2. Capítulo 1
REPRODUÇÃO
SOCIAL
A mudança é um fenómeno extremamente complexo e
que levanta especiais dificuldades quanto à sua
observação, interpretação e compreensão. Tal deve-se,
em grande medida, ao facto de a mudança não ser um
processo contínuo e ininterrupto, mas, ao contrário, feito
de sobressaltos e rupturas que se sucedem a ritmos mais
ou menos espaçados ao longo da História.
iBooks Author
3. Jorge Barbosa vés do processo de socialização e adquirem uma função nor-
Psicologia e Sociologia mativa e reguladora dos seus comportamentos, o que permite
a reprodução da estrutura social. Deste modo, a família e a
2 de Fevereiro de 2012 escola (instituições a abordar mais profundamente dentro em
Reprodução e Mudança Social breve) surgem como dois dos principais agentes da reprodu-
ção social.
1. A Reprodução Social
Na sequência do que foi dito sobre o papel das instituições so-
ciais na organização da vida das sociedades, analisemos ago- 2. A Mudança Social
ra um aspecto indissociável do anterior: o processo de repro- Em geral diz-se que estamos em presença de uma mudança
dução social. social sempre que se transformam as estruturas básicas de
O processo de reprodução so- um grupo social ou da sociedade. Deste modo, o conceito de
cial apresenta-se como o pro- mudança social acentua o carácter instável, dinâmico e aber-
duto do jogo incessante entre to à transformação da ordem social existente.
a estrutura social e a ac- A mudança é um fenómeno extremamente complexo e que
ção social, ou um conjunto levanta especiais dificuldades quanto à sua observação, inter-
de disposições permanentes - pretação e compreensão. Tal deve-se, em grande medida, ao
o habitus, na expressão do soci- facto de a mudança não ser um processo contínuo e ininter-
ólogo francês Pierre Bourdieu rupto, mas, ao contrário, feito de sobressaltos e rupturas que
- que assegura a conservação se sucedem a ritmos mais ou menos espaçados ao longo da
do modelo de sociedade existente, sem impedir a sua modifi- História.
cação (controlada) através das acções individuais. Segundo Guy Rocher, há mudança social quando o fenóme-
Dissemos já que as instituições sociais assumem um pa- no em causa apresenta as seguintes quatro características:
pel fundamental neste processo de reprodução social, ou seja, ๏ É colectivo, afectando as formas de pensar e de agir do
na manutenção da ordem social. todo ou de uma parte considerável da sociedade;
Com efeito, tais instituições, enquanto práticas duradouras ๏ É estrutural, modificando a totalidade ou partes da orga-
no tempo e partilhadas pela generalidade dos membros de nização social;
uma determinada sociedade, são por estes interiorizadas atra-
2
iBooks Author
4. ๏ É comparável com uma situação de referência situada Ora, na origem dos fenómenos de transformação social es-
no passado, permitindo apreciar as mudanças verifica- tão, normalmente, vários factores que actuam de forma in-
das desde então até à situação do presente; ter-relacionada. Isto implica que dificilmente se pode isolar
๏ É durável, distinguindo-se dos epifenómenos instantâ- um desses factores, tomando-o como a única causa explicati-
neos ou efémeros va da mudança, e que a compreensão dessa mudança deve
ser encontrada através da combinação de diversos mecanis-
Dando seguimento a esta caracterização, o mesmo autor defi- mos.
ne assim o conceito sociológico de mudança social: é “toda a
transformação observável no tempo, que afecta, de uma ma- Tais factores podem provocar a mudança a partir quer do in-
neira que não seja provisória ou efémera, a estrutura ou o terior do sistema social (factores endógenos), quer do seu exte-
funcionamento da organização social duma dada colectivida- rior (factores exógenos). No primeiro grupo, encontramos
de e modifica o curso da sua história”. aqueles factores que fazem parte do próprio funcionamento
da vida social, caso dos conflitos que se estabelecem entre in-
divíduos ou grupos (greves, manifestações, etc.). O segundo
grupo remete para factores que, vindo de fora do sistema soci-
al, nele introduzem mudanças (uma descoberta científica, por
ESTRUTURA SOCIAL REPRODUÇÃO SOCIAL exemplo).
Já quanto à natureza dos factores de mudança, é possível divi-
di-los em três categorias (que se podem interligar): económi-
MUDANÇA SOCIAL
ACÇÃO SOCIAL
cos, políticos e culturais.
Colectiva
Factores
Natureza ๏ Ao nível económico são de destacar as mudanças ocorri-
das na sociedade em virtude quer das descobertas cientí-
Estrutural
ficas quer das inovações tecnológicas, originadas pelas
Endógenos Económica
Comparável
necessidades de crescimento do capitalismo industrial.
Exógenos Política Por exemplo, a invenção da máquina a vapor, no passa-
Durável do (que despoletou a Revolução Industrial), e da infor-
Cultural
mática, em meados do século XX, foram dois aconteci-
mentos que originaram o aumento da produção e da ri-
queza, ao mesmo tempo que tiveram enormes impactos
3
iBooks Author
5. em todas as dimensões da actividade social, desde a fa-
mília ao trabalho.
๏ Ao nível político, as decisões tomadas pelos líderes dos
Estados com vista à expansão territorial e ao aumento
da riqueza não deixam de afectar, positiva ou negativa-
mente, a vida das populações, induzindo mudanças soci-
ais. A guerra que os Estados Unidos da América promo-
veram no Vietname, na década de 1960, suscitou enor-
mes protestos da opinião pública americana, a forma-
ção de diversos movimentos sociais antiguerra e, em últi-
ma análise, a difusão de uma consciência pacifista que
ainda hoje se manifesta (veja-se o caso recente da guerra
no Iraque).
๏ Por fim, ao nível cultural, o desenvolvimento da ciência
e do pensamento racional, a par da ruptura com as per-
cepções morais e religiosas do passado, mudou o modo
como pensamos e possibilitou a difusão de atitudes críti-
cas e inovadoras. Também no conteúdo do pensamento se
registaram transformações, patentes na incorporação e
difusão de ideias novas como a liberdade, a igualdade e
a participação democrática. Estas ideias inspiraram, por
seu lado, algumas das mais significativas mudanças polí-
ticas e sociais da história, caso das revoluções.
