e, havendo, os informantes.). Isso significa que a prova testemunhal também deverá ser submetida ao zelo da preservação. Entendido? Veja a um exemplo? Exemplo: Em uma cena de crime de homicídio, o investigador encontra potenciais testemunhas e vários vestígios materiais, como respingos de sangue, garrafas quebradas, pegadas, arma, etc. Identificadas e selecionadas tais fontes, devidamente acondicionadas e protegidas, elas passam a receber todos os cuidados de preservação para que possam ser examinadas e delas colhidas as informações necessárias. Perceba que, além da sua importância, a valorização da prova é um procedimento que ocorre na investigação criminal, durante a fase inquisitorial da coleta de prova, cuja finalidade é garantir que a fonte selecionada seja preservada e dela capturadas as informações que serão transformadas em prova. Esse cuidado é responsabilidade tanto daquele que fará o exame da fonte (perito/legista/papiloscopista/investigador cartorário) como daquele que é
  • 71. responsável pelos primeiros atos de preservação dessas informações no local de crime. Valorar a prova é diferente de valorizar? O que ocorre na valoração da prova? Veja! 2.2. Valoração da prova A investigação criminal, como todo processo científico, além de métodos e técnicas tem também uma linguagem própria, muitas vezes com termos semelhantes, mas facilmente diferençáveis quanto ao significado. No caso de valorizar e valorar, há uma diferença conceitual e prática de suma importância, pois as duas ações, ainda que semelhantes e complementares, ocorrem em momentos diversos do processo de coleta e análise das provas e são praticadas por diferentes agentes. A investigação criminal faz parte de um sistema de produção de provas que envolve duas fases distintas: a de produção propriamente dita e a de apreciação e avaliação. Se considerarmos a investigação como o próprio sistema, essas duas fases poderão ocorrer nela mesma. Mas, se a considerarmos como parte do grande sistema processual penal, nela só ocorrerá a primeira fase, a da produção, enquanto a última fase caberá exclusivamente ao órgão julgador. Portanto, é nesse processo desenvolvido pelo juiz (ou pelo júri) que ocorre a valoração da prova. No caso do termo valorar (a prova) há uma abordagem conceitual-jurídica que deve ser considerada, visto que esse procedimento só ocorre na fase processual. Veja como se processa. 2.3. Sistema do livre convencimento motivado
  • 72. O investigador não pode perder de vista o fato de que sua atividade faz parte da ação de um Estado Democrático de Direito fundado em garantias e direitos do cidadão. A coleta de provas da prática de um homicídio é uma dessas garantias, conforme comenta Leal (2010): “O direito à prova insere-se no campo das garantias que integram o devido processo legal [...]”. Com relação à avaliação da prova feita pelo juiz, veja o que dizem a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, respectivamente: Art. 93. [...] IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; (CF, 1988) Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (CPP. Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) Percebeu? Aqui a lei define o sistema probatório no processo penal brasileiro, que é o sistema do livre convencimento motivado, ou seja, aquele processo pelo qual o juiz (ou júri) construirá seu convencimento apreciando, livremente, as provas apresentadas no processo e submetidas ao contraditório, sem submetê-las a qualquer ordem hierárquica, sem considerar mais uma ou outra, de forma crítica e com persuasão racional. Entretanto, não se trata de uma avaliação arbitrária, mas necessária de