Este documento discute a missão educativa dos museus de arte contemporânea e apresenta as poéticas das apropriações artísticas, como colagens e assemblagens, que ressignificam objetos cotidianos. Em três frases: O documento defende que os museus devem ser reinventados para estabelecer conexões entre arte, educação e vida, usando a coleção do MAC-Niterói como exemplo. Ele discute como artistas do século 20 criaram novas formas de arte através da apropriação e recombinação de objetos, questionando noções
1. e x p e r i ê n c i a s e d u c at i va s caderno 1
Museu de Arte Contemporânea de Niterói – Divisão de Arte Educação ano 2005
p oé t i c a da s a pro pr i ações
d o c o i s á r i o a o r e l i c á r i o
2. Missão educativa 3Apresentação
Os museus de arte contemporânea precisam ser 4Curto-circuito da história
reinventados antropofagicamente a partir das
da arte do século XX
utopias das vanguardas artísticas e da confluên-
cia de abordagens transdisciplinares do século
passado. A questão principal é como realinhar
5Discutindo práticas artísticas
constantemente a atuação dessas instituições Colagens
com os pensamentos de uma revolução contínua Assemblagens
do conhecimento como centros avançados de Premissas Introdutórias:
experiências civilizatórias – territórios de meta-
morfose da imaginação e reflexão coletiva, tem-
Definições sobre os diferentes níveis 7Tópicos para Debate
de sentidos de uma obra de arte: Poiésis
plos e fóruns a um só tempo.
Cada obra de arte é finita como objeto Poéticas das Apropriações
Este material é resultante de oito anos de experi-
ências da Divisão de Arte Educação e visa dar e infinita como campo de experiências; O Gabinete de Curiosidades
vida e acesso à produção artística contemporâ- Cada obra de arte é parte de uma do Século XXI
nea exposta no MAC-Niterói para um público di- convergência de diferentes histórias: O Coisário
versificado. Mas o que é dar vida a uma obra de • do artista e de sua época;
arte em um museu?
• É antes de mais nada reconhecê-la não isolada-
• da história da arte; 10Propostas de Atividades
• dos materiais e dos procedimentos artísticos; e Tópicos para Reflexão
mente como um objeto na parede ou no pedestal,
mas como dimensão simbólica, síntese do mun- • dos temas e conteúdos simbólicos; Transfiguração e Ressignificação
do no qual vivemos; • de cada espectador. de Coisas Comuns
• É dar sentido vital ao próprio museu, como um
O Coisário Coletivo
lugar/ambiente de encontro de múltiplos olhares
dentro de um processo de interpretação que de-
Do Coisário ao Relicário
manda a participação diferenciada de cada um, Coleções, Coletas e Coletivos
como estímulo para o desenvolvimento intelec- Cada Olhar uma História:
tual, espiritual e físico-emocional dos indivíduos Versões e Subversões
em uma sociedade;
• É mostrar que ela pertence a um percurso his-
tórico de transformações de valores artísticos
18Breve Histórico – 12 artistas
que unem o passado, o presente e o futuro nas da Coleção João Sattamini/
mudanças culturais e sociais em processo na MAC-Niterói
nossa época;
• É levá-la, como conceito e estratégia criativa de
leitura de mundo, para fora do museu, como
20Referências Bibliográficas
instrumento de transfiguração do cotidiano e
reencantamento interativo entre arte e vida.
20Legendas Cartões Postais
3. apresentação
“(...) estender o sentido de apropriação
Por que uma prática de ressignificar objetos do Assim sendo, cada obra de arte age como um
cotidiano urbano e transformá-los em obras de pensamento gerador de projetos para criação
às coisas do mundo com que deparo nas arte, a princípio uma ação anárquica e antiarte, coletiva, que culmina na relação do indivíduo
percorre toda a história da arte do século XX e com sua realidade. Esta é a chamada desaliena-
ruas, terrenos baldios, campos, o mundo tem lugar entre as principais coleções e museus
do mundo?
ção, que se dá em relação às obras isoladas de
seus contextos – originais ou históricos – e ao
Nossa abordagem educativa, utilizando a cole- posicionamento do público diante do mundo
ambiente, enfim – coisas que não seriam ção MAC-Niterói/João Sattamini, se dá através fragmentado em divisões sociais e culturais.
das experiências com as exposições, toma a Não existem distâncias aparentes entre as coi-
arte segundo seu potencial de leitura, em que a sas no museu e a vida lá fora. A aproximação e o
transportáveis, mas para as quais eu tônica dos materiais e procedimentos dá base estranhamento entre estes dois mundos, o sim-
para propostas de engajamentos sucessivos em bólico da arte e o do cotidiano, se dão pelas
chamaria o público à participação – seria ações ambientais do sujeito em sua relação
ampliada com o mundo.
