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Verão de 1944
“A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”
Ruben Alves
Sentada em uma cadeira de madeira com detalhes modernos demais para aquela
época, Katy estava pensativa enquanto que olhava atentamente o seu marido dormindo na
cama naquela manhã de domingo. Voltou a se olhar no espelho e imaginou a mesma cena
que em todos os outros dias imaginava ao se acordar. Porém seus olhos tristes
rapidamente pararam em outro lugar. Ela pegou um envelope em sua gaveta e o abriu.
Katy lia o que estava escrito ali, mas seus pensamentos estavam em seu passado
não muito distante. Ela sabia muito bem o que aquela carta dizia, por isso não se impedia
de pensar nos momentos mais importantes de sua vida. Porque era a única coisa boa que
realmente valia a pena para ela.
Momentos ao lado de Jerry pareciam ser eternos e diferentes a cada hora que se
passava daquele dia quente de 1944. Ela ainda conseguia sentir o cheiro de pinheiro
queimado que aquele campo tinha. Do aroma doce que vinha de sua camiseta regata,
enquanto que ela deitava sobre ele. Do seu coração que disparava cada vez que ele a
tocava e a tinha mais perto. Seus olhos castanhos perfeitos, seu cabelo cheio penteado
para trás e com um leve topete na frente feito com o gel que ela própria tinha comprado.
Eles estavam fazendo um piquenique em uma manhã de domingo. Katy sempre iria
se recordar daquele dia.
Os dois passaram o dia todo juntos, conversando sobre nada, rindo do nada,
fazendo coisas sem importância e banais. Para Katy foi o dia mais marcante e feliz de
todos. Não pelo fato de ter sido o último ao seu lado, mas porque ela realmente descobriu
o que era a felicidade em cada segundo que se passava junto dele.
Felicidade. Palavra que não se aplicava aos seus dias atuais em sua nova vida. A
pessoa que estava no seu quarto não era aquela que ela esperava todos os dias. Katy
esperava que Jerry arrombasse aquela porta, a tirasse dali e a levasse para longe. Ela sabia
que não estava sendo honesta com o homem que estava naquele quarto dormindo
profundamente.
Cada vez que ele a beijava ela sentia o gosto dos lábios de Jerry em sua boca. Cada
toque era uma nova lembrança que vinha em mente. Quando o seu marido a puxava para
mais perto ela sentia nojo de si mesma. Ela o enganava. Mesmo que fosse apenas por
pensamento, ela se sentia mal todos os dias por fazer aquilo com ele. Ela sabia que ele não
merecia, mas não conseguia frear aquilo que sentia. Ela não tinha como não pensar
naquilo. Era automático. Um vicio diário.
Eles passearam naquele campo aberto que apenas Katy saberia onde era. A
bicicleta dele parecia pequena demais para levar os dois, porém ela se sentia tão
confortável com ele próximo dela. A sua respiração fazia cócegas no pescoço de Katy e ela
não conseguia não beijá-lo em seguida, atrapalhando a sua visão da longa estrada de terra
cheia de pedregulhos.
Aquele homem se vestia tão diferente de Jerry. Até isso ela observou ao longo dos
anos em que teve outra pessoa em sua vida. Ele sempre seria rico demais, arrumado
demais, formal demais. Enquanto que o amor de sua vida vestia suspensórios, camiseta de
botões e uma boina clara para esconder seus cabelos cheios quando não usava gel.
Pararam em um local menos quente, ao redor de várias árvores que os fazia
sombra e colocaram um lençol vermelho quadriculado sobre a grama para poderem se
deitar. Eles trouxeram bastante comida, mas sabiam que não estavam com fome naquele
momento. Apenas se deitaram, colocando suas mãos atrás de suas cabeças – como se fosse
algo coreografado – e fecharam seus olhos para sentir a brisa tocar suas peles e os
refrescarem. Katy não precisava pensar em nada quando estava com ele. Tudo saía tão
espontâneo e natural. Era tudo tão simples. Uma coisa só deles e para eles. Katy e Jerry se
entendiam e se admiravam um ao outro. Como novos amigos. Como algo novo.
Ela foi a primeira a abrir os olhos e o ver dormindo. E em um relance ela tentava
encontrar alguma semelhança com o homem que estava ali em seu quarto fazendo a
mesma coisa. Mas nada se comparava a perfeição de seu rosto tranqüilo descansando
sobre a sombra daquela árvore. Jerry tinha algo como um poder hipnótico sobre Katy, que
fazia com que ela não conseguisse parar de olhá-lo. Como se ela soubesse que nunca mais
o veria. Como se estivesse gravando em sua mente aquela sua expressão tão serena e
despreocupada.
