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ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                    S 403




TOSSE - DEFINIÇÃO                                      nismo quando existe lesão ou disfunção ciliar, como
                                                       acontece na mucoviscidose, asma e discinesia ciliar;
   A tosse constitui um sintoma de uma grande          proteção contra arritmias potencialmente fatais (ao
variedade de patologias, pulmonares e extrapul-        originar aumento de pressão intratorácica)
monares, e por isto mesmo é muito comum, sendo,
com certeza, uma das maiores causas de procura         Ato de tossir
por atendimento médico.                                    O ato de tossir está sob controle voluntário e
   Este sintoma produz impacto social negativo,        involuntário, e consiste das fases inspiratória, com-
intolerância no trabalho e familiar, incontinência     pressiva e expiratória, seguindo-se a fase de rela-
urinária, constrangimento público e prejuízo do        xamento.(1)
sono, promovendo grande absenteísmo ao traba-              Quanto maior a fase inspiratória, maior será a
lho e escolar, além de gerar grande custo em exa-      eficácia da tosse. Assim, uma inspiração profunda
mes subsidiários e com medicamentos.                   permite um maior volume torácico e dilatação dos
                                                       brônquios, o que torna mais eficiente a segunda
Classificação                                          fase. Na fase compressiva existe fechamento da
    Aguda: é a presença do sintoma por um período      glote por cerca de 0,2 segundos, e ativação do
de até três semanas.                                   diafragma e dos músculos da parede torácica e
    Subaguda: tosse persistente por período entre      abdominal que, aumentando a pressão intratorá-
três e oito semanas.                                   cica até 300 mmHg, comprimem as vias aéreas e
    Crônica: tosse com duração maior que oito          os pulmões. Na fase expiratória há uma abertura
semanas.                                               súbita da glote com saída do ar em alta velocida-
                                                       de, podendo atingir fluxos de até 12 L/s, ocasio-
                                                       nando o som característico da tosse. O fluxo expi-
FISIOPATOLOGIA
                                                       ratório na última fase da tosse é gerado mesmo
                                                       mediante pequenas variações de pressão positiva
    Para que a troca de gases ocorra faz-se neces-
                                                       intratorácica. Assim, a realização da tosse efetiva
sária grande mobilização de ar para o interior das
                                                       pode se dar mesmo em situações nas quais sejam
vias aéreas, o que acarreta a inalação de partículas
                                                       obtidas pressões bem abaixo das que podem ser
que, na dependência de seu tamanho, podem al-
                                                       produzidas pela musculatura expiratória.(2) Na fase
cançar regiões cada vez mais distais. Sabe-se que
                                                       de relaxamento há relaxamento da musculatura e
o diâmetro necessário para haver penetração das
                                                       retorno das pressões aos níveis basais. Dependen-
partículas na traquéia é de 10 a 20 µ, e aquelas
                                                       do do estímulo, essas fases podem resultar em
abaixo de 2 µ podem atingir bronquíolos respira-
                                                       tosse de intensidade leve, moderada ou grave.
tórios e parênquima pulmonar.
    Existem dois mecanismos de depuração para          Mecanismos de suspensão ou de diminuição da
proteção das vias aéreas com relação à entrada de      efetividade da tosse
partículas procedentes do meio externo. O primeiro        São mecanismos de supressão ou de diminuição
é o clearance mucociliar, através do qual os movi-     da efetividade da tosse: a presença de anormali-
mentos ciliares impulsionam, no sentido cranial,       dades ou alterações no arco reflexo, que podem
uma fina camada de muco com partículas a serem         tornar os receptores ineficazes ou pouco efetivos,
depuradas. A tosse, ocorrendo por meio de ato          principalmente após estimulação repetitiva, o que
reflexo, é o segundo mecanismo envolvido neste         pode ser observado em crianças ou idosos que
sistema de proteção das vias aéreas inferiores,        aspiraram corpos estranhos e apresentam muita
podendo ser voluntária ou involuntária.                tosse nos primeiros dias e depois diminuição ou
    Os principais benefícios da tosse são: elimina-    cessação do ato de tossir (crianças com retardo
ção das secreções das vias aéreas pelo aumento da      de desenvolvimento neuropsicomotor grave e que
pressão positiva pleural, o que determina compres-     apresentam aspiração de líquidos podem apresentar
são das vias aéreas de pequeno calibre, e através da   pouca tosse depois de um tempo prolongado de
produção de alta velocidade do fluxo nas vias          aspiração); uso de medicamentos sedativos e nar-
aéreas; proteção contra aspiração de alimentos, se-    cóticos; dano decorrente de aumento de pressão
creções e corpos estranhos; é o mais efetivo meca-     sobre o centro da tosse (tumores de sistema ner-


                                                                   J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
S 404




voso central e hipertensão intracraniana); doenças      olar com consolidação extensa, sem apresentar tosse.
neuromusculares, pela menor capacidade de mo-               Os impulsos da tosse são transmitidos pelo
bilizar o ar na fase inspiratória, e comprometimento    nervo vago até um centro da tosse no cérebro que
da musculatura respiratória expiratória; cirurgias      fica difusamente localizado na medula. Até hoje
abdominais e torácicas; anomalias da laringe com        não se conhece o local exato do centro da tosse.(6)
ineficácia de abertura da glote (paralisia de cor-      O centro da tosse pode estar presente ao longo de
das vocais); e ineficácia de abertura da glote por      sua extensão, já que ainda faltam evidências sig-
procedimentos médicos (traqueostomia, tubo na-          nificativas capazes de definir sua localização pre-
sotraqueal).                                            cisa no encéfalo (Figura 1).(3)
    O mecanismo de produção de tosse pode ser               Os receptores da tosse pertencem ao grupo dos
alterado, acarretando redução da velocidade de          receptores rapidamente adaptáveis, que representam
fluxo e de pressões necessárias para que se torne       fibras mielinizadas, delgadas e contribuem para a
um real mecanismo de defesa das vias aéreas.            condução do estímulo, mas ainda permanece não
    Outro importante fator determinante da eficácia     esclarecido seu potencial de indução de bronco-
da tosse é a velocidade do fluxo aéreo produzido        constricção.(5-6)
na fase expiratória. A remoção do muco depende              Os receptores rapidamente adaptáveis têm a ca-
também da obtenção de elevada velocidade do gás,        racterística de sofrerem rápida adaptação perante a
que pode atingir aproximadamente 2.500 cm/s, o          insuflação pulmonar mantida por cerca de 1 a 2 se-
que favorece a suspensão de partículas do muco          gundos, e são ativados por substâncias como trom-
no lúmen da via aérea. Propriedades reológicas          boxane, leucotrieno C4, histamina, taquicininas, me-
do muco podem também interferir na capacidade           tacolina e também pelo esforço inspiratório e expira-
de mobilizá-lo pela tosse.(3)                           tório com a glote fechada. Agem sinergicamente com
                                                        outros subtipos de nervos aferentes para gerar tosse.
Anatomia e neurofisiologia do reflexo da tosse              Receptores de adaptação lenta ao estiramento
    O reflexo da tosse envolve cinco grupos de com-     também participam do mecanismo da tosse de for-
ponentes: receptores de tosse, nervos aferentes, cen-   ma ainda não definida.(7)
tro da tosse, nervos eferentes e músculos efetores.         Outro grupo de nervos aferentes envolvidos no
    O mecanismo da tosse requer um complexo             mecanismo da tosse é o composto pelas fibras C,
arco reflexo iniciado pelo estímulo irritativo em       as quais não são mielinizadas, possuem a capaci-
receptores distribuídos pelas vias aéreas e em lo-      dade de produzir neuropeptídeos, têm relativa in-
calização extratorácica. O início deste reflexo dá-se   sensibilidade à distensão pulmonar e se ativam pelo
pelo estímulo irritativo que sensibiliza os recepto-    efeito da bradicinina e da capsaicina. Terminações
res difusamente localizados na árvore respiratória,     das fibras C brônquicas ou pulmonares mediam
e posteriormente ele é enviado à medula.                broncoconstricção. No entanto, o real papel das
    Os receptores da tosse podem ser encontrados        fibras C na fisiopatologia da tosse tem sido alvo
em grande número nas vias aéreas altas, da laringe      de discussões na literatura, já que o transporte dos
até a carina, e nos brônquios, e podem ser esti-        estímulos da tosse ocorre preferencialmente através
mulados por mecanismos químicos (gases), me-            de fibras mielinizadas.(8) Há indícios de que as fi-
cânicos (secreções, corpos estranhos), térmicos (ar     bras C brônquicas possam inibir o reflexo da tosse.
frio, mudanças bruscas de temperatura) e infla-         Os receptores rapidamente adaptáveis interagem
matórios (asma, fibrose cística). Também podem          com estas fibras, que geram inflamação neurogê-
apresentar receptores para tosse a cavidade nasal       nica em resposta ao seu próprio estímulo (ácido
e os seios maxilares (nervo trigêmio aferente), a       cítrico, tabagismo, bradicinina) e, por sua vez,
faringe (nervo glossofaríngeo aferente), o canal        passam a liberar taquicininas, as quais ativam os
auditivo externo e a membrana timpânica, a pleura,      receptores rapidamente adaptáveis. Este ciclo in-
o estômago (nervo vago aferente), o pericárdio e        duz tosse na dependência do grau de ação nestes
diafragma (nervo frênico aferente), e o esôfago.(4)     receptores, já que mediante estímulo leve poderá
Os receptores de tosse não estão presentes nos          potencializá-la por mecanismo local e, sendo o
alvéolos e no parênquima pulmonar. Portanto, um         mesmo mais intenso, pode inibi-la por ação reflexa
indivíduo poderá apresentar uma pneumonia alve-         central.(9)


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ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                    S 405




Figura 1 - Anatomia do reflexo da tosse


    Em regiões basais do epitélio respiratório en-     nadas, deve-se considerar a possibilidade de se
contram-se terminações nervosas, principalmente        incluir, dentre os diagnósticos diferenciais, a bron-
do tipo sensitivas, capazes de mediar inflamação       quite eosinofílica, tosse variante da asma e a bron-
neurogênica e liberar neuropeptídeos (taquicininas)    quite linfocítica, por ordem de freqüência. Em tais
como a substância P, neurocinina A e peptídeo          patologias indutoras de tosse crônica está presente
relacionado ao gene da calcitonina, que acarre-        o componente inflamatório, com predomínio eo-
tam, além das conseqüências relacionadas ao pro-       sinofílico ou linfocítico, na dependência da etio-
cesso inflamatório, a produção de tosse.(9)            logia. (11)
                                                           Destarte, a fisiopatologia da tosse crônica reúne
Mecanismos inflamatórios                               um grupo de anormalidades que interferem no
    As principais causas de tosse crônica podem        delicado arco reflexo, ativando receptores de fi-
guardar entre si a característica comum de haver       bras aferentes, notadamente relacionadas ao nervo
envolvimento inflamatório incidindo nas vias aéreas.   vago. Os receptores rapidamente adaptáveis e as
Isso foi verificado pela existência de maior número    fibras C modulam a resposta com participação de
de mastócitos e eosinófilos nos pacientes não as-      centros mais elevados, ainda pouco definidos.
máticos e com tosse crônica do que nos controles           As vias aéreas são freqüentemente colocadas
utilizados. Foi também observada elevada concen-       em contato com elementos estranhos ao seu meio.
tração de eosinófilos em lavado broncoalveolar nos     Por isso, o papel da resposta inflamatória brôn-
portadores de tosse variante da asma e nos asmá-       quica é identificável e preponderante para o en-
ticos propriamente ditos, quando comparados ao         tendimento desse importante sintoma que, possi-
grupo controle.(10)                                    velmente, se correlaciona à lesão epitelial com
    A inflamação da mucosa brônquica tem sido          conseqüente exacerbação da sensibilidade das ter-
confirmada também por biópsia nos portadores de        minações nervosas aos estímulos.(11) No entanto,
tosse crônica sem correlação com as etiologias mais    esta afirmativa ainda carece de maior comprovação.
comuns, como asma, doença do refluxo gastreso-             Ressaltamos que a compreensão dos mecanismos
fágico, síndrome do gotejamento pós-nasal, bron-       fisiopatológicos auxilia na realização do diagnóstico
quite crônica, bronquiectasias ou uso de inibidores    diferencial dentre as diversas causas de tosse, bem
da enzima conversora de angiotensina. Diante da        como no estabelecimento do planejamento tera-
negatividade da investigação para as causas mais       pêutico, o que favorece a obtenção de melhores
comuns, de acordo com as previamente mencio-           respostas clínicas.


                                                                   J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
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TOSSE AGUDA                                               Quadro 1 - Etiologia da tosse aguda
                                                           Doenças com baixo risco de complicações e morte
    Apesar da falta de estudos prospectivos com             Resfriado comum
grande casuística, a experiência clínica indica que         Sinusite aguda
as maiores causas de tosse aguda são as infecções           Gripe
                                                            Rinite, laringite, traqueíte e faringite
virais das vias aéreas superiores, em especial o res-
                                                            Bronquite aguda
friado comum, e das vias aéreas inferiores, com             Exacerbação de doença pré-existentes
destaque para as traqueobronquites agudas. (12)             - crise leve de asma
Outras causas comuns são as sinusites agudas,               - bronquiectasia
exposição a alérgenos e irritantes, e exacerbações          - exacerbação leve da DPOC
de doenças crônicas como asma, doença pulmonar              - rinossinusopatias
obstrutiva crônica (DPOC) e rinossinusites. Além            Exposição a alérgenos ou irritantes
dessas entidades com baixo risco de complicações,           - ambientais ou ocupacionais
outras doenças potencialmente graves como                   Drogas
                                                            - inibidores ECA, β-bloqueadores
pneumonias, edema pulmonar por insuficiência ven-
tricular esquerda, embolia pulmonar e exacerba-           Doenças com alto risco de complicações e morte
ções graves de asma e DPOC podem manifestar-se             Pneumonia
com tosse aguda e, ao contrário das causas ante-           Crise grave de asma ou DPOC
                                                           Edema pulmonar por IVE
riores, necessitam de intervenção precoce devido
                                                           Embolia pulmonar
ao risco de complicações (Quadro 1).
                                                          DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; ECA: enzima
    A seguir descrevermos as características das
                                                          conversora da angiotensina; IVE: insuficiência ventricular
principais causas de tosse aguda.                         esquerda.

Resfriado comum                                           to.(15) Antitussígenos periféricos, expectorantes e
    O diagnóstico é altamente sugestivo em paci-          mucolíticos têm pouco valor no tratamento da tos-
entes com doença das vias aéreas superiores carac-        se aguda.(16-17) Os antibióticos não devem ser usa-
terizada predominantemente por tosse, sintomas            dos de rotina, apesar da grande dificuldade de di-
nasais como rinorréia mucosa ou hialina, espirros,        ferenciação entre resfriado e sinusite bacteriana, e
obstrução nasal e drenagem pós-nasal de secre-            desta complicar o resfriado em 1% a 5% dos casos.
ções, concomitantes a lacrimejamento, irritação da
garganta, ausculta pulmonar normal, com ou sem            Traqueobronquite aguda
febre.(13)                                                    A traqueobronquite aguda é responsável por
    Na etiologia estão envolvidos mais de 200 vírus,      mais de 10 milhões de consultas médicas por ano
em especial rinovírus, coronavírus, parainfluenza,        nos EUA. Apesar de todos os avanços na área da
vírus respiratório sincicial, adenovírus e enterovírus.   saúde, persiste como um dos maiores motivos de
    Quanto à fisiopatogenia, há gotejamento nasal         uso desnecessário de antibióticos.
posterior e aumento da sensibilidade dos recepto-             O diagnóstico provável dá-se com o paciente
res aferentes das vias aéreas inflamadas.                 com infecção respiratória aguda manifestada predo-
    Com relação à propedêutica, em estudos tomo-          minantemente por tosse, com ou sem expectoração,
gráficos o acometimento dos seios da face aproxi-         que pode ou não ser purulenta, com duração in-
ma-se de 80%, e as alterações usualmente são indis-       ferior a três semanas, e sem evidência clínica e/ou
tinguíveis daquelas da sinusite bacteriana.(14) Estas     radiológica de resfriado comum, sinusite, exacer-
anormalidades resolvem-se espontaneamente em              bação da DPOC ou crise de asma.(18)
menos de vinte dias, inclusive nos casos com ní-              A etiologia é viral na maioria dos casos, espe-
veis hidroaéreos. Por este motivo, não são indica-        cialmente por influenza A e B, parainfluenza e
dos estudos de imagem, especialmente radiografia          vírus respiratório sincicial. Em menos de 10% das
dos seios da face, na primeira semana de resfriado.       bronquites agudas são identificadas bactérias e
    Os anti-histamínicos de primeira geração asso-        nestes casos as mais comuns são o Mycoplasma
ciados a descongestionantes de longa duração são          pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e oca-
os medicamentos mais eficazes para o tratamen-            sionalmente a Bordetella pertussis.


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ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                     S 407




    A traqueobronquite aguda pode causar obs-           nato, macrolídeos, cefalosporina de segunda ge-
trução do fluxo aéreo e hiperresponsividade brôn-       ração e até quinolonas respiratórias (moxifloxaci-
quica transitórias, com duração inferior a seis se-     na e levofloxacina).(23) A solução salina isotônica
manas, em até 40% dos pacientes.                        ou hipertônica e os vasoconstrictores sistêmicos
    Quanto ao tratamento, não existe medicação          podem ser usados por poucos dias. Os corticoste-
eficiente para a tosse da bronquite aguda. Os an-       róides orais devem ser reservados para casos mais
titussígenos têm pequeno efeito e os mucolíticos        graves, com grande edema das mucosas e por curto
não são indicados.(16) Broncodilatadores podem ser      período de tempo, inferior a sete dias.
úteis se houver indícios clínicos ou funcionais de
obstrução do fluxo aéreo. Estão indicados os ma-        Gripe
crolídeos em situações especiais como epidemias             O diagnóstico da gripe não é difícil quando o
por atípicos e/ou quadro clínico sugestivo de co-       paciente apresenta síndrome aguda caracterizada
queluche, contato com infectados, tosse emeti-          por manifestações constitucionais como febre alta,
zante e guincho, com duração de sintomas inferior       calafrios, prostração, fadiga, mialgia, cefaléia, sin-
a duas semanas.                                         tomas de vias aéreas superiores e inferiores, com
                                                        destaque para tosse e coriza, e sintomas oculares
Sinusite aguda                                          como lacrimejamento, fotofobia e hiperemia das
    A rinossinusite aguda viral é pelo menos vinte      conjuntivas. Em algumas situações pode ser difícil
vezes mais freqüente do que a bacteriana e ambas        diferenciar a gripe da sinusite bacteriana aguda e
são causas comuns de tosse aguda.(19) O acometi-        pneumonia, principalmente quando há rinorréia e/
mento dos seios da face é comum nos resfriados,         ou expectoração purulenta. Em caso de dúvida,
gripes e exacerbações das rinites. A rinossinusite      deve-se realizar hemograma, dosagem de proteí-
bacteriana complica de 1% a 5% das infecções            na-C e exames de imagens para esclarecimento do
virais de vias aéreas superiores.                       diagnóstico.
    A suspeita de rinossinusite bacteriana deve             As causas mais importantes da gripe são os ví-
ocorrer quando os sintomas de uma virose das vias       rus influenza A e B, especialmente em surtos epi-
aéreas superiores pioram após o quinto dia ou           dêmicos.
persistem por mais de dez dias.(19-20)                      O tratamento é fundamentalmente sintomático,
    A presença de dois ou mais sinais maiores ou        com hidratação oral e uso de antitérmicos e anal-
de um sinal maior e dois menores são altamente          gésicos. Anti-histamínicos de primeira geração
sugestivos de sinusite aguda.(21-22) São sinais maio-   associados a descongestionantes podem ser úteis
res: cefaléia, dor ou pressão facial, obstrução ou      nos casos de tosse com drenagem pós-nasal. An-
congestão nasal, secreção nasal ou pós-nasal pu-        titussígenos e anti-inflamatórios têm pouco valor
rulenta, hiposmia ou anosmia, e secreção nasal ou       terapêutico.
pós-nasal purulenta ao exame. São sinais menores:
febre, halitose, odontalgia, otalgia ou pressão nos     Exacerbação de doença pré-existente
ouvidos e tosse.                                            Na avaliação do paciente com tosse aguda é
    O valor da radiografia de seios da face é con-      fundamental identificar, através da história clínica,
troverso. Ela não é acurada para várias regiões da      exame físico e quando necessário de propedêutica,
face, tem pouca utilidade para diferenciar infecção     casos de tosse devidos a crise de asma, exacerbação
bacteriana de viral ou alterações alérgicas, e baixa    da DPOC, bronquiectasias infectadas e descontrole
relação entre custo e benefício, mesmo nos casos        de rinossinusopatia.
em que existe dúvida diagnóstica após história e            As exacerbações da DPOC devidas a traqueo-
exame físico.(19,23)                                    bronquites bacterianas caracterizam-se pela piora
    Não há necessidade de tratamento da sinusite        da dispnéia, mudança do aspecto do escarro para
viral que apresenta sintomas leves e resolução es-      purulento e aumento do volume da expectoração.
pontânea. Para as sinusites bacterianas preconiza-se    Na DPOC leve ou moderada, em pacientes com
amoxacilina por sete a dez dias. Dependendo da          poucas exacerbações por ano, os agentes etiológi-
resistência local, evolução e uso prévio de antibió-    cos mais freqüentes são: Haemophilus influenzae,
ticos, podem ser usados amoxacilina com clavula-        Streptococcus pneumoniae e Moraxella catarrhalis.