distintas formas em trânsito do olhar poético e
crítico do sujeito-espectador pelas cidades, em
Uma experiência frente a uma obra de arte só é estados artísticos que transfiguram as coisas
isto um golpe fatal ao conceito de museu, completa quando se abre à interseção simultâ- pela vivência e pela ressignificação.
nea de passado, presente e futuro. O principal A emergência de novos paradigmas tanto para a
desafio de um museu de arte contemporânea arte quanto para a formação de uma pedagogia
galeria de arte etc., e ao próprio conceito traduz-se na busca pela desalienação do público existencial está ligada à arte da descoberta – ex-
através de sua comunicação participativa. Esta plorações imaginativas de coisas dispersas no
de ‘exposição’ – ou nós o modificamos ação reflexiva, anunciadora e utópica, busca a
constituição de novos valores.
mundo –, estado lúdico de jogo inventivo. Esta
sabedoria da imaginação é apresentada como
O significado de uma obra de arte não está so- princípio pedagógico para uma ação transfor-
ou continuamos na mesma. Museu é o mente na intenção do artista, nem apenas na madora entre arte e vida. As explorações do
obra em si; ele é resultado de um jogo de senti- acaso e a indeterminação são apresentadas a
dos. Engloba o contexto em que a obra se apre- partir das apropriações como uma proposta de
mundo; é a experiência cotidiana…” senta, sua relação com outras obras expostas, a redescobrimento do saber local com interesse
característica arquitetônica do lugar, e os novos transdisciplinar – arte para a ação ambiental, a
sentidos e interpretações propostas por cada reconstrução da história e geografia local.
Hélio Oiticica1, 1986 Nelson Leirner (1932)
Terra à vista, 1989 indivíduo espectador. Cada obra, como objeto, é O museu do futuro/presente – o museu da arte
Instalação
como um instrumento musical – precisa de um contemporânea – é desafiado por essas linhas de
Dimensões variadas
Col. MAC-Niterói intérprete para que se pronuncie. criação artística como um espaço de coisas coleta-
das, em constante fluxo de novas interpretações.
As propostas de leituras aqui reunidas exploram
procedimentos artísticos a serem renovados atra-
vés de instigações que vão para além das paredes
dos museus. O museu age aqui como abrigo ou
ponto de partida para ações poéticas.
(1) Em Aspiro ao grande labirinto, Editora Rocco.
Imagem fundo: Arthur Barrio (1945). Nocturnos (transportável) N 4, 2001;
pães, tecido e madeira; 55 x 38 x 16,5 cm;
coleção João Sattamini / MAC - Niterói
4. curto circuito d i s c u t i n d o a s p r á t i c a s a rt í s t i c a s
da História da arte
do século xx
colagens nexas, que passam a pertencer ao mesmo mun-
do de uma obra de arte. Muitos artistas transfor-
Inauguradas no século XX, as apropriações, as- Podemos definir colagem como uma composição maram em prática ou jogo o exercício de contras-
sim como as colagens e assemblagens, rompem elaborada a partir da utilização de matérias e tes: ordem x caos; ordem x interação; desordem
radicalmente com os valores tradicionais da arte texturas, variadas ou não, superpostas ou colo- x organização; lei do acaso x controle programa-
vigente e instauram novos estados poéticos de cadas lado a lado, na criação de um motivo ou do (determinismo).
produção da arte no mundo. imagem a ele associada. Propomos a comparação entre a aplicação artís-
Sob influência do dadaísmo*, e mais tarde do A escolha de imagens e materiais para uma cola- tica da lei do acaso e as construções organiza-
surrealismo*, as colagens e assemblagens são gem pode ser ao acaso ou intencional. Os mate- das através da observação das obras dos artis-
articuladas como composições de objetos origi- riais podem ser escolhidos pelas suas qualidades tas Schwitters, construindo sua obra através de
nalmente estranhos entre si, desenvolvendo plásticas e formais (textura, cor, dimensão) ou um acúmulo ilimitado; Aloísio Magalhães, com
nos artistas o exercício de um estado de poiésis por seus significados. a ordenação de seus cartões-postais, e Ivan
(estado imaginativo de ver o mundo como obra Em 1912, Picasso realiza a primeira colagem Cardoso, utilizando rótulos de embalagens de
de arte) a partir de uma visão não-racional, que cubista. A colagem se torna aos poucos um novo produtos descartáveis.
