SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
Globalização e identidade cultural
1. GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL
Fernando Alcoforado
GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL
Fernando Alcoforado *
1. Introdução
O processo de globalização não é um fenômeno recente. Ele teve início nos séculos XV e
XVI com o descobrimento da América e do caminho marítimo para as Índias. Ao longo da
história da humanidade, o processo de globalização produziu uma crescente integração em
todo o planeta, não apenas de ordem econômica, mas também política, social e cultural.
Esta integração entre nações e povos nem sempre se fez de forma idílica. Muitos dos povos
do mundo inteiro foram integrados através da subjugação econômica, política, social e
cultural, quando não foram dizimados pela força das armas pelas grandes potências da
época.
Um dos principais impactos produzidos pelo processo de globalização ocorreu no plano
cultural, haja vista que as potências dominantes sempre procuraram impor em todas as
épocas sua ideologia sobre os países e povos dominados. Esta ideologia, que é, segundo
Bobbio (1986), um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo
como função orientar os comportamentos políticos coletivos, precisa se expressar no plano
cultural. Ao longo da história, as potências dominantes procuraram impor sua cultura em
detrimento das culturas locais. Muitas dessas culturas foram aniquiladas e outras, que
conseguiram sobreviver, se ajustaram à cultura das potências dominantes.
Na era contemporânea, o processo de globalização avança de modo a fazer com que a
mundialização do capital se enraíze em todos os quadrantes da Terra. Cada povo do mundo
inteiro se defronta na atualidade, não apenas com a ameaça de exclusão social dos frutos do
progresso econômico e de perda da soberania nacional de seus países, mas também, com a
possibilidade de desaparecimento de suas tradições culturais em consequência da
*
*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional
pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial
(Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São
Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.
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2. GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL
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disseminação da cultura globalizada. Para entendermos como a globalização
contemporânea ameaça as culturas nacionais, é preciso conhecer suas origens e suas
consequências.
2. Origens e consequências da globalização contemporânea
O processo de globalização ou de integração econômica mundial que se registra na
atualidade é o resultado da ocorrência de cinco grandes acontecimentos. O primeiro deles
diz respeito ao fim da Guerra Fria resultante do desmantelamento do sistema socialista do
Leste Europeu liderado pela ex-União Soviética, fato este que levou ao fim do mundo
bipolar inaugurado após a Segunda Guerra Mundial. Este acontecimento propiciou a
ampliação do sistema capitalista mundial com a incorporação dos países do ex-bloco
socialista do Leste Europeu. Alguns países socialistas remanescentes como, por exemplo,
China e Cuba, abriram também suas economias ao capital estrangeiro visando atrair
investimentos.
O segundo grande acontecimento que contribuiu para a globalização foi a exaustão do
modelo de crescimento industrial baseado na produção de bens de consumo durável, com
tecnologias altamente intensivas em capital, demandadoras de grande consumo de energia e
poluidoras do meio ambiente. A exaustão do modelo capitalista de crescimento industrial é
demonstrada pelo declínio das taxas de crescimento, bem como da produtividade do capital
e das margens de lucro dos países industrializados ao longo das três últimas décadas. Esta
situação fez com que se tornasse uma exigência, de um lado, a mudança dos paradigmas
tecnológico e de gestão empresarial visando a elevação dos níveis de produtividade do
capital e das margens de lucro e, de outro, promover a integração das economias dos países
desenvolvidos com as dos países em desenvolvimento visando a promoção do seu
crescimento.
O terceiro grande acontecimento determinante da globalização diz respeito à rápida
expansão dos mercados financeiros mundiais no final da década de 1970, estimulado pela
sua desregulamentação e pelo advento das novas tecnologias da informação. Segundo
Oman (1994), com as transações de câmbio ultrapassando 600 bilhões de dólares por dia ao
fim da década de 1980 e um trilhão de dólares por dia em 1993, a globalização financeira
reduziu consideravelmente o poder de controle dos bancos centrais sobre o valor das
divisas, agravou a instabilidade financeira e as flutuações das taxas de câmbio devido a
especulação e diminuiu a autonomia da política monetária e fiscal dos governos .