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Nos pacientes graves, com co-morbidades ou muitas     monia, edema pulmonar cardiogênico, crise grave
exacerbações, predominam as infecções por Gram-       de asma ou DPOC, e embolia pulmonar, geralmente
negativos entéricos, pseudomonas e S. pneumoniae      não são difíceis de serem diagnosticadas quando
resistente a penicilina.(24)                          causam tosse, uma vez que raramente se manifes-
    O tratamento da exacerbação infecciosa da         tam isoladamente por este sintoma. O sucesso do
DPOC inclui o uso de broncodilatadores, corticos-     manejo depende da instituição de propedêutica
teróides, oxigênio e antibióticos. O uso racional     adequada e terapia específica para cada doença.
de antibióticos na traqueobronquite da DPOC ba-
seia-se na sua gravidade, presença de co-morbi-       Tosse subaguda
dades e número de exacerbações por ano:(24) qua-          No Ι Consenso Brasileiro sobre Tosse realizado
dro leve a moderado, sem outras co-morbidades e       em 1997, tosse com duração superior a oito se-
poucas exacerbações por ano - β-lactâmico asso-       manas era classificada como crônica.(13) Aplican-
ciado a inibidor de β-lactamase, cefuroxima ou        do-se o algoritmo de manejo proposto o sucesso
macrolídeo; quadro leve a moderado, com co-morbi-     terapêutico chegava a mais de 90% (Quadro 2).
dades ou muitas exacerbações por ano - antibióticos       No Consenso Norte-Americano de Tosse publi-
anteriores mais moxifloxacino, levofloxacina, ou      cado em 2006 foi proposta nova classificação na
telitromicina; quadros graves, com ou sem co-mor-     qual a tosse com duração superior a três e inferior
bidades e com muitas exacerbações por ano - mo-       a oito semanas foi definida como tosse subagu-
xifloxacino, levofloxacina, gatifloxacina ou cipro-   da.(12) Os autores deste documento destacam a
floxacino (suspeita de pseudomonas).                  ausência de publicações sobre a etiologia da tosse
                                                      subaguda e reafirmam que as orientações de ma-
Exposição a fatores irritantes ou alérgicos           nejo são baseadas na opinião de seus integrantes.
    Na avaliação de pacientes com tosse aguda é           Segundo a diretriz norte-americana, uma das
fundamental pesquisar a exposição a fatores alér-     causas mais comuns de tosse subaguda é a tosse
gicos, ambientais ou ocupacionais que tenham          pós-infecciosa, ou seja, aquela que acomete paci-
relação temporal com o início ou piora da tosse.      entes que tiveram infecção respiratória recente e
O afastamento da exposição, quando não houver         não foram identificadas outras causas. Uma vez
doença respiratória pré-existente, como asma ou       afastada a etiologia pós-infecciosa, o manejo será
rinite, pode tornar desnecessário o uso de medi-      o mesmo da tosse crônica.
camentos para controle dos sintomas.
                                                      Tosse pós-infecciosa
Uso de medicamentos capazes de causar tosse               O diagnóstico é realizado por exclusão, e de-
   É essencial identificar o uso de medicamentos      vem ser considerados três aspectos fundamentais:(3)
capazes de causar tosse como os inibidores da         tosse com duração superior a três e inferior a oito
enzima conversora da angiotensina (captopril, ena-    semanas; avaliação clínica detalhada sem identifi-
lapril, etc) e os beta-bloqueadores. Os primeiros,    cação de uma causa; história de infecção das vias
por causarem tosse irritativa, sem expectoração em    aéreas nas últimas três semanas.
10% a 20% dos seus usuários, que geralmente é             A fisiopatogenia é multifatorial, com extensa
diagnosticada antes de três semanas de uso. E os      inflamação e lesão epitelial das vias aéreas, com
β-bloqueadores, inclusive na forma de colírios, por   ou sem hiperresponsividade transitória. Outros fa-
piorarem a obstrução das vias aéreas de pacientes     tores que podem contribuir são a drenagem pós-
com asma ou DPOC, e causarem tosse com ou sem         nasal, acúmulo de secreções nas vias aéreas infe-
dispnéia e chiado.                                    riores e agravamento de refluxo gastresofágico
   Em geral, a tosse causada por medicamentos         devido a alterações no gradiente pressórico tóraco-
melhora em poucos dias após a suspensão dos           abdominal durante a tosse.
mesmos. Quando necessário, deve-se utilizar bron-         A etiologia relaciona-se, em geral, a infec-
codilatadores e/ou corticosteróides.                  ções virais, ocasionalmente após infecções por
                                                      B. pertussis, M. pnuemoniae e C. pneumoniae .
Doenças potencialmente graves                             A tosse em geral é auto-limitada e resolve-se
  As doenças potencialmente graves, como pneu-        em poucas semanas. Não há tratamento específico.


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Quadro 2 - Algoritmo da tosse aguda e subaguda
 TOSSE AGUDA - Duração inferior a três semanas
 História e exame físico minuciosos. Exames propedêuticos em situações especiais.
 1α questão - Doença potencialmente grave ou não?
 Etiologia:
  Doenças com baixo risco de complicações e morte - resfriado, gripe, sinusite aguda, traqueobronquites
  agudas, rinite, exposição a alérgenos e irritantes, medicamentos, exacerbações de asma, DPOC e
  rinossinusites.
  Doenças com maior risco de complicações ou morte - exacerbações graves de asma, DPOC ou
  rinossinusites, pneumonia, edema pulmonar cardiogênico e embolia pulmonar.
 TOSSE SUBAGUDA - Duração entre três e oito semanas
 História e exame físico minuciosos. Exames propedêuticos em situações especiais.
 1α questão - Pós-infeciosa ou outra causa?
 Etiologia:
  Pós-infecciosa - história recente de virose.
  Outras causas - as clássicas da tosse crônica como asma, síndrome das vias aéreas superiores
  (rinossinusites), doença do refluxo gastresofágico e bronquite eosinofílica, e doenças broncopulmonares
  evidenciadas pela história clínica, exame físico e/ou exames de imagens.


Deve-se considerar o uso de brometo de ipratró-         resultado da bronquite crônica, ou pode ser seca
pio e corticosteróides por via inalatória.(20) Em ca-   como resultado dos efeitos irritantes da fumaça
sos mais intensos, com grande repercussão na qua-       do cigarro.
lidade de vida, deve-se testar o efeito de predni-          Exames de função pulmonar podem revelar si-
sona ou prednisolona a 30 a 40 mg por dia, por          nais de obstrução ao fluxo aéreo. A produção de
cinco a sete dias.(25) O uso de antibióticos deve ser   volumes significativos (mais de uma xícara por dia)
reservado para casos em que haja alta probabili-        de expectoração pode sugerir algumas patologias.
dade de infecção bacteriana, como nos surtos de         A mais comum delas é a bronquiectasia, em que
traqueobronquite por micoplasma. Diante de um           freqüentemente as secreções são purulentas e rela-
caso de coqueluche, só se justifica o uso de ma-        cionadas com a mudança postural. O exame físico
crolídeo se a tosse tiver duração inferior a catorze    pode revelar baqueteamento digital, halitose e es-
dias (tosse aguda).                                     tertores localizados ou difusos, além de sinais de
                                                        obstrução ao fluxo aéreo. O diagnóstico destas
HISTÓRIA CLÍNICA E EXAME FÍSICO DO                      causas de tosse produtiva é normalmente direto, e
PACIENTE COM TOSSE CRÔNICA                              estratégias para intervenção e tratamento estão
                                                        bem definidas. (31)
    Uma história clínica cuidadosa permite um diag-         A tosse seca ou pouco produtiva é um dos
nóstico clínico na maioria das vezes, sem a neces-      maiores desafios diagnósticos. Uma história de
sidade de investigação adicional ou de tentativas       terapia com inibidores de enzima de conversão da
terapêuticas, sendo esta anamnese e o exame físi-       angiotensina ocorre apenas em até 15% de paci-
co a primeira etapa na investigação da tosse crô-       entes usuários de enzima de conversão da angio-
nica. Estes dois instrumentos têm sido úteis no         tensina que desenvolvem tosse seca logo após o
diagnóstico da tosse em até 70% dos casos.(26-27)       início da terapia.(32) A tosse normalmente diminui
No Brasil, dois estudos relatam valores semelhan-       com a cessação do tratamento, mas a resolução
tes, um em um centro terciário(28) e outro em um        completa pode demorar vários meses e pode per-
hospital geral.(29)                                     sistir em uma pequena minoria de pacientes por
    A história de tabagismo e a quantidade e ca-        longo tempo.
racterísticas da expectoração devem ser muito bem           A infecção respiratória de vias aéreas superiores
detalhadas. A tosse crônica em fumantes de cigarro      é acompanhada freqüentemente por tosse que
é dose-relacionada(30) e pode ser acompanhada de        normalmente diminui rapidamente com o passar
expectoração mucóide ou mucopurulenta, como             do tempo. (33-34) Porém, em indivíduos previamente


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hígidos, esta tosse seca pode persistir por longo      rir muito pode precipitar o refluxo e a tosse. A
tempo após a infecção.(35)                             doença do refluxo gastresofágico é mais comum
    Vários estudos mostraram que em indivíduos         em pacientes com sobrepeso ou obesos embora
não fumantes, com radiografia de tórax normal e        não se restrinja a eles.
que não estejam utilizando enzima de conversão             Os sintomas sugestivos de asma, rinossinusite
da angiotensina, a tosse normalmente é ocasionada      ou doença do refluxo gastresofágico estão pre-
por três condições, asma, rinossinusite ou a doença    sentes em cerca da metade dos pacientes que pro-
do refluxo gastresofágico, e duas causas podem         curam uma clínica especializada.(37) Embora a tos-
estar presentes no mesmo indivíduo.(36-37) Sintomas    se possa ser o único sintoma presente nestas con-
sugestivos destas doenças podem estar ausentes,        dições,(39-40) não devemos deixar de realizar uma
mas importantes informações na história freqüente-     história detalhada e exame físico completos.
mente não são reconhecidas. Alterações no exame
físico são raras nestes pacientes com tosse crônica.   IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA
    Dispnéia, opressão no peito, chiado e cansaço
fácil, além da tosse, sugerem fortemente o diag-            A qualidade de vida, no que se refere estrita-
nóstico de asma, mas estes sintomas podem estar        mente à saúde orgânica, e principalmente quanto
completamente ausentes e esta condição denomi-         às manifestações respiratórias, suscita que se con-
na-se, então, tosse variante de asma. Variabilidade    siderem vários ditames essenciais para o bem es-
do pico de fluxo nas medidas diárias e exacerbação     tar do indivíduo. Adicionalmente se sabe que a
noturna são sinais muito sugestivos desta condição.    tosse é a queixa respiratória que conduz mais fre-
    A tosse pode ser estimulada pelo exercício e/      qüentemente o indivíduo a atendimento médico.
ou contato com ar frio, mas isto também acontece            Quatro estudos longitudinais(41-44) documenta-
com pacientes não asmáticos. O chiado pode ser         ram que a tosse constitui uma das causas mais
encontrado no exame físico, mas freqüentemente         importantes de subversão da qualidade de vida
é ausente nos pacientes com tosse variante de          humana. Além desses quatros trabalhos, neste cor-
asma. No Brasil, um estudo não encontrou relação       rente ano, publicou-se excelente revisão sobre
entre as respostas positivas a um questionário de      complicações da tosse.(45)
tosse e o tratamento em pacientes com tosse varian-         Em ordem cronológica, o primeiro estudo ci-
te de asma.(38)                                        tado foi o Sickness Impact Profile, publicado em
    A presença de rinossinusite pode ser sugerida      2002,(4¹) o qual enfatizou queixas não específicas
por uma história de obstrução ou congestão na-         para certas doenças ou disfunções e, em contra-
sais, rinorréia, espirros, secreção purulenta, dor     partida, utilizou um critério no qual se quantificava
facial e drenagem retronasal (sensação de secre-       o desempenho das atividades usuais de cada dia.
ções que gotejam por trás da garganta). O exame        As disfunções relacionadas com doenças, em paci-
da faringe pode revelar eritema, um “atapetamento"     entes com tosse crônica, é mais provavelmente psi-
da mucosa da faringe posterior e a presença de         cológica em sua patogenia.(42) Enquanto o Sickness
secreção mucóide ou purulenta. Infelizmente,           Impact Profile não tiver sido testado psicotecni-
muitos sinais e sintomas faríngeos também acon-        camente para qualificar os efeitos da tosse, esse
tecem na doença do refluxo gastresofágico.             documento, que utilizou a intervenção “com tra-
    A doença do refluxo gastresofágico pode ser        tamento", antes e depois, deixa a conclusão de
suspeitada quando da presença de sintomas como         que a tosse crônica estava associada a uma deterio-
dispepsia e azia, mas recentemente são reconhe-        ração significativa na qualidade de vida do pacien-
cidos também sintomas como voz rouca e afonia.         te, e que a disfunção relacionada à doença era mais
O refluxo normalmente é causado por relaxamento        provavelmente devida a fatores psicológicos.(43)
passageiro do esfíncter inferior do esôfago.(35) As-       O segundo estudo utilizou um questionário
sim, a tosse pode acontecer durante ou após as         valorizando a qualidade de vida e foram identifi-
refeições ou mesmo quando o indivíduo mantém           cadas as 28 razões mais comuns que conduziam
a posição supina, dobrando-se ou inclinando-se.        o paciente a procurar o atendimento médico por
A tosse normalmente diminui durante o sono e ao        causa da tosse.(42) Configurou-se uma ferramenta
se adotar uma postura vertical. O ato de falar ou      confiável e válida na avaliação do impacto da tosse


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ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                    S 411




aguda e crônica em adultos, e um método válido             Usualmente a tosse é acompanhada de disp-
para se determinar a eficácia de esquemas de tra-      néia e chiado no peito em pacientes com asma,
tamento da tosse crônica.                              entretanto, em alguns indivíduos, a tosse pode
    A comparação dos escores do questionário           ser o único sintoma da doença. Esta condição é
obtidos de tossidores crônicos e agudos mostrou        conhecida como tosse variante de asma (TVA).(46)
que, enquanto os escores eram similares entre si,          O reconhecimento da TVA no diagnóstico dife-
eles eram, ambos, significativamente mais altos do     rencial de tosse crônica, portanto, é muito impor-
que aqueles do grupo controle e fumantes que           tante, embora seus mecanismos fisiopatológicos
não se queixavam da tosse.                             ainda não sejam completamente entendidos.
    Comparando-se com os indivíduos controles,             Pacientes com TVA parecem ser um subgrupo
os pacientes com tosse crônica queixavam-se sig-       distinto de asmáticos, com também distintas ca-
nificativamente mais de: sintomas físicos (por         racterísticas.(46)
exemplo, perda do apetite, tontura, sudorese, rou-         Estes indivíduos apresentam receptores da tosse
quidão, dispnéia, insônia, dores no corpo e exaus-     mais sensíveis a diferentes substâncias inaladas
tão); sintomas psicossociais (“a família não con-      quando comparados a asmáticos e pessoas nor-
segue tolerá-los", dificuldade de falar ao telefone,   mais,(47-48) porém demonstram um grau de hiper-
embaraço, perturbação porque outros pensam que         responsividade à metacolina menos intenso do que
haja algo errado); perturbação no desempenho           o observado em pacientes com asma.(49)
funcional (por exemplo, ausências prolongadas de           As alterações inflamatórias das vias aéreas de
habilidades para certas atividades, dificuldade de     pacientes com TVA são semelhantes às encontradas
engajar-se em grupos e por isso obrigados a mu-        na asma: infiltração eosinofílica e espessamento
dar o estilo de vida); eventos que afetavam adver-     subepitelial da mucosa brônquica, provocando
samente seu bem estar emocional (por exemplo,          remodelamento das vias aéreas.(10, 50-51)
temor excessivo de contrair tuberculose ou sín-            O fator de crescimento endotelial vascular é
drome da imunodeficiência adquirida); sintomas         um dos mais potentes indutores da proliferação
físicos importantes (por exemplo, enjôo no estô-       celular endotelial, além de aumentar a permeabili-
mago e vômitos); e temores pessoais de insegu-         dade vascular de proteínas plasmáticas, contribu-
rança e hipocondria (temor de possuir alguma           indo para a fisiopatogenia da asma. Um estudo
doença grave).                                         recente, com o objetivo de examinar os níveis de
    O terceiro estudo, realizado em Leicester, que     fator de crescimento endotelial vascular em paci-
se dedicou à avaliação psicométrica, foi válido e      entes com TVA, analisou amostras de escarro in-
não introduziu alterações significativas.              duzido de doze controles, dezesseis pacientes com
    O quarto estudo, que dispôs de grupo controle      TVA e dezesseis pacientes com asma. Observou-se
com fumantes que não tossiam, revelou que as           que os níveis de fator de crescimento endotelial
mulheres com tosse crônica mais freqüentemente         vascular foram significativamente maiores nos por-
procuravam o médico e temiam estar doentes por         tadores de asma e TVA quando comparados aos
razões menos graves do que os homens.                  controles. Além disso, foram significativamente
    Em conjunto, as mulheres em geral apresen-         maiores em asmáticos do que em pacientes com
tam limiar para surgimento da tosse mais baixo         TVA, podendo ser esta a diferença responsável pelas
que os homens. As mulheres com tosse crônica           características distintas das duas patologias, já que
são inclinadas a procurar mais atendimento médico      o processo inflamatório é similar.(52)
do que os homens, porque parecem ser mais atentas          Os pacientes com TVA freqüentemente apre-
por apresentarem desconforto por incontinência         sentam exame físico e função pulmonar normais.
urinária, o que provoca repercussão psicossocial       O diagnóstico de TVA pode ser feito através de
como, por exemplo, temor de engravidar.                um teste de broncoprovocação com metacolina
                                                       positivo, mas o diagnóstico definitivo somente
ASMA E TOSSE                                           ocorrerá após resolução da tosse com um trata-
                                                       mento específico para asma. (46, 53)
   A asma é uma das principais causas de tosse crô-        Alguns autores, com o objetivo de comparar a
nica em adultos não tabagistas (24% A 29%).(27, 46)    prevalência e o nível de resposta máxima de platô


                                                                   J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
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à metacolina na TVA e asma, estudaram 83 pacien-      de 75,7% no grupo do montelukaste e 20,7% no
tes com TVA e 83 pacientes com asma. Observaram       grupo do placebo.(57)
que os níveis de resposta máxima das vias aéreas,        Pacientes com tosse crônica devem ser sempre
na curva dose-resposta da metacolina, foram sig-      investigados para a possibilidade diagnóstica de
nificativamente menores em portadores de TVA          asma, já que esta é uma condição relativamente
quando comparados aos asmáticos. Pacientes com        comum em que a tosse costuma estar presente.
TVA apresentam com mais freqüência um platô na        Muitas vezes, a tosse é o único sintoma encontra-
curva dose-resposta da metacolina. Os asmáticos       do nestes doentes.
apresentam um estreitamento progressivo das vias
aéreas, sem platô.(54)                                ÓXIDO NÍTRICO EXALADO NO
    O tratamento de pacientes com TVA é seme-         ALGORITMO DE INVESTIGAÇÃO DE TOSSE
lhante ao utilizado na asma. Uma melhora parcial
é obtida com o uso de broncodilatadores inalató-          O óxido nítrico tem sua concentração no ar exa-
rios, mas a resolução completa da tosse, usual-       lado elevada em pacientes com asma, bronquiecta-
mente, ocorre após oito semanas de tratamento         sias e infecção viral aguda. Essa fração diminui com
com corticóide inalatório.(46, 55)                    o uso de corticosteróides, refletindo redução da
    Em pacientes com TVA grave e/ou refratária ao     inflamação. Paralelamente, a inflamação das vias
tratamento inicial com corticóide inalatório, um      aéreas é um evento comum em pacientes com diag-
curso curto de corticóide oral deve ser instituído,   nóstico de tosse crônica que têm asma, rinossinusi-
seguido do uso de corticóide inalatório.(46, 53)      te, refluxo gastresofágico e tosse por enzima de
    A hiperresponsividade das vias aéreas à meta-     conversão da angiotensina como causa básica.
colina e a sensibilidade do reflexo da tosse à cap-       A medida da concentração de óxido nítrico no ar
saína foram examinadas em vinte pacientes com         exalado tem sido sugerida como um método simples
TVA. Três dos oito pacientes que não utilizaram       e não invasivo de monitorar a inflamação no trato
corticóide inalatório por longo prazo desenvolve-     respiratório, e também por um possível papel no diag-
ram asma. Nenhum dos doze pacientes que utili-        nóstico clínico de algumas situações clínicas.(58-59)
zaram corticóide inalatório apresentou a doença.          Como o diagnóstico final da causa de tosse ge-
A concentração de estímulo necessária para pro-       ralmente requer procedimentos invasivos ou inter-
vocar uma queda do volume expiratório forçado         vencionistas, a mensuração do óxido nítrico no ar
ao final do primeiro segundo de 20% em relação        exalado tem sido considerada como uma ferramenta
ao seu basal aumentou de 1,80 para 10,7 mg/ml         potencialmente útil para a identificação da causa
em pacientes que utilizaram corticóide inalatório     básica da tosse, principalmente quando esta não é
(p = 0,0171), mas não se alterou em pacientes que     tão evidente.
não estavam em tratamento. A concentração de              Estudando 38 pacientes não fumantes com tosse
capsaína necessária para provocar cinco ou mais       crônica, 44 asmáticos e 23 controles sadios, alguns
episódios de tosse não se modificou após o uso        autores(59) encontraram valores de óxido nítrico no
de corticóide inalatório. Os autores concluíram que   ar exalado significativamente mais altos naqueles ca-
o corticóide inalatório reduz a hiperresponsivida-    sos em que a asma foi a causa final atribuível aos
de das vias aéreas, sem alterar a sensibilidade do    sintomas, quando comparada aos controles sadios e
reflexo da tosse.(56)                                 casos não asmáticos. A sensibilidade e a especifici-
    Os antagonistas dos leucotrienos parecem tam-     dade do método para detectar asma usando 30 ppb
bém ser efetivos no tratamento da TVA. Alguns         como ponto de corte foram de 75% e 87%, respec-
autores, com o objetivo de verificar a eficácia do    tivamente. Os valores preditivos positivo e negativo
montelukaste no tratamento da TVA, avaliaram          foram de 60% e 93%. A conclusão foi a de que
catorze pacientes que receberam a droga ou pla-       valores baixos de óxido nítrico no ar exalado pratica-
cebo por quatro semanas. Evidenciaram que a fre-      mente excluem o diagnóstico de asma, o que revela
qüência da tosse melhorou de forma significativa      seu potencial papel no diagnóstico de tosse crônica.
a partir da segunda semana de tratamento com              A European Respiratory Society inseriu a medida
montelukaste. Ao final do estudo, a porcentagem       do óxido nítrico no ar exalado no seu algoritmo
média de melhora da tosse em relação ao basal foi     diagnóstico de tosse crônica.(53)


