1. O Dogma de Cristo, Erich Fromm 1
Capítulo I – Metodologia e natureza do problema
O Problema:
A investigação se ocupa com um problema bem delimitado de psicologia
social, ou seja, a questão relacionada com “os motivos que condicionam a evolução
dos conceitos sobre a relação de Deus Pai com Jesus, desde o início do
Cristianismo até à formulação do Credo de Nicéia, no século IV” (p. 16).
O Método:
Quanto ao método em suas palavras,
“Visa dedicar um espaço relativamente grande a apresentação da situação
de vida dos povos investigados, de sua situação espiritual, econômica social
e política – em suma de suas “superfícies psíquicas.” A descrição da
situação cultural das massas de povos analisadas e a apresentação de seu
meio externo são mais decisivas do que a descrição da situação real, no
estudo de um caso individual” (p. 17).
A Finalidade:
“Compreender a transformação de certos conteúdos da consciência, tal como
se manifesta nas idéias teológicas em conseqüência de uma transformação dos
processos inconscientes” (p. 17).
Capítulo II – A função sócio-psicológica da religião
O homem luta por um máximo de prazer; a realidade social muitas vezes o
obriga a renunciar a muitos dos impulsos, e a sociedade procura recompensar o
indivíduo por essas renúncias, proporcionando-lhe outras satisfações inofensivas
para ela, ou seja, para as classes dominantes.
Essas satisfações podem ser obtidas especialmente por fantasias coletivas,
algumas delas: religião, poesia, a arte, a filosofia. A religião para Erich Fromm tem
três funções:
“Para toda a humanidade, serve de (1) consolo às provações
impostas pela vida; para a grande maioria dos homens, (2) é um estímulo à
aceitação emocional de sua situação de classe; e para a minoria dominante,
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(3) é um alívio dos sentimentos de culpa provocados pelo sofrimento
daqueles a quem oprime” (p. 24).
Fromm procura mostrar como a realidade social influenciou uma situação
específica, num grupo específico, e como as tendências emocionais encontraram
expressão em certos dogmas, em fantasias coletivas, e mostrar ainda mais as
modificações psíquicas provocadas por uma transformação na situação social. Essa
análise procura comprovar o dogma à base de um estudo das pessoas, e não as
pessoas à base de um estudo do dogma.
Capítulo III – Cristianismo primitivo e o conceito de Jesus
Para Fromm comprovar a evolução posterior do dogma, seria necessário
compreender primeiro a característica peculiar da cristologia primitiva. A crença de
que um homem foi elevado a deus é uma expressão do impulso inconsciente de
hostilidade para com o pai, presente nas massas.
Essa versão de Jesus proporcionava certa identificação com as pessoas, de
que em breve se iniciaria a nova era em que os sofredores e oprimidos seriam os
dominadores e seriam com isso, felizes. A crença crista primitiva de que Jesus foi
elevado a deus foi uma manifestação de suas tendências revolucionárias. Isso
explica o por que em um tempo tão curto ele se tornou a religião, também das
massas pagãs oprimidas.
Capítulo IV – A transformação do Cristianismo e o dogma Homoousiano
Fromm nos diz que o Cristianismo sofreu uma séria mudança, que mais para
frente ele chamará de contradição (p. 65). O autor nos diz que a principal
transformação do cristianismo foi a perda de sua ênfase escatológica, que era o
centro da fé. Frases do tipo “O reino de Deus está ao nosso alcance”, “libertação aos
oprimidos.” Isso foi lentamente arrefecendo até ser substituído por uma luta não
mais social e histórica, mas peculiarmente concentrada no individual.
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Essa reversão, segundo Fromm, deu espaço, no século II, para um rigorismo
ético, ou o que se convencionou como uma “vida santa”. Não se olha mais para o
futuro (escatologia), antes, para trás, a salvação espiritual.
Adiante Fromm expõe a transformação de Cristianismo como religião dos
oprimidos, para Cristianismo religião dos governantes e das massas por eles
oprimidas. Igreja seria um termo, ou reflexo da imagem da monarquia absoluta do
Império Romano para Fromm (p. 57).
Além da “nova religião cristã”. O autor nos expõe a mudança no conceito de
Jesus, em suas palavras: “No cristianismo primitivo predominava a idéia de que
Jesus fora elevado a um deus. Com a evolução da Igreja, o conceito da natureza de
Jesus modificou-se: o homem não foi elevado a deus, mas o deus desceu para se
fazer homem.” Segundo Fromm, a transformação teológica é um reflexo da
transformação sociológica, ou seja, da função social do Cristianismo. Agora o
cristianismo não é mais a religião dos revolucionários, mas tem como objetivo
manter as massas na obediência.