O quarto grande acontecimento que contribuiu decisivamente para o processo de
globalização diz respeito à mundialização das atividades das empresas multinacionais tanto
no setor manufatureiro quanto no de serviços. A expansão dos mercados financeiros e da
economia “real” foi estimulada pela desregulamentação e pelas novas tecnologias da
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informação. A globalização das atividades das empresas multinacionais se traduziu,
segundo afirmativa de Oman (1994), no crescimento espetacular dos investimentos diretos
no exterior notadamente na segunda metade da década de 1980.
O quinto grande acontecimento determinante do processo de globalização diz respeito às
ameaças ecológicas como o crescimento populacional, a rarefação do ozônio e o
aquecimento do planeta devido ao efeito estufa que passaram a merecer uma abordagem de
caráter global especialmente no final da década de 1980. A perspectiva de que a população
da Terra, que atingirá 10 bilhões de habitantes no ano 2050 impacte negativamente sobre os
recursos do planeta e a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento, que é
responsável pela exaustão das florestas, espécies animais e vegetais e solos que sustentam a
vida, pela degradação em ritmo acelerado das águas potáveis e dos oceanos, pela destruição
da camada de ozônio e pelo efeito estufa, estão a exigir um tratamento global na
formulação e implementação de soluções.
Petrella (1995), professor da Universidade de Louvain na Bélgica, afirma que o
desenvolvimento do capitalismo no momento histórico atual coloca como exigência a
necessidade de:
• Mundializar as finanças, o capital, os mercados, as empresas e as estratégias;
• Adaptar os sistemas produtivos à revolução científica e tecnológica em curso nos
domínios energético, dos materiais, da biotecnologia e, sobretudo, da informação e da
comunicação;
• Fazer com que cada indivíduo, cada grupo social, cada comunidade territorial trabalhe
na perspectiva de se tornar melhor, mais forte, ganhadora. O princípio da cooperação
entre indivíduos, grupos sociais e comunidades é substituído pelo da competição;
• Liberalizar os mercados nacionais para construir um mercado mundial único onde
circularão livremente mercadorias, capitais, serviços e pessoas. Neste contexto, deve ser
condenada toda forma de proteção nacional, não deveria existir nem o interesse da
sociedade e da vontade popular soberana;
• Desregulamentar os mecanismos de direção e de orientação da economia. Neste caso,
deixaria de ser dos cidadãos, isto é, do Estado democrático, através das instituições
representativas eleitas ou designadas, o poder de fixar normas e princípios de
funcionamento e sim do mercado. Competiria ao Estado se contentar em criar o
ambiente geral mais favorável à ação das empresas e,
• Privatizar setores inteiros da economia tais como transportes urbanos, estrada de ferro,
saúde, hospitais, educação, bancos, seguradoras, cultura, distribuição de água,
eletricidade, gás, serviços administrativos, etc.
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Estes seis pontos acima descritos traduzem os fundamentos do modelo de desenvolvimento
que o processo de globalização pretende imprimir em todo o mundo. A implementação
deste modelo engendrará, entretanto, o cenário seguinte:
• Desemprego em massa resultante da modernização dos setores produtivos exigida para
elevar seus níveis de produtividade e competitividade nos mercados mundiais.
• Perda de controle da economia nacional pelo Estado-Nação em face do elevado poder
dos grupos econômicos internacionais.
• Transferência para fora do Estado-Nação do poder de decisão sobre investimentos e
produção de amplos setores econômicos, especialmente os mais modernos,
desnacionalizados com o processo de privatizações.
• Perda da soberania nacional com a subordinação dos Estados-Nações às regras da OMC
- Organização Mundial do Comércio, às decisões das empresas industriais e financeiras
multinacionais e aos blocos econômicos de que façam parte.
• Exclusão social de grande parte da população mundial que ficará à margem dos frutos
do progresso econômico e social.
• Comprometimento do meio ambiente global diante do avassalador poder do capital e
enfraquecimento dos Estados-Nações.
Este cenário tende a aguçar as contradições sociais em cada nação e a aprofundar os
conflitos internacionais em um ambiente caracterizado pela guerra econômica entre as
empresas, nações e blocos econômicos. Ao lado das forças centrípetas que contribuem no
sentido da integração econômica mundial, trabalham também as forças centrífugas
geradoras de fraturas e fragmentações entre classes sociais, etnias, nações e blocos
econômicos, muitos deles excluídos dos frutos do progresso econômico. Neste cenário,
prevalece a lógica da competição e não a lógica da cooperação entre nações, povos, etnias e
classes sociais.