Katy foi para mais perto dele. Agora seus braços se encostavam um no outro, e ela
podia sentir o calor que vinha de sua pele. A respiração longa e uniforme. Suas mãos
próximas uma da outra. E então ela repousa levemente a sua sobre a dele e continua a
observá-lo atentamente.
Jerry abre os olhos e a vê dando um meio sorriso para ele. Assim como Katy, Jerry
também sabia que ela tinha um certo poder sobre ele. Seus olhos entreabertos a olhavam
com a mesma intensidade. Ele podia sentir a eletricidade que saía daquela simples troca
de olhares. O nervosismo sempre o dominava quando ele não conseguia encontrar uma
palavra certa para dizer, como naquele momento.
Ele também se recordava de várias coisas nela. Seu vestido estampado de flores
primaveris que sempre o agradava quando voava ao vento fazendo com que Katy os
segurasse envergonhada. Dos seus cabelos ondulados e negros que cobria toda as suas
costas nua. Dos óculos escuros que a deixava mais charmosa do que sempre foi. Jerry
também sabia que nunca esqueceria de tudo isso.
Ou talvez a noite daquele dia fosse o que de verdade nenhum dos dois esqueceria.
Principalmente Katy. Ela ainda sentia como foi tão doce o toque de sua mão na dela
quando a convidou para aquela última dança. Da música lenta que estava tocando naquele
lugar. De seu rosto encostado em seu ombro. Das mãos dele pegando em sua cintura. De
seus dedos passando delicadamente sobre a gravura da bandeira de seu país em seu braço
esquerdo a fazendo lembrar para onde ele ia no outro dia.
Aquela farda verde oliva que usava o deixava tão diferente de como ele estava pela
manhã. Jerry estava sério e apreensivo. E katy sabia o motivo. Ela aproveitou aquele
momento o máximo que pôde. Ela o observava mais uma vez. Uma última vez. Seus braços
ao redor do pescoço dele, seus rostos a centímetros do outro.
Ele a beijou tão delicado, tão hesitante, tão tenso, que naquele instante ela soube
que não o veria mais. Como se aquele beijo fosse a confirmação do que viria a seguir. Da
solidão que tomaria conta de sua vida dali em diante.
Katy tocava em seus lábios enquanto que voltava para o presente. Sua visão estava
perdida e apenas agora ela percebia que estava olhando fixamente para a parede branca
bem a sua frente, ainda em seu quarto. Ela estava perdida em seus pensamentos viciantes.
Uma lágrima correu em seu rosto e Katy se viu mais uma vez sozinha ali. Enquanto
que vários flashbacks ainda vinha em sua memória e não a deixavam em paz. Ela não
queria esquecê-los, mas também não queria lembrá-los constantemente. A fazia mal.
Pensar em Jerry a fazia sentir uma grande tristeza e perda.
O sorriso que ele deu antes de ir pareceu que tudo iria acabar bem. Que ele tinha
tudo sobre controle. Mas não tinha.
Seu marido acordou e Katy limpou suas lágrimas. Ele se levantou e a beijou no
rosto enquanto que ela fingia escovar os cabelos.
- Tudo bem? – Ele perguntou.
Até naquela voz ela queria achar alguma semelhança.
- Sim. Está tudo bem. – Mentiu.
Era sempre assim todos os dias. As mesmas respostas para as perguntas que ele
fazia. Eles não conversavam como um casal que se importasse um com o outro. O pior era
que Katy também não se importava com ele. E ela sabia que aquilo não era justo.
O motivo era que ela provou uma vez da perfeição e nenhum outro poderia
substituí-lo. Era como um doce com uma surpresa por dentro. Como um príncipe em um
cavalo branco. Como ela ficaria melhor, uma vez que teve do melhor?
Porque quando Katy estava com aquele homem ela estaria pensando em Jerry.
Porque tudo o que queria era que fosse ele que estivesse dormindo com ela todos os dias.
Ele era como um sol ardente no meio do inverno. Ele era o único que a fazia ficar
realmente bem. Jerry era o melhor. E Katy nunca poderia lhe dizer isso.
“Morto em combate.”
Era tudo o que Katy lia quando abriu pela primeira vez aquela carta há alguns anos
atrás. Ela não acreditava no que estava lendo. Ela esperava que ele voltasse e que fizesse
mais outro piquenique como prometeu a ela assim que a guerra terminasse. A guerra
acabou, mas Jerry não havia voltado como tinha dito.
E ela se arrepende. Ah, Deus! Como ela pôde deixá-lo ir? Se pudesse Katy faria de
tudo para voltar para aquela manhã ensolarada no verão de 1944.
Agora ela aprendeu a lição. Ela deveria saber... Deveria saber que o amava.
Ela queria que ele estivesse olhando em seus olhos como naquela manhã.
Porque era lá que Katy gostaria de ficar.