4
iBooks Author
6. Capítulo 2
A FAMÍLIA
Ao longo das últimas décadas, Portugal e outros
países ocidentais passaram por mudanças nos
padrões familiares, que seriam inimagináveis
para gerações anteriores.
iBooks Author
7. A família No entanto, não foi só a família e a composição do agregado
familiar que sofreram alterações. A mudança nas expectati-
vas criadas pelas pessoas nas suas relações com os outros foi
1. O Conceito de Família igualmente importante. O termo “relações”, aplicado à vida
pessoal, generalizou-se na linguagem corrente há cerca de
A mudança é um dos temas centrais da Sociologia. Vivemos
vinte ou trinta anos, bem como a ideia que existe uma neces-
num mundo turbulento, difícil e estranho. Quer o queiramos
sidade de “intimidade” e “compromisso” na vida pessoal.
ou não, temos de aceitar a mistura de oportunidades e riscos
Nos tempos recentes, uma relação é algo de activo - algo em
que este mundo nos oferece. Esta observação é particular-
que temos de nos empenhar. Para perdurar no tempo, uma
mente relevante quando falamos da nossa vida pessoal e emo-
relação depende da confiança entre as pessoas. A maioria dos
cional.
relacionamentos sexuais são hoje em dia vividos nesses ter-
Ao longo das últimas décadas, Portugal e outros países oci- mos, tal como o casamento. As relações dependem cada vez
dentais passaram por mudanças nos padrões familiares, que mais da colaboração e comunicação entre os participantes. A
seriam inimagináveis para gerações anteriores. A grande di- comunicação emocional tornou-se central não só no relacio-
versidade de famílias e formas de agregados familiares tor- namento que envolve relações sexuais, mas também nas ami-
nou-se um traço distintivo da época actual. As pessoas têm zades e nas interacções entre
menos probabilidade de se virem a casar do que no passado, pais e filhos.
e fazem-no numa idade mais tardia. O índice de divórcios su-
As transformações menciona-
biu significativamente, contribuindo para o crescimento de
das não se limitam aos países
famílias monoparentais. Constituem-se famílias “recompos-
industrializados. Os proces-
tas” através de segundos casamentos, ou através de novas rela-
sos descritos têm vindo a ter
ções que envolvem filhos de relações anteriores. As pessoas
lugar - embora de forma desi-
optam cada vez mais por viverem juntas em coabitação antes
gual - em outras sociedades.
do casamento, ou em alternativa ao casamento. Em resumo,
A sociedade chinesa ilustra
o mundo familiar é hoje muito diferente do que o era há cin-
claramente a natureza contra-
quenta anos. Apesar das instituições do casamento e da famí-
ditória da mudança na esfera familiar. O índice de divórcios
lia ainda existirem e serem importantes nas nossas vidas, o
na China permanece baixo, quando comparado com os paí-
seu carácter mudou radicalmente.
ses ocidentais, embora tenha vindo a aumentar rapidamente
- tal como noutras sociedades asiáticas desenvolvidas. Nas so-
6
iBooks Author
8. ciedades chinesas, o divórcio e a coabitação são cada vez 2. Conceitos Elementares
mais frequentes. Estes factos fizeram com que o Estado pen-
Em primeiro lugar, é necessário definir alguns conceitos bási-
sasse em dificultar a obtenção do divórcio. A legislação actual
cos, em particular os de família, parentesco e casamento.
sobre o casamento, que data dos anos sessenta, é bastante li-
beral. O casamento é visto como um contrato de trabalho Uma família é um grupo de pessoas unidas directamente
que pode ser dissolvido “quando ambos os parceiros o deseja- por laços de parentesco, no qual os adultos assumem a res-
rem”. Mesmo que uma das partes tenha objecções, o divór- ponsabilidade de cuidar das crianças.
cio pode ser concedido quando o “afecto mútuo” já não exis- Os laços de parentesco são relações entre indivíduos estabe-
te entre o casal. Após duas semanas de espera e o pagamento lecidas através do casamento ou por meio de linhas de descen-
de uma pequena taxa administrativa, o casal torna-se inde- dência que ligam familiares consanguíneos (mães, pais, filhos
pendente. e filhas, avós, etc.).
Existe um grande debate na China sobre a defesa dos pa- O casamento pode ser definido como uma união sexual en-
drões familiares “tradicionais”, como os ainda vigentes nas tre dois indivíduos adultos, reconhecida e aprovada social-
zonas rurais. Apesar de políticas oficiais governamentais te- mente. Quando duas pessoas se casam, tornam-se parentes;
rem limitado a natalidade a um ou dois filhos por casal, o ca- contudo, o casamento une também um número mais vasto de
samento e a vida familiar continuam a ser muito mais tradici- pessoas que se tornam paren-
onais nas zonas rurais do que nas áreas urbanas. O casamen- tes. Pais, irmãos e outros fa-
to é um arranjo entre duas famílias, mais dependente dos miliares de sangue tornam-se
pais do que do consentimento dos indivíduos envolvidos. Em parentes do outro cônjuge
algumas províncias, aproximadamente 60% dos casamentos através do casamento.
ainda são organizados pelos pais. Há, no entanto, um aspecto
irónico acarretado pela história da modernização chinesa. A
maior parte dos divórcios que ocorrem nas zonas urbanas chi- As relações familiares são
nesas dá-se entre indivíduos casados segundo a tradição ru- sempre reconhecidas dentro
ral, e na zona rural os divórcios são extremamente raros, en- de grupos de parentesco mais
tre pessoas casadas segundo essa mesma tradição. amplos. Em praticamente todas as sociedades podemos identi-
ficar aquilo que os sociólogos e os antropólogos designaram
como família nuclear, ou seja, dois adultos vivendo juntos
num mesmo agregado com os seus filhos biológicos ou adop-
7
iBooks Author
9. tados. Na maioria das sociedades tradicionais, a família nucle-
ar estava inserida em redes de parentesco mais amplas. Quan-
do outro parente, além do casal e dos filhos, vive na mesma
casa ou está em contacto próximo e contínuo com eles, fala-
mos de família extensa. Uma família extensa pode ser defi-
nida como um grupo de três ou mais gerações que vivem na
mesma habitação ou muito próximas umas das outras. Pode
incluir avós, irmãos e as suas mulheres, irmãs e os seus mari-
dos, tias, tios, sobrinhas e sobrinhos.
Nas sociedades ocidentais, o casamento e, por conseguinte, a
família, está associado à monogamia. É ilegal que um ho-
mem ou uma mulher sejam casados com mais de um indiví-
duo simultaneamente. Contudo, esta situação não se verifica
em todo o mundo. Numa famosa comparação, que envolvia
várias centenas de sociedades em meados do século XIX,
George Murdock descobriu que a poligamia - que permitia
que um homem ou uma mulher tivessem mais do que um
cônjuge - era permitida em mais de 80 por cento delas. Exis-
tem dois tipos de poligamia:
๏ A poliginia, na qual um homem pode ser casado com
mais do que uma mulher ao mesmo tempo;
๏ A poliandria, muito menos comum, na qual uma mulher
pode ter simultaneamente dois ou mais maridos.
8
iBooks Author
10. Capítulo 3
A DIVERSIDADE DA
FAMÍLIA
Ao usarmos o termo “famílias”, sublinhamos a
diversidade das formas familiares. Embora o termo
“família” possa ser usado mais facilmente, é vital
lembrarmo-nos da grande variedade que este abrange.
iBooks Author
11. A Diversidade da Família Muitas das perspectivas adoptadas ainda há poucas décadas
Muitos sociólogos consideram que não podemos falar de “fa- parecem agora muito menos convincentes, tendo em conta as
mília”, como se existisse um modelo de vida familiar mais ou pesquisas mais recentes e as mudanças importantes que ocor-
menos universal. A predominância da família nuclear tradici- reram no mundo social. Não obstante, é pertinente traçar bre-
onal foi sofrendo uma erosão pronunciada ao longo da segun- vemente a evolução do pensamento sociológico, antes de ana-
da metade do século XX, como veremos ao longo deste capí- lisarmos as abordagens contemporâneas no estudo da famí-
tulo. Menos de um quarto (25%) dos agregados familiares na lia.
