1. Apolo e Dionísio
Meca Vargas*
As forças polares apolíneas e dionisíacas: como o homem se expressa através delas.
Apolo
Na mitologia grega reina com harmonia e sabedoria unas, deixando irradiar luzes
cósmicas para dentro do mundo. Sendo filho de Zeus,o Deus supremo, e de Leto, uma
ninfa, Apolo é o Deus da Luz (como Osíris no Egito), harmonizador das forças cósmicas,
que dá forma e clareza, razão e compreensão a tudo que o cerca. Seus símbolos são o arco
e a flecha dourados para o pensar claro e preciso imbuído de força solar; a coroa de
louros, representando a vitória da sabedoria e da coragem; e a Lira, como símbolo da mais
espiritual das artes. As musas do Olimpo são regidas por Apolo.
Lira
Pelas suas cordas tangidas, a harmonia do Universo pode reinar novamente, e pode
também ser vivenciada pelos homens. O caos do Universo recebe ordem e
direcionamento. No homem, harmoniza a alma no corpo, que ameaça entregar-se às
forças terrestres. Rudof Steiner expressa isso relacionado ao homem
“O cérebro, a central de todos os nervos; a espinha dorsal, que mantém essas cordas
nervosas ressoantes no tônus correto, a respiração e a laringe, que na sua leve vibração
dão vida sonora à vida interior: uma imaginação grandiosa do homem experimentando-
se como instrumento de corda.”
Também a Kin chinesa tinha o poder da harmonização dos ritmos cósmicos, e a Vina
hindu, o poder de controlar a natureza. Assim, todas as cordas no seu arquétipo
primordial, nascem no reino da ordem, da harmonia e da luz, e através dos tempos e dos
homens vão pouco a pouco se transformando, migrando para o coração do homem.
Dionísio
Em Dionísio, (para os romanos Baco) no entanto, já aparece uma dualidade que se mostra
em sua origem. O primeiro é o velho Dionísio Zagreus, filho de Zeus e de Perséfone, uma
ninfa, que, raptada pelo rei de Hades (o mundo dos mortos), torna-se rainha do Hades.
Dionísio Zagreus é representante das forças individualizantes antigas, mantidas na
unidade cósmica. Ele foi despedaçado pelos Titãs, gigantes da terra, mandados por Hera,
a Deusa da terra. No entanto, Palas Atena, a Deusa da razão, salva seu coração, e o
esconde na coxa (a força da vontade) de Zeus. Desse coração, prepara-se um elixir
afrodisíaco para Semele, uma ninfa, que então gera o segundo Dionísio. O novo Dionísio
agora representa a nova consciência egóica da alma no seu caminho de encarnação. Ele
viaja pela Ásia e África, ensinando os homens a cultivar a terra.
Com ele nasce a cultura humana. As ninfas, os sátiros e os faunos são seu séquito. Como
representantes da antiga ligação com as forças da natureza, mostram-se como seres em
forma humana, que têm a sua individualidade fora do corpo. Dionísio realiza orgias (os
2. bacanais), que são dirigidos pelas Bacantes, mulheres que saíram de suas casas para
participarem dos rituais dionisíacos e suas fervorosas adeptas. Elas tocam a percussão,
enquanto os sátiros tocam o Aulos (instrumento de sopro de palheta). O objetivo principal
desses rituais é reconhecer a individualidade encarnada. Os símbolos de Dionísio são a
era, a videira, a pantera, o leopardo, o leão e o delfim.
Aulos
O som do Aulos está perto da voz humana. Através da respiração, esse instrumento se
torna portador da palavra, do pensamento, do grito da vida, da dor e da alegria subjetiva
que se expressa pelo balbucio e pelo lamento. Os segredos da dor, da individualidade
divina-humana, que na esfera celeste ainda se encontra sob a égide da harmonia e da
sabedoria apolínea indivisível, descendo ao reino de Dionísio, na esfera terrestre, o
indivisível torna-se divisível através do desejo de “conhecer-se”. Nesse momento, a
consciência da sabedoria divina se transforma em capacidade de pensar. Palas Atena, a
deusa da razão, cria o Aulos motivada pela dor da separação e da incorporação individual,
mas quando ouve o poder do lamento dionisíaco, lança longe sua própria criação.