Obs:Texto inspirado na letrae videoclipe “Thinking of you” da cantoraKaty Perry =D

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  • 1. Verão de 1944 “A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.” Ruben Alves Sentada em uma cadeira de madeira com detalhes modernos demais para aquela época, Katy estava pensativa enquanto que olhava atentamente o seu marido dormindo na cama naquela manhã de domingo. Voltou a se olhar no espelho e imaginou a mesma cena que em todos os outros dias imaginava ao se acordar. Porém seus olhos tristes rapidamente pararam em outro lugar. Ela pegou um envelope em sua gaveta e o abriu. Katy lia o que estava escrito ali, mas seus pensamentos estavam em seu passado não muito distante. Ela sabia muito bem o que aquela carta dizia, por isso não se impedia de pensar nos momentos mais importantes de sua vida. Porque era a única coisa boa que realmente valia a pena para ela. Momentos ao lado de Jerry pareciam ser eternos e diferentes a cada hora que se passava daquele dia quente de 1944. Ela ainda conseguia sentir o cheiro de pinheiro queimado que aquele campo tinha. Do aroma doce que vinha de sua camiseta regata, enquanto que ela deitava sobre ele. Do seu coração que disparava cada vez que ele a tocava e a tinha mais perto. Seus olhos castanhos perfeitos, seu cabelo cheio penteado para trás e com um leve topete na frente feito com o gel que ela própria tinha comprado. Eles estavam fazendo um piquenique em uma manhã de domingo. Katy sempre iria se recordar daquele dia. Os dois passaram o dia todo juntos, conversando sobre nada, rindo do nada, fazendo coisas sem importância e banais. Para Katy foi o dia mais marcante e feliz de todos. Não pelo fato de ter sido o último ao seu lado, mas porque ela realmente descobriu o que era a felicidade em cada segundo que se passava junto dele. Felicidade. Palavra que não se aplicava aos seus dias atuais em sua nova vida. A pessoa que estava no seu quarto não era aquela que ela esperava todos os dias. Katy esperava que Jerry arrombasse aquela porta, a tirasse dali e a levasse para longe. Ela sabia que não estava sendo honesta com o homem que estava naquele quarto dormindo profundamente. Cada vez que ele a beijava ela sentia o gosto dos lábios de Jerry em sua boca. Cada toque era uma nova lembrança que vinha em mente. Quando o seu marido a puxava para mais perto ela sentia nojo de si mesma. Ela o enganava. Mesmo que fosse apenas por pensamento, ela se sentia mal todos os dias por fazer aquilo com ele. Ela sabia que ele não merecia, mas não conseguia frear aquilo que sentia. Ela não tinha como não pensar naquilo. Era automático. Um vicio diário. Eles passearam naquele campo aberto que apenas Katy saberia onde era. A bicicleta dele parecia pequena demais para levar os dois, porém ela se sentia tão confortável com ele próximo dela. A sua respiração fazia cócegas no pescoço de Katy e ela não conseguia não beijá-lo em seguida, atrapalhando a sua visão da longa estrada de terra cheia de pedregulhos. Aquele homem se vestia tão diferente de Jerry. Até isso ela observou ao longo dos anos em que teve outra pessoa em sua vida. Ele sempre seria rico demais, arrumado demais, formal demais. Enquanto que o amor de sua vida vestia suspensórios, camiseta de botões e uma boina clara para esconder seus cabelos cheios quando não usava gel.