Grã-Bretanha, por exemplo, estão conformes com o modelo
tradicional de família. Existem também diferenças vincadas 1.1. A abordagem Funcionalista
nos padrões familiares entre os grupos étnicos minoritários. A perspectiva funcionalista vê a sociedade como um conjun-
Por exemplo, os agregados familiares de origem asiática são to de instituições sociais que desempenham funções específi-
muitas vezes compostos por algo mais do que uma família cas, assegurando a continuidade e o consenso do todo social.
com filhos, enquanto as comunidades negras são caracteriza- De acordo com esta perspectiva, a família desempenha fun-
das pela existência de um grande número de famílias mono- ções importantes que contribuem para satisfazer as necessida-
parentais. des básicas da sociedade e para a reprodução da ordem soci-
Por estas razões, parece mais apropriado falar-se de “famíli- al. Os sociólogos que trabalham na tradição funcionalista re-
as”. Ao usarmos o termo “famílias”, sublinhamos a diversida- conhecem que a família nuclear desempenha determinados
de das formas familiares. Embora o termo “família” possa ser papeis especializados nas sociedades modernas. Com o adven-
usado mais facilmente, é vital lembrarmo-nos da grande vari- to da industrialização, a família tornou-se menos importante
edade que este abrange. enquanto unidade de produção económica, acentuando o seu
papel na reprodução, procriação e socialização.
Perspectivas Teóricas sobre a Família Segundo o sociólogo Talcott Parsons, as duas grandes fun-
O estudo da família e da vida familiar tem sido conduzido de ções desempenhadas pela família são: a socialização primária e
modo diferente por sociólogos com posições contrastantes. a estabilização da personalidade. A socialização primária é o
10
iBooks Author
12. processo através do qual a criança apreende as normas cultu- Na época actual, a visão que Parsons apresenta da família sur-
rais da sociedade onde nasce. Em virtude desta aprendiza- ge como inadequada e datada no tempo. As teorias funciona-
gem, ocorrido nos primeiros anos de vida da criança, a famí- listas da família foram alvo de duras críticas pela sua justifica-
lia é a mais importante “arena” para o desenvolvimento da ção da divisão do trabalho entre homens e mulheres no espa-
personalidade humana. Por estabilização da personali- ço doméstico, como sendo algo de natural e consensual. No
dade entende o papel desempenhado pela família na assistên- entanto, estas teorias tornam-se mais compreensíveis se fo-
cia emocional aos membros adultos da família. O casamento rem vistas à luz do contexto histórico em que emergiram. Os
entre homens e mulheres adultos é o dispositivo, através do anos imediatos do pós-guerra presenciaram o regresso das
qual a personalidade dos adultos é suportada e mantida a um mulheres aos seus papeis domésticos tradicionais, e o retomar
nível saudável. Afirma-se que o papel da família na estabiliza- pelos homens da sua posição de único “ganha-pão” da famí-
ção das personalidades adultas na sociedade industrial é de lia. Contudo, podemos criticar a visão funcionalista da famí-
importância crucial. Tal sucede porque a família nuclear está lia noutros aspectos. Ao enfatizar a importância da família no
geralmente distanciada dos parentes extensos, tornando-se in- desempenho de determinadas funções, Parsons negligencia o
capaz de manter laços de parentesco mais amplos, como ocor- papel activo de outras instituições sociais, como o governo, os
ria antes da industrialização. meios de comunicação social e as escolas, na socialização da
Para Parsons, a família nuclear era a unidade mais bem equi- criança. A abordagem funcionalista omite as variações nas
pada para suportar as imposições da sociedade industrial. Na formas familiares, que não correspondem ao modelo da famí-
“família convencional” um dos adultos pode trabalhar fora lia nuclear. As famílias que não se encaixavam no modelo
de casa, enquanto o segundo toma conta da casa e das crian- “ideal” da família branca, de classe média dos subúrbios,
ças. Em termos práticos, esta especialização dos papeis na fa- eram vistas como desviantes.
mília nuclear envolveu, por um lado, a atribuição ao marido
do papel “instrumental” de “ganha-pão”, e por outro lado a 1.2. Abordagens Feministas
aceitação, por parte da esposa, do papel emocional e “afecti- Para muitas pessoas, a família proporciona uma fonte vital de
vo” desempenhado no espaço doméstico. consolo e conforto, amor e companheirismo. No entanto,
11
iBooks Author
13. também pode ser um lugar de exploração, solidão e profunda Os trabalhos feministas enfatizaram um vasto espectro de tó-
desigualdade. O movimento feminista teve um grande impac- picos, mas três grandes temáticas são de particular importân-
to na sociologia ao contestar a visão da família como um es- cia.
paço harmonioso e igualitário. Uma das primeiras vozes “dis- Uma das preocupações centrais é a divisão doméstica do trabalho
sonantes” foi, em 1965, a da feminista americana Betty Frei- - a forma como as tarefas são distribuídas entre os membros
dan, que escreveu sobre o “problema sem nome” - o isola- do agregado familiar. Entre feministas existem opiniões diver-
mento e o aborrecimento que atingiam muitas donas de casa gentes sobre a emergência histórica desta divisão. Enquanto
dos subúrbios norte-americanos, ao serem relegadas para um algumas feministas consideram que se trata de uma conse-
ciclo interminável de criação de filhos e trabalho doméstico. quência do capitalismo industrial, outras reclamam a sua liga-
Durante as décadas de 70 e 80, as perspectivas feministas do- ção ao patriarcado que antecedeu a industrialização. Existem
minaram grande parte dos debates e pesquisas sobre a famí- razões para acreditar que a divisão doméstica do trabalho já
lia. Se previamente a sociologia da família havia focado as es- existia antes da industrialização, mas parece claro que a pro-
truturas familiares, o desenvolvimento histórico da família nu- dução capitalista originou uma distinção definitiva entre os
clear e extensa, bem como a importância dos laços de paren- espaços doméstico e de trabalho. Este processo resultou na
tesco, o feminismo teve êxito ao dirigir a sua atenção para o cristalização de “espaços masculinos” e “espaços femininos”,
interior das famílias, examinando as experiências das mulhe- e em relações de poder que ainda hoje se fazem sentir. Até
res no espaço doméstico. Muitas escritoras feministas questio- muito recentemente o modelo do ganha-pão masculino esta-
naram a visão da família como unidade cooperativa baseada va muito difundido nas sociedades industrializadas.
em interesses comuns e no suporte mútuo. Tentaram mostrar As sociólogas feministas conduziram estudos sobre a forma
como a presença desigual de poder no interior das relações como as tarefas domésticas, a criação dos filhos e o trabalho
familiares significa que determinados membros da família ten- de casa, são partilhadas entre homens e mulheres. Investiga-
dem a beneficiar mais do que outros. ram a validade de afirmações como a relativa à existência da
“família simétrica”, segundo a qual, ao longo dos tempos, as
famílias têm-se tornado cada vez mais igualitárias na distribu-
12
iBooks Author
14. ição de funções e responsabilidades. As conclusões compro- nistas procuraram compreender como a família se torna uma
vam que as mulheres continuam a carregar uma maior res- “arena” para a opressão de género e para o abuso físico.