A Guerra Fria, produto da Segunda Guerra Mundial, cedeu lugar à Guerra Econômica
dominante na atualidade. Tudo leva a crer que, no futuro, prevalecendo a lógica da
competição, poderão ressurgir revoluções sociais, lutas étnicas, guerras regionais
localizadas e, até mesmo, uma nova conflagração de caráter mundial de graves
consequências para a humanidade. Urge, portanto, a busca de um novo modelo de
desenvolvimento, mesmo nos marcos do capitalismo, baseado na lógica da cooperação,
para evitar a catástrofe que se descortina para o futuro.
3. A globalização cultural, seus impactos e suas consequências
A grande mudança produzida em todo o planeta no século XX é, sem sombra de dúvidas, a
globalização contemporânea que, segundo Defarges (1993), se caracteriza pela explosão e
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aceleração dos fluxos de toda ordem: mercadorias, serviços, informações, imagens, modas,
ideias, valores, tudo aquilo que o homem inventa e produz, no momento em que este se
encontra enraizado em uma terra mesmo que seja levado, também, pelo frenesi do
deslocamento (viagens profissionais, turismo, migrações temporárias ou definitivas).
De acordo com Naisbitt e Aburdene (1990), o mundo está se tornando cada vez mais
cosmopolita e estamos todos nos influenciando uns aos outros. O comércio, as viagens, o
cinema e a televisão estabelecem as bases do estilo de vida global. Ressalte-se que o
cinema e a televisão divulgam as mesmas imagens por toda a aldeia global.
Todo este processo de transformação se deveu, em grande medida, à revolução científica e
tecnológica em curso, especialmente nos transportes e nas comunicações, que possibilitou
um impulsionamento sem precedentes das finanças e do comércio internacional sob a égide
das empresas multinacionais. Para Defarges (1993), a circulação de tudo o que pensa e faz
o homem na atualidade atinge uma intensidade, uma densidade, uma velocidade sem
precedentes. Vários fatores se acumulam para impor a globalização econômica que provoca
profundos desequilíbrios tanto internacionais quanto nacionais.
Defarges (1993) afirma que a mundialização das trocas resulta de três fenômenos: 1) a
potência e aperfeiçoamento das capacidades técnicas; 2) o oceano das finanças e, 3) a
globalização das empresas. Neste fluxo de globalização, o Estado-Nação mantém suas
funções tradicionais. Suas fronteiras, plenamente reconhecidas ou hipotecadas por velhas
contestações, se encontram perturbadas por diferenças entre o direito, que afirma a
soberania do Estado, e a nova realidade imposta pelo processo de globalização. No século
XX, o conceito político-jurídico de Soberania entrou em crise sob os ângulos teórico e
prático.
Para Ianni (1992), o capitalismo tanto produz a interdependência mundial como produz e
reproduz contradições localizadas e gerais, nacionais e globais. Simultaneamente às forças
que operam no sentido da cooperação, divisão do trabalho social, interdependência,
integração e cumplicidade, operam as forças divergentes, fragmentárias e contraditórias.
Segundo Ianni (1992), as forças da fragmentação compreendem o nacionalismo, o
tribalismo, o fundamentalismo, o islamismo, o terceiromundismo e outras.
Segundo Huntington (1996), a cultura e as identidades culturais- que, em nível mais amplo,
são as identidades das civilizações- estão moldando os padrões de coesão, desintegração e
conflito no mundo pós-Guerra Fria. Ele afirma, também, que, no mundo pós-Guerra Fria, a
cultura é, ao mesmo tempo, uma força unificadora e divisiva e que as sociedades unidas
pela ideologia ou por circunstâncias históricas, porém divididas pela civilização, ou se
partem, como aconteceu na União Soviética, na Iugoslávia e na Bósnia, ou ficam sujeitas a
fortes tensões, como é o caso da Ucrânia, Nigéria, Sudão, Índia, Sri Lanka e muitos outros.