segue o primado do sensível, da imaginação procedimento artístico, que funciona como elo Adaptou-se a abordagem dos princípios de for-
inventiva, subvertendo a ordem lógica das coi- da pintura com a realidade. Desenvolve-se então mação do pensamento complexo de Edgard
sas. O poder dessa atitude é o de um ato inau- um campo de experimentações que vai se desdo- Morin 2 às colagens de materiais coletados ao
gural de criação de uma situação não existente brar nas manifestações de antiarte dadaísta* e acaso. Propõe-se, como relação de diálogo com
na natureza, afirmando-se no mundo sem mode- das vanguardas construtivistas russas*. A cola- a realidade, as funções imaginativas e inventi-
los prévios. gem é utilizada no processo de criação dadaísta vas, em paralelo com organizar e interagir com
De cima para baixo,
O uso das coisas do dia-a-dia coladas diretamen- da esquerda para a direita: e no programa construtivista russo* com diferen- um ambiente segundo um princípio de inclusão
te sobre a tela ou compondo construções exem- Pablo Picasso (1881-1973) tes sentidos: como ironia crítica ou como amplia- no qual se percebe como parte do mundo na
Guitarra, 1913. Col. MoMA
plifica a reformulação radical dos valores ligados ção de recursos de expressão visual. mesma medida em que se reconhece, construin-
aos processos artísticos tradicionais, contra- Salvador Dalí (1904 - 1989) Na colagem, cada elemento representa diferen- do assim um saber poético.
Telefone - lagosta, 1936.
riando cânones históricos do gênio artístico ex- Col. Tate Gallery tes tempos e sentidos, simultaneamente super-
2 Edgard Morin. Ciência com consciência. Para o pensamento
presso no fazer de uma obra-prima, assim como Aloisio Magalhães (1927 - 1982)
postos, de informações aparentemente desco- complexo. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003.
o da mimese, imitação do real, como função ou Cartema, 1972. Colagem; 95 x 114,5 x 3 cm;
Col. João Sattamini / MAC-Niterói
valor artístico.
Ivan Cardoso (1952)
A revolução da vida urbana e a era das reprodu-
El escosês, sem data. Montagem
ções mecânicas de imagens (fotografia e cinema) de caixotes de frutas; 85 x 116 x 3 cm;
Col. João Sattamini / MAC-Niterói
transformam o cotidiano das sociedades e provo-
cam redefinições de valores entre cultura mate-
rial, cultura popular, tradição e arte.
No que se refere à arte brasileira no século XX,
devemos destacar que a riqueza de sua renova-
ção está no encontro entre o construtivismo e
as explorações de objetos ao acaso. O que in-
troduzimos aqui como poéticas do infinito reco-
nhece, na confluência das apropriações e da
construção de ordens, singularidade e potência
de transporte sensível para as ilimitadas teo-
rias de rede – que remetem a um mundo em
constante transformação.
(*) Ver Linha do Tempo
5. discutindo as práticas artísticas
tópicos para debate
assemblagens Num momento em que as máquinas tomavam lu- A capacidade de fazer novas sínteses entre coisas
gar dos homens na produção industrial, Duchamp, e acontecimentos aparentemente desconexos é
.As assemblagens podem ser vistas como jogos em 1913, inverte uma roda de bicicleta sobre um poiésis parte de um processo contínuo de explorações
de construção com coisas achadas ao acaso. A banco. Esta assemblagem histórica inaugurou o Um estado imaginativo de envolvendo um aprendizado existencial através
ressignificação do banal em extraordinário, ou do polêmico conceito de ready-made*, expressão ver o mundo como obra de da poiésis, que apresentamos aqui como formas
extraordinário em banal, se dá pela imaginação e que significa algo pronto, já fabricado. de instigar as relações entre a arte e a vida.
arte – o reencantamento
interpretação do artista, em cumplicidade com a As intervenções e assemblagens com os mais Vivemos a era das coisas descartáveis. Rapida-
participação do espectador. variados objetos se tornaram uma prática artísti- ou transfiguração mente entramos em desencantamento com elas e
A origem histórica das assemblagens é de sub- ca com alta carga de ambigüidade, ironia e crítica das coisas do mundo. logo procuramos novos estímulos. Porém, da mes-
versão e ambigüidade perante a sociedade in- aos próprios sistemas de valores que definiam o ma forma que descartamos alguns objetos, nos
dustrial e o sistema de valores da arte. São práti- que era arte, seu lugar e consumo nos museus e apegamos às coisas e lugares que permanecem
cas críticas aos valores capitalistas de incentivo galerias de uma sociedade em transformação. por mais tempo em nossas vidas, um coisário afe-
ao consumo e ao desperdício, que culminam na A partir dos anos 60, as apropriações/assem- tivo através do qual contamos nossas histórias.
destruição sem sentido do meio ambiente e, em blagens do início do século são retomadas em Existem nesse contexto inúmeras coisas anôni-
última instância, nas guerras mundiais. diferentes movimentos de vanguarda, porém já mas, que os artistas buscam reanimar para uma
No cenário cultural europeu e americano, as com uma nova orientação. A Pop Art* nos Estados nova existência de significação simbólica, em
vanguardas artísticas das primeiras décadas do Unidos e na Inglaterra; o Novo Realismo* na forma de arte.