ponsabilidade nas tarefas domésticas, possuindo menos tem- O estudo das actividades assistenciais é uma terceira área onde
po de lazer do que os homens, apesar de um número cada os estudos feministas representaram um importante contribu-
vez maior de mulheres trabalharem num emprego pago fora to. Esta é um espaço amplo que abrange uma enorme varie-
de casa. dade de processos, desde a assistência a um membro da famí-
Seguindo uma temática semelhante, alguns sociólogos têm lia que está doente, até tomar conta de um parente idoso du-
vindo a examinar os ambientes contrastantes de trabalho rante um longo período de tempo. Por vezes, tomar conta de
pago e do não pago, focando a sua atenção na contribuição alguém significa apenas estar preocupado com o bem-estar
do trabalho doméstico não pago das mulheres para a econo- psicológico de outra pessoa - algumas autoras feministas têm-
mia em geral. Outros têm investigado a forma como os recur- se interessado pelo “trabalho emocional” no seio das rela-
sos são distribuídos entre os membros da família, e os pa- ções. As mulheres tendem não só a encarregar-se de tarefas
drões de acesso às finanças do agregado e o seu controlo. concretas como a limpeza e a criação dos filhos, como tam-
Em segundo lugar, as feministas têm chamado a atenção para bém investem uma grande quantidade de trabalho emocional
as relações de poder desiguais existentes num grande número de na manutenção das relações pessoais. Embora as actividades
famílias. Em resultado desta situação, um tópico tem mereci- assistenciais se baseiem no amor e em emoções profundas, es-
do uma maior atenção, o fenómeno da violência doméstica. tas também são uma forma de trabalho, que exige capacida-
O “espancamento da esposa”, a violação conjugal, o incesto de para ouvir, perceber, negociar e agir criativamente.
e o abuso sexual das crianças têm recebido mais atenção pú-
blica como resultado das reivindicações feministas que argu- 1.3. Novas Perspectivas na Sociologia da Família
mentam que os aspectos violentos e abusivos da vida familiar
Os estudos teóricos e empíricos conduzidos a partir da pers-
têm continuamente sido ignorados nos contextos académico
pectiva feminista, durante as últimas décadas, têm gerado um
e legal, bem como nos círculos políticos. As sociólogas femi-
aumento do interesse pela família entre os académicos e a po-
pulação em geral. Termos como o “segundo turno” - que se
13
iBooks Author
15. refere ao papel duplo da mulher, em casa e no trabalho - en-
traram na linguagem corrente. No entanto, em virtude de os Beck e Beck-Gernsheim
estudos feministas da família focarem frequentemente temas Em The Normal Chaos of Love (1995), Ulrich e Elisabeth Beck-
específicos do âmbito doméstico, nem sempre reflectem as Gernsheim examinam a natureza tumultuosa das relações
grandes mudanças e influências que têm lugar fora desse con- pessoais, os casamentos e padrões de família num mundo em
texto. rápida mudança. Os autores argumentam que as tradições,
Na última década do século XX emergiu um importante cor- regras e linhas de orientação que governavam as relações pes-
po de literatura sociológica da família que se apoia nas pers- soais já não se aplicam, e que os indivíduos sãõ actualmente
pectivas feministas, mas que não se baseia estritamente nelas. confrontados com uma série interminável de escolhas, que fa-
A preocupação central incide sobre as grandes transforma- zem parte do processo de construção, ajustamento e melhora-
ções que têm vindo a ocorrer nas formas de família - a forma- mento, ou dissolução, das uniões que formam com os outros.
ção e a dissolução das famílias e lares, e a evolução das expec- O facto de os casamentos serem actualmente uniões voluntári-
tativas individuais no seio das relações. O crescimento do di- as e não relacionamentos que obedecem a motivos económi-
vórcio e dos agregados monoparentais, a emergência das “fa- cos ou que são impostos pelas famílias, acarreta tanto novas
mílias recompostas”, as famílias gay e a popularidade da coa- liberdades como novos constrangimentos, exigindo um gran-
bitação são algumas das temáticas que geram interesse. No de empenho em termos de esforço e dedicação.
entanto, estas transformações não podem ser compreendidas Para Beck e Beck-Gernsheim a nossa época esta repleta de
se as separarmos das grandes mudanças que ocorreram na interesses conflituosos entre a família, o trabalho, o amor e a
nossa época de modernidade tardia. Para podermos compre- liberdade para prosseguir objectivos individuais. A colisão é
ender a relação entre as transformações pessoais e os padrões sentida de uma forma mais incisiva nas relações pessoais, par-
de transformação global, temos de prestar atenção às mudan- ticularmente quando existem duas “biografias de mercado de
ças que ocorrem ao nível da organização da sociedade e in- trabalho” em vez de uma. Os autores querem dizer com esta
clusivamente a nível global. Uma das mais importantes con- expressão que, além dos homens um número crescente de mu-
tribuições para este grupo de obras é a da equipa formada lheres tem carreiras profissionais no decurso das suas vidas.
pelo casal Ulrich Beck e Elisabeth Beck-Gernsheim.
14
iBooks Author
16. Outrora existia uma maior tendência por parte das mulheres grande procura de tratamentos de fertilidade. Poucas pessoas
para trabalhar a tempo parcial fora de casa, ou retirar um podem desejar casar-se, mas o desejo de viver com outra pes-
tempo significativo às suas carreiras para o dedicar à criação soa e fazer parte de um casal continua certamente firme. O
dos filhos. Estes padrões são, hoje em dia, menos fixos do que que é que poderá explicar estas tendências opostas?
antigamente; tanto os homens como as mulheres dão hoje De acordo com estes autores a resposta é muito simples: o
uma importância enorme às suas necessidades pessoais e pro- amor. Beck e Beck-Gernsheim argumentam que a “batalha
fissionais. Os autores concluem que as relações na nossa épo- dos sexos” a que se assiste hoje em dia é o mais claro indica-
ca moderna são, por assim dizer, muito mais do que relações. dor da “sede de amor” sentida pelas pessoas. As pessoas ca-
Não só o amor, o sexo, os filhos, o casamento e os deveres do- sam-se por causa do amor e divorciam-se por causa do amor;
mésticos são tópicos de negociação nas relações, mas também as pessoas empenham-se num interminável ciclo de esperan-
o são os tópicos que têm a ver com o trabalho, a política, a ça, arrependimento e novas tentativas. Enquanto por um
economia, as profissões, e a desigualdade. Os casais moder- lado as tensões entre homens e mulheres tendem a aumentar,
nos enfrentam um conjunto variado de problemas, que vão por outro lado permanece uma grande fé e esperança na pos-
dos mais mundanos aos mais profundos. sibilidade de encontrar um grande amor que conduza a uma
Sendo assim, talvez não seja surpreendente que o antagonis- maior realização pessoal.
mo entre homens e mulheres se encontre em crescimento. Os Pode pensar-se que o “amor” é uma resposta muito simplista
autores defendem que a “batalha entre os sexos” é o “drama para responder às complexidades da época actual. Mas os au-
central dos nossos tempos”, como o mostram o crescimento tores argumentam que é precisamente por o nosso mundo se
da indústria de aconselhamento matrimonial, os tribunais de ter tornado tão opressivo, impessoal, abstracto e em mudan-
família, os grupos de auto-ajuda marital, e os índices de divór- ça constante, que o amor se tornou cada vez mais importan-
cio. Todavia, embora o casamento e a vida familiar pareçam te. De acordo com estes autores, o amor é o único lugar onde
muito mais débeis do que antigamente, ainda são muito im- as pessoas podem verdadeiramente encontrar-se e ligar-se a
portantes para as pessoas. Os divórcios são cada vez mais co- outros. Num mundo de incerteza e risco como o nosso, o
muns, mas os índices de novos casamentos são elevados. A amor é algo bem real. É uma força poderosa que obedece às
taxa de natalidade pode estar em declínio, mas existe uma
15
iBooks Author
17. suas próprias regras e que inscreve as suas mensagens nas ex-
pectativas, ansiedades e padrões de comportamento das pes-
soas. No nosso mundo flutuante, o amor tornou-se uma nova
fonte de fé, mas também de insatisfação.