Fromm termina o capítulo falando que não apenas o filho mudou, mas
também o pai. De um pai forte e poderoso para uma mãe agasalhadora e protetora,
figura dominante do Cristianismo Medieval.
Capítulo V – Evolução do Dogma até o concílio de Nicéia
Neste capítulo Fromm reafirma a sustentação de sua tese, que é
compreender a evolução do dogma a partir das transformações na situação social e
na função do Cristianismo (p. 72). Para isso ele mostra como essa evolução se
desenvolveu até Nicéia, mostrando alguns grupos que foram taxados de “hereges”,
como os adeptos do Montanismo e outras correntes derivadas do gnosticismo.
Segundo Fromm esse julgamento de “hereges” por parte da Igreja salienta a
influência do rigor autoritário do Estado romano.
O autor também aborda a continuidade do que se convencionou como
Cristologia do Logos que afirma um Deus (Jesus) também uno, de uma natureza co-
igual ao pai, preexistente como o definiu o concílio de Nicéia.
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Capítulo VI – Outra tentativa de interpretação
Este capítulo se presta a analisar alguns métodos usados por estudiosos do
dogma, o de Reik, por exemplo. Fromm analisa que, na verdade, o dogma não é
explicado pelo pensamento compulsivo ou neurótico usado por Reik, mas pelos
motivos políticos e sociais realistas (p. 78). Compreende-se, assim, que as religiões
suficientemente consolidadas por elementos extra-religiosos (como o judaísmo é
pelo seu elemento étnico) podem prescindir quase totalmente de um sistema de
dogmas, no sentido católico.
Capítulo VII – Conclusão
Fromm faz um apanhado do que disse nos capítulos anteriores, em
sequência, seus principais argumentos são (minha análise em forma de perguntas):
1. Como era a fé cristã primitiva? “Uma fé no homem sofredor que se tornou
deus tinha sua significação central no desejo implícito de derrubar o deus pai, ou
seus representantes terrestres. Segue-se a esse cristianismo primitivo uma
identificação por parte das massas, que devido ao seu contexto de vida, estavam
cheios de ódio aos governantes, em uma possível briga por felicidade” (p. 78).
2. Qual foi a mudança crucial do cristianismo primitivo?
O dogma evoluiu e a idéia do deus que se eleva a homem se inverte em o
deus que se faz homem. Ou seja, o pai não precisa mais ser derrubado, e não são
os governantes que tem a responsabilidade do sofrimento das massas. O
cristianismo deixa de ser uma luta história para se aperceber como uma religião do
indivíduo. “Jesus torna-se finalmente Deus sem derrubar Deus, porque sempre foi
Deus” (p. 79).
3. Como isso regrediu acentuadamente?
Segundo Fromm, a regressão aumenta se aprofunda quando encontra
expressão no dogma homoousiano: o Deus paternal, cujo perdão só pode ser obtido
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pelo sofrimento, se transforma “na mãe cheia de graça, que alimenta o filho, abriga-o
em seu ventre, e com isso proporciona-lhe perdão” (p. 79).
A causa da evolução do dogma está, para Fromm, na transformação de
situação sócio-econômica ou no retrocesso das forças econômicas e suas
conseqüências sociais.
Em minha opinião é válida algumas considerações de Fromm acerca do
pensamento evolutivo do Cristianismo até as formulações mais concretas do que ele
chama de dogma. Realmente a igreja passou por uma série de mudanças, quer
sejam boas ou ruins, com certeza mudaram. Não posso deixar de reconhecer que a
situação social peculiar foi, sim, um dos motivos por tal mudança. O que não
podemos é simplesmente fechar a temática com este argumento, pois com certeza
há outros a pesquisar.
Outro ponto interessante foi a percepção que ele notou a respeito da
individualização do cristianismo, o que é realmente uma coisa verdadeira, no entanto
nem de longe absoluta. Em contraste, a efervescência dos primeiros movimentos
cristãos (primitivos). Que posso não concordar com Fromm acerca de seus detalhes,
mas que com certeza havia uma preocupação em estender o Reino de Deus, ou
seja, uma preocupação além do indivíduo, mas com a situação histórica, bem como
as questões de opressão que claramente os cercavam.
Não podemos esquecer-nos de mencionar que o próprio Fromm no prefácio
afirma que “este ensaio foi escrito num período em que eu era rigorosamente
freudiano. (...) minhas opiniões em Psicanálise modificaram-se bastante, e muitas
das formulações deste ensaio seriam diferentes, se as escrevesse hoje” (p. 7).
Recomendo a leitura para conhecermos melhor o pensamento deste
pensador tão influente nos estudos sobre Psicologia da Religião.