século passado deram início ao jogo das apro- França; a Arte Povera* na Itália e a Nova Objetivi-
priações, desafiando os valores tradicionais da dade* no Brasil são desdobramentos do Dadaís-
arte que separavam a ordem artística burguesa mo e da Antiarte* que demarcam a passagem da
do caos da vida moderna. Os museus foram um arte moderna para a contemporânea.
dos principais alvos das contravenções artísticas (*) Ver Linha do Tempo
mais radicais. Isso começou com os dadaístas*,
que tomaram a realidade do caos urbano, políti-
co e social, da velocidade e turbulência dos
acontecimentos, desafiando os limites da razão,
como motivação crítica para a criação de obras
efêmeras com coisas achadas ao acaso.
Da esquerda para direita:
Marcel Duchamp (1887-1968)
Roda de Bicicleta, 1913
Readymade, roda de bicicleta
montada sobre um banquinho
de cozinha pintado de branco;
126,5 cm de altura (réplica -
Da esquerda para direita:
original de 1913 perdido);
Col. Arturo Schwarz, Milão Jorge Barrão (1959)
Sem título, 1986
Farnese de Andrade (1926-1996)
Óleo sobre máquina de lavar;
Armário do Dragão, 1985
Dimensões variadas;
Técnica mista, madeira,
Col. João Sattamini / MAC-Niterói
tinta acrílica e resina;
154 x 103 x 54 cm; Fotografia (Luiz Guilherme Vergara)
Col. João Sattamini / MAC-Niterói 2003 - Porto Alegre / RG DO SUL
6. T ó P I C OS PARA DEBATE T óP I C O S PA R A D E B AT E
poética das apropriações o gabinete
Esses gabinetes eram assim chamados pelo re-
A poética das apropriações como prática artística
de curiosidades conhecimento das qualidades exóticas ou estra-
renovadora está relacionada às explorações do do século xxi nhas aos europeus encontrados nas coisas que
caos da vida urbana, da indeterminação e do começavam a chegar do então chamado “Novo
acaso. São experimentações artísticas a partir do Nossa intenção é evocar o conceito do “Gabinete Mundo”, nossas Américas. Coisas nunca vistas
deslocamento de coisas prontas encontradas ao de Curiosidades” ou de “Maravilhas” como refe- antes passavam a ser organizadas em lugares
acaso ou aleatoriamente, na busca de um olhar rência à origem européia dos museus. Os gabine- especiais e causavam forte impacto sobre visi-
Da esquerda para a direita:
mais amplo sobre o fluxo contínuo de aconteci- tes de curiosidades eram formados pela coleta tantes seletos. A expansão do conhecimento hu-
Instalação realizada com to-
mentos da realidade contemporânea. dos os objetos do Coisário de coisas estranhas da natureza ou objetos de mano acompanhava as navegações, a matemáti-
por um casal de argentinos
A ênfase no acaso como indeterminação no en- culturas exóticas. Nos séculos XVI e XVII, as cole- ca e a astronomia, com mapas e enciclopédias.
no módulo assemblagens -
contro de coisas, deslocadas como arte, se pres- exposição Apropriações ções transformaram-se em objeto de pesquisas.
(2003- 2004)
ta como proposta que resgata o poder da poiésis Pedras, fósseis, conchas, animais empalhados,
como estado de percepção imaginativa e ação Imagem de um Gabinete de originários de diferentes partes do mundo, ofe-
Curiosidades
sobre as manifestações do “infinito” no cotidia- reciam importante documentação para investi-
no. Sem dúvida é um procedimento artístico que gações científicas. Por trás desses gabinetes
pode ser ricamente levado a um debate atual existem duas palavras-noções muito fortes:
sobre o nosso “estar no mundo” de uma forma curiosidade e encantamento.
ampliada, ativamente engajada – psico-bio-so-
cioculturalmente –, mas, sobretudo sem abrir
mão da imaginação – do lugar do poético no re-
encantamento do mundo –, do infinito ao nosso
redor, a todo instante.
Ao confrontar o público com essas ‘coisas anôni-
mas’, expondo-as num museu como o MAC-Nite-
rói, desnuda-se o papel “utópico” do artista que,
numa sociedade de coisas e pessoas tão passa-
geiras, desvenda maneiras de se revisitar o pre-
sente, reinventar o passado e antecipar o futuro.
o coisário
Um coisário é um conjunto de objetos e coisas
reunidas em qualquer lugar. A expressão é utili-
zada pelo filósofo Gaston Bachelard no seu livro
Poéticas do devaneio. Reunir coisas implica po-
tencializá-las para novas possibilidades de uso,
valor, significado, atenção e interpretação.