16
iBooks Author
18. Capítulo 4
CASAMENTO E
DIVÓRCIO
As pessoas que tenham sido divorciadas podem colocar
mais expectativas no casamento do que as que se casam
pela primeira vez. Assim, podem igualmente ter uma
propensão maior para dissolver os novos casamentos do
que aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os
segundos casamentos que perduram são, de uma forma
geral, mais satisfatórios do que os primeiros.
iBooks Author
19. Casamento e Divórcio tugal, um pouco mais tarde, seguiram o exemplo, embora
com variações de pormenor.
Estarão Beck e Beck-Gernsheim certos ao dizerem que o an- Obviamente, as crescentes taxas de divórcio não são um índi-
tagonismo entre homens e mulheres é o “drama central dos ce directo de infelicidade conjugal. Por um lado, as taxas de
nossos tempos”? As estatísticas de casamento e divórcio dão divórcio não incluem as pessoas que se separam, mas não es-
algum suporte a esta tese. O aumento das taxas de divórcio tão legalmente divorciadas. Além disso, pessoas infelizes no
tem sido uma das tendências mais importantes que influenci- casamento podem preferir manter-se juntas - porque acredi-
ou os padrões familiares em muitas sociedades industrializa- tam na santidade do matrimónio, porque se preocupam com
das. as consequências financeiras e económicas da separação, ou
ainda por preferirem ficar juntas para proporcionar aos filhos
Durante muito tempo, o casamento foi considerado no Oci-
um lar “familiar”. A infelicidade conjugal será, portanto, mui-
dente como praticamente indissolúvel. O divórcio era apenas
to superior ao que as taxas de divórcio poderão significar.
concedido em casos muito especiais, como a não consumação
do casamento. Num ou noutro país industrializado, o divór- Por que razão se estará a tonar o divórcio cada vez mais co-
cio não é ainda reconhecido, mas trata-se hoje em dia de mum? Há vários factores envolvidos, que têm a ver com mu-
exemplos isolados. A maioria dos países optou rapidamente danças sociais mais amplas. Excepto para uma pequena pro-
por facilitar o divórcio. Os chamados divórcios litigiosos eram porção de pessoas ricas, o casamento, hoje em dia, já não
característicos de praticamente todos os países industrializa- está relacionado com desejo de perpetuar a propriedade e a
dos. Sob este sistema, para ser permitido o divórcio era neces- posição social de geração em geração. À medida que as mu-
sário que um dos esposos apresentasse queixa (maus-tratos, lheres se vão tornando economicamente mais independentes,
abandono ou adultério, por exemplo) contra o outro. As pri- o casamento deixa de ser uma necessidade económica para
meiras leis de divórcio por comum acordo foram introduzi- os cônjuges como acontecia outrora. Uma maior prosperida-
das em alguns países em meados década de sessenta do sécu- de global significa que é mais fácil hoje em dia estabelece-
lo XX. Desde então, muitos países ocidentais, incluindo Por- rem-se residências autónomas, em caso de separação conju-
gal, do que antigamente. O facto de o divórcio não ser hoje
18
iBooks Author
20. um grande factor de estigma é em parte o resultado de tudo Giddens, 2010). O estado monoparental tende a ser transitó-
isto, mas também lhe dá impulso. Um outro factor importan- rio, e as suas fronteiras são bastante fluidas. Existem múlti-
te é a tendência crescente para avaliar o casamento em ter- plos caminhos que conduzem ao estado monoparental, e ou-
mos da satisfação pessoal que possa oferecer. As taxas crescen- tros tantos que conduzem à saída deste mesmo estado.
tes de divórcio não parecem indicar uma profunda insatisfa- Entre as famílias monoparentais, a categoria que cresce mais
ção com o casamento propriamente dito, mas uma determi- rapidamente é a de mãe solteira, que nunca casou. É difícil
nação cada vez maior para fazer dele uma relação gratifican- saber quantas destas mulheres optaram deliberadamente por
te e satisfatória. criar os filhos sozinhas. A maioria das mulheres não deseja
ser uma progenitora só, mas há uma minoria cada vez maior
Agregados Monoparentais que opta por sê-lo - decidem ter um ou mais filhos sem o
apoio de um cônjuge ou parceiro. “Mães solteiras por opção”
Os agregados monoparentais têm-se tornado cada vez mais
é uma descrição adequada a algumas progenitoras, que possu-
comuns nas últimas três décadas. Mais de vinte por cento das
em normalmente recursos suficientes para gerir satisfatoria-
crianças dependentes vivem actualmente em agregados mo-
mente um agregado monoparental. Para a maioria das mães
noparentais. Na sua maioria - aproximadamente 90% - são
sós ou solteiras a realidade é diferente; há uma grande corre-
encabeçados por mulheres (Anthony Giddens, 2010). Muitos
lação entre a taxa de nascimentos fora do casamento e indica-
progenitores solitários, quer tenham estado casados ou não,
dores de pobreza e exclusão social.
enfrentam ainda a desaprovação social e a insegurança finan-
ceira. Contudo, os termos mais antigos e mais discriminatóri- Há quem argumente que a grande diversidade de “cami-
os como “mulher abandonada”, “famílias sem pai” e “lares nhos” para entrar ou para sair das famílias monoparentais si-
desfeitos” tendem a desaparecer. gnifica que os progenitores solitários como um todo não são
um grupo unificado ou coeso. Embora as famílias monopa-
Há uma grande diversidade interna nesta categoria da famí-
rentais partilhem em comum algumas desvantagens sociais e
lia monoparental. Mais de metade das mães viúvas, por exem-
materiais, apresentam uma identidade colectiva difusa. A plu-
plo, são proprietárias das casas que habitam, mas a grande
ralidade de caminhos que levam ao estado monoparental e à
maioria das mães solteiras vivem em casas arrendadas (A.