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6. GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL
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Entre as contradições geradas pelo processo de globalização destaca-se aquela entre a
cultura globalizada e as culturas locais ou nacionais. Segundo Waters (1995), a cultura
globalizada é mais caótica do que bem estruturada. Ela é integrada e conectada de modo
que os significados de seus componentes sejam relativizados uns com os outros, porém não
sejam unificados ou centralizados. A globalização da cultura envolve a criação de um
comum, porém hiperdiferenciado, campo de valores, gostos e oportunidades de estilo
acessível a cada indivíduo sem restrição de propósitos seja na autoexpressão ou no
consumo.
Para Waters (1995), uma cultura globalizada admite um contínuo fluxo de ideias,
informação, responsabilidade, valores e gostos mediados através de indivíduos móveis,
símbolos, sinais e simulações eletrônicas. Esses fluxos dão à cultura globalizada uma forma
particular. Primeiramente, ela conecta primitivos e fechados nichos culturais homogêneos
forçando-os a se relacionar com os outros. Este relacionamento pode tomar a forma de um
reflexivo autoexame no qual os princípios fundamentais são reassumidos em face da
ameaça de absorção de alguns elementos de outras culturas. Em segundo lugar, a cultura
globalizada permite o desenvolvimento de culturas transnacionais genuínas não vinculadas
a uma nação- estado- sociedade as quais podem ser novas ou sincréticas.
Segundo Waters (1995), tomando por base argumento de Appadurai, os fluxos acima
citados incluem: etnoscapes, a distribuição de indivíduos móveis (turistas, migrações,
refugiados, etc.); tecnoscapes, a distribuição de tecnologia; finanscapes, a distribuição do
capital; mediascapes, a distribuição da informação e ideoscapes, a distribuição de ideias
políticas e valores ( liberdade, democracia, direitos humanos).
Waters (1995) ressalta o argumento de Lechner de que há efeitos diretos provocados pela
globalização que tem características independentes da modernidade. Eles incluem:
• A universalização da cultura ocidental;
• A globalização da nação-estado-sociedade;
• A secularização e abstração da lei como base da ordem social e,
• O estabelecimento do fato que o mundo é pluralista e de que não há uma singular e
superior cultura.
O efeito indireto da globalização não reside no fato de poder promover, nos países
capitalistas periféricos, uma imitação da cultura das grandes potências ou o sincretismo de
um conjunto comum de elementos de tradições diferentes, mas sim no fato de provocar
descontentamentos resultantes da ameaça que a modernização e a pós-modernização
representam contra as tradições culturais. É oportuno observar que a globalização contribui,
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também, tanto direta quanto indiretamente, para o mais amplo desenvolvimento do
fundamentalismo.
Morin (1993) ressalta que a crise da modernidade, ou seja, a perda da certeza do progresso
e da fé no Amanhã suscitou dois tipos de respostas. A primeira é o neofundamentalismo
que consiste na vontade de reenraizar e de regressar à fonte do próprio princípio da
Tradição perdida e, a segunda, é o pós-modernismo que representa a tomada de consciência
de que o novo não é necessariamente superior ao que precede. Os neofundamentalismos
adotam formas ora religiosas, ora nacionais, ora étnicas, e atingem o máximo de virulência
onde são ao mesmo tempo étnicos, nacionais e religiosos, enquanto o pós-modernismo é
cego quando julga que tudo está dito, que tudo se repete, que nada se passa, que já não há
história nem devir.
Segundo Waters (1995), o fundamentalismo não é a única possível resposta religiosa contra
a globalização e às pressões pós-modernizantes. Uma dessas respostas foi o surgimento de
movimentos ecumênicos ligados ao cristianismo que procuraram construir, nas décadas de
1960 e 1970, a unificação de diversas correntes religiosas cristãs. No entanto, não existe
melhor exemplo do impacto da globalização do que o ressurgimento do fundamentalismo
islâmico na década de 1970. Os fundamentalistas islâmicos, especialmente aqueles ligados
ao clero iraniano, marcam sua rejeição da modernização e do secularismo ocidental.
Segundo Hall (1997), no mundo moderno, as culturas nacionais no interior das quais
nascemos são uma das principais fontes de identidade cultural. Hall (1997) sustenta o
argumento de Ernest Gellner de que, sem um senso de identificação nacional, o sujeito
moderno experimentaria um sentimento profundo de perda subjetiva. Ele reforça este
argumento explicitando o pensamento de Schwarcz de que uma nação não é somente uma
entidade política, mas algo que produz significados- um sistema de representação cultural.