  • 2. Pararam em um local menos quente, ao redor de várias árvores que os fazia sombra e colocaram um lençol vermelho quadriculado sobre a grama para poderem se deitar. Eles trouxeram bastante comida, mas sabiam que não estavam com fome naquele momento. Apenas se deitaram, colocando suas mãos atrás de suas cabeças – como se fosse algo coreografado – e fecharam seus olhos para sentir a brisa tocar suas peles e os refrescarem. Katy não precisava pensar em nada quando estava com ele. Tudo saía tão espontâneo e natural. Era tudo tão simples. Uma coisa só deles e para eles. Katy e Jerry se entendiam e se admiravam um ao outro. Como novos amigos. Como algo novo. Ela foi a primeira a abrir os olhos e o ver dormindo. E em um relance ela tentava encontrar alguma semelhança com o homem que estava ali em seu quarto fazendo a mesma coisa. Mas nada se comparava a perfeição de seu rosto tranqüilo descansando sobre a sombra daquela árvore. Jerry tinha algo como um poder hipnótico sobre Katy, que fazia com que ela não conseguisse parar de olhá-lo. Como se ela soubesse que nunca mais o veria. Como se estivesse gravando em sua mente aquela sua expressão tão serena e despreocupada. Katy foi para mais perto dele. Agora seus braços se encostavam um no outro, e ela podia sentir o calor que vinha de sua pele. A respiração longa e uniforme. Suas mãos próximas uma da outra. E então ela repousa levemente a sua sobre a dele e continua a observá-lo atentamente. Jerry abre os olhos e a vê dando um meio sorriso para ele. Assim como Katy, Jerry também sabia que ela tinha um certo poder sobre ele. Seus olhos entreabertos a olhavam com a mesma intensidade. Ele podia sentir a eletricidade que saía daquela simples troca de olhares. O nervosismo sempre o dominava quando ele não conseguia encontrar uma palavra certa para dizer, como naquele momento. Ele também se recordava de várias coisas nela. Seu vestido estampado de flores primaveris que sempre o agradava quando voava ao vento fazendo com que Katy os segurasse envergonhada. Dos seus cabelos ondulados e negros que cobria toda as suas costas nua. Dos óculos escuros que a deixava mais charmosa do que sempre foi. Jerry também sabia que nunca esqueceria de tudo isso. Ou talvez a noite daquele dia fosse o que de verdade nenhum dos dois esqueceria. Principalmente Katy. Ela ainda sentia como foi tão doce o toque de sua mão na dela quando a convidou para aquela última dança. Da música lenta que estava tocando naquele lugar. De seu rosto encostado em seu ombro. Das mãos dele pegando em sua cintura. De seus dedos passando delicadamente sobre a gravura da bandeira de seu país em seu braço esquerdo a fazendo lembrar para onde ele ia no outro dia. Aquela farda verde oliva que usava o deixava tão diferente de como ele estava pela manhã. Jerry estava sério e apreensivo. E katy sabia o motivo. Ela aproveitou aquele momento o máximo que pôde. Ela o observava mais uma vez. Uma última vez. Seus braços ao redor do pescoço dele, seus rostos a centímetros do outro. Ele a beijou tão delicado, tão hesitante, tão tenso, que naquele instante ela soube que não o veria mais. Como se aquele beijo fosse a confirmação do que viria a seguir. Da solidão que tomaria conta de sua vida dali em diante. Katy tocava em seus lábios enquanto que voltava para o presente. Sua visão estava perdida e apenas agora ela percebia que estava olhando fixamente para a parede branca bem a sua frente, ainda em seu quarto. Ela estava perdida em seus pensamentos viciantes. Uma lágrima correu em seu rosto e Katy se viu mais uma vez sozinha ali. Enquanto que vários flashbacks ainda vinha em sua memória e não a deixavam em paz. Ela não
  • 3. queria esquecê-los, mas também não queria lembrá-los constantemente. A fazia mal. Pensar em Jerry a fazia sentir uma grande tristeza e perda. O sorriso que ele deu antes de ir pareceu que tudo iria acabar bem. Que ele tinha tudo sobre controle. Mas não tinha. Seu marido acordou e Katy limpou suas lágrimas. Ele se levantou e a beijou no rosto enquanto que ela fingia escovar os cabelos. - Tudo bem? – Ele perguntou. Até naquela voz ela queria achar alguma semelhança. - Sim. Está tudo bem. – Mentiu. Era sempre assim todos os dias. As mesmas respostas para as perguntas que ele fazia. Eles não conversavam como um casal que se importasse um com o outro. O pior era que Katy também não se importava com ele. E ela sabia que aquilo não era justo. O motivo era que ela provou uma vez da perfeição e nenhum outro poderia substituí-lo. Era como um doce com uma surpresa por dentro. Como um príncipe em um cavalo branco. Como ela ficaria melhor, uma vez que teve do melhor? Porque quando Katy estava com aquele homem ela estaria pensando em Jerry. Porque tudo o que queria era que fosse ele que estivesse dormindo com ela todos os dias. Ele era como um sol ardente no meio do inverno. Ele era o único que a fazia ficar realmente bem. Jerry era o melhor. E Katy nunca poderia lhe dizer isso. “Morto em combate.” Era tudo o que Katy lia quando abriu pela primeira vez aquela carta há alguns anos atrás. Ela não acreditava no que estava lendo. Ela esperava que ele voltasse e que fizesse mais outro piquenique como prometeu a ela assim que a guerra terminasse. A guerra acabou, mas Jerry não havia voltado como tinha dito. E ela se arrepende. Ah, Deus! Como ela pôde deixá-lo ir? Se pudesse Katy faria de tudo para voltar para aquela manhã ensolarada no verão de 1944. Agora ela aprendeu a lição. Ela deveria saber... Deveria saber que o amava. Ela queria que ele estivesse olhando em seus olhos como naquela manhã. Porque era lá que Katy gostaria de ficar. Obs:Texto inspirado na letrae videoclipe “Thinking of you” da cantoraKaty Perry =D