19
iBooks Author
21. saída do mesmo significa que, para efeitos de política social, Por mais estranho que possa parecer, estatisticamente, a me-
as suas fronteiras são difíceis de definir e as suas necessidades lhor forma de maximizar as oportunidades de casamento é,
difíceis de apontar. para ambos os sexos, ter sido casado anteriormente. As pesso-
as que já foram casadas e se divorciaram têm mais probabili-
Voltar a Casar dades de voltar a casar do que as pessoas solteiras da mesma
idade. Em todos os grupos etários, os homens divorciados são
Um novo casamento envolve várias circunstâncias. Alguns ca-
mais propensos a voltar a casar do que as mulheres divorcia-
sais que voltam a casar têm pouco mais de 20 anos e nenhum
das. Em termos estatísticos, pelo menos, os novos casamentos
dos parceiros leva filhos para a nova relação. As pessoas que
são menos bem sucedidos do que os primeiros. As taxas de di-
voltam a casar quando têm perto de 30 ou 40 anos podem le-
vórcio de segundos casamentos são mais elevadas do que as
var um ou mais filhos do casamento (ou casamentos) anterior
taxas dos primeiros.
para viver na mesma casa com o novo cônjuge. Aqueles que
Isto não significa que os segundos casamentos estejam conde-
voltam a casar numa idade mais tardia podem ter filhos adul-
nados a falhar. As pessoas que tenham sido divorciadas po-
tos que nunca irão viver nos novos lares que os pais estabele-
dem colocar mais expectativas no casamento do que as que
cem. Podem existir também filhos deste novo casamento.
se casam pela primeira vez. Assim, podem igualmente ter
Qualquer dos cônjuges podia ser anteriormente solteiro, di-
uma propensão maior para dissolver os novos casamentos do
vorciado ou viúvo, factores que levam a oito combinações
que aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os segun-
possíveis. Por conseguinte, embora valha a pena salientar al-
dos casamentos que perduram são, de uma forma geral, mais
gumas questões gerais, as generalizações acerca de novos ca-
satisfatórios do que os primeiros.
samentos devem ser feitas com relativo cuidado.
Até à idade de 35 anos, a maioria dos segundos casamentos Famílias Recompostas
envolve pessoas divorciadas. A partir dessa idade, aumenta o Uma família recomposta pode ser definida como uma família
número de novos casamentos de viúvas e viúvos, e pelos 55 em que pelo menos um dos adultos tem filhos de um dos ma-
anos o número de casamentos entre viúvos é maior do que o trimónios anteriores. Existem alegrias e benefícios associados
de novos casamentos entre pessoas divorciadas. às famílias recompostas, e ao crescimento de famílias exten-
20
iBooks Author
22. sas que daí provém. No entanto, tendem igualmente a surgir apropriado? Será que estes deveriam disciplinar os enteados
certas dificuldades. como um progenitor biológico o faria? Como é que um pa-
Em primeiro lugar, existe normalmente um progenitor bioló- dastro ou madastra deverá tratar o novo esposo do seu parcei-
gico que vive em outro lugar e cuja influência sobre o filho ro anterior quando este for buscar as crianças?
ou filhos provavelmente se mantém intensa. As famílias recompostas estão a desenvolver novos tipos de re-
Em segundo lugar, as relações de cooperação entre pessoas lações de parentesco nas sociedades ocidentais; as dificulda-
divorciadas tornam-se muitas vezes tensas quando um ou am- des criadas pelos segundos casamentos depois do divórcio tam-
bos voltam a casar. Pensemos no caso de uma mulher com bém são novas. Os membros dessas famílias estão a desenvol-
dois filhos, que casa com um homem que também tinha ou- ver as suas formas próprias de ajustamento às circunstâncias
tros dois filhos, passando a viver todos juntos. Se os progenito- relativamente inéditas em que se encontram. Actualmente,
res “exteriores” insistirem que os filhos os continuem a visitar alguns autores falam já em famílias binucleares, entendendo por
com a mesma regularidade de outrora, as tensões inerentes à tal que dois agregados familiares depois de um divórcio conti-
manutenção da unidade do novo agregado familiar serão exa- nuam a implicar um único sistema familiar sempre que há cri-
cerbadas. Por exemplo, pode tornar-se impossível reunir a anças envolvidas, mas com dois núcleos.
nova família aos fins de semana. Na presença de transformações tão ricas e confusas, talvez a
Em terceiro lugar, as famílias recompostas misturam filhos conclusão mais apropriada a que se possa chegar seja a de
provenientes de meios diferentes, que podem ter expectativas que embora os casamentos acabem em divórcio, as famílias
variadas quanto ao comportamento familiar apropriado. enquanto tal permanecem. Em especial quando há crianças
Dado a maioria dos enteados “pertencer” a dois agregados envolvidas, persistem muitos laços, apesar de se construírem
familiares, é provável que venham a existir confrontos consi- novas relações familiares através de novos matrimónios.
deráveis de hábitos e perspectivas.
Há poucas normas que definam a relação entre enteados e O “Pai Ausente”
padastros. Deverá o enteado chamar o padastro ou madastra O período que vai dos anos 30 até à década de 70 foi já desi-
pelo seu nome, ou será “pai” e “mãe” o tratamento mais gnado por vezes como o período do “pai ausente”. Durante a
21
iBooks Author
23. Segunda Guerra Mundial, muitos pais quase não viam os fi- os rapazes que crescem sem pais irão ter de lutar para eles
lhos porque estavam no campo de batalha ou a prestar servi- próprios serem pais bem sucedidos.
ço militar. No período que se seguiu à guerra, numa percenta- Uma abordagem diferente da “crise da paternidade” é a de-
gem elevada de famílias, a maioria das mulheres não tinha fendida por Francis Fukuyama. Este autor localiza as raízes
uma actividade laboral paga e ficava em casa a tomar conta da “grande ruptura” na família nos níveis crescentes de em-
dos filhos. O pai era o principal ganha-pão da família e, con- prego feminino. O autor não afirma que as mulheres que tra-
sequentemente, estava fora de casa durante o dia inteiro, só balham negligenciam as suas responsabilidades na criação
estando com os filhos à noite e ao fim de semana. dos filhos, mas antes (e paradoxalmente) que os homens vêem
Com o aumento das taxas de divórcio nos últimos anos e o as mulheres como mais independentes e capazes de tomar
número cada vez maior de agregados monoparentais, a ques- conta de qualquer criança gerada por elas. Se outrora os jo-
tão do “pai ausente” passou a ter outro significado. Hoje em vens eram obrigados a assumir a responsabilidade dos seus
dia esta expressão refere-se a pais que, em consequência de actos, a emancipação da mulher conduziu-os a comporta-
uma separação ou divórcio, têm muito pouco contacto com rem-se menos responsavelmente do que antes.
os filhos ou deixam pura e simplesmente de estar com eles. Há quem defenda que sociedades com taxas elevadas de di-
Escrevendo a partir de perspectivas diferentes, sociólogos e vórcio enfrentam não só a perda dos pais mas a própria ero-
analistas têm dito que o número cada vez maior de famílias são da ideia de paternidade - com consequências sociais gra-
sem pai está na origem de toda uma série de problemas soci- víssimas, na medida em que, hoje em dia, muitas crianças
ais, que vão do aumento da criminalidade à multiplicação crescem sem um modelo de autoridade, a quem possam re-
dos custos com a educação das crianças. Alguns autores argu- correr nas alturas em que mais necessitam dele. Em todas as
mentam que as crianças nunca serão membros efectivos de sociedades conhecidas até ao presente, o casamento e a pater-
um grupo social, se não forem expostas a exemplos constan- nidade fornecem um meio de canalizar as energias sexuais e
tes de negociação, cooperação e compromisso entre adultos agressivas masculinas. Sem estas instituições, estas energias
no seu ambiente imediato. De acordo com tais argumentos, expressar-se-ão provavelmente na criminalidade e na violên-
cia.