As pessoas não são apenas cidadãos legais de uma nação; elas participam da ideia da nação
como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma comunidade simbólica e é
isto que explica seu poder de gerar um senso de identidade e fidelidade.
Hall (1997) afirma que, a identificação, que em uma era pré-moderna ou em sociedades
tradicionais , era dada à tribo, às pessoas, à religião e à região, foi sendo gradualmente
transferida, nas sociedades ocidentais, para a cultura nacional. As diferenças étnicas e
regionais foram gradualmente subsumidas sob o que Gellner chama de "teto" político do
estado nacional, que se tornou assim uma fonte poderosa de significados para as
identidades culturais modernas.
No entanto, a plenitude do poder do Estado nacional se encontra em seu ocaso. Isto se deve
ao processo de globalização gestado pelo movimento por uma colaboração internacional
cada vez mais estreita em várias áreas, especialmente nas questões ligadas às finanças, à
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paz e segurança internacionais, ao meio ambiente, à integração do mercado mundial, bem
como à formação de uma opinião pública mundial proporcionada pelos novos meios de
comunicação de massa.
A independência dos Estados-Nações, grandes e pequenos, encontra-se hoje comprometida
pelo processo de globalização. Três das funções do Estado como, por exemplo, a de
garantir a segurança interna, legislar e construir a solidariedade nacional estão ameaçadas.
A defesa do território nacional está no cerne da ideia de nação. O imperativo da ideia de
defesa nacional está associado a uma ameaça do estrangeiro. No ambiente do século XXI,
as ameaças não desaparecem mas se tornam multiformes.
O Estado se encontra entre duas preocupações contraditórias na visão de Defarges (1993):
guardar, preservar o seu território do qual é responsável sem que perturbe todos os
movimentos de mercadorias, dinheiro, turistas, imagens, ideias, fontes essenciais de
prosperidade e vitalidade, cujo desenvolvimento demanda sua conexão às redes mundiais.
A globalização coloca em causa, por sua vez, a capacidade dos Estados de legislar
autonomamente porque as leis tendem a ser concebidas em função das exigências não
apenas internas, mas também do exterior. Da mesma forma, a globalização acena para a
perspectiva da construção de pactos supranacionais ao invés de pactos centrados no
exclusivo interesse nacional.
Segundo Defarges (1993), o fluxo de integração - comércio, investimentos, tecnologia,
moeda e também de pessoas - não elimina a substância dos Estados, seu enraizamento em
um território, com um povo, mas tornam as fronteiras porosas, dissociando limites estáticos
e realidades econômicas, sociais, culturais. Apesar de seu enfraquecimento no contexto
atual, o Estado nacional continua a funcionar como uma referência fundamental. Este é o
verdadeiro centro. Quando uma instituição ou uma pessoa se reproduz, ela o faz em
referência a uma lógica inconsciente, a lógica nacional.
Segundo Hess (1983), o Estado nacional funciona como um centro através do qual cada um
de nós, seja como indivíduo, seja como membro pertencente a grupos sociais, organizações
ou instituições deve se situar. Da mesma forma que todo inconsciente individual se
estrutura em torno do pai ou da mãe, todo cidadão se estrutura em relação ao Estado.
Qualquer que seja o lugar onde ele se encontre, sua relação com o Estado e, mais
genericamente, ao nó das instituições que estrutura o Estado (moeda, polícia, leis, etc.)
funciona como estruturação fundamental de seu eu institucional. Hess (1993) afirma que
este inconsciente político preside não somente a estruturação das pessoas privadas (os
indivíduos, os cidadãos), mas também a criação e a organização de todas as instituições.
Para Hess (1983), o inconsciente político seria o motor, a um dado momento histórico, do
fenômeno de produção do Estado que nós conhecemos. O Estado, que se constitui no centro
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que representa os elementos do inconsciente político, assume uma autonomia cada vez mais
forte e se dissocia de sua periferia que funciona também como o outro elemento nesta
dialética.
Outros autores preferem falar de um sujeito coletivo e de não consciência histórica e social,
antes do que de um inconsciente político. Eles defendem a tese de que os mecanismos de
aquisição de conhecimentos e de prática social ao nível individual se desenvolvem em um
contexto social dado. Assim, existiria uma interação permanente entre o sujeito individual e
o sujeito coletivo, isto é, tudo em relação ao plano nacional. A integração das ideologias,
dos valores, dos modos de comportamento que são comuns a uma sociedade dada e que são
frequentemente estruturados pelo Estado não é consciente. Ela não se realiza senão pelo
contacto com outras sociedades. Segundo Hall (1992), as nações modernas são híbridos
culturais.