“não se sonha bem,
em devaneios benfazejos,
diante de coisas dispersas”
Gaston Bachelard
7. propostas
de atividades
transfiguração
e tópicos
e ressignificação
para reflexão
de coisas comuns tópicos para reflexão e debate:
Como as embalagens de balas, rótulos, tíquetes
porque nós precisamos de objetos? Qual é a diferença entre um simples objeto Kurt Schwitters (1887-1948) proposta de atividade – colagem de cinema e teatro, jornais etc., tão banais aos nos-
Tinta Invisível, 1947
Em algum momento você já parou para refletir so- e uma relíquia? Sob inspiração das colagens do artista alemão sos olhos, podem ser vistos de forma diferente?
Colagem
bre o significado dos objetos na sua vida ou na vida Observe os objetos utilizados na vida cotidiana, Propriedade do artista Kurt Schwitters, que coletava materiais ao “aca- Que tipo de material achado pode ser incorpora-
das pessoas? Os objetos contam histórias sobre aqueles que encontramos e usamos no nosso so” como procedimento artístico para constitui- do a uma colagem? Como podemos interpretar
as pessoas e sobre o mundo em que vivem. dia-a-dia, e que têm sido utilizados por artistas ção de suas obras (intermináveis), proponha que essas escolhas? Lembramos que, além da sele-
Podemos ter relações diferentes com os objetos, na composição de seus trabalhos. Quando es- o grupo crie um arquivo de materiais coletados ção de diferentes materiais, também faz parte
que podem ter um valor afetivo ou se tornar sim- ses objetos integram uma obra de arte, perdem para serem usados em atividades de colagem. desse jogo a forma como serão dispostos.
plesmente descartáveis. As latas e embalagens suas funções de objetos utilitários e são desta Procure estimular o olhar dos alunos para mate- Pela fluência criativa os artistas arrumam seus
são um bom exemplo: para muitos podem ser forma ressignificados. riais que se acumulam em nosso consumo diário, objetos achados de inúmeras maneiras. Segundo
elementos de uma grande coleção e para outros combinados com outros que seriam descartados, a ordem e o tratamento dado pelos artistas, as
algo que não tem mais nenhuma serventia. mas que neste contexto podem servir para uma coisas se tornam parte de uma estrutura, uma
criação plástica, como panfletos, bilhetes, pa- construção artística.
péis de bala, embalagens, retalhos de tecidos, Por outro lado, guardar um bilhete, cartão ou
fotos velhas, jornais, rótulos, cartões etc. embalagem pelo momento que ele representa,
A partir deste arquivo proponha ao grupo que como memória material, já corresponde a dizer:
organize os materiais por diferentes categorias essas coisas já não são vistas como banais.
(cor, textura, tamanho, procedência, geração), Quantos de nós guardamos pequenas lembran-
Proposta educativa na
exposição - Apropriações como um cientista (arqueólogo ou antropólogo), ças de experiências especiais?
no MAC - Niterói (2003-2004)
estimulando a observação dos materiais pelas Cada geração tem suas marcas (rótulos de produ-
Atividade no módulo
de colagem suas qualidades plásticas e formais, e também tos) que sem percebermos nos marcam, acompa-
por suas histórias. nhando os momentos que registram nossa traje-
Você poderá também, a partir da coleção e do tória de vida.
arquivo de achados, propor que o grupo explore Esta é uma interessante motivação para se pro-
o conceito de infinito em outra direção – a das mover uma coleta de “marcas que marcam” as
fluências das ordens. Isto significa dar liberdade diferentes gerações, convocando pais e avós
e ao mesmo tempo perceber as possibilidades para contribuir com relatos e exemplos. Quais
infinitas de criação com a redução limitada dos seriam as nossas marcas preferidas?
elementos. O jogo de fluência criativa se estabe-
lece pelas “infinitas” relações e reorganizações
dos materiais acumulados.
Crie diferentes critérios para as escolhas e com-
posições dos materiais:
• acaso x ordem; acaso x escolha afetiva (uso/
consumo)
• cor e textura – composição
• justaposição de imagens – a fotomontagem
• juntando palavras e imagens
0
8. P R O P OSTAS DE ATIVIDADES E TóPICOS PARA REfLEXã O P R O P O S TA S D E AT I V I D A D E S E T óP I C O S PA R A R Ef L E X ã O
o coisário proposta de atividade 2:
construindo uma assemblagem
Proponha ao grupo que crie uma situação/arru-
mação dentro de uma caixa, ou outro recipiente,
proposta de atividade 1: Como escolher os objetos que vão construir uma com um conjunto de objetos escolhidos intencio-
Montando um coisário assemblagem? Este é o primeiro desafio desta nalmente, observando suas relações simbólicas.