22
iBooks Author
24. Será mesmo assim? A questão do pai ausente sobrepõe-se a
outra questão mais geral referente aos efeitos do divórcio so-
bre as crianças - e, como se viu, as conclusões tiradas a partir
dos dados disponíveis não são nada claras. Podemos colocar
a seguinte questão: “Será que um mau pai gera maus filhos?
Não serão alguns pais prejudiciais à família?” Alguns estudio-
sos sugerem que a questão central não é a de saber se o pai
está ou não presente, mas se está comprometido com a vida
familiar e com a paternidade. Por outras palavras, a configu-
ração do lar pode não ser tão importante quanto a qualidade
do afecto, atenção e suporte que as crianças recebem dos
membros da família.
23
iBooks Author
25. Capítulo 5
ALTERNATIVAS
AO
CASAMENTO
Lorem ipsum dolor sit amet, ligula suspendisse nulla
pretium, rhoncus tempor placerat fermentum, enim
integer ad vestibulum volutpat. Nisl rhoncus turpis est,
vel elit, congue wisi enim nunc ultricies sit, magna
tincidunt. Maecenas aliquam maecenas ligula nostra,
accumsan taciti. Sociis mauris in integer, a dolor netus
non dui aliquet, sagittis felis sodales, dolor sociis mauris,
vel eu est libero cras.
iBooks Author
26. Alternativas ao Casamento o tempo de duração da coabitação ter vindo a aumen-
tar e cada vez mais casais a escolherem em alternativa
Coabitação ao casamento. Os jovens têm passado a viver juntos
A coabitação é uma situação que tem lugar quando mais pela marcha dos acontecimentos do que por um
um casal vive junto e mantém relações sexuais sem ha- planeamento calculado. Um casal que mantenha um
ver casamento - tem vindo a generalizar-se na maioria relacionamento sexual passa cada vez mais tempo jun-
das sociedades ocidentais. Se anteriormente o casamen- to, acabando um ou outro por abdicar da sua habita-
to era a base definitiva da união entre duas pessoas, ac- ção individual. Os jovens que vivem juntos quase sem-
tualmente tal já não acontece. Hoje em dia começa a pre planeiam casar-se, mas não necessariamente com o
ser mais apropriado falar-se em juntar-se e separar-se. seu parceiro de então. Só uma minoria destes casais
Um número crescente de casais, envolvidos em rela- tem um orçamento conjunto.
ções de longa duração, escolhem não se casar, e em vez Num estudo levado a cabo por investigadores da Uni-
disso optam por viver juntos e criar assim os seus filhos. versidade de Nottingham, em 1999, os sociólogos con-
Apesar da coabitação se ter tornado cada vez mais po- duziram entrevistas a uma amostra de casais que coabi-
pular, pesquisas recentes indicam que o casamento con- tavam ou estavam casados, com filhos com menos de
tinua ainda a ser mais estável. Existe uma maior proba- 11 anos, bem como a uma amostra constituída pelos
bilidade de separação entre os casais que vivem juntos, seus pais, que ainda eram casados. Estes sociólogos inte-
do que entre os casais casados. ressavam-se pelas diferenças em matéria de compromis-
Actualmente, a coabitação num grande número de paí- so, entre as pessoas casadas mais velhas, e os casais da
ses ocidentais parece ser para a maioria das pessoas um nova geração. Os investigadores concluíram que a jo-
estágio experimental anterior ao casamento, apesar de vem geração, tanto os casados como os que viviam em
25
iBooks Author
27. coabitação, tinham mais em comum entre si, do que juntos. Muitas das características tradicionais das rela-
com os seus pais. Enquanto a geração mais velha via o ções heterossexuais - como o acompanhamento mútuo,
casamento em termos de obrigações e deveres, a nova o afecto e a responsabilidade em caso de doença, a par-
geração valorizava os compromissos livremente aceites. tilha do dinheiro, e outras mais - estão a integrar-se nas
A grande diferença entre os mais novos residia no facto famílias homossexuais através de formas que não eram
de alguns deles preferirem ver o seu compromisso reco- possíveis antigamente.
nhecido publicamente através do casamento. Existe, desde os anos 80 do século XX, um interesse
académico crescente pelas famílias homossexuais de
Casais Homossexuais um ou de outro sexo. Os sociólogos observaram que as
Actualmente, muitos homens e mulheres homossexuais relações homossexuais apresentam formas de intimida-
mantêm relacionamentos estáveis como casais. As rela- de e de igualdade muito diferentes das que são comuns
ções entre homens e mulheres homossexuais são muito nos casais heterossexuais. As relações homossexuais
mais baseadas no compromisso pessoal e na confiança têm de ser construídas e negociadas fora das normas e
mútua do que na lei, pois a maior parte dos países ain- linhas de orientação que governam muitas uniões hete-
da não aprova o casamento entre homossexuais, e na- rossexuais, sobretudo porque os papeis tradicionais dos
queles em que já existe uma lei favorável (como em Por- géneros não são facilmente aplicáveis aos casais do mes-
tugal), as coisas ainda não se passam com a naturalida- mo sexo. Há ainda quem sugira que a epidemia da
de necessária. Tem-se aplicado a expressão “famílias SIDA foi um factor importante no desenvolvimento de
de escolha” às relações homossexuais, pois estas reflec- uma cultura distinta de afecto e compromisso entre par-
tem as formas positivas e criativas da vida quotidiana ceiros homossexuais, por ter fornecido razões para o es-
que os casais homossexuais cada vez mais levam a cabo tabelecimento de relações mais estáveis e duradouras.
26
iBooks Author
28. Alguns autores distinguem três padrões significativos
nos casais homossexuais de um e de outro sexo.
๏ Em primeiro lugar, existe uma maior oportunidade
de igualdade entre os parceiros, pois estes não são guia-
dos pelos estereótipos culturais e sociais que condici-
onam as relações heterossexuais.
๏ Em segundo lugar, os parceiros homossexuais nego-
ceiam os parâmetros e o funcionamento das suas rela-
ções. Enquanto os casais heterossexuais são influenci-
ados por papeis associados ao género socialmente en-
raizados, entre os casais do mesmo sexo as expectati-
vas sobre quem faz o quê numa relação são meno-
res. Por exemplo, se nos casais heterossexuais, as mu-
lheres tendem a ocupar-se mais do trabalho domésti-
co e da criação dos filhos, tais expectativas não exis-
tem nas relações homossexuais.
๏ Em terceiro lugar, as relações homossexuais demons-
tram ser uma forma particular de compromisso, para o
qual não existe um enquadramento institucional, o
que implica uma confiança mútua muito particular,
face às dificuldades que têm de partilhar.