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ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                       S 413




TOSSE EM DOENÇA PULMONAR                                      Segunda afirmação: em pacientes com DPOC
OBSTRUTIVA CRÔNICA                                        estável o aparecimento de tosse crônica ou a mu-
                                                          dança de sua característica determinam necessi-
    A suspeição clínica de doença pulmonar obs-           dade de investigar doenças associadas como agen-
trutiva crônica (DPOC) baseia-se na simultaneidade        tes etiológicos, sendo que o refluxo gastresofági-
de exposição ambiental (fumaça do cigarro é o             co, a síndrome do gotejamento pós-nasal, o uso
principal agente) e sintomas respiratórios (sendo         de medicamentos e neoplasia são os principais
a tosse o mais freqüente e importante). A confir-         causadores.
mação é feita com a realização da espirometria,               A tosse provocada pela exacerbação de DPOC
cujas alterações confirmam e estadiam a doença.(60)       deve ser avaliada pela presença (aumento do vo-
Um dos principais motivos que levam um paciente           lume) e pela qualidade (purulência) do escarro,
com DPOC ao médico é a tosse crônica, permitindo          bem como pelo grau de piora da dispnéia (critérios
então o diagnóstico da doença. Nesta situação o           de Anthonisen). Havendo a presença de pelo me-
melhor e mais eficiente tratamento é o abandono           nos dois dos três critérios de Anthonisen o uso de
do tabagismo ou da exposição ambiental, causa-            antibióticos está correto. O uso de corticóide oral
dores da doença, o que leva cerca de 90% dos              ou injetável está indicado em exacerbações mo-
indivíduos a melhorarem o quadro de tosse.(61)            deradas e graves.
    Pacientes com tosse crônica devem ser inves-              Os antibióticos, broncodilatadores inalados e
tigados intensivamente para se definir um diagnósti-      corticóides são úteis no tratamento das exacerba-
co. Tosse e produção de escarro na maior parte dos        ções, porém seus efeitos sobre a tosse não têm
dias, por no mínimo três meses em pelo menos dois         sido avaliados de modo sistemático. Nesta situa-
anos consecutivos, exposição a irritantes da via aérea    ção, os trabalhos científicos não demonstram vanta-
pelo tabagismo (cigarros, charutos, cachimbo, etc),       gem no uso de expectorantes, drenagem postural,
tabagismo passivo, exposição a agentes nocivos no         fisioterapia e uso de teofilina.(63)
trabalho (fumaça, vapores, etc) ou em domicílio               Em DPOC estável, trabalhos mostram que o uso
(fogão a lenha, por exemplo) levam ao diagnóstico         de β2 agonistas de curta duração inalados, bro-
de bronquite crônica, na ausência de outras doen-         meto de ipratrópio, teofilina oral e associação de
ças respiratórias ou cardíacas capazes de causar tosse    β2 agonistas de longa duração e corticóide inala-
crônica. Nesta situação a espirometria serve para         tório podem melhorar a tosse. O uso de brometo
definir o diagnóstico de DPOC e estadiar a doença.        de ipratrópio inalado reduz a tosse e diminui o
Outros exames, como a radiografia de tórax, ser-          volume de produção do escarro.(64)
vem para afastar co-morbidades.                               O uso de β2 agonistas de curta duração não
    Primeira afirmação: o afastamento do tabaco ou        parece interferir na tosse do paciente, porém atua
dos agentes irritantes causadores de DPOC é o me-         na melhora da dispnéia. O uso da associação β2
lhor tratamento da tosse destes pacientes (nível de       agonistas de longa duração e corticóide inalado
evidência: bom; benefício: elevado; nível de reco-        está indicado em pacientes com doença grave e
mendação A).                                              com exacerbações freqüentes. O brometo de tio-
    Em pacientes já diagnosticados e em acompanha-        trópio atua como broncodilatador, não tendo, apa-
mento por DPOC, o surgimento de tosse crônica ou          rentemente, efeito sobre a tosse. (64) A teofilina em
mudança na característica da tosse usual obrigam-         DPOC estável parece diminuir a tosse e pode ser
nos a buscar o diagnóstico causal. Deve-se lembrar        empregada, com os cuidados para se evitar toxici-
de situações associadas à doença de base e que o          dade e efeitos adversos, devendo porém ser evita-
mesmo agente etiológico de DPOC o é também do             da na exacerbação, pelo risco de eventos adversos
câncer de pulmão,(62) de laringe e de esôfago. Deve-se    ser maior que o possível benefício.(65)
ressaltar a maior incidência de refluxo gastresofágico,       O uso profilático de antibióticos, corticóide
tanto pela faixa etária quanto pelo maior número de       oral, expectorantes, drenagem postural e fisiote-
medicamentos (também outra causa freqüente de tos-        rapia respiratória não demonstraram efetividade
se crônica) ingeridos pelos pacientes. Quadros infec-     no controle da tosse na DPOC e não são indica-
ciosos virais ou bacterianos também aparecem com          ções para controle e redução da tosse nesses
destaque como desencadeantes freqüentes.                  pacientes.


                                                                      J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
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    O uso de expectorantes na tosse da DPOC não       patologia respiratória ou sistêmica, a classificação
encontra respaldo na literatura médica, e deve        da sua gravidade e a resposta ao tratamento insti-
ser evitado. Alguns mucolíticos como a acetilcis-     tuído. Sinais e sintomas pulmonares, entre eles a
teína demonstram possíveis efeitos benéficos no       tosse, têm a causa freqüentemente esclarecida atra-
uso em longo prazo. Com relação aos antitussí-        vés do estudo da função respiratória.
genos, existe a necessidade de separarmos aque-          Na investigação de um paciente com tosse, uma
les pacientes cuja etiologia da tosse não pode        cuidadosa história clínica pode fornecer impor-
ser completamente curada, como nos casos de           tantes pistas para o diagnóstico, sem necessidade
câncer sem possibilidade cirúrgica, por exemplo,      de exames complementares. Quando há necessi-
nos quais o uso de antitussígenos não específi-       dade destes, os testes de função respiratória são
cos (só para bloquear a tosse) é imperativo, da-      colocados logo após o estudo radiológico na hie-
queles em que o tratamento da causa leva ao           rarquia da seqüência de abordagem diagnóstica.(53)
desaparecimento da tosse, nos quais o uso de          Os testes mais úteis são a espirometria com prova
antitussígenos não específicos é desnecessário ou     broncodilatadora, os testes de provocação brôn-
se dá por tempo muito curto. O uso de antitussí-      quica e o pico de fluxo expiratório seriado.
genos (codeína e dextrometorfano) em geral não
está indicado, e quando for necessário, deve ser      Espirometria (prova de função pulmonar)
utilizado por curto espaço de tempo. O uso de             A espirometria, indispensável na avaliação da
agentes pró-tussígenos (solução salina hipertô-       fisiologia respiratória, é um teste que mede quanto
nica, amilorida) talvez tenha um efeito positivo      um indivíduo inspira ou expira volumes de ar em
em doenças como fibrose cística, por exemplo,         função do tempo, devendo ser parte integrante da
porém novos estudos precisam comprovar esta           avaliação de pacientes com sintomas respiratórios.(67)
possibilidade. A drenagem postural e a fisioterapia       Vários estudos(28-46) mostram que em significativa
respiratória não parecem demonstrar capacidade        parte dos casos de tosse crônica de causa não apa-
de modificar a tosse na DPOC.                         rente a etiologia é a asma. Na espirometria, a detec-
    Terceira afirmação: o tratamento da exacerba-     ção de obstrução ao fluxo aéreo que desaparece ou
ção deve ser dirigido preferencialmente à elimina-    melhora significativamente após o uso de broncodi-
ção do agente causal e à recuperação do estado        latador indica o diagnóstico de asma.(68) Cabe salien-
pré-exacerbação, sendo o tratamento da causa da       tar que quando a reversão da obstrução é completa,
tosse a regra, e sua inibição a exceção.              o diagnóstico de asma é feito com segurança.
    Leis para tornar espaços públicos e ambientes         A variação significativa após o uso do bronco-
de trabalho livres do cigarro devem ser estimula-     dilatador, sem que, no entanto, seja atingida a nor-
das, pois existe comprovação científica de que o      malidade, também é indicativa de asma. Por outro
tabagismo passivo é capaz de causar tosse e pro-      lado, pacientes com doença pulmonar obstrutiva
dução aumentada de escarro, e estes sintomas são      crônica podem, também, apresentar este compor-
de intensidade proporcional à exposição.              tamento de resposta funcional.(69) A própria doença
                                                      pulmonar obstrutiva crônica é uma das causas de
EXAMES SUBSIDIÁRIOS                                   tosse crônica, sendo este o sintoma mais encontra-
                                                      do na mesma.(70-71) Um estudo brasileiro apresentou
Testes de função respiratória                         sensibilidade de 50% e especificidade de 90% na
    O estudo da função respiratória é antigo. O       separação de pacientes com asma e com doença
primeiro trabalho notório sobre o assunto foi pu-     pulmonar obstrutiva crônica, com volumes expira-
blicado em Londres, Inglaterra, em 1846, por          tórios forçados no primeiro segundo (VEF1) iniciais
John Hutchinson, cerca de meio século antes da        semelhantes, tendo como ponto de corte sugestivo
publicação dos princípios da radiologia e eletro-     para asma o aumento de 10% no VEF1 em relação
cardiografia.(66)                                     ao valor previsto de referência.(72) Deve-se lembrar
    A avaliação da função pulmonar constitui im-      que alguns asmáticos, principalmente com grau
portante componente do arsenal propedêutico atual,    extremo de obstrução, podem não responder agu-
permitindo, além do próprio diagnóstico, a abor-      damente ao broncodilatador.
dagem da história natural de uma determinada              O distúrbio ventilatório obstrutivo não é exclusivo


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Quadro 3 - Algoritmo em pacientes com diagnóstico de DPOC              tor.(74) A hiperresponsividade brônquica também
              Tosse                                                    pode ocorrer em pacientes com quadro de infec-
 Aguda      Subaguda     Crônica                                       ção respiratória, rinite alérgica e em tabagistas
                                               tosse                   assintomáticos.
                         Suspeitar de DPOC expectoração                    O exame consiste na inalação de concentra-
                                               dispnéia                ções crescentes do fármaco broncoconstritor, sendo
                         Espirometria                                  considerado positivo quando a queda do VEF1 atin-
                         Exames para afastar outras doenças
                                                                       ge 20% do valor inicial. A variável principal é a
                                                                       dose cumulativa da substância que levou a este
Quadro 4 - Algoritmo em pacientes com diagnóstico de DPOC              decréscimo funcional (PD20). Uma alternativa é o
                                                                       teste de provocação brônquica por esforço, para
                 Tosse
                                                                       o diagnóstico de asma induzida por exercício, sen-
Aguda          Subaguda         Crônica
Exacerbação    exacerbação     doença associada neoplasia pulmão       do considerada positiva, neste caso, a queda igual
                                                            laringe    ou acima de 10% do VEF 1 em relação ao valor
Bronquite       sinusopatia                                 esôfago    inicial.(74-75)
aguda                                             bronquiectasia           Outra variável que pode ser aferida no teste de
Gripe/resfriado pós-infecciosa                    HRB                  provocação é a queda do FIF50%, preconizada
                                                  Bronquiolite resp.   para o estudo de hiperresponsividade de vias aé-
                                                  Refluxo, SGPN,       reas extratorácicas. Quando ela for maior que 25%,
                                                  Inib. ECA            o teste é considerado positivo. O teste positivo é
                                persistência de tabagismo
                                                                       relacionado com a presença de doenças crônicas
                                                                       das vias aéreas superiores (laringite, faringite, rinite
          da asma e da doença pulmonar obstrutiva crônica.             e/ou sinusite).(76) Ainda é questionado se essas pa-
          Outras doenças que causam tosse, como a sarcoido-            tologias causam ou são conseqüências deste tipo
          se, podem apresentar limitação ao fluxo aéreo.(73)           de hiperresponsividade. (77)
              A espirometria normal não exclui asma, sendo                 A realização do teste de provocação é preconi-
          indicada a broncoprovocação na seqüência diagnós-            zada na suspeita de asma como etiologia da tosse,
          tica. Um achado relativamente freqüente em espiro-           principalmente naqueles pacientes com história
          metria normal é a presença de resposta significativa         clínica compatível, quando outros exames, em
          ao broncodilatador (em normais, a variação do VEF1           particular a espirometria, não estabeleceram ou
          é considerada significativa quando igual ou acima            eliminaram o diagnóstico. (74-75, 78)
          de 10% do valor previsto), a qual sugere aumento                 O valor preditivo positivo do teste é elevado,
          do tônus broncomotor. Nesta situação, em pacientes           mas a confirmação diagnóstica só ocorre após a
          com correlação clínica positiva, pode ser inferido o         melhora clínica com o tratamento da asma, visto
          diagnóstico de asma. Entretanto, na vigência de es-          que outras causas de tosse (tabagismo, rinossinu-
          pirometria basal normal, ao invés da prova bronco-           site, refluxo gastresofágico, bronquiectasias) tam-
          dilatadora, deve ser preferido o teste de provocação         bém podem apresentar positividade no exame.(46, 74)
          brônquica para a confirmação diagnóstica.(69)                    O teste também apresenta alto valor preditivo
                                                                       negativo, ou seja, a ausência de queda significati-
          Testes de provocação brônquica                               va do VEF 1 praticamente exclui a hipótese de
              Estes testes medem a resposta das vias aéreas            asma.(46,74-75,78) Em um paciente com teste negati-
          quando expostas a agentes farmacológicos inala-              vo, e com melhora da tosse em posterior trata-
          tórios que causam broncoespasmo, como metaco-                mento com corticóide inalado, o diagnóstico mais
          lina, carbacol e histamina. Uma resposta bronco-             provável é bronquite eosinofílica não asmática.(74, 79)
          constritora limitada é esperada em qualquer pessoa
          hígida, mas em um paciente asmático esta resposta            Pico de fluxo expiratório seriado
          é exagerada, sendo indicativa de hiperresponsivi-                O registro seriado do pico de fluxo expiratório
          dade das vias aéreas. Por definição, a hiperres-             permite a detecção de variações temporais deste
          ponsividade brônquica é a resposta broncocons-               parâmetro. A variabilidade do pico de fluxo expira-
          tritora exagerada a um estímulo broncoconstri-               tório intradiária maior que 15% é característica de


                                                                                    J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
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asma, ainda que não seja critério obrigatório para o        DISFUNÇÃO DE CORDAS VOCAIS
seu diagnóstico.(69) O grau de variação intradiária pode
também ser utilizado na estratificação de gravidade             A disfunção de cordas vocais (DCV), também
da doença. A sensibilidade para o diagnóstico de            chamada de discinesia de laringe, é uma condição
asma é maior com os testes de provocação brônqui-           respiratória caracterizada pela adução das cordas
ca, mas em casos duvidosos, a adição de medidas             vocais durante a inspiração e/ou no início da ex-
seriadas do pico de fluxo expiratório pode adicionar        piração, resultando em limitação do fluxo aéreo
sensibilidade ao diagnóstico.(74) O teste tem ainda valor   no nível da laringe,(81-82) sem base anatômica e não
em medicina ocupacional, visto que permite estabe-          orgânica, ou seja, é uma alteração funcional, cujos
lecer variações funcionais, correlacionadas com sin-        sinais e sintomas clínicos podem ser confundidos
tomas respiratórios, decorrentes da exposição a agen-       com outras patologias respiratórias, principalmente
tes inalatórios no ambiente de trabalho.(80)                asma brônquica.(81, 83)
                                                                Pela falta do substrato anatômico e por ser uma
Outros testes                                               condição pouco descrita na literatura, tendo sido
   Em casos de suspeita de doença intersticial              citada apenas em relatos de casos e pequenas sé-
pulmonar como causa da tosse, a determinação                ries, seu diagnóstico muitas vezes não é feito ou é
dos volumes pulmonares e a prova de difusão do              tardio, pela falta de lembrança ou mesmo de co-
monóxido de carbono devem ser realizadas.                   nhecimento dos médicos que atendem a esses
   Um algoritmo adaptado(74) dos testes de fun-             pacientes. São usadas medicações para asma de
ção respiratória na investigação da tosse crônica é         difícil controle, como corticóide oral em altas doses
mostrado na Figura 2.                                       e mesmo imunossupressores, de maneira desneces-
                                                            sária, o que leva a retardo do tratamento correto,
                                                            com efeitos colaterais e elevado custo financeiro
            Tosse crônica
                                                            do tratamento.(81, 84-85) Com apropriadas identifica-
                                                            ção e intervenção, muitos pacientes podem ter sig-
   Ausência de drip
                                                            nificativa melhora na qualidade de vida.(83)
   Sem sintomas de DRGE                                         Tosse crônica ocorre em cerca de 80% dos
   Não fumante                                              pacientes com DCV,(86) associada a outros sinto-
   Sem uso de inibidor de ECA
                                                            mas de DCV, em particular sintomas respiratórios,
                                                            havendo uma correlação importante com doença
        Radiologia de tórax e                               do refluxo gastresofágico (DRGE).(86-87)
        seios da face normais                                   Há uma variedade grande de sinonímias(84,88) que
                                                            demonstram as dúvidas e dificuldades no diag-
                            Alterada                        nóstico desta patologia e como a estamos vendo
             Espirometria                                   na atualidade: disfunção de cordas vocais, asma
                                 Tratamento da causa
     Normal                                                 psicogênica, asma factícia, asma laríngea, movi-
                       Positivo                             mento paradoxal das pregas vocais, estridor de
                TPB
                            Tratamento da causa             Munchasen, estridor psicogênico, estridor histérico,
     Negativo                                               estridor do adolescente funcional, estridor laríngeo,
            TCAR
                                                            obstrução funcional da laringe, adução paradoxal
            Escarro (eos)                                   de cordas vocais, obstrução psicogênica das vias
            PFE                                             aéreas superiores e crupe histérico,(84) além de estri-
            pHmetria                                        dor inspiratório funcional e estridor não orgânico.(89)
            Broncoscopia                                        A laringe tem como funções fisiológicas prin-
                                                            cipais a manutenção pérvia das vias aéreas, a pro-
Figura 2 - Algoritmo para investigação funcional da tosse   teção das vias aéreas e a fonação. O reflexo da
crônica
                                                            tosse e o reflexo de fechamento da glote não são
DRGE: doença do refluxo gastresofágico; ECA: enzima
conversora de angiotensina; TPB: teste de provocação        importantes somente para proteção da via aérea
brônquica; TCAR: tomografia computadorizada de alta         durante a deglutição, mas também em resposta a
resolução; PFE: pico de fluxo expiratório.                  estímulos inalatórios potencialmente nocivos. Os