Como olhar o nosso cotidiano como se fosse pela proposta. Uma assemblagem pode partir de vá- Depois proponha que cada aluno ou grupo escreva
primeira vez? rios desdobramentos. Um deles pode se dar uma história sobre o encontro daqueles objetos.
Propomos que seja criado com o grupo um Coi- através do sorteio de objetos do coisário. O sor- Uma última instigação pode ser recriar novas as-
sário a partir da coleta de objetos achados ou teio propicia o acaso, como na bricolage, em que semblagens a partir de peças construídas anterior-
pertencentes ao cotidiano privado ou público; é o desafio está em construir um único objeto – mente; esse processo permite perceber as infini-
interessante estimular a coleta de objetos e como uma colagem – com aquilo que se encontra tas possibilidades de leituras e construções que
coisas das mais variadas. disponível, não partindo da escolha consciente um mesmo conjunto de objetos pode adquirir.
O processo de montar um coisário pede uma ou afetiva dos objetos.
atitude de curiosidade, admiração e atenção Uma outra forma de escolher os objetos que vão tópicos para reflexão e debate
perante o mundo a nossa volta. O coisário é tam- construir uma assemblagem é partir de uma esco- Na arte contemporânea, uma assemblagem é
bém parte de uma estratégia educativa que pro- lha consciente, baseada num critério – os objetos uma obra tridimensional, figurativa ou não, que
move o aprendizado e o entendimento da expan- com que você mais se identificou (escolha afetiva) reúne objetos e/ou materiais diversos, não con-
são dos conceitos da produção artística contem- versus os objetos que você considera mais co- vencionais, para se obter um efeito insólito e
porânea – apropriação e deslocamento – na in- muns (Duchamp “escolhe” os objetos que acha romper com as técnicas tradicionais da pintura e
serção recíproca entre cotidiano e arte. mais insignificantes e comuns para fazer seus fa- da escultura.
Cada objeto coletado pode ser classificado mosos ready-mades, como a Roda de bicicleta de Ao apresentarmos estratégias artísticas de res-
numa ficha ou etiqueta segundo seus atributos 1913, a Fonte de 1917 e o Porta-Garrafas de 1964). significação ou reencantamento diante das coi-
formais (material, cor, forma, tamanho, peso), “Há uma coisa que pretendo deixar bem claro, é sas banais, falamos também de uma relação com
De cima para baixo,
sua origem (natural ou cultural) e sua história, da esquerda para a direita: que a escolha destes ready-mades não foi nunca a vida, o acaso, e da atenção diante das peque-
além de outros critérios: coisas de estimação, Proposta educativa na ditada por qualquer razão de caráter estético. nas coisas. Vivemos em geral preocupados, em
exposição Apropriacões no
coisas de convivência, coisas de consumo, coi- Esta escolha assentava numa reação de indife- estado de desatenção com tudo que nos cerca;
MAC-Niterói (2003-2004).
sas de violência, coisas descartáveis, coisas da Atividade no módulo de rença visual e, simultaneamente, uma ausência perdemos o contato com o presente ou oportuni-
assemblagem – O Coisário.
infância, coisas raras, coisas anônimas... total de bom ou mau gosto... na realidade, uma dades do acaso. O mistério do acaso é tema de
Proposta educativa na completa anestesia.” uma antiga discussão entre poetas, cientistas e
exposição Apropriações no
MAC - Niterói (2003-2004) É interessante destacar, em contraponto, artistas filósofos. “Nada é por acaso”, acreditam muitos.
Atividade no módulo como Farnese, que escolhe seus objetos de forma Picasso declarou: “eu não procuro, acho”. Achar
de assemblagem.
afetiva e intencional, pensando no significado sim- sem procurar significa “acaso”?
Assemblagens criadas
pelos visitantes na
bólico de cada um deles. Farnese nem sempre reú-
exposição Apropriacões no ne os objetos formando uma única peça, na maio-
O pente, por exemplo MAC-Niterói (2003-2004).
ria das vezes os coloca juntos em uma mesma “si-
tuação”/suporte – um armário, uma gaveta, um ora-
Dar ao pente função de não pentear
tório, uma gamela, uma caixa – o corpo da obra.