27
iBooks Author
29. Capítulo 6
VIOLÊNCIA E ABUSO NA
VIDA
FAMILIAR
Lorem ipsum dolor sit amet, ligula suspendisse nulla
pretium, rhoncus tempor placerat fermentum, enim
integer ad vestibulum volutpat. Nisl rhoncus turpis est,
vel elit, congue wisi enim nunc ultricies sit, magna
tincidunt. Maecenas aliquam maecenas ligula nostra,
accumsan taciti. Sociis mauris in integer, a dolor netus
non dui aliquet, sagittis felis sodales, dolor sociis mauris,
vel eu est libero cras.
iBooks Author
30. Violência e Abuso na Vida Familiar outros membros. Os estudos mostram que o principal
alvo de abuso desta natureza são as crianças, sobretudo
A vida familiar abrange virtualmente toda a gama de as crianças pequenas com menos de 6 anos. Mas há
experiências emocionais, pois as relações familiares ou também um segundo tipo de violência física bastante
de parentesco fazem parte da existência de toda a gen- comum, que é o que é exercido pelos maridos sobre as
te. As relações familiares - entre marido e mulher, pais mulheres (o contrário é muito menos frequente). Contu-
e filhos, irmãos e irmãs, ou entre parentes mais afasta- do as mulheres, não tão raramente quanto se pensa, po-
dos - podem ser calorosas e gratificantes. Mas podem dem também ser perpetradoras de violência contra fi-
igualmente estar impregnadas das mais pronunciadas lhos pequenos.
tensões que levam as pessoas ao desespero ou as en- Há quem diga que a casa é o lugar mais perigoso da so-
chem de um sentimento profundo de ansiedade e de ciedade moderna. Em termos puramente estatísticos,
culpa. Este “lado sombrio” da vida familiar contrasta seja qual for o sexo ou a idade, uma pessoa tem mais
com as imagens cor-de-rosa de harmonia que impreg- probabilidade de ser sujeita a violência em casa do que
nam frequentemente os anúncios publicitários e outros numa rua à noite. Por exemplo, no Reino Unido, 25%
locais dos meios de comunicação social populares. Os dos homicídios são cometidos por um membro da famí-
maus tratos sobre crianças são um dos seus aspectos lia contra outro. As mulheres correm mais risco de vio-
mais inquietantes. lência física por parte de homens com quem têm rela-
ções familiares e íntimas do que por parte de estra-
nhos.
A Violência no seio da família
O problema da violência doméstica ganhou atenção po-
Podemos definir a violência doméstica como o abuso
pular e académica durante a década de 70 do século
físico de um membro da família em relação a outro ou
29
iBooks Author
31. XX, em resultado do trabalho desenvolvido por grupos pelos homens. Estes autores defendem que não é sufici-
feministas nos centros de refúgio para “mulheres mal- ente olhar para os “números” que retratam incidentes
tratadas”. Antes disso, a violência doméstica, bem violentos nas famílias. Pelo contrário, é essencial olhar
como os maus-tratos às crianças eram fenómenos dis- para o significado, o contexto e o efeito da violência
cretamente ignorados. exercida. Segundo estes autores “bater na mulher”, isto
Muitos estudiosos têm vindo a afirmar nos últimos tem- é, a agressão física regular dos maridos sobre as
pos que a violência familiar não é uma consequência mulheres, é algo que não tem equivalente da parte das
do poder masculino patriarcal, como defendem as femi- mulheres. Parece, portanto, que as mulheres podem
nistas, mas que tem a ver com as “famílias disfuncio- ser, muitas vezes, violentas com os homens, mas é mais
nais”. Assim, a violência dirigida contra a mulher é um raro que transformem esse comportamento violento
reflexo da crise crescente da família e da erosão dos pa- num comportamento regular, diário ou mesmo sema-
drões morais. Estes autores também contestam os da- nal. A violência física das mulheres contra os homens é
dos que dão como rara a violência das mulheres contra mais episódica e menos grave, em termos gerais. Já, no
os homens, pois os homens estarão menos dispostos a que diz respeito, à violência sobre crianças (as filhas ou
reportar situações em que tenham sofrido violência por filhos), parece que as mulheres começam a aproximar-
parte de mulheres. se do comportamento violento dos homens, mais do
Estas afirmações têm sido fortemente criticadas por fe- que a distanciar-se dele.
ministas e por outros investigadores que argumentam Porque será que a violência doméstica é tão banal (a
que a violência por parte das mulheres é, em todo o acreditar nos números tornados públicos)? Os investiga-
caso, restringida e episódica, com menos probabilidade dores têm apresentado duas ordens de razões:
de causar danos físicos permanentes, do que a exercida
30
iBooks Author
32. ๏ Combinação entre intensidade emocional e seus progenitores. Estas acções gozam frequentemen-
intimidade pessoal. Os laços familiares estão te da aprovação dos outros e provavelmente nem se-
normalmente impregnados de emoções fortes, que quer são reconhecidas como “violência”. Embora
misturam frequentemente amor e ódio. As desaven- menos explícita, existe (ou existiu no passado) tam-
ças que ocorrem no ambiente doméstico podem li- bém uma aprovação social de uma certa violência
bertar antagonismos que não seriam sentidos da (controlada) entre esposos. Só que fica difícil garan-
mesma forma noutros contextos sociais. O que pode tir face a esta tolerância, primeiro, o que é violência
parecer um incidente menor pode precipitar hostili- e o que não é, segundo e mais grave, que esses com-
dades em larga escala entre cônjuges ou entre pais e portamentos tolerados não se transformem muito ra-
filhos. Por exemplo, um homem tolerante em rela- pidamente em comportamentos intoleráveis... Pare-
ção às excentricidades de comportamento de outra ce, portanto, só haver uma forma de combater a vio-
mulher pode ficar furioso se a sua mulher falar de- lência física: é não tolerar nenhuma, por mais benig-
mais num jantar ou revelar intimidades que ele dese- na que possa parecer à primeira vista.
ja manter em segredo.
๏ Tolerância social face à violência no âmbito Num estudo realizado nos Estados Unidos, em 1983,
da família. Embora a violência familiar socialmen- por Gleenbart, verificou-se que 1 em cada 4 dos ameri-
te aprovada seja de natureza relativamente limitada, canos de ambos os sexos pensa que pode haver razões
pode facilmente degenerar em formas mais severas que justifiquem o marido bater na mulher. Há outros
de agressão. Não haverá muitas crianças em Portu- autores que, um pouco mais tarde, recolheram dados
gal que nunca tenham levado uma bofetada ou apa- que mostram que uma proporção substancial de casais
nhado uma “surra” - mesmo que leve - de um dos acredita que, em determinadas circunstâncias, é legíti-
31
iBooks Author
33. mo um dos membros do casal (homem ou mulher) ba- xam na definição de abuso. Em caso de abuso sexual,
ter no outro. Na verdade, se pensarmos bem, no local um adulto está basicamente a explorar um menor ou
de trabalho e em outros lugares públicos é regra geral uma criança com propósito sexual. No entanto, a for-
que ninguém pode bater em ninguém, por mais ofensi- ma mais comum de incesto é aquela em que há tam-
va ou irritante que a outra pessoa seja. Aquilo que se bém abuso sexual - as relações incestuosas entre pai e
deve defender é que, no espaço da vida familiar, seja filhas menores.
posta em prática a mesma regra. Para isso, em primei-
ro lugar, é necessário criar um ambiente social que res-
ponsabilize e culpabilize a tolerância face à violência,
tanto na vida privada da família, quanto na vida públi-
ca do local de trabalho, por exemplo.
O Incesto e o Abuso Sexual de Crianças
Podemos definir o abuso sexual de crianças com a
prática de actos sexuais por adultos com crianças de
idade inferior ao que é permitido por lei (em Portugal,
16 anos). Entende-se por incesto as relações sexuais
entre parentes próximos. Nem todos os casos de inces-
to são de abuso sexual. As relações sexuais entre irmão
e irmã, por exemplo, são incestuosas, mas não se encai-
32
iBooks Author