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ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                      S 417




receptores sensitivos distribuídos na laringe, tra-          A confirmação diagnóstica nem sempre é fácil.
quéia e brônquios, quando estimulados, podem             O reconhecimento de DCV em pacientes com quei-
desencadear constrição da laringe. Os pacientes          xas respiratórias é difícil e deve-se ter um apropria-
portadores de DCV têm o reflexo de proteção da           do nível de suspeita clínica. Pacientes com sinto-
laringe aumentado a estímulos extrínsecos e in-          mas semelhantes aos da asma que não respondem
trínsecos.(87)                                           ao tratamento adequado devem ser avaliados para
     A verdadeira prevalência de DCV é desconheci-       a possibilidade de DCV, fazendo-se o diagnóstico
da e sua patogênese ainda não é bem definida.            precoce e evitando-se iatrogenias das drogas an-
Como a etiopatogenia da DCV ainda não está to-           tiasmáticas.(83)
talmente clara, algumas teorias tentam explicar a            A DCV pode ocorrer isolada ou associada à asma
doença, como a teoria neurogênica, a da DRGE e           brônquica persistente grave, o que dificulta mais
da reação de conversão.(84)                              ainda seu diagnóstico. Em torno de 40% a 50 %
     Segundo a teoria neurogênica, o limiar de es-       dos pacientes que têm DCV e que foram internados
tímulo para produzir espasmo da glote por ativa-         por dificuldade respiratória têm asma associada, o
ção da inervação efetora do vago estaria baixo,          que quer dizer que a presença de asma não exclui
facilitando as crises de discinesia após infecções       o diagnóstico de DCV e vice-versa. (81)
do trato respiratório, onde um vírus neurogênico             A tosse crônica está presente em cerca de 80%
afetaria o nervo vago, como também por desor-            dos portadores de DCV, sendo que 33% a 40%
dens neurológicas que alterem o balanço autonô-          deles são portadores de DRGE. (86) Podem apresen-
mico da laringe.(87)                                     tar-se clinicamente apenas com tosse e DRGE, e a
     Outra teoria é a da DRGE, cuja associação com       DCV deve ser considerada como causa de tosse
tosse crônica é bastante conhecida. Modelos ani-         crônica na ausência de patologia rinolaringológica
mais de DRGE foram sugestivos de que pH abaixo           ou pulmonar.(87)
de 2,5 induz a laringoespasmo através de um me-              Estridor aparece em menos de 20 % dos ca-
canismo mediado pelo vago e de sensibilização            sos.(81) Quando este sintoma surge durante exercí-
de quimiorreceptores da mucosa da laringe.(90) A         cios físicos, principalmente em atletas de elite, a
irritação crônica da laringe pode ser o gatilho para     DCV pode mimetizar asma induzida por exercício,
a crise de DCV e a DRGE deve ser prontamente             o que leva a diagnóstico errado e tratamento equi-
manejada nestes pacientes.                               vocado para asma induzida por exercício, quando
     Uma terceira teoria é a de reação de conversão,     na verdade o que está presente é a DCV, ou mesmo
daí a associação de discinesia com patologias psi-       coexistem as duas patologias.
quiátricas, incluindo depressão, trauma psíquico             Os sintomas de DCV podem ser desencadeados
por abuso sexual, emoções intensas e estresse físico     por problemas emocionais como estresse ou medo
(pode ser desencadeada em atletas em competições         (relato de abuso sexual tem sido descrito nestes
estressantes), sendo um diagnóstico diferencial com      pacientes), esforço físico, inalação de irritantes
asma induzida por exercício.                             como cigarro, perfumes, amônia, cloro, agentes
     O mais aceito na literatura atual é a associação    de limpeza e outras substâncias químicas com
de mais de uma teoria.(91)                               odores fortes, drenagem pós-nasal devida a rinos-
     Os sinais e sintomas de DCV são inespecíficos       sinusopatia (alérgica ou infecciosa), DRGE, e po-
e podem ser vistos em outras doenças respiratórias       dem ocorrer sem nenhum fator desencadeante
agudas ou crônicas. Para o diagnóstico, é reque-         identificado.(83) Pacientes podem descrever exacer-
rido alto grau de suspeita clínica, sendo os sinais      bação dos seus sintomas com identificação do
e sintomas mais comuns: tosse, chiado, estridor,         gatilho em 20% a 45% dos casos. (86)
dispnéia, rouquidão e sufocamento. Alguns paci-              Ocasionalmente a DCV se desenvolve em paci-
entes referem dificuldade de deglutir ou dor na          entes com doenças neurológicas, como a esclerose
garganta e no tórax, e sintomatologia de DRGE.(83, 86)   lateral amiotrófica, encefalite, má formação de
     Na anamnese chama à atenção a ausência de his-      Arnold-Chiari, estenose do aqueduto cerebral e
tória pessoal e familiar de atopia. Há predominância     desordem dos movimentos.
no sexo feminino e na faixa etária de vinte a 45             Os principais exames utilizados no diagnóstico
anos. Entretanto, pode ocorrer em qualquer idade.(81)    de DCV são a laringoscopia e a espirometria utili-


                                                                     J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
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zando a alça fluxo volume. Entretanto, ambos os            lógica (drogas anti-DRGE, antialérgicos, antidepres-
métodos têm baixa sensibilidade, embora com alta           sivos, ansiolíticos e sedativos), técnicas de rela-
especificidade.(82)                                        xamento, e clara explicação da síndrome com ces-
    A nasofibrolaringoscopia com tubo flexível é o         sação de medicamentos desnecessários e suporte
principal exame no diagnóstico da DCV,(81-82, 88) evi-     emocional psiquiátrico.
denciando-se obstrução de 50% ou mais da via                   Deve-se evitar o contato com irritantes quími-
aérea no nível da glote.(86) Deve-se, durante o exa-       cos e substâncias alergizantes que possam desen-
me, realizar manobras para afastar patologias neu-         cadear crises. Em raros casos é utilizada pressão
rológicas como causa da obstrução da laringe.(84)          positiva contínua na via aérea (CPAP), tendo sido
A nasofibrolaringoscopia é também utilizada para           referido também o uso de heliox (80% de hélio e
excluir os diagnósticos diferenciais de obstrução          20% de oxigênio).(87) A combinação de métodos
das vias aéreas superiores.                                terapêuticos é a conduta mais indicada e signifi-
    O momento do ciclo respiratório em que ocor-           cativa melhora é observada em 88% dos casos
re o fechamento paradoxal das pregas vocais na             quando a equipe multidisciplinar está envolvida.(86)
DCV mais aceito pela literatura é a fase inspiratória
e/ou início da fase expiratória.(83) A laringofibros-      TOSSE CRÔNICA:
copia é normal em 50% dos pacientes quando rea-            BRONQUITE EOSINOFÍLICA SEM ASMA
lizada fora das crises.(81)
    A curva fluxo volume realizada durante a espi-             O termo bronquite geralmente se refere a infla-
rometria pode revelar obstrução das vias aéreas            mação dos brônquios. Bronquite eosinofílica é um
extratorácicas com achatamento da alça inspira-            achado cardinal, porém não universal ou exclusivo
tória, em cerca de 23% dos casos.(81) Pode sugerir         da asma. Por exemplo, a bronquite eosinofílica pode
mas não estabelecer o diagnóstico de obstrução             estar ausente nas exacerbações da asma,(92) durante
de vias aéreas superiores.                                 infecções bacterianas(92-93) ou virais,(94) e na asma
    Se estes testes não são diagnósticos em paci-          estável de diferentes gravidades.(92, 95) Por outro lado,
entes com suspeita de DCV, então é possível pro-           a bronquite eosinofílica pode estar presente na au-
vocar episódio de DCV com exercício, metacolina            sência de asma, em fumantes ou ex-fumantes, com
ou frio,(88) com resultados divergentes na literatu-       ou sem doença pulmonar obstrutiva crônica,(96) e
ra sobre a positividade dos testes. Deve-se, conco-        em portadores de tosse crônica sem asma.(97)
mitantemente, realizar laringoscopia e espirometria.(83)       A bronquite eosinofílica sem asma como causa
    Se os resultados de exames realizados fora da          de tosse crônica foi descrita há apenas cerca de vinte
crise não estabelecerem o diagnóstico de DCV, la-          anos.(98) A partir de então, diversas publicações têm
ringoscopia e/ou espirometria durante as crises            demonstrado que a bronquite eosinofílica sem asma
sintomáticas devem ser realizadas.(83) Entretanto,         é uma causa comum de tosse crônica, ocorrendo em
cresce na literatura a consideração de que a sinto-        que cerca de 10% dos pacientes referidos à clínicas
matologia de obstrução variável extratorácica é            terciárias para investigar este sintoma.(99-100)
altamente sugestiva de DCV e, quando detectada,                A bronquite eosinofílica sem asma é definida
em apropriado contexto clínico, é suficiente para          pela presença de tosse crônica em pacientes sem
o diagnóstico e início do tratamento de DCV.(83)           sintomas ou evidência objetiva funcional de asma
    Uma equipe multidisciplinar deve ser envolvida         (broncoconstricção com resposta broncodilatadora
no diagnóstico e na terapia dos pacientes porta-           e/ou hiperresponsividade das vias aéreas), associa-
dores de DCV, já que podem apresentar co-fatores           da à presença de eosinofilia no escarro (eosinófi-
envolvendo a doença, em que são valorizados os             los = 3,0%).(99-100) Em síntese, a bronquite eosinofí-
sintomas.(87) No diagnóstico, conforme o quadro            lica distingue-se da asma por não possuir as ca-
clínico, podem participar o pneumologista, otor-           racterísticas fisiológicas da asma: broncoconstric-
rinolaringologista, endoscopista respiratório, fono-       ção e hiperresponsividade das vias aéreas.
terapeuta, e psiquiatra.
    Modalidades terapêuticas são individualizadas          Quadro clínico e diagnóstico
caso a caso, conforme a sintomatologia e incluem             A bronquite eosinofílica sem asma mais comu-
suporte respiratório, fonoterapia, terapia farmaco-        mente se manisfesta como tosse seca ou produti-

J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                      S 419




va que se enquadra na definição de tosse crônica,        tação da garganta, rouquidão e evidentemente tosse
sem evidência clínica ou radiológica de ser causa-       improdutiva seca ou com pouca eliminação de
da por outras doenças pulmonares. Nestes paci-           muco, com exame do tórax sem ruídos adventícios.
entes, a espirometria é normal ou mostra limitação       Os sintomas com duração de menos de três sema-
leve, sem resposta broncodilatadora e a responsi-        nas são considerados tosse aguda e quando ultra-
vidade das vias aéreas ao teste de broncoprovo-          passam três até oito semanas tosse subaguda. O
cação com metacolina ou histamina é normal. O            diagnóstico é basicamente clínico. Em mais de
diagnóstico é confirmado pela presença de eosi-          97% dos casos, o radiograma de tórax é normal. A
nofilia no escarro espontâneo ou induzido. Como          tosse é conseqüente à presença do gotejamento
a tosse crônica comumente tem múltiplas causas,          pós-nasal, limpeza da faringe ou de ambos. A tosse
a bronquite eosinofílica deve sempre fazer parte         nessa situação é autolimitada e resolve-se na maio-
do diagnóstico diferencial, mesmo em pacientes           ria das vezes. Quando houver prostração e incô-
com outras causas de tosse diagnosticada (exceto         modo, o tratamento consiste no uso do maleato
asma) e, especialmente, naqueles com resposta            de dexclorfeniramina a 2 mg até quatro vezes ao
parcial ao tratamento. Adicionalmente, uma histó-        dia, associado a pseudoefedrina. O brometo de
ria ocupacional detalhada é importante também            ipratrópio tópico nasal pode ser usado, associado
para levantar a possibilidade de bronquite eosino-       ou isolado, para alívio da rinorréia, na dose de
fílica ocupacional.                                      dois jatos em cada narina três a quatro vezes ao
                                                         dia. Na presença da dor e irritação intensa da fa-
Tratamento e evolução                                    ringe, deve ser prescrito naproxeno a 500 mg, três
    A bronquite eosinofílica sem asma responde           vezes ao dia, durante cinco dias. Os anti-histamí-
bem ao tratamento com corticosteróides inalados,         nicos de última geração, não sedantes, associados
com a eosinofilia desaparecendo do escarro em            ou não a pseudoefedrina, como por exemplo a
duas semanas.(101) Apesar de a história natural da       loratadina, não parecem ter consistentes benefícios
bronquite eosinofílica ser controversa,(102-103) acre-   em controlar a tosse e outros sintomas do resfriado
dita-se que na maior parte dos casos ela é uma           comum, já que esses sintomas não são histamina
condição autolimitada(102) e que apenas uma mino-        dependentes. Os corticosteróides também não tra-
ria evolui para asma. Por outro lado, pacientes com      zem vantagens quando prescritos para aliviar os
tosse crônica e sem asma, que apresentem escarro         sintomas do resfriado comum.
sem eosinofilia (eosinófilos < 3%), não respondem            A infecção por vírus é reconhecida como a prin-
ao tratamento com corticosteróides inalatórios ad-       cipal causa de exacerbação de asma tanto em adul-
ministrados durante quatro semanas.(104) Pacientes       tos quanto em crianças. As células das vias aéreas
com bronquite eosinofílica ocupacional em geral          são o principal sítio da infecção viral e replicação,
apresentam regressão do quadro quando afastados          com liberação de uma série de mediadores pró-
da exposição.                                            inflamatórios. O vírus parece induzir uma disfun-
                                                         ção dos receptores muscarínicos M2 da via paras-
TOSSE PÓS-INFECCIOSA                                     simpática, resultando na liberação de acetilcolina
                                                         e maior responsividade brônquica. O vírus atua
    Pacientes com tosse raramente procuram as-           diretamente no receptor M2, ou indiretamente pela
sistência médica, à exceção das crianças e dos ido-      liberação de interferon-gama pelas células epiteliais
sos, cujos parentes são responsáveis em conduzi-         e pelos macrófagos. Os corticosteróides aliviam este
los a consultar o médico.                                processo, o que sugere influência taquicinérgica.
    A tosse que ocorre após infecção do trato res-           A sinusite bacteriana aguda é a segunda grande
piratório superior e inferior é considerada tosse        causa da tosse aguda pós-infecciosa, muitas ve-
pós-infecciosa.                                          zes indistinguível da rinossinusite aguda viral. Aos
    O resfriado comum é a causa mais freqüente.          pacientes com rinossinusite aguda viral, que não
Caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas        respondem ao tratamento descrito acima, devem
referentes à via aérea superior, como rinorréia, obs-    ser prescritos antibióticos quando apresentarem
trução nasal, ato de fungar e espirrar, corrimento       pelo menos dois dos seguintes sinais e sintomas:
pós-nasal, com ou sem febre, lacrimejamento, irri-       dor na face (maxilar), secreção nasal purulenta,


                                                                     J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
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anormalidade no teste da transiluminação dos seios      sona inalatória tem sido útil. O brometo de ipra-
paranasais, descoloração da secreção nasal. Não         trópio inalado parece atenuar a tosse pós-infeccio-
há necessidade de estudo radiológico dos seios          sa. Derivados da codeína e o dextromertofano
da face para se iniciar o uso do antibiótico, cuja      podem produzir alívio da tosse. Caso a tosse não
cobertura se faz necessária para H. influenzae e S.     desapareça num prazo de uma semana, deve-se
pneumoniae, isto é, amoxacilina associada ao áci-       realizar estudo radiográfico dos seios da face e, se
do clavulânico, a 500 mg de oito em oito horas,         houver espessamento da mucosa > 5mm, nível
por quatorze dias, ou fluoroquinolona de terceira       hidroaéreo ou opacificação, notadamente dos sei-
geração (levofloxacina, gatifloxacina, moxifloxa-       os maxilares e/ou frontal, deverá ser prescrito des-
cina) em dose diária, por quatorze dias. Deve-se        congestionante nasal (tópico) ou sistêmico e anti-
associar a dexclorfeniramina, com ou sem pseu-          bióticos por pelos menos três semanas, com co-
doefedrina, e descongestionante nasal tópico ao         bertura para H. influenzae e S. pneumoniae. Na-
antibiótico.                                            queles doentes com tosse e presença de roncos,
    A tosse aguda pós-infecciosa é uma manifes-         sibilos e estertores inspiratórios à ausculta do tó-
tação freqüente da pneumonia adquirida na co-           rax, com radiograma de tórax normal, prescrevem-
munidade. Na maioria dos casos, outros sinais e         se broncodilatadores e corticosteróides inalatórios.
sintomas estão presentes, porém, nos idosos, ne-        Na presença de secreção purulenta (notadamente
cessitamos de alto índice de suspeição clínica já       nas traqueobronquites) está indicado o uso de
que muitas vezes febre, dor torácica e calafrios        antibióticos visando ao S. pneumoniae. Nos pacien-
estão ausentes. A presença de tosse, alteração do       tes portadores de bronquite crônica, deve-se co-
comportamento e anormalidade no exame físico            brir também o H. influenzae e M. catharralis.
do tórax deve sempre levar à suspeita de pneumonia          Muitos adultos queixam-se de tosse prolonga-
adquirida na comunidade e início de antibiotico-        da após infecção de vias aéreas superiores, nota-
terapia, após um radiograma do tórax sugestivo.         damente secundária a infecção viral, com radio-
    A causa mais freqüente de tosse subaguda pós-       grama de tórax normal (freqüência de 11% a 25%).
infecciosa é a infecção aguda do trato respiratório     Durante epidemias de micoplasmose e coqueluxe,
superior sem evidências de pneumonia (radiograma        a freqüência aumenta para 25% a 50% em séries
de tórax normal). Na verdade, é a tosse do resfriado    selecionadas. Na população geral há uma média
comum ou da gripe que se prolonga por mais de           de freqüência de 2,2% de infecções respiratórias
três semanas. A tosse é o resultado de gotejamento      virais por indivíduo ao ano. Crianças acima de cinco
pós-nasal ou limpeza da garganta, secundária à          anos de idade têm de 3,8 a cinco infecções por
rinite. Na traqueobronquite com ou sem hiperres-        ano por criança. As crianças em creches têm maior
ponsividade transitória, a tosse é secundária ao        incidência. Os vírus respiratórios (influenza, parain-
aumento e retenção de secreção secundária à in-         fluenza, sincicial respiratório, adenovirus), o mico-
flamação em que os receptores da tosse são esti-        plasma, a B. pertussis, a Chlamydia pneumonie e a
mulados. A tosse pode durar semanas ou até me-          M. catharralis têm sido implicados nesses peque-
ses pela persistência da inflamação. Uma extensa        nos pacientes.
ruptura da integridade epitelial e extensa inflamação       Caso infecção pela B. pertussis tenha sido rela-
das vias aéreas superiores e inferiores ocorre nes-     tada na comunidade, ou haja história recente de
ses casos. A broncoscopia e a biópsia brônquica         contato com doentes com diagnóstico firmado de
revelam, na infecção pelo vírus da influenza A,         coqueluche, ou na presença de sintomas caracte-
extensa descamação epitelial no nível da mem-           rísticos de coqueluche, isto é, episódios de tosse
brana basal, com aumento do percentual de linfó-        ou “quintas" com “guinchos" seguidos de expecto-
citos e neutrófilos no lavado broncoalveolar. O         ração mucóide, várias vezes ao dia, espasmódica,
material de biópsia mostra uma bronquite linfocí-       principalmente à noite, associados a sudorese
tica. O tratamento é o mesmo descrito acima para        abundante, exaustão, congestão das conjuntivas,
tosse aguda pós-infecciosa acrescida de breve           turgência dos vasos do pescoço, sufocação e perda
curso de prednisona ou predinisolona a 30 a 40          da consciência (crianças maiores), devemos con-
mg/dia pela manhã, por três semanas. Nos casos          siderar o diagnóstico de coqueluche. A criança
de traqueobroquite por M. pneumoniae a flutica-         entra em apnéia e sobrevém uma inspiração for-


J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica                                                      S 421