Até que ele fique à disposição de ser uma begônia
Ou uma gravânia
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma
Repetir – repetir – até ficar diferente
Repetir é um dom do estilo
Desinventar objetos (Manuel de Barros, Livro das Ignorânças)
9. P R O P OSTAS DE ATIVIDADES E TóPICOS PARA REfLEXã O P R O P O S TA S D E AT I V I D A D E S E T óP I C O S PA R A R Ef L E X ã O
do coisário Guardar uma coisa não é escondê-la ou coleções, coletas proposta de atividade:
Montando uma coleção
ao relicário trancá-la. e coletivos
Em cofre não se guarda coisa alguma. A partir do Coisário coletivo trabalhe com o grupo
Em cofre perde-se a coisa à vista. diferentes formas de selecionar, ordenar e classi-
Transfigurar uma coisa qualquer em relíquia é Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la São muitas as referências de artistas que a ficar os objetos, explorando o conceito de infinito
nominá-la, encantá-la de memória futura. É reco- por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela partir de diferentes intenções ou circunstâncias em outra direção – a das fluências das ordens. O
nhecê-la como extensão de nossa identidade – iluminado. assumem uma atitude de coletores de coisas jogo de fluência criativa se estabelece pelas “in-
capaz de contar um pouco de quem nós somos e Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, achadas, criando suas coleções/instalações/ finitas” relações e reorganizações dos materiais
fazer vigília por ela,
de onde viemos. obras de arte. Tornam-se em arqueólogos da acumulados, montando diferentes coleções.
isto é, velar por ela, isto é, estar acordado
Quais são as histórias individuais e coletivas, vida contemporânea. A atitude de curiosidade Proponha aos alunos que criem categorias para
por ela,
contadas por suas diversas vozes, que devem isto é, estar por ela ou ser por ela. se transforma na constante busca por novida- os objetos coletados. Discuta com eles, através
ser preservadas para o futuro de um lugar/comu- Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro des e no maravilhamento com o novo. Os artis- da experimentação, como a leitura de um conjun-
nidade? Cada morador traz um futuro para a co- Do que um pássaro sem vôos. tas e poetas das apropriações vão ser parte de to de objetos ou de uma coleção varia de acordo
munidade, a construção de um relicário consiste Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se um movimento de curiosidade e poiésis, de ex- com sua ordenação; como exemplo você pode
em experiências coletivas buscando construir publica, ploração e redescoberta do mundo urbano, do mostrar-lhes as diversas montagens da instala-
uma trama relacional de confiança e afeto entre por isso se declara e declama um poema: consumo em massa, dos descartáveis e do lixo ção de Nelson Leirner.
para guardá-lo:
indivíduos, com um lugar e seus objetos, a partir industrial acumulado, como um grande Gabine-
para que ele, por sua vez, guarde o que
de memórias compartilhadas de vidas que vão te de Curiosidades. tópicos para reflexão e debate:
guarda:
se cruzando e formando a identidade de uma guarde o que quer que guarde um poema: Por que colecionamos coisas? Alguém da turma
comunidade. por isso o lance do poema: tem alguma coleção? Como a organiza?
por guardar-se o que se quer guardar. Que outras coleções vocês conhecem?
Da esquerda para direita: Quando alguma coisa faz parte de uma coleção
Guardar (Antônio Cícero)
Nelson Leirner (1932) ela se torna importante e muitas vezes indispen-
Objetos do Desejo, 2003 (detalhe)
Instalação; dimensões variadas
sável, pois passa a integrar um grupo. Um mesmo
objeto pode estar em mais de uma coleção?
Arthur Bispo do Rosário (1909-1989)
Sem data Qual é a diferença entre um objeto e uma relí-
Talheres (detalhe);
Atividade educativa realizada quia? Quando um objeto se torna uma relíquia?
137 x 47 x 9,5 cm;
em conjunto com o Programa Col. Museu Nise da Silveira
Médicos de Família da
Prefeitura de Niterói (2003)
Atividade realizada na
varanda do Museu
A experiência do Projeto Relicário foi para uma ação de integração em co- em determinadas comunidades. En-
realizada pela Divisão de Arte Edu- munidades. O Relicário consiste em volvendo o conceito de museu-co-
cação do MAC-Niterói em parceria experiências sucessivas comparti- munidade e as poéticas de produção
com o Programa Médicos de Família lhadas envolvendo a construção “em artística contemporânea, este pro-
da Prefeitura de Niterói. Esta pro- rede” de confiança e afeto, de um jeto tem em sua base metodológica
posta foi realizada em caráter ex- lugar e seus objetos de memória de a ampliação dos espaços potenciais
perimental articulando arte e saúde vidas interligadas, como uma colcha de cidadania por um programa de
em um projeto intersetorial, como de retalhos de coisas e histórias. arte e ação ambiental. Artistas e mé-
estratégia para a melhoria da quali- A implementação de relicários cole- dicos trabalham na reintegração so-
dade de vida das populações excluí- tivos tem como objetivo a formação cial, auto-representação, resgate de
das. A expansão dos conceitos de de agentes catalisadores da cultura, memória e auto-estima, fechando
museu e do artista para o mundo dos registros materiais das trajetó- um círculo de comunicação e imagi-
contemporâneo é o ponto de partida rias de vida das pessoas que vivem nação dentro da comunidade.