Um aspecto que pode ser considerado, também, como consequência da globalização é a
perspectiva de aumento dos conflitos étnicos e de sua expressão política, o nacionalismo.
Hall (1992) identifica duas possíveis respostas adaptativas da parte de grupos étnicos às
tendências globalizantes: tradução e tradição. Tradução é uma resposta baseada no
sincretismo em que grupos que convivem com mais de uma cultura buscam desenvolver
novas formas de expressão que são inteiramente divorciadas de suas origens. Tradição é
fundamentalismo étnico voltado para a redescoberta das origens de um grupo étnico na
história. A tradição envolve a busca das certezas do passado em um mundo pós-moderno
em que a identidade está associada com o estilo de vida e está constantemente mudando e
sendo desafiada.
Os povos que constituem minoria em um determinado país, como é o caso dos kosovares na
Iugoslávia, os bascos na Espanha e na França, os curdos na Turquia e Iraque, entre outros,
buscam conquistar sua independência construindo sua nação, seja para se afirmar como
etnia, seja para se libertar da opressão em que, porventura, se encontrem. O nacionalismo
deve assumir grandes proporções, não apenas entre as minorias étnicas que buscam a
construção de seu Estado-Nação, mas também, entre os povos que, mesmo sendo possuidor
de seu Estado-Nação, se sintam ameaçados nos seus interesses pelo capital internacional e
pelas grandes potências capitalistas.
No mundo contemporâneo, os conflitos étnicos domésticos são frequentemente objetos de
tratamento em um ambiente internacional, como bem comprova a questão de Kosovo na
Iugoslávia. Existe uma marcada tendência de internacionalização dos conflitos étnicos.
Quatro aspectos do sistema global contemporâneo são significativos neste processo. O
primeiro concerne à tendência da economia global afetar a situação econômica de cada país
e, devido a isto, contribuir para a exclusão de vários grupos sociais em consequência das
mudanças nas políticas nacionais. O segundo, diz respeito à capacidade de estados ou
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grupos de estados de buscarem moldar a arena institucional e política de países e mesmo
intervirem em seus conflitos domésticos. O terceiro, como resultado de um elevado
crescimento das migrações globais, passa a existir uma tendência de ampliação de conflitos
étnicos sobre estados limítrofes. Finalmente, o quarto, é a globalização de comunidades.
Cada uma dessas questões têm grandes implicações para a política internacional.
Analisando a questão da identidade cultural da Iugoslávia, Skvorc (1999) afirma que, antes
de tudo, devemos entender quais são os fatores contextuais mínimos que formam uma
específica identidade cultural. Estes fatores são: 1) a existência ou não de um centro
cultural comum; 2) o consenso do povo de que pertencem a uma cultura segundo um
conjunto mínimo de elementos comunicativos os quais constituem a base comum para o
diálogo e, 3) a existência de um conjunto significativo de fatores que contribuam para o
estabelecimento de uma identidade cultural comum e historicamente condicionada tais
como, literatura, arte, folclore e outras experiências, uma tradição comum ou uma interação
entre os diferentes elementos culturais de modo a produzir uma nova identidade cultural na
qual, ao mesmo tempo, identidades originais não sejam perdidas ou empurradas para o lado
pela força.
Na Iugoslávia, além de não haver um centro cultural comum a todos os povos que dela
faziam parte, não havia consenso entre as etnias de pertencerem a uma cultura comum com
base na qual se estabelecesse o diálogo entre elas. Quando o diálogo entre etnias não se
realiza, como é o caso da Iugoslávia, os conflitos tendem a se agudizar de uma forma
drástica e cruel como ocorreu recentemente em Kosovo.
O processo de globalização, ao promover a liberalização dos mercados mundiais, tende a
produzir migrações populacionais entre países e, em consequência, gerar novos problemas
étnicos. Segundo Schaetti (1999), um dos efeitos do processo migratório é o que se
denomina por marginalidade cultural que descreve uma experiência típica aos povos
nômades globais que estejam expostos a duas ou mais tradições culturais. Tais povos não
tendem a se posicionar confortavelmente em qualquer das culturas em que tenham sido
expostos, mas sim se colocando à margem de cada uma delas.