çada, ruidosa e estridente, conseqüente à glote              Ensaios em adultos e crianças usando vacina
semicerrada, após uma expiração fixa. Vômitos após       antipertussis acelular, mais do que a vacina total,
as crises de tosse (whooping cough) são muito co-        sugerem futuro promissor na prevenção da doença,
muns em qualquer idade e é um importante indício         tanto em adultos como em crianças. Um grande
da doença em adolescentes e adultos. Não costu-          ensaio multicêntrico, aleatorizado, controlado,
ma haver febre. A infecção por B. pertussis é reco-      duplo cego, com vacina antipertussis acelular,
nhecida por causar tosse persistente em crianças,        numa população com idades entre quinze e 65
adolescentes e adultos, e é conhecida como “tos-         anos, foi realizado pelo Instituto Nacional de Aler-
se dos cem dias". Trata-se de uma infecção alta-         gia e Doenças Infecciosas dos EUA e publicado
mente contagiosa. Vem apresentando aumento de            em 2005. A vacina foi altamente efetiva, com taxa
incidência desde os anos 1980 em todas as faixas         de proteção de 92%, e muito segura. Devido ao
etárias, pelo declínio imunológico da vacinação.         sucesso da imunização foi recomendada a vacina-
O aumento da incidência tem ocorrido na faixa            ção isolada (não associada à antidiftérica e à anti-
etária de dez a dezenove anos. Em um estudo pros-        tetânica) para adolescentes entre onze e dezoito
pectivo no Canadá, em 19,9% dos adolescentes e           anos de idade e idosos acima de 65 anos.
adultos com tosse pós-infecciosa a etiologia era             O diagnóstico de tosse crônica pós-infecciosa
B. pertussis.                                            na maioria das vezes é de exclusão, principalmente
    Além das manifestações clínicas, o padrão ouro       quando secundária a infecção por vírus, com du-
para o diagnóstico da coqueluche é o isolamento          ração de mais de oito semanas.
da B. pertussis por meio de cultura do material              Como descrito acima para a tosse subaguda, em
obtido de esfregaço da nasofaringe. O exame tem          crianças, os vírus respiratórios (notadamente o sin-
rendimento maior (60% a 70% de crescimento)              cicial respiratório e o parainfluenza), o Mycoplasma
dentro das primeiras quatro semanas da doença.           pneumoniae , a Chlamydia pneumoniae e a B.
O exame sorológico pelo método ELISA para de-            pertussis têm sido implicados na etiologia da tosse
monstrar aumento de IgG antitoxina pertussis é o         crônica. A tosse crônica pode resultar de infec-
critério sorológico mais aceito para confirmar o         ções repetidas. A tosse por B. pertussis ou por in-
diagnóstico. Um exame pareado é necessário para          fecção por vírus pertussis-like pode resultar em
se afastar simples imunização de infecção, colhen-       tosse persistente prolongada.
do-se as amostras de soro na fase aguda e na con-            Outras infecções na infância, de ocorrência afe-
valescença. Aumento de quatro vezes da IgG é             bril, em cuja ausculta do tórax estão presentes es-
também consistente com a presença recente de             tertores inspiratórios, são causadas por Ureaplasma
infecção por B. pertussis. A especificidade é de         urealyticum, Cytomegalovirus, P. carinii e M.
63%. A técnica da reação em cadeia da polimerase         catharralis. Sarampo pode ser outra causa da tosse
é uma promessa, com especificidade de 100%.              nessa idade, associada ou não ao quadro clássico
    O antibiótico de escolha é a eritromicina, de        da doença.
preferência o estolato de eritromicina em doses              Nas infecções por Mycoplasma pneumoniae o
de 40 mg/Kg/dia para crianças e 2 g/dia para adul-       diagnóstico faz-se pela presença de títulos altos
tos, ambas divididas em quatro tomadas, ou os            de crioaglutinina, do tipo IgM e IgG, no sangue.
derivados atuais da eritromicina, ou seja, claritromi-       Não existe um teste padrão para o diagnóstico
cina a 1 g/dia, durante dez dias, ou azitromicina a      de Chlamydia pneumoniae, porém a pesquisa de
500 mg/dia, durante cinco dias. Antitussígenos,          anticorpos do tipo IgG e IGM pela técnica da mi-
hidratação oral e expectoração por fisioterapia res-     croimunofluorescência é aceita para o diagnóstico,
piratória estão indicados.                               assim como a cultura e a reação em cadeia da
    O doente deve ficar isolado em casa e perma-         polimerase.
necer ausente do trabalho e da escola por cinco              Outras causas de tosse crônica pós-infecciosa
dias após o início do uso do antibiótico. Parecem        são as bronquiectasias, sinusite crônica bacteriana,
destituídos de benefícios os antitussígenos, os beta     discinesia ciliar primária, fibrose cística, panbron-
agonistas e imunoglobulinas antipertussis. Profi-        quiolite difusa e, em nosso meio, a tuberculose
laxia deve ser iniciada nas duas primeiras semanas       pulmonar e a paracoccidioidomicose. A história
para os comunicantes.                                    clínica e o exame físico estreitam muito o diag-


                                                                     J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
Tosse crónica
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Tosse crónica