Marsayas, sátiro e excelente músico, se apodera do instrumento colocando-o ao lada da
lira de Apolo nos festivais olímpicos.
Orfeu
(tornar-se humano)
Um Deus tem o poder mas como, diz-me, um homem poderá segui-lo pela estreita lira?
Seu espírito é dualidade no cruzamento de dois caminhos. No coração não existe um templo para
Apolo.
“Soneto a Orfeu” R. M Rilke
Os gregos não conheciam a palavra HUMANIDADE, até aparecer Orfeu, um hierofante e
iniciado. Ele é filho de Apolo e da musa Calíope, portanto, um semideus, e recebe de seu pai a
lira. Aprende a tocar esse instrumento com tal perfeição, que nada pode resistir ao encanto de
sua música. Orfeu, fazendo juz a tão elevado presente, põe-se a tocar e a cantar de tal maneira a
ponto de transformar “o animal”no homem. A lira de Orfeu, através da sua música, traz a
consonância das oposições, a harmonia. Através do seu som, do seu toque e do seu canto, pode
ser vivenciada a amplitude do universo. Mas, Orfeu perde Eurídice, sua ânima superior para o
Hades e quereno reavê-la a todo sacrifício, atravessa o limiar do mundo dos mortos com seu
canto e com sua música, conseguindo através de Perséfone, que Plutão deixe Eurídice voltar
com ele para o mundo dos vivos. Porém, num momento de dúvida, não confiando no próprio
poder, olha para trás, perdendo Eurídice para sempre.
Ao voltar do Hades, Orfeu passa a se dedicar também ao culto de Dionísio, participando dos
rituais e tocando o Aulos como arauto dos sofrimentos e paixões humanas. Mas entre os Deuses
não é permitido servir a dois cultos. Assim, Orfeu, acaba sendo castigado e sofre um fim
trágico, sendo ferido e rasgado em 4 partes pelas bacantes. Sua cabeça e sua lira foram atiradas
ao rio Orfeu, por onde desceram cantando e tocando.
As musas reuniram os fragmentos do seu corpo e os enterraram em Limetra, onde o rouxinol
canta mais suavemente sobre seu túmulo, como em nenhum lugar na Grécia. A lira foi colocada
entre as estrelas por Júpiter.A sua cabeça jaz na gruta de Dionísio, na ilha de Lesbos. Orfeu
pôde, enfim, rever sua amada Eurídice. Assim, Orfeu se torna o primeiro humano que
experimenta em si as polaridades apolíneo-dionisíacas.
3. A polaridade apolínea-dionisíaca se delineia na consciência da humanidade como processo de
individuação. O homem olha e se eleva para o macrocosmos, ao mesmo tempo que,
gradativamente desenvolve em si a força de autonomia no microcosmos.
Nos primórdios há vida, instinto, vontade e inconsciência, que no decorrer do desenvolvimento,
surge a apuração e refinamento no pensar e sentir, mais e mais consciência, impulsionados pelo
caminho da individuação.
A Trimembração humana
Corrente de Apolo Corrente de Orfeu Corrente de Dionísio
IMAGINAÇÃO INSPIRAÇÃO INTUIÇÃO
espaço transformação tempo
racionalidade sensibilidade vitalidade
representação ideal fantasia
objetivo escolha desejo
imagem percepção ação
memória ponderação movimento
conceito juízo realização
moralidade
Melodia Harmonia Ritmo
Antipatia Simpatia
Pensar Sentir Querer
consciente semi-consciente inconsciente
vigília consciência onírica sono
sistema neurosensorial sistema rítmico Sist. Metabólico-Motor
nervoso-ósseo cardio-pulmonar sanguíneo-muscular
ESPÍRITO ALMA CORPO
*Meca Vargas, cantoterapeuta, musicoterapeuta, professora waldorf, Regente de
coral e docente do Antropomúsica. – São Paulo - SP