Além da marginalidade cultural, outro efeito das migrações populacionais é a
marginalidade encapsulada que corresponde à situação dos povos que se sentem inseguros
no novo ambiente. Eles podem ter dificuldade de tomar decisões, definir seus limites e
identificar verdades pessoais. Eles se sentem frequentemente alienados, enfraquecidos,
insatisfeitos e com a vida desprovida de sentido. Os marginais encapsulados se isolam. Eles
não enxergam um grupo com o qual possa estabelecer uma relação. Os nômades globais
podem responder a esta situação abandonando seus caracteres internacionais de modo a
tentar ser assimilado dentro de uma sociedade na qual eles se encontrem.
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Finalmente, Schaetti (1999) conclui que o terceiro efeito das migrações populacionais é o
da marginalidade construtiva que descreve a situação em que os povos nômades são
hábeis para se mover facilmente e poderosamente entre diferentes tradições culturais,
agindo apropriadamente, se sentindo em casa e, ao mesmo tempo, mantendo um integrado
senso multicultural de si próprio. Os povos marginais construtivos tendem a colocar sua
experiência multicultural para um bom uso. Globais nômades reconhecem que os
conhecimentos e competências que eles adquiriram através de sua mobilidade internacional
podem ajudar nas suas metas pessoais e profissionais.
O nacionalismo é, por sua vez, segundo Waters (1995), ao mesmo tempo um fenômeno
globalizado e globalizante. É um dos componentes da cultura que se transmitiu ao longo do
planeta como parte do processo de internacionalização. O estabelecimento de Estados-
Nações provê a base sobre a qual as sociedades podem ser conectadas umas às outras.
Cabe observar que, no final do século XVIII, houve especial atenção na Europa e em outras
partes do mundo no sentido de elevar a consciência nacional favorecendo uma nova e
moderna forma de organização política, o Estado-Nação. Hobsbawm (1991) argumenta que
o objetivo dos primeiros movimentos nacionalistas era o de inventar a coincidência entre
quatro pontos de referência, povo (etnia)- estado- nação- governo, isto é, entre a identidade
comum, o sistema político, a comunidade e a administração. A esses, pode-se, também,
adicionar outro importante componente que é o território.
As elites políticas e intelectuais, que lideram uma ação nacionalista, se engajam, de modo
geral, em uma série de práticas ideológicas e buscam representar a nação como um fato
social, espacial e histórico que é real, contínuo e significativo. Esses líderes, ao
implementarem a ação nacionalista:
• Contam estórias ou histórias da nação indicando experiências comuns, de triunfos e
derrotas;
• Enfatizam o caráter nacional;
• Inventam novos padrões de ritual, cerimônias e simbolismo que dão uma expressão
coletiva à nação;
• Estabelecem mitos e lendas que localizam a nação fora da história e dão um caráter
quase sagrado bem como um senso de originalidade e,
• Promovem a ideia de origem comum ou mesmo de pureza racial.
É importante ressaltar que essas práticas são evidentes não apenas com a emergência dos
estados nacionais europeus no início do século XIX, mas também, na era contemporânea
com o advento do nazi-fascismo e das lutas de libertação nacional dos países emergentes
contra o imperialismo econômico e político do Ocidente.
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Waters (1995) sumariza o impacto da globalização sobre as questões étnicas e nacionais
afirmando que:
• A globalização é, em geral, um processo de diferenciação, além de ser homogêneo. Ela
pluraliza o mundo pelo reconhecimento do valor dos nichos culturais e habilidades
locais;
• A globalização enfraquece os nexos entre Nação e Estado liberando minorias étnicas e
permitindo a reconstituição de nações nos limites do estado anterior. Isto é
especialmente importante no contexto de Estados que são confederações de minorias;
• A globalização traz o centro para a periferia. Ela introduz possibilidades de novas
identidades étnicas para culturas da periferia. Os veículos para este fluxo cultural são as
imagens eletrônicas e o turismo afluente e,
• A globalização traz a periferia para o centro. Um óbvio veículo é o fluxo de migrantes.
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13. GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL
Fernando Alcoforado
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