  • 1. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 403 TOSSE - DEFINIÇÃO nismo quando existe lesão ou disfunção ciliar, como acontece na mucoviscidose, asma e discinesia ciliar; A tosse constitui um sintoma de uma grande proteção contra arritmias potencialmente fatais (ao variedade de patologias, pulmonares e extrapul- originar aumento de pressão intratorácica) monares, e por isto mesmo é muito comum, sendo, com certeza, uma das maiores causas de procura Ato de tossir por atendimento médico. O ato de tossir está sob controle voluntário e Este sintoma produz impacto social negativo, involuntário, e consiste das fases inspiratória, com- intolerância no trabalho e familiar, incontinência pressiva e expiratória, seguindo-se a fase de rela- urinária, constrangimento público e prejuízo do xamento.(1) sono, promovendo grande absenteísmo ao traba- Quanto maior a fase inspiratória, maior será a lho e escolar, além de gerar grande custo em exa- eficácia da tosse. Assim, uma inspiração profunda mes subsidiários e com medicamentos. permite um maior volume torácico e dilatação dos brônquios, o que torna mais eficiente a segunda Classificação fase. Na fase compressiva existe fechamento da Aguda: é a presença do sintoma por um período glote por cerca de 0,2 segundos, e ativação do de até três semanas. diafragma e dos músculos da parede torácica e Subaguda: tosse persistente por período entre abdominal que, aumentando a pressão intratorá- três e oito semanas. cica até 300 mmHg, comprimem as vias aéreas e Crônica: tosse com duração maior que oito os pulmões. Na fase expiratória há uma abertura semanas. súbita da glote com saída do ar em alta velocida- de, podendo atingir fluxos de até 12 L/s, ocasio- nando o som característico da tosse. O fluxo expi- FISIOPATOLOGIA ratório na última fase da tosse é gerado mesmo mediante pequenas variações de pressão positiva Para que a troca de gases ocorra faz-se neces- intratorácica. Assim, a realização da tosse efetiva sária grande mobilização de ar para o interior das pode se dar mesmo em situações nas quais sejam vias aéreas, o que acarreta a inalação de partículas obtidas pressões bem abaixo das que podem ser que, na dependência de seu tamanho, podem al- produzidas pela musculatura expiratória.(2) Na fase cançar regiões cada vez mais distais. Sabe-se que de relaxamento há relaxamento da musculatura e o diâmetro necessário para haver penetração das retorno das pressões aos níveis basais. Dependen- partículas na traquéia é de 10 a 20 µ, e aquelas do do estímulo, essas fases podem resultar em abaixo de 2 µ podem atingir bronquíolos respira- tosse de intensidade leve, moderada ou grave. tórios e parênquima pulmonar. Existem dois mecanismos de depuração para Mecanismos de suspensão ou de diminuição da proteção das vias aéreas com relação à entrada de efetividade da tosse partículas procedentes do meio externo. O primeiro São mecanismos de supressão ou de diminuição é o clearance mucociliar, através do qual os movi- da efetividade da tosse: a presença de anormali- mentos ciliares impulsionam, no sentido cranial, dades ou alterações no arco reflexo, que podem uma fina camada de muco com partículas a serem tornar os receptores ineficazes ou pouco efetivos, depuradas. A tosse, ocorrendo por meio de ato principalmente após estimulação repetitiva, o que reflexo, é o segundo mecanismo envolvido neste pode ser observado em crianças ou idosos que sistema de proteção das vias aéreas inferiores, aspiraram corpos estranhos e apresentam muita podendo ser voluntária ou involuntária. tosse nos primeiros dias e depois diminuição ou Os principais benefícios da tosse são: elimina- cessação do ato de tossir (crianças com retardo ção das secreções das vias aéreas pelo aumento da de desenvolvimento neuropsicomotor grave e que pressão positiva pleural, o que determina compres- apresentam aspiração de líquidos podem apresentar são das vias aéreas de pequeno calibre, e através da pouca tosse depois de um tempo prolongado de produção de alta velocidade do fluxo nas vias aspiração); uso de medicamentos sedativos e nar- aéreas; proteção contra aspiração de alimentos, se- cóticos; dano decorrente de aumento de pressão creções e corpos estranhos; é o mais efetivo meca- sobre o centro da tosse (tumores de sistema ner- J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 2. S 404 voso central e hipertensão intracraniana); doenças olar com consolidação extensa, sem apresentar tosse. neuromusculares, pela menor capacidade de mo- Os impulsos da tosse são transmitidos pelo bilizar o ar na fase inspiratória, e comprometimento nervo vago até um centro da tosse no cérebro que da musculatura respiratória expiratória; cirurgias fica difusamente localizado na medula. Até hoje abdominais e torácicas; anomalias da laringe com não se conhece o local exato do centro da tosse.(6) ineficácia de abertura da glote (paralisia de cor- O centro da tosse pode estar presente ao longo de das vocais); e ineficácia de abertura da glote por sua extensão, já que ainda faltam evidências sig- procedimentos médicos (traqueostomia, tubo na- nificativas capazes de definir sua localização pre- sotraqueal). cisa no encéfalo (Figura 1).(3) O mecanismo de produção de tosse pode ser Os receptores da tosse pertencem ao grupo dos alterado, acarretando redução da velocidade de receptores rapidamente adaptáveis, que representam fluxo e de pressões necessárias para que se torne fibras mielinizadas, delgadas e contribuem para a um real mecanismo de defesa das vias aéreas. condução do estímulo, mas ainda permanece não Outro importante fator determinante da eficácia esclarecido seu potencial de indução de bronco- da tosse é a velocidade do fluxo aéreo produzido constricção.(5-6) na fase expiratória. A remoção do muco depende Os receptores rapidamente adaptáveis têm a ca- também da obtenção de elevada velocidade do gás, racterística de sofrerem rápida adaptação perante a que pode atingir aproximadamente 2.500 cm/s, o insuflação pulmonar mantida por cerca de 1 a 2 se- que favorece a suspensão de partículas do muco gundos, e são ativados por substâncias como trom- no lúmen da via aérea. Propriedades reológicas boxane, leucotrieno C4, histamina, taquicininas, me- do muco podem também interferir na capacidade tacolina e também pelo esforço inspiratório e expira- de mobilizá-lo pela tosse.(3) tório com a glote fechada. Agem sinergicamente com outros subtipos de nervos aferentes para gerar tosse. Anatomia e neurofisiologia do reflexo da tosse Receptores de adaptação lenta ao estiramento O reflexo da tosse envolve cinco grupos de com- também participam do mecanismo da tosse de for- ponentes: receptores de tosse, nervos aferentes, cen- ma ainda não definida.(7) tro da tosse, nervos eferentes e músculos efetores. Outro grupo de nervos aferentes envolvidos no O mecanismo da tosse requer um complexo mecanismo da tosse é o composto pelas fibras C, arco reflexo iniciado pelo estímulo irritativo em as quais não são mielinizadas, possuem a capaci- receptores distribuídos pelas vias aéreas e em lo- dade de produzir neuropeptídeos, têm relativa in- calização extratorácica. O início deste reflexo dá-se sensibilidade à distensão pulmonar e se ativam pelo pelo estímulo irritativo que sensibiliza os recepto- efeito da bradicinina e da capsaicina. Terminações res difusamente localizados na árvore respiratória, das fibras C brônquicas ou pulmonares mediam e posteriormente ele é enviado à medula. broncoconstricção. No entanto, o real papel das Os receptores da tosse podem ser encontrados fibras C na fisiopatologia da tosse tem sido alvo em grande número nas vias aéreas altas, da laringe de discussões na literatura, já que o transporte dos até a carina, e nos brônquios, e podem ser esti- estímulos da tosse ocorre preferencialmente através mulados por mecanismos químicos (gases), me- de fibras mielinizadas.(8) Há indícios de que as fi- cânicos (secreções, corpos estranhos), térmicos (ar bras C brônquicas possam inibir o reflexo da tosse. frio, mudanças bruscas de temperatura) e infla- Os receptores rapidamente adaptáveis interagem matórios (asma, fibrose cística). Também podem com estas fibras, que geram inflamação neurogê- apresentar receptores para tosse a cavidade nasal nica em resposta ao seu próprio estímulo (ácido e os seios maxilares (nervo trigêmio aferente), a cítrico, tabagismo, bradicinina) e, por sua vez, faringe (nervo glossofaríngeo aferente), o canal passam a liberar taquicininas, as quais ativam os auditivo externo e a membrana timpânica, a pleura, receptores rapidamente adaptáveis. Este ciclo in- o estômago (nervo vago aferente), o pericárdio e duz tosse na dependência do grau de ação nestes diafragma (nervo frênico aferente), e o esôfago.(4) receptores, já que mediante estímulo leve poderá Os receptores de tosse não estão presentes nos potencializá-la por mecanismo local e, sendo o alvéolos e no parênquima pulmonar. Portanto, um mesmo mais intenso, pode inibi-la por ação reflexa indivíduo poderá apresentar uma pneumonia alve- central.(9) J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 3. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 405 Figura 1 - Anatomia do reflexo da tosse Em regiões basais do epitélio respiratório en- nadas, deve-se considerar a possibilidade de se contram-se terminações nervosas, principalmente incluir, dentre os diagnósticos diferenciais, a bron- do tipo sensitivas, capazes de mediar inflamação quite eosinofílica, tosse variante da asma e a bron- neurogênica e liberar neuropeptídeos (taquicininas) quite linfocítica, por ordem de freqüência. Em tais como a substância P, neurocinina A e peptídeo patologias indutoras de tosse crônica está presente relacionado ao gene da calcitonina, que acarre- o componente inflamatório, com predomínio eo- tam, além das conseqüências relacionadas ao pro- sinofílico ou linfocítico, na dependência da etio- cesso inflamatório, a produção de tosse.(9) logia. (11) Destarte, a fisiopatologia da tosse crônica reúne Mecanismos inflamatórios um grupo de anormalidades que interferem no As principais causas de tosse crônica podem delicado arco reflexo, ativando receptores de fi- guardar entre si a característica comum de haver bras aferentes, notadamente relacionadas ao nervo envolvimento inflamatório incidindo nas vias aéreas. vago. Os receptores rapidamente adaptáveis e as Isso foi verificado pela existência de maior número fibras C modulam a resposta com participação de de mastócitos e eosinófilos nos pacientes não as- centros mais elevados, ainda pouco definidos. máticos e com tosse crônica do que nos controles As vias aéreas são freqüentemente colocadas utilizados. Foi também observada elevada concen- em contato com elementos estranhos ao seu meio. tração de eosinófilos em lavado broncoalveolar nos Por isso, o papel da resposta inflamatória brôn- portadores de tosse variante da asma e nos asmá- quica é identificável e preponderante para o en- ticos propriamente ditos, quando comparados ao tendimento desse importante sintoma que, possi- grupo controle.(10) velmente, se correlaciona à lesão epitelial com A inflamação da mucosa brônquica tem sido conseqüente exacerbação da sensibilidade das ter- confirmada também por biópsia nos portadores de minações nervosas aos estímulos.(11) No entanto, tosse crônica sem correlação com as etiologias mais esta afirmativa ainda carece de maior comprovação. comuns, como asma, doença do refluxo gastreso- Ressaltamos que a compreensão dos mecanismos fágico, síndrome do gotejamento pós-nasal, bron- fisiopatológicos auxilia na realização do diagnóstico quite crônica, bronquiectasias ou uso de inibidores diferencial dentre as diversas causas de tosse, bem da enzima conversora de angiotensina. Diante da como no estabelecimento do planejamento tera- negatividade da investigação para as causas mais pêutico, o que favorece a obtenção de melhores comuns, de acordo com as previamente mencio- respostas clínicas. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 4. S 406 TOSSE AGUDA Quadro 1 - Etiologia da tosse aguda Doenças com baixo risco de complicações e morte Apesar da falta de estudos prospectivos com Resfriado comum grande casuística, a experiência clínica indica que Sinusite aguda as maiores causas de tosse aguda são as infecções Gripe Rinite, laringite, traqueíte e faringite virais das vias aéreas superiores, em especial o res- Bronquite aguda friado comum, e das vias aéreas inferiores, com Exacerbação de doença pré-existentes destaque para as traqueobronquites agudas. (12) - crise leve de asma Outras causas comuns são as sinusites agudas, - bronquiectasia exposição a alérgenos e irritantes, e exacerbações - exacerbação leve da DPOC de doenças crônicas como asma, doença pulmonar - rinossinusopatias obstrutiva crônica (DPOC) e rinossinusites. Além Exposição a alérgenos ou irritantes dessas entidades com baixo risco de complicações, - ambientais ou ocupacionais outras doenças potencialmente graves como Drogas - inibidores ECA, β-bloqueadores pneumonias, edema pulmonar por insuficiência ven- tricular esquerda, embolia pulmonar e exacerba- Doenças com alto risco de complicações e morte ções graves de asma e DPOC podem manifestar-se Pneumonia com tosse aguda e, ao contrário das causas ante- Crise grave de asma ou DPOC Edema pulmonar por IVE riores, necessitam de intervenção precoce devido Embolia pulmonar ao risco de complicações (Quadro 1). DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; ECA: enzima A seguir descrevermos as características das conversora da angiotensina; IVE: insuficiência ventricular principais causas de tosse aguda. esquerda. Resfriado comum to.(15) Antitussígenos periféricos, expectorantes e O diagnóstico é altamente sugestivo em paci- mucolíticos têm pouco valor no tratamento da tos- entes com doença das vias aéreas superiores carac- se aguda.(16-17) Os antibióticos não devem ser usa- terizada predominantemente por tosse, sintomas dos de rotina, apesar da grande dificuldade de di- nasais como rinorréia mucosa ou hialina, espirros, ferenciação entre resfriado e sinusite bacteriana, e obstrução nasal e drenagem pós-nasal de secre- desta complicar o resfriado em 1% a 5% dos casos. ções, concomitantes a lacrimejamento, irritação da garganta, ausculta pulmonar normal, com ou sem Traqueobronquite aguda febre.(13) A traqueobronquite aguda é responsável por Na etiologia estão envolvidos mais de 200 vírus, mais de 10 milhões de consultas médicas por ano em especial rinovírus, coronavírus, parainfluenza, nos EUA. Apesar de todos os avanços na área da vírus respiratório sincicial, adenovírus e enterovírus. saúde, persiste como um dos maiores motivos de Quanto à fisiopatogenia, há gotejamento nasal uso desnecessário de antibióticos. posterior e aumento da sensibilidade dos recepto- O diagnóstico provável dá-se com o paciente res aferentes das vias aéreas inflamadas. com infecção respiratória aguda manifestada predo- Com relação à propedêutica, em estudos tomo- minantemente por tosse, com ou sem expectoração, gráficos o acometimento dos seios da face aproxi- que pode ou não ser purulenta, com duração in- ma-se de 80%, e as alterações usualmente são indis- ferior a três semanas, e sem evidência clínica e/ou tinguíveis daquelas da sinusite bacteriana.(14) Estas radiológica de resfriado comum, sinusite, exacer- anormalidades resolvem-se espontaneamente em bação da DPOC ou crise de asma.(18) menos de vinte dias, inclusive nos casos com ní- A etiologia é viral na maioria dos casos, espe- veis hidroaéreos. Por este motivo, não são indica- cialmente por influenza A e B, parainfluenza e dos estudos de imagem, especialmente radiografia vírus respiratório sincicial. Em menos de 10% das dos seios da face, na primeira semana de resfriado. bronquites agudas são identificadas bactérias e Os anti-histamínicos de primeira geração asso- nestes casos as mais comuns são o Mycoplasma ciados a descongestionantes de longa duração são pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e oca- os medicamentos mais eficazes para o tratamen- sionalmente a Bordetella pertussis. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 5. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 407 A traqueobronquite aguda pode causar obs- nato, macrolídeos, cefalosporina de segunda ge- trução do fluxo aéreo e hiperresponsividade brôn- ração e até quinolonas respiratórias (moxifloxaci- quica transitórias, com duração inferior a seis se- na e levofloxacina).(23) A solução salina isotônica manas, em até 40% dos pacientes. ou hipertônica e os vasoconstrictores sistêmicos Quanto ao tratamento, não existe medicação podem ser usados por poucos dias. Os corticoste- eficiente para a tosse da bronquite aguda. Os an- róides orais devem ser reservados para casos mais titussígenos têm pequeno efeito e os mucolíticos graves, com grande edema das mucosas e por curto não são indicados.(16) Broncodilatadores podem ser período de tempo, inferior a sete dias. úteis se houver indícios clínicos ou funcionais de obstrução do fluxo aéreo. Estão indicados os ma- Gripe crolídeos em situações especiais como epidemias O diagnóstico da gripe não é difícil quando o por atípicos e/ou quadro clínico sugestivo de co- paciente apresenta síndrome aguda caracterizada queluche, contato com infectados, tosse emeti- por manifestações constitucionais como febre alta, zante e guincho, com duração de sintomas inferior calafrios, prostração, fadiga, mialgia, cefaléia, sin- a duas semanas. tomas de vias aéreas superiores e inferiores, com destaque para tosse e coriza, e sintomas oculares Sinusite aguda como lacrimejamento, fotofobia e hiperemia das A rinossinusite aguda viral é pelo menos vinte conjuntivas. Em algumas situações pode ser difícil vezes mais freqüente do que a bacteriana e ambas diferenciar a gripe da sinusite bacteriana aguda e são causas comuns de tosse aguda.(19) O acometi- pneumonia, principalmente quando há rinorréia e/ mento dos seios da face é comum nos resfriados, ou expectoração purulenta. Em caso de dúvida, gripes e exacerbações das rinites. A rinossinusite deve-se realizar hemograma, dosagem de proteí- bacteriana complica de 1% a 5% das infecções na-C e exames de imagens para esclarecimento do virais de vias aéreas superiores. diagnóstico. A suspeita de rinossinusite bacteriana deve As causas mais importantes da gripe são os ví- ocorrer quando os sintomas de uma virose das vias rus influenza A e B, especialmente em surtos epi- aéreas superiores pioram após o quinto dia ou dêmicos. persistem por mais de dez dias.(19-20) O tratamento é fundamentalmente sintomático, A presença de dois ou mais sinais maiores ou com hidratação oral e uso de antitérmicos e anal- de um sinal maior e dois menores são altamente gésicos. Anti-histamínicos de primeira geração sugestivos de sinusite aguda.(21-22) São sinais maio- associados a descongestionantes podem ser úteis res: cefaléia, dor ou pressão facial, obstrução ou nos casos de tosse com drenagem pós-nasal. An- congestão nasal, secreção nasal ou pós-nasal pu- titussígenos e anti-inflamatórios têm pouco valor rulenta, hiposmia ou anosmia, e secreção nasal ou terapêutico. pós-nasal purulenta ao exame. São sinais menores: febre, halitose, odontalgia, otalgia ou pressão nos Exacerbação de doença pré-existente ouvidos e tosse. Na avaliação do paciente com tosse aguda é O valor da radiografia de seios da face é con- fundamental identificar, através da história clínica, troverso. Ela não é acurada para várias regiões da exame físico e quando necessário de propedêutica, face, tem pouca utilidade para diferenciar infecção casos de tosse devidos a crise de asma, exacerbação bacteriana de viral ou alterações alérgicas, e baixa da DPOC, bronquiectasias infectadas e descontrole relação entre custo e benefício, mesmo nos casos de rinossinusopatia. em que existe dúvida diagnóstica após história e As exacerbações da DPOC devidas a traqueo- exame físico.(19,23) bronquites bacterianas caracterizam-se pela piora Não há necessidade de tratamento da sinusite da dispnéia, mudança do aspecto do escarro para viral que apresenta sintomas leves e resolução es- purulento e aumento do volume da expectoração. pontânea. Para as sinusites bacterianas preconiza-se Na DPOC leve ou moderada, em pacientes com amoxacilina por sete a dez dias. Dependendo da poucas exacerbações por ano, os agentes etiológi- resistência local, evolução e uso prévio de antibió- cos mais freqüentes são: Haemophilus influenzae, ticos, podem ser usados amoxacilina com clavula- Streptococcus pneumoniae e Moraxella catarrhalis. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 6. S 408 Nos pacientes graves, com co-morbidades ou muitas monia, edema pulmonar cardiogênico, crise grave exacerbações, predominam as infecções por Gram- de asma ou DPOC, e embolia pulmonar, geralmente negativos entéricos, pseudomonas e S. pneumoniae não são difíceis de serem diagnosticadas quando resistente a penicilina.(24) causam tosse, uma vez que raramente se manifes- O tratamento da exacerbação infecciosa da tam isoladamente por este sintoma. O sucesso do DPOC inclui o uso de broncodilatadores, corticos- manejo depende da instituição de propedêutica teróides, oxigênio e antibióticos. O uso racional adequada e terapia específica para cada doença. de antibióticos na traqueobronquite da DPOC ba- seia-se na sua gravidade, presença de co-morbi- Tosse subaguda dades e número de exacerbações por ano:(24) qua- No Ι Consenso Brasileiro sobre Tosse realizado dro leve a moderado, sem outras co-morbidades e em 1997, tosse com duração superior a oito se- poucas exacerbações por ano - β-lactâmico asso- manas era classificada como crônica.(13) Aplican- ciado a inibidor de β-lactamase, cefuroxima ou do-se o algoritmo de manejo proposto o sucesso macrolídeo; quadro leve a moderado, com co-morbi- terapêutico chegava a mais de 90% (Quadro 2). dades ou muitas exacerbações por ano - antibióticos No Consenso Norte-Americano de Tosse publi- anteriores mais moxifloxacino, levofloxacina, ou cado em 2006 foi proposta nova classificação na telitromicina; quadros graves, com ou sem co-mor- qual a tosse com duração superior a três e inferior bidades e com muitas exacerbações por ano - mo- a oito semanas foi definida como tosse subagu- xifloxacino, levofloxacina, gatifloxacina ou cipro- da.(12) Os autores deste documento destacam a floxacino (suspeita de pseudomonas). ausência de publicações sobre a etiologia da tosse subaguda e reafirmam que as orientações de ma- Exposição a fatores irritantes ou alérgicos nejo são baseadas na opinião de seus integrantes. Na avaliação de pacientes com tosse aguda é Segundo a diretriz norte-americana, uma das fundamental pesquisar a exposição a fatores alér- causas mais comuns de tosse subaguda é a tosse gicos, ambientais ou ocupacionais que tenham pós-infecciosa, ou seja, aquela que acomete paci- relação temporal com o início ou piora da tosse. entes que tiveram infecção respiratória recente e O afastamento da exposição, quando não houver não foram identificadas outras causas. Uma vez doença respiratória pré-existente, como asma ou afastada a etiologia pós-infecciosa, o manejo será rinite, pode tornar desnecessário o uso de medi- o mesmo da tosse crônica. camentos para controle dos sintomas. Tosse pós-infecciosa Uso de medicamentos capazes de causar tosse O diagnóstico é realizado por exclusão, e de- É essencial identificar o uso de medicamentos vem ser considerados três aspectos fundamentais:(3) capazes de causar tosse como os inibidores da tosse com duração superior a três e inferior a oito enzima conversora da angiotensina (captopril, ena- semanas; avaliação clínica detalhada sem identifi- lapril, etc) e os beta-bloqueadores. Os primeiros, cação de uma causa; história de infecção das vias por causarem tosse irritativa, sem expectoração em aéreas nas últimas três semanas. 10% a 20% dos seus usuários, que geralmente é A fisiopatogenia é multifatorial, com extensa diagnosticada antes de três semanas de uso. E os inflamação e lesão epitelial das vias aéreas, com β-bloqueadores, inclusive na forma de colírios, por ou sem hiperresponsividade transitória. Outros fa- piorarem a obstrução das vias aéreas de pacientes tores que podem contribuir são a drenagem pós- com asma ou DPOC, e causarem tosse com ou sem nasal, acúmulo de secreções nas vias aéreas infe- dispnéia e chiado. riores e agravamento de refluxo gastresofágico Em geral, a tosse causada por medicamentos devido a alterações no gradiente pressórico tóraco- melhora em poucos dias após a suspensão dos abdominal durante a tosse. mesmos. Quando necessário, deve-se utilizar bron- A etiologia relaciona-se, em geral, a infec- codilatadores e/ou corticosteróides. ções virais, ocasionalmente após infecções por B. pertussis, M. pnuemoniae e C. pneumoniae . Doenças potencialmente graves A tosse em geral é auto-limitada e resolve-se As doenças potencialmente graves, como pneu- em poucas semanas. Não há tratamento específico. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 7. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 409 Quadro 2 - Algoritmo da tosse aguda e subaguda TOSSE AGUDA - Duração inferior a três semanas História e exame físico minuciosos. Exames propedêuticos em situações especiais. 1α questão - Doença potencialmente grave ou não? Etiologia: Doenças com baixo risco de complicações e morte - resfriado, gripe, sinusite aguda, traqueobronquites agudas, rinite, exposição a alérgenos e irritantes, medicamentos, exacerbações de asma, DPOC e rinossinusites. Doenças com maior risco de complicações ou morte - exacerbações graves de asma, DPOC ou rinossinusites, pneumonia, edema pulmonar cardiogênico e embolia pulmonar. TOSSE SUBAGUDA - Duração entre três e oito semanas História e exame físico minuciosos. Exames propedêuticos em situações especiais. 1α questão - Pós-infeciosa ou outra causa? Etiologia: Pós-infecciosa - história recente de virose. Outras causas - as clássicas da tosse crônica como asma, síndrome das vias aéreas superiores (rinossinusites), doença do refluxo gastresofágico e bronquite eosinofílica, e doenças broncopulmonares evidenciadas pela história clínica, exame físico e/ou exames de imagens. Deve-se considerar o uso de brometo de ipratró- resultado da bronquite crônica, ou pode ser seca pio e corticosteróides por via inalatória.(20) Em ca- como resultado dos efeitos irritantes da fumaça sos mais intensos, com grande repercussão na qua- do cigarro. lidade de vida, deve-se testar o efeito de predni- Exames de função pulmonar podem revelar si- sona ou prednisolona a 30 a 40 mg por dia, por nais de obstrução ao fluxo aéreo. A produção de cinco a sete dias.(25) O uso de antibióticos deve ser volumes significativos (mais de uma xícara por dia) reservado para casos em que haja alta probabili- de expectoração pode sugerir algumas patologias. dade de infecção bacteriana, como nos surtos de A mais comum delas é a bronquiectasia, em que traqueobronquite por micoplasma. Diante de um freqüentemente as secreções são purulentas e rela- caso de coqueluche, só se justifica o uso de ma- cionadas com a mudança postural. O exame físico crolídeo se a tosse tiver duração inferior a catorze pode revelar baqueteamento digital, halitose e es- dias (tosse aguda). tertores localizados ou difusos, além de sinais de obstrução ao fluxo aéreo. O diagnóstico destas HISTÓRIA CLÍNICA E EXAME FÍSICO DO causas de tosse produtiva é normalmente direto, e PACIENTE COM TOSSE CRÔNICA estratégias para intervenção e tratamento estão bem definidas. (31) Uma história clínica cuidadosa permite um diag- A tosse seca ou pouco produtiva é um dos nóstico clínico na maioria das vezes, sem a neces- maiores desafios diagnósticos. Uma história de sidade de investigação adicional ou de tentativas terapia com inibidores de enzima de conversão da terapêuticas, sendo esta anamnese e o exame físi- angiotensina ocorre apenas em até 15% de paci- co a primeira etapa na investigação da tosse crô- entes usuários de enzima de conversão da angio- nica. Estes dois instrumentos têm sido úteis no tensina que desenvolvem tosse seca logo após o diagnóstico da tosse em até 70% dos casos.(26-27) início da terapia.(32) A tosse normalmente diminui No Brasil, dois estudos relatam valores semelhan- com a cessação do tratamento, mas a resolução tes, um em um centro terciário(28) e outro em um completa pode demorar vários meses e pode per- hospital geral.(29) sistir em uma pequena minoria de pacientes por A história de tabagismo e a quantidade e ca- longo tempo. racterísticas da expectoração devem ser muito bem A infecção respiratória de vias aéreas superiores detalhadas. A tosse crônica em fumantes de cigarro é acompanhada freqüentemente por tosse que é dose-relacionada(30) e pode ser acompanhada de normalmente diminui rapidamente com o passar expectoração mucóide ou mucopurulenta, como do tempo. (33-34) Porém, em indivíduos previamente J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 8. S 410 hígidos, esta tosse seca pode persistir por longo rir muito pode precipitar o refluxo e a tosse. A tempo após a infecção.(35) doença do refluxo gastresofágico é mais comum Vários estudos mostraram que em indivíduos em pacientes com sobrepeso ou obesos embora não fumantes, com radiografia de tórax normal e não se restrinja a eles. que não estejam utilizando enzima de conversão Os sintomas sugestivos de asma, rinossinusite da angiotensina, a tosse normalmente é ocasionada ou doença do refluxo gastresofágico estão pre- por três condições, asma, rinossinusite ou a doença sentes em cerca da metade dos pacientes que pro- do refluxo gastresofágico, e duas causas podem curam uma clínica especializada.(37) Embora a tos- estar presentes no mesmo indivíduo.(36-37) Sintomas se possa ser o único sintoma presente nestas con- sugestivos destas doenças podem estar ausentes, dições,(39-40) não devemos deixar de realizar uma mas importantes informações na história freqüente- história detalhada e exame físico completos. mente não são reconhecidas. Alterações no exame físico são raras nestes pacientes com tosse crônica. IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA Dispnéia, opressão no peito, chiado e cansaço fácil, além da tosse, sugerem fortemente o diag- A qualidade de vida, no que se refere estrita- nóstico de asma, mas estes sintomas podem estar mente à saúde orgânica, e principalmente quanto completamente ausentes e esta condição denomi- às manifestações respiratórias, suscita que se con- na-se, então, tosse variante de asma. Variabilidade siderem vários ditames essenciais para o bem es- do pico de fluxo nas medidas diárias e exacerbação tar do indivíduo. Adicionalmente se sabe que a noturna são sinais muito sugestivos desta condição. tosse é a queixa respiratória que conduz mais fre- A tosse pode ser estimulada pelo exercício e/ qüentemente o indivíduo a atendimento médico. ou contato com ar frio, mas isto também acontece Quatro estudos longitudinais(41-44) documenta- com pacientes não asmáticos. O chiado pode ser ram que a tosse constitui uma das causas mais encontrado no exame físico, mas freqüentemente importantes de subversão da qualidade de vida é ausente nos pacientes com tosse variante de humana. Além desses quatros trabalhos, neste cor- asma. No Brasil, um estudo não encontrou relação rente ano, publicou-se excelente revisão sobre entre as respostas positivas a um questionário de complicações da tosse.(45) tosse e o tratamento em pacientes com tosse varian- Em ordem cronológica, o primeiro estudo ci- te de asma.(38) tado foi o Sickness Impact Profile, publicado em A presença de rinossinusite pode ser sugerida 2002,(4¹) o qual enfatizou queixas não específicas por uma história de obstrução ou congestão na- para certas doenças ou disfunções e, em contra- sais, rinorréia, espirros, secreção purulenta, dor partida, utilizou um critério no qual se quantificava facial e drenagem retronasal (sensação de secre- o desempenho das atividades usuais de cada dia. ções que gotejam por trás da garganta). O exame As disfunções relacionadas com doenças, em paci- da faringe pode revelar eritema, um “atapetamento" entes com tosse crônica, é mais provavelmente psi- da mucosa da faringe posterior e a presença de cológica em sua patogenia.(42) Enquanto o Sickness secreção mucóide ou purulenta. Infelizmente, Impact Profile não tiver sido testado psicotecni- muitos sinais e sintomas faríngeos também acon- camente para qualificar os efeitos da tosse, esse tecem na doença do refluxo gastresofágico. documento, que utilizou a intervenção “com tra- A doença do refluxo gastresofágico pode ser tamento", antes e depois, deixa a conclusão de suspeitada quando da presença de sintomas como que a tosse crônica estava associada a uma deterio- dispepsia e azia, mas recentemente são reconhe- ração significativa na qualidade de vida do pacien- cidos também sintomas como voz rouca e afonia. te, e que a disfunção relacionada à doença era mais O refluxo normalmente é causado por relaxamento provavelmente devida a fatores psicológicos.(43) passageiro do esfíncter inferior do esôfago.(35) As- O segundo estudo utilizou um questionário sim, a tosse pode acontecer durante ou após as valorizando a qualidade de vida e foram identifi- refeições ou mesmo quando o indivíduo mantém cadas as 28 razões mais comuns que conduziam a posição supina, dobrando-se ou inclinando-se. o paciente a procurar o atendimento médico por A tosse normalmente diminui durante o sono e ao causa da tosse.(42) Configurou-se uma ferramenta se adotar uma postura vertical. O ato de falar ou confiável e válida na avaliação do impacto da tosse J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 9. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 411 aguda e crônica em adultos, e um método válido Usualmente a tosse é acompanhada de disp- para se determinar a eficácia de esquemas de tra- néia e chiado no peito em pacientes com asma, tamento da tosse crônica. entretanto, em alguns indivíduos, a tosse pode A comparação dos escores do questionário ser o único sintoma da doença. Esta condição é obtidos de tossidores crônicos e agudos mostrou conhecida como tosse variante de asma (TVA).(46) que, enquanto os escores eram similares entre si, O reconhecimento da TVA no diagnóstico dife- eles eram, ambos, significativamente mais altos do rencial de tosse crônica, portanto, é muito impor- que aqueles do grupo controle e fumantes que tante, embora seus mecanismos fisiopatológicos não se queixavam da tosse. ainda não sejam completamente entendidos. Comparando-se com os indivíduos controles, Pacientes com TVA parecem ser um subgrupo os pacientes com tosse crônica queixavam-se sig- distinto de asmáticos, com também distintas ca- nificativamente mais de: sintomas físicos (por racterísticas.(46) exemplo, perda do apetite, tontura, sudorese, rou- Estes indivíduos apresentam receptores da tosse quidão, dispnéia, insônia, dores no corpo e exaus- mais sensíveis a diferentes substâncias inaladas tão); sintomas psicossociais (“a família não con- quando comparados a asmáticos e pessoas nor- segue tolerá-los", dificuldade de falar ao telefone, mais,(47-48) porém demonstram um grau de hiper- embaraço, perturbação porque outros pensam que responsividade à metacolina menos intenso do que haja algo errado); perturbação no desempenho o observado em pacientes com asma.(49) funcional (por exemplo, ausências prolongadas de As alterações inflamatórias das vias aéreas de habilidades para certas atividades, dificuldade de pacientes com TVA são semelhantes às encontradas engajar-se em grupos e por isso obrigados a mu- na asma: infiltração eosinofílica e espessamento dar o estilo de vida); eventos que afetavam adver- subepitelial da mucosa brônquica, provocando samente seu bem estar emocional (por exemplo, remodelamento das vias aéreas.(10, 50-51) temor excessivo de contrair tuberculose ou sín- O fator de crescimento endotelial vascular é drome da imunodeficiência adquirida); sintomas um dos mais potentes indutores da proliferação físicos importantes (por exemplo, enjôo no estô- celular endotelial, além de aumentar a permeabili- mago e vômitos); e temores pessoais de insegu- dade vascular de proteínas plasmáticas, contribu- rança e hipocondria (temor de possuir alguma indo para a fisiopatogenia da asma. Um estudo doença grave). recente, com o objetivo de examinar os níveis de O terceiro estudo, realizado em Leicester, que fator de crescimento endotelial vascular em paci- se dedicou à avaliação psicométrica, foi válido e entes com TVA, analisou amostras de escarro in- não introduziu alterações significativas. duzido de doze controles, dezesseis pacientes com O quarto estudo, que dispôs de grupo controle TVA e dezesseis pacientes com asma. Observou-se com fumantes que não tossiam, revelou que as que os níveis de fator de crescimento endotelial mulheres com tosse crônica mais freqüentemente vascular foram significativamente maiores nos por- procuravam o médico e temiam estar doentes por tadores de asma e TVA quando comparados aos razões menos graves do que os homens. controles. Além disso, foram significativamente Em conjunto, as mulheres em geral apresen- maiores em asmáticos do que em pacientes com tam limiar para surgimento da tosse mais baixo TVA, podendo ser esta a diferença responsável pelas que os homens. As mulheres com tosse crônica características distintas das duas patologias, já que são inclinadas a procurar mais atendimento médico o processo inflamatório é similar.(52) do que os homens, porque parecem ser mais atentas Os pacientes com TVA freqüentemente apre- por apresentarem desconforto por incontinência sentam exame físico e função pulmonar normais. urinária, o que provoca repercussão psicossocial O diagnóstico de TVA pode ser feito através de como, por exemplo, temor de engravidar. um teste de broncoprovocação com metacolina positivo, mas o diagnóstico definitivo somente ASMA E TOSSE ocorrerá após resolução da tosse com um trata- mento específico para asma. (46, 53) A asma é uma das principais causas de tosse crô- Alguns autores, com o objetivo de comparar a nica em adultos não tabagistas (24% A 29%).(27, 46) prevalência e o nível de resposta máxima de platô J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 10. S 412 à metacolina na TVA e asma, estudaram 83 pacien- de 75,7% no grupo do montelukaste e 20,7% no tes com TVA e 83 pacientes com asma. Observaram grupo do placebo.(57) que os níveis de resposta máxima das vias aéreas, Pacientes com tosse crônica devem ser sempre na curva dose-resposta da metacolina, foram sig- investigados para a possibilidade diagnóstica de nificativamente menores em portadores de TVA asma, já que esta é uma condição relativamente quando comparados aos asmáticos. Pacientes com comum em que a tosse costuma estar presente. TVA apresentam com mais freqüência um platô na Muitas vezes, a tosse é o único sintoma encontra- curva dose-resposta da metacolina. Os asmáticos do nestes doentes. apresentam um estreitamento progressivo das vias aéreas, sem platô.(54) ÓXIDO NÍTRICO EXALADO NO O tratamento de pacientes com TVA é seme- ALGORITMO DE INVESTIGAÇÃO DE TOSSE lhante ao utilizado na asma. Uma melhora parcial é obtida com o uso de broncodilatadores inalató- O óxido nítrico tem sua concentração no ar exa- rios, mas a resolução completa da tosse, usual- lado elevada em pacientes com asma, bronquiecta- mente, ocorre após oito semanas de tratamento sias e infecção viral aguda. Essa fração diminui com com corticóide inalatório.(46, 55) o uso de corticosteróides, refletindo redução da Em pacientes com TVA grave e/ou refratária ao inflamação. Paralelamente, a inflamação das vias tratamento inicial com corticóide inalatório, um aéreas é um evento comum em pacientes com diag- curso curto de corticóide oral deve ser instituído, nóstico de tosse crônica que têm asma, rinossinusi- seguido do uso de corticóide inalatório.(46, 53) te, refluxo gastresofágico e tosse por enzima de A hiperresponsividade das vias aéreas à meta- conversão da angiotensina como causa básica. colina e a sensibilidade do reflexo da tosse à cap- A medida da concentração de óxido nítrico no ar saína foram examinadas em vinte pacientes com exalado tem sido sugerida como um método simples TVA. Três dos oito pacientes que não utilizaram e não invasivo de monitorar a inflamação no trato corticóide inalatório por longo prazo desenvolve- respiratório, e também por um possível papel no diag- ram asma. Nenhum dos doze pacientes que utili- nóstico clínico de algumas situações clínicas.(58-59) zaram corticóide inalatório apresentou a doença. Como o diagnóstico final da causa de tosse ge- A concentração de estímulo necessária para pro- ralmente requer procedimentos invasivos ou inter- vocar uma queda do volume expiratório forçado vencionistas, a mensuração do óxido nítrico no ar ao final do primeiro segundo de 20% em relação exalado tem sido considerada como uma ferramenta ao seu basal aumentou de 1,80 para 10,7 mg/ml potencialmente útil para a identificação da causa em pacientes que utilizaram corticóide inalatório básica da tosse, principalmente quando esta não é (p = 0,0171), mas não se alterou em pacientes que tão evidente. não estavam em tratamento. A concentração de Estudando 38 pacientes não fumantes com tosse capsaína necessária para provocar cinco ou mais crônica, 44 asmáticos e 23 controles sadios, alguns episódios de tosse não se modificou após o uso autores(59) encontraram valores de óxido nítrico no de corticóide inalatório. Os autores concluíram que ar exalado significativamente mais altos naqueles ca- o corticóide inalatório reduz a hiperresponsivida- sos em que a asma foi a causa final atribuível aos de das vias aéreas, sem alterar a sensibilidade do sintomas, quando comparada aos controles sadios e reflexo da tosse.(56) casos não asmáticos. A sensibilidade e a especifici- Os antagonistas dos leucotrienos parecem tam- dade do método para detectar asma usando 30 ppb bém ser efetivos no tratamento da TVA. Alguns como ponto de corte foram de 75% e 87%, respec- autores, com o objetivo de verificar a eficácia do tivamente. Os valores preditivos positivo e negativo montelukaste no tratamento da TVA, avaliaram foram de 60% e 93%. A conclusão foi a de que catorze pacientes que receberam a droga ou pla- valores baixos de óxido nítrico no ar exalado pratica- cebo por quatro semanas. Evidenciaram que a fre- mente excluem o diagnóstico de asma, o que revela qüência da tosse melhorou de forma significativa seu potencial papel no diagnóstico de tosse crônica. a partir da segunda semana de tratamento com A European Respiratory Society inseriu a medida montelukaste. Ao final do estudo, a porcentagem do óxido nítrico no ar exalado no seu algoritmo média de melhora da tosse em relação ao basal foi diagnóstico de tosse crônica.(53) J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 11. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 413 TOSSE EM DOENÇA PULMONAR Segunda afirmação: em pacientes com DPOC OBSTRUTIVA CRÔNICA estável o aparecimento de tosse crônica ou a mu- dança de sua característica determinam necessi- A suspeição clínica de doença pulmonar obs- dade de investigar doenças associadas como agen- trutiva crônica (DPOC) baseia-se na simultaneidade tes etiológicos, sendo que o refluxo gastresofági- de exposição ambiental (fumaça do cigarro é o co, a síndrome do gotejamento pós-nasal, o uso principal agente) e sintomas respiratórios (sendo de medicamentos e neoplasia são os principais a tosse o mais freqüente e importante). A confir- causadores. mação é feita com a realização da espirometria, A tosse provocada pela exacerbação de DPOC cujas alterações confirmam e estadiam a doença.(60) deve ser avaliada pela presença (aumento do vo- Um dos principais motivos que levam um paciente lume) e pela qualidade (purulência) do escarro, com DPOC ao médico é a tosse crônica, permitindo bem como pelo grau de piora da dispnéia (critérios então o diagnóstico da doença. Nesta situação o de Anthonisen). Havendo a presença de pelo me- melhor e mais eficiente tratamento é o abandono nos dois dos três critérios de Anthonisen o uso de do tabagismo ou da exposição ambiental, causa- antibióticos está correto. O uso de corticóide oral dores da doença, o que leva cerca de 90% dos ou injetável está indicado em exacerbações mo- indivíduos a melhorarem o quadro de tosse.(61) deradas e graves. Pacientes com tosse crônica devem ser inves- Os antibióticos, broncodilatadores inalados e tigados intensivamente para se definir um diagnósti- corticóides são úteis no tratamento das exacerba- co. Tosse e produção de escarro na maior parte dos ções, porém seus efeitos sobre a tosse não têm dias, por no mínimo três meses em pelo menos dois sido avaliados de modo sistemático. Nesta situa- anos consecutivos, exposição a irritantes da via aérea ção, os trabalhos científicos não demonstram vanta- pelo tabagismo (cigarros, charutos, cachimbo, etc), gem no uso de expectorantes, drenagem postural, tabagismo passivo, exposição a agentes nocivos no fisioterapia e uso de teofilina.(63) trabalho (fumaça, vapores, etc) ou em domicílio Em DPOC estável, trabalhos mostram que o uso (fogão a lenha, por exemplo) levam ao diagnóstico de β2 agonistas de curta duração inalados, bro- de bronquite crônica, na ausência de outras doen- meto de ipratrópio, teofilina oral e associação de ças respiratórias ou cardíacas capazes de causar tosse β2 agonistas de longa duração e corticóide inala- crônica. Nesta situação a espirometria serve para tório podem melhorar a tosse. O uso de brometo definir o diagnóstico de DPOC e estadiar a doença. de ipratrópio inalado reduz a tosse e diminui o Outros exames, como a radiografia de tórax, ser- volume de produção do escarro.(64) vem para afastar co-morbidades. O uso de β2 agonistas de curta duração não Primeira afirmação: o afastamento do tabaco ou parece interferir na tosse do paciente, porém atua dos agentes irritantes causadores de DPOC é o me- na melhora da dispnéia. O uso da associação β2 lhor tratamento da tosse destes pacientes (nível de agonistas de longa duração e corticóide inalado evidência: bom; benefício: elevado; nível de reco- está indicado em pacientes com doença grave e mendação A). com exacerbações freqüentes. O brometo de tio- Em pacientes já diagnosticados e em acompanha- trópio atua como broncodilatador, não tendo, apa- mento por DPOC, o surgimento de tosse crônica ou rentemente, efeito sobre a tosse. (64) A teofilina em mudança na característica da tosse usual obrigam- DPOC estável parece diminuir a tosse e pode ser nos a buscar o diagnóstico causal. Deve-se lembrar empregada, com os cuidados para se evitar toxici- de situações associadas à doença de base e que o dade e efeitos adversos, devendo porém ser evita- mesmo agente etiológico de DPOC o é também do da na exacerbação, pelo risco de eventos adversos câncer de pulmão,(62) de laringe e de esôfago. Deve-se ser maior que o possível benefício.(65) ressaltar a maior incidência de refluxo gastresofágico, O uso profilático de antibióticos, corticóide tanto pela faixa etária quanto pelo maior número de oral, expectorantes, drenagem postural e fisiote- medicamentos (também outra causa freqüente de tos- rapia respiratória não demonstraram efetividade se crônica) ingeridos pelos pacientes. Quadros infec- no controle da tosse na DPOC e não são indica- ciosos virais ou bacterianos também aparecem com ções para controle e redução da tosse nesses destaque como desencadeantes freqüentes. pacientes. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 12. S 414 O uso de expectorantes na tosse da DPOC não patologia respiratória ou sistêmica, a classificação encontra respaldo na literatura médica, e deve da sua gravidade e a resposta ao tratamento insti- ser evitado. Alguns mucolíticos como a acetilcis- tuído. Sinais e sintomas pulmonares, entre eles a teína demonstram possíveis efeitos benéficos no tosse, têm a causa freqüentemente esclarecida atra- uso em longo prazo. Com relação aos antitussí- vés do estudo da função respiratória. genos, existe a necessidade de separarmos aque- Na investigação de um paciente com tosse, uma les pacientes cuja etiologia da tosse não pode cuidadosa história clínica pode fornecer impor- ser completamente curada, como nos casos de tantes pistas para o diagnóstico, sem necessidade câncer sem possibilidade cirúrgica, por exemplo, de exames complementares. Quando há necessi- nos quais o uso de antitussígenos não específi- dade destes, os testes de função respiratória são cos (só para bloquear a tosse) é imperativo, da- colocados logo após o estudo radiológico na hie- queles em que o tratamento da causa leva ao rarquia da seqüência de abordagem diagnóstica.(53) desaparecimento da tosse, nos quais o uso de Os testes mais úteis são a espirometria com prova antitussígenos não específicos é desnecessário ou broncodilatadora, os testes de provocação brôn- se dá por tempo muito curto. O uso de antitussí- quica e o pico de fluxo expiratório seriado. genos (codeína e dextrometorfano) em geral não está indicado, e quando for necessário, deve ser Espirometria (prova de função pulmonar) utilizado por curto espaço de tempo. O uso de A espirometria, indispensável na avaliação da agentes pró-tussígenos (solução salina hipertô- fisiologia respiratória, é um teste que mede quanto nica, amilorida) talvez tenha um efeito positivo um indivíduo inspira ou expira volumes de ar em em doenças como fibrose cística, por exemplo, função do tempo, devendo ser parte integrante da porém novos estudos precisam comprovar esta avaliação de pacientes com sintomas respiratórios.(67) possibilidade. A drenagem postural e a fisioterapia Vários estudos(28-46) mostram que em significativa respiratória não parecem demonstrar capacidade parte dos casos de tosse crônica de causa não apa- de modificar a tosse na DPOC. rente a etiologia é a asma. Na espirometria, a detec- Terceira afirmação: o tratamento da exacerba- ção de obstrução ao fluxo aéreo que desaparece ou ção deve ser dirigido preferencialmente à elimina- melhora significativamente após o uso de broncodi- ção do agente causal e à recuperação do estado latador indica o diagnóstico de asma.(68) Cabe salien- pré-exacerbação, sendo o tratamento da causa da tar que quando a reversão da obstrução é completa, tosse a regra, e sua inibição a exceção. o diagnóstico de asma é feito com segurança. Leis para tornar espaços públicos e ambientes A variação significativa após o uso do bronco- de trabalho livres do cigarro devem ser estimula- dilatador, sem que, no entanto, seja atingida a nor- das, pois existe comprovação científica de que o malidade, também é indicativa de asma. Por outro tabagismo passivo é capaz de causar tosse e pro- lado, pacientes com doença pulmonar obstrutiva dução aumentada de escarro, e estes sintomas são crônica podem, também, apresentar este compor- de intensidade proporcional à exposição. tamento de resposta funcional.(69) A própria doença pulmonar obstrutiva crônica é uma das causas de EXAMES SUBSIDIÁRIOS tosse crônica, sendo este o sintoma mais encontra- do na mesma.(70-71) Um estudo brasileiro apresentou Testes de função respiratória sensibilidade de 50% e especificidade de 90% na O estudo da função respiratória é antigo. O separação de pacientes com asma e com doença primeiro trabalho notório sobre o assunto foi pu- pulmonar obstrutiva crônica, com volumes expira- blicado em Londres, Inglaterra, em 1846, por tórios forçados no primeiro segundo (VEF1) iniciais John Hutchinson, cerca de meio século antes da semelhantes, tendo como ponto de corte sugestivo publicação dos princípios da radiologia e eletro- para asma o aumento de 10% no VEF1 em relação cardiografia.(66) ao valor previsto de referência.(72) Deve-se lembrar A avaliação da função pulmonar constitui im- que alguns asmáticos, principalmente com grau portante componente do arsenal propedêutico atual, extremo de obstrução, podem não responder agu- permitindo, além do próprio diagnóstico, a abor- damente ao broncodilatador. dagem da história natural de uma determinada O distúrbio ventilatório obstrutivo não é exclusivo J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 13. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 415 Quadro 3 - Algoritmo em pacientes com diagnóstico de DPOC tor.(74) A hiperresponsividade brônquica também Tosse pode ocorrer em pacientes com quadro de infec- Aguda Subaguda Crônica ção respiratória, rinite alérgica e em tabagistas tosse assintomáticos. Suspeitar de DPOC expectoração O exame consiste na inalação de concentra- dispnéia ções crescentes do fármaco broncoconstritor, sendo Espirometria considerado positivo quando a queda do VEF1 atin- Exames para afastar outras doenças ge 20% do valor inicial. A variável principal é a dose cumulativa da substância que levou a este Quadro 4 - Algoritmo em pacientes com diagnóstico de DPOC decréscimo funcional (PD20). Uma alternativa é o teste de provocação brônquica por esforço, para Tosse o diagnóstico de asma induzida por exercício, sen- Aguda Subaguda Crônica Exacerbação exacerbação doença associada neoplasia pulmão do considerada positiva, neste caso, a queda igual laringe ou acima de 10% do VEF 1 em relação ao valor Bronquite sinusopatia esôfago inicial.(74-75) aguda bronquiectasia Outra variável que pode ser aferida no teste de Gripe/resfriado pós-infecciosa HRB provocação é a queda do FIF50%, preconizada Bronquiolite resp. para o estudo de hiperresponsividade de vias aé- Refluxo, SGPN, reas extratorácicas. Quando ela for maior que 25%, Inib. ECA o teste é considerado positivo. O teste positivo é persistência de tabagismo relacionado com a presença de doenças crônicas das vias aéreas superiores (laringite, faringite, rinite da asma e da doença pulmonar obstrutiva crônica. e/ou sinusite).(76) Ainda é questionado se essas pa- Outras doenças que causam tosse, como a sarcoido- tologias causam ou são conseqüências deste tipo se, podem apresentar limitação ao fluxo aéreo.(73) de hiperresponsividade. (77) A espirometria normal não exclui asma, sendo A realização do teste de provocação é preconi- indicada a broncoprovocação na seqüência diagnós- zada na suspeita de asma como etiologia da tosse, tica. Um achado relativamente freqüente em espiro- principalmente naqueles pacientes com história metria normal é a presença de resposta significativa clínica compatível, quando outros exames, em ao broncodilatador (em normais, a variação do VEF1 particular a espirometria, não estabeleceram ou é considerada significativa quando igual ou acima eliminaram o diagnóstico. (74-75, 78) de 10% do valor previsto), a qual sugere aumento O valor preditivo positivo do teste é elevado, do tônus broncomotor. Nesta situação, em pacientes mas a confirmação diagnóstica só ocorre após a com correlação clínica positiva, pode ser inferido o melhora clínica com o tratamento da asma, visto diagnóstico de asma. Entretanto, na vigência de es- que outras causas de tosse (tabagismo, rinossinu- pirometria basal normal, ao invés da prova bronco- site, refluxo gastresofágico, bronquiectasias) tam- dilatadora, deve ser preferido o teste de provocação bém podem apresentar positividade no exame.(46, 74) brônquica para a confirmação diagnóstica.(69) O teste também apresenta alto valor preditivo negativo, ou seja, a ausência de queda significati- Testes de provocação brônquica va do VEF 1 praticamente exclui a hipótese de Estes testes medem a resposta das vias aéreas asma.(46,74-75,78) Em um paciente com teste negati- quando expostas a agentes farmacológicos inala- vo, e com melhora da tosse em posterior trata- tórios que causam broncoespasmo, como metaco- mento com corticóide inalado, o diagnóstico mais lina, carbacol e histamina. Uma resposta bronco- provável é bronquite eosinofílica não asmática.(74, 79) constritora limitada é esperada em qualquer pessoa hígida, mas em um paciente asmático esta resposta Pico de fluxo expiratório seriado é exagerada, sendo indicativa de hiperresponsivi- O registro seriado do pico de fluxo expiratório dade das vias aéreas. Por definição, a hiperres- permite a detecção de variações temporais deste ponsividade brônquica é a resposta broncocons- parâmetro. A variabilidade do pico de fluxo expira- tritora exagerada a um estímulo broncoconstri- tório intradiária maior que 15% é característica de J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 14. S 416 asma, ainda que não seja critério obrigatório para o DISFUNÇÃO DE CORDAS VOCAIS seu diagnóstico.(69) O grau de variação intradiária pode também ser utilizado na estratificação de gravidade A disfunção de cordas vocais (DCV), também da doença. A sensibilidade para o diagnóstico de chamada de discinesia de laringe, é uma condição asma é maior com os testes de provocação brônqui- respiratória caracterizada pela adução das cordas ca, mas em casos duvidosos, a adição de medidas vocais durante a inspiração e/ou no início da ex- seriadas do pico de fluxo expiratório pode adicionar piração, resultando em limitação do fluxo aéreo sensibilidade ao diagnóstico.(74) O teste tem ainda valor no nível da laringe,(81-82) sem base anatômica e não em medicina ocupacional, visto que permite estabe- orgânica, ou seja, é uma alteração funcional, cujos lecer variações funcionais, correlacionadas com sin- sinais e sintomas clínicos podem ser confundidos tomas respiratórios, decorrentes da exposição a agen- com outras patologias respiratórias, principalmente tes inalatórios no ambiente de trabalho.(80) asma brônquica.(81, 83) Pela falta do substrato anatômico e por ser uma Outros testes condição pouco descrita na literatura, tendo sido Em casos de suspeita de doença intersticial citada apenas em relatos de casos e pequenas sé- pulmonar como causa da tosse, a determinação ries, seu diagnóstico muitas vezes não é feito ou é dos volumes pulmonares e a prova de difusão do tardio, pela falta de lembrança ou mesmo de co- monóxido de carbono devem ser realizadas. nhecimento dos médicos que atendem a esses Um algoritmo adaptado(74) dos testes de fun- pacientes. São usadas medicações para asma de ção respiratória na investigação da tosse crônica é difícil controle, como corticóide oral em altas doses mostrado na Figura 2. e mesmo imunossupressores, de maneira desneces- sária, o que leva a retardo do tratamento correto, com efeitos colaterais e elevado custo financeiro Tosse crônica do tratamento.(81, 84-85) Com apropriadas identifica- ção e intervenção, muitos pacientes podem ter sig- Ausência de drip nificativa melhora na qualidade de vida.(83) Sem sintomas de DRGE Tosse crônica ocorre em cerca de 80% dos Não fumante pacientes com DCV,(86) associada a outros sinto- Sem uso de inibidor de ECA mas de DCV, em particular sintomas respiratórios, havendo uma correlação importante com doença Radiologia de tórax e do refluxo gastresofágico (DRGE).(86-87) seios da face normais Há uma variedade grande de sinonímias(84,88) que demonstram as dúvidas e dificuldades no diag- Alterada nóstico desta patologia e como a estamos vendo Espirometria na atualidade: disfunção de cordas vocais, asma Tratamento da causa Normal psicogênica, asma factícia, asma laríngea, movi- Positivo mento paradoxal das pregas vocais, estridor de TPB Tratamento da causa Munchasen, estridor psicogênico, estridor histérico, Negativo estridor do adolescente funcional, estridor laríngeo, TCAR obstrução funcional da laringe, adução paradoxal Escarro (eos) de cordas vocais, obstrução psicogênica das vias PFE aéreas superiores e crupe histérico,(84) além de estri- pHmetria dor inspiratório funcional e estridor não orgânico.(89) Broncoscopia A laringe tem como funções fisiológicas prin- cipais a manutenção pérvia das vias aéreas, a pro- Figura 2 - Algoritmo para investigação funcional da tosse teção das vias aéreas e a fonação. O reflexo da crônica tosse e o reflexo de fechamento da glote não são DRGE: doença do refluxo gastresofágico; ECA: enzima conversora de angiotensina; TPB: teste de provocação importantes somente para proteção da via aérea brônquica; TCAR: tomografia computadorizada de alta durante a deglutição, mas também em resposta a resolução; PFE: pico de fluxo expiratório. estímulos inalatórios potencialmente nocivos. Os J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 15. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 417 receptores sensitivos distribuídos na laringe, tra- A confirmação diagnóstica nem sempre é fácil. quéia e brônquios, quando estimulados, podem O reconhecimento de DCV em pacientes com quei- desencadear constrição da laringe. Os pacientes xas respiratórias é difícil e deve-se ter um apropria- portadores de DCV têm o reflexo de proteção da do nível de suspeita clínica. Pacientes com sinto- laringe aumentado a estímulos extrínsecos e in- mas semelhantes aos da asma que não respondem trínsecos.(87) ao tratamento adequado devem ser avaliados para A verdadeira prevalência de DCV é desconheci- a possibilidade de DCV, fazendo-se o diagnóstico da e sua patogênese ainda não é bem definida. precoce e evitando-se iatrogenias das drogas an- Como a etiopatogenia da DCV ainda não está to- tiasmáticas.(83) talmente clara, algumas teorias tentam explicar a A DCV pode ocorrer isolada ou associada à asma doença, como a teoria neurogênica, a da DRGE e brônquica persistente grave, o que dificulta mais da reação de conversão.(84) ainda seu diagnóstico. Em torno de 40% a 50 % Segundo a teoria neurogênica, o limiar de es- dos pacientes que têm DCV e que foram internados tímulo para produzir espasmo da glote por ativa- por dificuldade respiratória têm asma associada, o ção da inervação efetora do vago estaria baixo, que quer dizer que a presença de asma não exclui facilitando as crises de discinesia após infecções o diagnóstico de DCV e vice-versa. (81) do trato respiratório, onde um vírus neurogênico A tosse crônica está presente em cerca de 80% afetaria o nervo vago, como também por desor- dos portadores de DCV, sendo que 33% a 40% dens neurológicas que alterem o balanço autonô- deles são portadores de DRGE. (86) Podem apresen- mico da laringe.(87) tar-se clinicamente apenas com tosse e DRGE, e a Outra teoria é a da DRGE, cuja associação com DCV deve ser considerada como causa de tosse tosse crônica é bastante conhecida. Modelos ani- crônica na ausência de patologia rinolaringológica mais de DRGE foram sugestivos de que pH abaixo ou pulmonar.(87) de 2,5 induz a laringoespasmo através de um me- Estridor aparece em menos de 20 % dos ca- canismo mediado pelo vago e de sensibilização sos.(81) Quando este sintoma surge durante exercí- de quimiorreceptores da mucosa da laringe.(90) A cios físicos, principalmente em atletas de elite, a irritação crônica da laringe pode ser o gatilho para DCV pode mimetizar asma induzida por exercício, a crise de DCV e a DRGE deve ser prontamente o que leva a diagnóstico errado e tratamento equi- manejada nestes pacientes. vocado para asma induzida por exercício, quando Uma terceira teoria é a de reação de conversão, na verdade o que está presente é a DCV, ou mesmo daí a associação de discinesia com patologias psi- coexistem as duas patologias. quiátricas, incluindo depressão, trauma psíquico Os sintomas de DCV podem ser desencadeados por abuso sexual, emoções intensas e estresse físico por problemas emocionais como estresse ou medo (pode ser desencadeada em atletas em competições (relato de abuso sexual tem sido descrito nestes estressantes), sendo um diagnóstico diferencial com pacientes), esforço físico, inalação de irritantes asma induzida por exercício. como cigarro, perfumes, amônia, cloro, agentes O mais aceito na literatura atual é a associação de limpeza e outras substâncias químicas com de mais de uma teoria.(91) odores fortes, drenagem pós-nasal devida a rinos- Os sinais e sintomas de DCV são inespecíficos sinusopatia (alérgica ou infecciosa), DRGE, e po- e podem ser vistos em outras doenças respiratórias dem ocorrer sem nenhum fator desencadeante agudas ou crônicas. Para o diagnóstico, é reque- identificado.(83) Pacientes podem descrever exacer- rido alto grau de suspeita clínica, sendo os sinais bação dos seus sintomas com identificação do e sintomas mais comuns: tosse, chiado, estridor, gatilho em 20% a 45% dos casos. (86) dispnéia, rouquidão e sufocamento. Alguns paci- Ocasionalmente a DCV se desenvolve em paci- entes referem dificuldade de deglutir ou dor na entes com doenças neurológicas, como a esclerose garganta e no tórax, e sintomatologia de DRGE.(83, 86) lateral amiotrófica, encefalite, má formação de Na anamnese chama à atenção a ausência de his- Arnold-Chiari, estenose do aqueduto cerebral e tória pessoal e familiar de atopia. Há predominância desordem dos movimentos. no sexo feminino e na faixa etária de vinte a 45 Os principais exames utilizados no diagnóstico anos. Entretanto, pode ocorrer em qualquer idade.(81) de DCV são a laringoscopia e a espirometria utili- J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 16. S 418 zando a alça fluxo volume. Entretanto, ambos os lógica (drogas anti-DRGE, antialérgicos, antidepres- métodos têm baixa sensibilidade, embora com alta sivos, ansiolíticos e sedativos), técnicas de rela- especificidade.(82) xamento, e clara explicação da síndrome com ces- A nasofibrolaringoscopia com tubo flexível é o sação de medicamentos desnecessários e suporte principal exame no diagnóstico da DCV,(81-82, 88) evi- emocional psiquiátrico. denciando-se obstrução de 50% ou mais da via Deve-se evitar o contato com irritantes quími- aérea no nível da glote.(86) Deve-se, durante o exa- cos e substâncias alergizantes que possam desen- me, realizar manobras para afastar patologias neu- cadear crises. Em raros casos é utilizada pressão rológicas como causa da obstrução da laringe.(84) positiva contínua na via aérea (CPAP), tendo sido A nasofibrolaringoscopia é também utilizada para referido também o uso de heliox (80% de hélio e excluir os diagnósticos diferenciais de obstrução 20% de oxigênio).(87) A combinação de métodos das vias aéreas superiores. terapêuticos é a conduta mais indicada e signifi- O momento do ciclo respiratório em que ocor- cativa melhora é observada em 88% dos casos re o fechamento paradoxal das pregas vocais na quando a equipe multidisciplinar está envolvida.(86) DCV mais aceito pela literatura é a fase inspiratória e/ou início da fase expiratória.(83) A laringofibros- TOSSE CRÔNICA: copia é normal em 50% dos pacientes quando rea- BRONQUITE EOSINOFÍLICA SEM ASMA lizada fora das crises.(81) A curva fluxo volume realizada durante a espi- O termo bronquite geralmente se refere a infla- rometria pode revelar obstrução das vias aéreas mação dos brônquios. Bronquite eosinofílica é um extratorácicas com achatamento da alça inspira- achado cardinal, porém não universal ou exclusivo tória, em cerca de 23% dos casos.(81) Pode sugerir da asma. Por exemplo, a bronquite eosinofílica pode mas não estabelecer o diagnóstico de obstrução estar ausente nas exacerbações da asma,(92) durante de vias aéreas superiores. infecções bacterianas(92-93) ou virais,(94) e na asma Se estes testes não são diagnósticos em paci- estável de diferentes gravidades.(92, 95) Por outro lado, entes com suspeita de DCV, então é possível pro- a bronquite eosinofílica pode estar presente na au- vocar episódio de DCV com exercício, metacolina sência de asma, em fumantes ou ex-fumantes, com ou frio,(88) com resultados divergentes na literatu- ou sem doença pulmonar obstrutiva crônica,(96) e ra sobre a positividade dos testes. Deve-se, conco- em portadores de tosse crônica sem asma.(97) mitantemente, realizar laringoscopia e espirometria.(83) A bronquite eosinofílica sem asma como causa Se os resultados de exames realizados fora da de tosse crônica foi descrita há apenas cerca de vinte crise não estabelecerem o diagnóstico de DCV, la- anos.(98) A partir de então, diversas publicações têm ringoscopia e/ou espirometria durante as crises demonstrado que a bronquite eosinofílica sem asma sintomáticas devem ser realizadas.(83) Entretanto, é uma causa comum de tosse crônica, ocorrendo em cresce na literatura a consideração de que a sinto- que cerca de 10% dos pacientes referidos à clínicas matologia de obstrução variável extratorácica é terciárias para investigar este sintoma.(99-100) altamente sugestiva de DCV e, quando detectada, A bronquite eosinofílica sem asma é definida em apropriado contexto clínico, é suficiente para pela presença de tosse crônica em pacientes sem o diagnóstico e início do tratamento de DCV.(83) sintomas ou evidência objetiva funcional de asma Uma equipe multidisciplinar deve ser envolvida (broncoconstricção com resposta broncodilatadora no diagnóstico e na terapia dos pacientes porta- e/ou hiperresponsividade das vias aéreas), associa- dores de DCV, já que podem apresentar co-fatores da à presença de eosinofilia no escarro (eosinófi- envolvendo a doença, em que são valorizados os los = 3,0%).(99-100) Em síntese, a bronquite eosinofí- sintomas.(87) No diagnóstico, conforme o quadro lica distingue-se da asma por não possuir as ca- clínico, podem participar o pneumologista, otor- racterísticas fisiológicas da asma: broncoconstric- rinolaringologista, endoscopista respiratório, fono- ção e hiperresponsividade das vias aéreas. terapeuta, e psiquiatra. Modalidades terapêuticas são individualizadas Quadro clínico e diagnóstico caso a caso, conforme a sintomatologia e incluem A bronquite eosinofílica sem asma mais comu- suporte respiratório, fonoterapia, terapia farmaco- mente se manisfesta como tosse seca ou produti- J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 17. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 419 va que se enquadra na definição de tosse crônica, tação da garganta, rouquidão e evidentemente tosse sem evidência clínica ou radiológica de ser causa- improdutiva seca ou com pouca eliminação de da por outras doenças pulmonares. Nestes paci- muco, com exame do tórax sem ruídos adventícios. entes, a espirometria é normal ou mostra limitação Os sintomas com duração de menos de três sema- leve, sem resposta broncodilatadora e a responsi- nas são considerados tosse aguda e quando ultra- vidade das vias aéreas ao teste de broncoprovo- passam três até oito semanas tosse subaguda. O cação com metacolina ou histamina é normal. O diagnóstico é basicamente clínico. Em mais de diagnóstico é confirmado pela presença de eosi- 97% dos casos, o radiograma de tórax é normal. A nofilia no escarro espontâneo ou induzido. Como tosse é conseqüente à presença do gotejamento a tosse crônica comumente tem múltiplas causas, pós-nasal, limpeza da faringe ou de ambos. A tosse a bronquite eosinofílica deve sempre fazer parte nessa situação é autolimitada e resolve-se na maio- do diagnóstico diferencial, mesmo em pacientes ria das vezes. Quando houver prostração e incô- com outras causas de tosse diagnosticada (exceto modo, o tratamento consiste no uso do maleato asma) e, especialmente, naqueles com resposta de dexclorfeniramina a 2 mg até quatro vezes ao parcial ao tratamento. Adicionalmente, uma histó- dia, associado a pseudoefedrina. O brometo de ria ocupacional detalhada é importante também ipratrópio tópico nasal pode ser usado, associado para levantar a possibilidade de bronquite eosino- ou isolado, para alívio da rinorréia, na dose de fílica ocupacional. dois jatos em cada narina três a quatro vezes ao dia. Na presença da dor e irritação intensa da fa- Tratamento e evolução ringe, deve ser prescrito naproxeno a 500 mg, três A bronquite eosinofílica sem asma responde vezes ao dia, durante cinco dias. Os anti-histamí- bem ao tratamento com corticosteróides inalados, nicos de última geração, não sedantes, associados com a eosinofilia desaparecendo do escarro em ou não a pseudoefedrina, como por exemplo a duas semanas.(101) Apesar de a história natural da loratadina, não parecem ter consistentes benefícios bronquite eosinofílica ser controversa,(102-103) acre- em controlar a tosse e outros sintomas do resfriado dita-se que na maior parte dos casos ela é uma comum, já que esses sintomas não são histamina condição autolimitada(102) e que apenas uma mino- dependentes. Os corticosteróides também não tra- ria evolui para asma. Por outro lado, pacientes com zem vantagens quando prescritos para aliviar os tosse crônica e sem asma, que apresentem escarro sintomas do resfriado comum. sem eosinofilia (eosinófilos < 3%), não respondem A infecção por vírus é reconhecida como a prin- ao tratamento com corticosteróides inalatórios ad- cipal causa de exacerbação de asma tanto em adul- ministrados durante quatro semanas.(104) Pacientes tos quanto em crianças. As células das vias aéreas com bronquite eosinofílica ocupacional em geral são o principal sítio da infecção viral e replicação, apresentam regressão do quadro quando afastados com liberação de uma série de mediadores pró- da exposição. inflamatórios. O vírus parece induzir uma disfun- ção dos receptores muscarínicos M2 da via paras- TOSSE PÓS-INFECCIOSA simpática, resultando na liberação de acetilcolina e maior responsividade brônquica. O vírus atua Pacientes com tosse raramente procuram as- diretamente no receptor M2, ou indiretamente pela sistência médica, à exceção das crianças e dos ido- liberação de interferon-gama pelas células epiteliais sos, cujos parentes são responsáveis em conduzi- e pelos macrófagos. Os corticosteróides aliviam este los a consultar o médico. processo, o que sugere influência taquicinérgica. A tosse que ocorre após infecção do trato res- A sinusite bacteriana aguda é a segunda grande piratório superior e inferior é considerada tosse causa da tosse aguda pós-infecciosa, muitas ve- pós-infecciosa. zes indistinguível da rinossinusite aguda viral. Aos O resfriado comum é a causa mais freqüente. pacientes com rinossinusite aguda viral, que não Caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas respondem ao tratamento descrito acima, devem referentes à via aérea superior, como rinorréia, obs- ser prescritos antibióticos quando apresentarem trução nasal, ato de fungar e espirrar, corrimento pelo menos dois dos seguintes sinais e sintomas: pós-nasal, com ou sem febre, lacrimejamento, irri- dor na face (maxilar), secreção nasal purulenta, J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 18. S 420 anormalidade no teste da transiluminação dos seios sona inalatória tem sido útil. O brometo de ipra- paranasais, descoloração da secreção nasal. Não trópio inalado parece atenuar a tosse pós-infeccio- há necessidade de estudo radiológico dos seios sa. Derivados da codeína e o dextromertofano da face para se iniciar o uso do antibiótico, cuja podem produzir alívio da tosse. Caso a tosse não cobertura se faz necessária para H. influenzae e S. desapareça num prazo de uma semana, deve-se pneumoniae, isto é, amoxacilina associada ao áci- realizar estudo radiográfico dos seios da face e, se do clavulânico, a 500 mg de oito em oito horas, houver espessamento da mucosa > 5mm, nível por quatorze dias, ou fluoroquinolona de terceira hidroaéreo ou opacificação, notadamente dos sei- geração (levofloxacina, gatifloxacina, moxifloxa- os maxilares e/ou frontal, deverá ser prescrito des- cina) em dose diária, por quatorze dias. Deve-se congestionante nasal (tópico) ou sistêmico e anti- associar a dexclorfeniramina, com ou sem pseu- bióticos por pelos menos três semanas, com co- doefedrina, e descongestionante nasal tópico ao bertura para H. influenzae e S. pneumoniae. Na- antibiótico. queles doentes com tosse e presença de roncos, A tosse aguda pós-infecciosa é uma manifes- sibilos e estertores inspiratórios à ausculta do tó- tação freqüente da pneumonia adquirida na co- rax, com radiograma de tórax normal, prescrevem- munidade. Na maioria dos casos, outros sinais e se broncodilatadores e corticosteróides inalatórios. sintomas estão presentes, porém, nos idosos, ne- Na presença de secreção purulenta (notadamente cessitamos de alto índice de suspeição clínica já nas traqueobronquites) está indicado o uso de que muitas vezes febre, dor torácica e calafrios antibióticos visando ao S. pneumoniae. Nos pacien- estão ausentes. A presença de tosse, alteração do tes portadores de bronquite crônica, deve-se co- comportamento e anormalidade no exame físico brir também o H. influenzae e M. catharralis. do tórax deve sempre levar à suspeita de pneumonia Muitos adultos queixam-se de tosse prolonga- adquirida na comunidade e início de antibiotico- da após infecção de vias aéreas superiores, nota- terapia, após um radiograma do tórax sugestivo. damente secundária a infecção viral, com radio- A causa mais freqüente de tosse subaguda pós- grama de tórax normal (freqüência de 11% a 25%). infecciosa é a infecção aguda do trato respiratório Durante epidemias de micoplasmose e coqueluxe, superior sem evidências de pneumonia (radiograma a freqüência aumenta para 25% a 50% em séries de tórax normal). Na verdade, é a tosse do resfriado selecionadas. Na população geral há uma média comum ou da gripe que se prolonga por mais de de freqüência de 2,2% de infecções respiratórias três semanas. A tosse é o resultado de gotejamento virais por indivíduo ao ano. Crianças acima de cinco pós-nasal ou limpeza da garganta, secundária à anos de idade têm de 3,8 a cinco infecções por rinite. Na traqueobronquite com ou sem hiperres- ano por criança. As crianças em creches têm maior ponsividade transitória, a tosse é secundária ao incidência. Os vírus respiratórios (influenza, parain- aumento e retenção de secreção secundária à in- fluenza, sincicial respiratório, adenovirus), o mico- flamação em que os receptores da tosse são esti- plasma, a B. pertussis, a Chlamydia pneumonie e a mulados. A tosse pode durar semanas ou até me- M. catharralis têm sido implicados nesses peque- ses pela persistência da inflamação. Uma extensa nos pacientes. ruptura da integridade epitelial e extensa inflamação Caso infecção pela B. pertussis tenha sido rela- das vias aéreas superiores e inferiores ocorre nes- tada na comunidade, ou haja história recente de ses casos. A broncoscopia e a biópsia brônquica contato com doentes com diagnóstico firmado de revelam, na infecção pelo vírus da influenza A, coqueluche, ou na presença de sintomas caracte- extensa descamação epitelial no nível da mem- rísticos de coqueluche, isto é, episódios de tosse brana basal, com aumento do percentual de linfó- ou “quintas" com “guinchos" seguidos de expecto- citos e neutrófilos no lavado broncoalveolar. O ração mucóide, várias vezes ao dia, espasmódica, material de biópsia mostra uma bronquite linfocí- principalmente à noite, associados a sudorese tica. O tratamento é o mesmo descrito acima para abundante, exaustão, congestão das conjuntivas, tosse aguda pós-infecciosa acrescida de breve turgência dos vasos do pescoço, sufocação e perda curso de prednisona ou predinisolona a 30 a 40 da consciência (crianças maiores), devemos con- mg/dia pela manhã, por três semanas. Nos casos siderar o diagnóstico de coqueluche. A criança de traqueobroquite por M. pneumoniae a flutica- entra em apnéia e sobrevém uma inspiração for- J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446
  • 19. ΙΙ Diretrizes Brasileiras no Manejo da Tosse Crônica S 421 çada, ruidosa e estridente, conseqüente à glote Ensaios em adultos e crianças usando vacina semicerrada, após uma expiração fixa. Vômitos após antipertussis acelular, mais do que a vacina total, as crises de tosse (whooping cough) são muito co- sugerem futuro promissor na prevenção da doença, muns em qualquer idade e é um importante indício tanto em adultos como em crianças. Um grande da doença em adolescentes e adultos. Não costu- ensaio multicêntrico, aleatorizado, controlado, ma haver febre. A infecção por B. pertussis é reco- duplo cego, com vacina antipertussis acelular, nhecida por causar tosse persistente em crianças, numa população com idades entre quinze e 65 adolescentes e adultos, e é conhecida como “tos- anos, foi realizado pelo Instituto Nacional de Aler- se dos cem dias". Trata-se de uma infecção alta- gia e Doenças Infecciosas dos EUA e publicado mente contagiosa. Vem apresentando aumento de em 2005. A vacina foi altamente efetiva, com taxa incidência desde os anos 1980 em todas as faixas de proteção de 92%, e muito segura. Devido ao etárias, pelo declínio imunológico da vacinação. sucesso da imunização foi recomendada a vacina- O aumento da incidência tem ocorrido na faixa ção isolada (não associada à antidiftérica e à anti- etária de dez a dezenove anos. Em um estudo pros- tetânica) para adolescentes entre onze e dezoito pectivo no Canadá, em 19,9% dos adolescentes e anos de idade e idosos acima de 65 anos. adultos com tosse pós-infecciosa a etiologia era O diagnóstico de tosse crônica pós-infecciosa B. pertussis. na maioria das vezes é de exclusão, principalmente Além das manifestações clínicas, o padrão ouro quando secundária a infecção por vírus, com du- para o diagnóstico da coqueluche é o isolamento ração de mais de oito semanas. da B. pertussis por meio de cultura do material Como descrito acima para a tosse subaguda, em obtido de esfregaço da nasofaringe. O exame tem crianças, os vírus respiratórios (notadamente o sin- rendimento maior (60% a 70% de crescimento) cicial respiratório e o parainfluenza), o Mycoplasma dentro das primeiras quatro semanas da doença. pneumoniae , a Chlamydia pneumoniae e a B. O exame sorológico pelo método ELISA para de- pertussis têm sido implicados na etiologia da tosse monstrar aumento de IgG antitoxina pertussis é o crônica. A tosse crônica pode resultar de infec- critério sorológico mais aceito para confirmar o ções repetidas. A tosse por B. pertussis ou por in- diagnóstico. Um exame pareado é necessário para fecção por vírus pertussis-like pode resultar em se afastar simples imunização de infecção, colhen- tosse persistente prolongada. do-se as amostras de soro na fase aguda e na con- Outras infecções na infância, de ocorrência afe- valescença. Aumento de quatro vezes da IgG é bril, em cuja ausculta do tórax estão presentes es- também consistente com a presença recente de tertores inspiratórios, são causadas por Ureaplasma infecção por B. pertussis. A especificidade é de urealyticum, Cytomegalovirus, P. carinii e M. 63%. A técnica da reação em cadeia da polimerase catharralis. Sarampo pode ser outra causa da tosse é uma promessa, com especificidade de 100%. nessa idade, associada ou não ao quadro clássico O antibiótico de escolha é a eritromicina, de da doença. preferência o estolato de eritromicina em doses Nas infecções por Mycoplasma pneumoniae o de 40 mg/Kg/dia para crianças e 2 g/dia para adul- diagnóstico faz-se pela presença de títulos altos tos, ambas divididas em quatro tomadas, ou os de crioaglutinina, do tipo IgM e IgG, no sangue. derivados atuais da eritromicina, ou seja, claritromi- Não existe um teste padrão para o diagnóstico cina a 1 g/dia, durante dez dias, ou azitromicina a de Chlamydia pneumoniae, porém a pesquisa de 500 mg/dia, durante cinco dias. Antitussígenos, anticorpos do tipo IgG e IGM pela técnica da mi- hidratação oral e expectoração por fisioterapia res- croimunofluorescência é aceita para o diagnóstico, piratória estão indicados. assim como a cultura e a reação em cadeia da O doente deve ficar isolado em casa e perma- polimerase. necer ausente do trabalho e da escola por cinco Outras causas de tosse crônica pós-infecciosa dias após o início do uso do antibiótico. Parecem são as bronquiectasias, sinusite crônica bacteriana, destituídos de benefícios os antitussígenos, os beta discinesia ciliar primária, fibrose cística, panbron- agonistas e imunoglobulinas antipertussis. Profi- quiolite difusa e, em nosso meio, a tuberculose laxia deve ser iniciada nas duas primeiras semanas pulmonar e a paracoccidioidomicose. A história para os comunicantes. clínica e o exame físico estreitam muito o diag- J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 6):S 403-S 446