10. P R O P OSTAS DE ATIVIDADES E TóPICOS PARA REfLEXã O
cada olhar uma história
– visões e subversões
proposta de atividade: Você poderá também propor ao grupo a constru-
cada olhar uma História ção de histórias ao acaso, distribuindo aleatoria-
Criar histórias tendo como instigação obras de mente três cartões para cada aluno ou grupo com
arte é também uma ação de apropriação. To- a sugestão de que eles criem histórias, poemas,
mando como parâmetro nossa experiência com a partir das imagens.
o público do MAC-Niterói, propomos que, junto Através das atividades aqui propostas, quere-
com seu grupo de alunos, você também exercite mos ressaltar mais uma vez que as imagens são
a imaginação e o olhar criativo concebendo apropriadas poeticamente como instigações
histórias a partir de um conjunto de reprodu- para um exercício de liberdade em que cada olhar
ções de imagens de obras de arte. imaginativo cria uma história.
Para facilitar a dinâmica selecionamos doze
obras da Coleção João Sattamini/MAC-Niterói, tópicos para reflexão e debate
segundo seu potencial de instigação para leitu- Cada espectador, sujeito diante de uma obra
ras múltiplas ou jogos interpretativos que cha- de arte, pode interpretá-la de diferentes for-
mamos Cada Olhar uma História. É importante mas? Cada interpretação/imaginação pode
ressaltar que o uso dessas imagens pode provo- formular uma história diferente? Cada olhar
car diversos níveis de exploração envolvendo conta uma história?
exercícios de observação, memória visual e ima-
ginação, em forma de oficinas de textos.
cada olhar uma História – um breve Histórico
Logo em 1996, o primeiro ano do lhidas em cada história são reunidas A coleta e seleção de respostas dos
MAC-Niterói, se percebeu um outro a partir de uma motivação intrínseca visitantes se transformou na exposi-
acervo se formando – o das experiên- (afinidades, ressonâncias, estranha- ção que celebrou em 1997 o aniversá-
cias múltiplas e anônimas, da vonta- mentos etc.) e articuladas pela ima- rio de um ano do MAC-Niterói – Visões
de coletiva de participação. Através ginação e reflexão do espectador. O (sub)Versões, Cada Olhar uma His-
da estratégia educativa Cada Olhar nosso interesse é de incentivar uma tória. A atração afetiva e a interpreta-
uma História, reunimos inúmeras atitude criativa por parte do especta- ção imaginativa tornaram-se um prin-
respostas poéticas dos visitantes à dor e, ao mesmo tempo, enfatizar a cípio de curadoria participativa inusi-
Coleção João Sattamini e às demais dimensão aberta da obra de arte, que tada na história das exposições do
Lado esquerdo, de cima para baixo: Lado direito:
exposições realizadas no museu. deve ser tomada como ponto de par- MAC-Niterói. As obras escolhidas pelo
Nesta atividade o público é convida- tida para atitudes multiplicadoras de olhar ativo de adolescentes passaram Ivan Serpa (1923-1973) Cláudio Paiva (1945) Ivens Machado (1942) Mira Schendel (1919-1988) Esta é uma das muitas
Sem título, 1964 Rolling Stones, 1971 Sem título, 1973 Sem título, 1979 histórias desenvolvidas
do a participar e escolher algumas sentidos. Assim a arte contemporâ- a ser temas de histórias e leituras pa- Óleo sobre tela; Guache sobre papel; Azulejo colado Têmper e folha de ouro pelos visitantes do Museu:
das obras expostas para desenhá-las nea alcança sua culminância ao rede- ralelas que formaram essa re-visão da 140 x 200 cm 67 x 97 cm em madeira e lâmpada; sobre eucatex; CONTE, PORANE IDÉIA.
e, a partir desta escolha, contar/ finir o papel do espectador na revela- exposição Arte Contemporânea na 156 x 101.5 x 11 cm 55 x 55 cm
escrever uma história. As obras esco- ção de seus valores/significados. Coleção João Sattamini/MAC-Niterói.
11. breve Histórico – 12 artistas da coleção
João sattaMini/ Mac-niterói
artur barrio (cidade do porto, portugal, 1945.) de autônoma e diferente do significado original de cada um deles. (...) As Comentários Críticos portanto um dos pioneiros nessa linha de experiências junto com Joseph
Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes (Porto, Portugal 1945). Começa a pintar esculturas de Ivens Machado são construções, tal como casas, edifícios, “O Grande Desfile, montado em 1984 no Museu de Arte Moderna do Rio de Kosuth e o grupo britânico da Art Language.
em 1965. Em 1967, freqüenta a Escola Nacional de Belas Artes. Deixa de pontes, mas são arquiteturas sem projeto. (...) Tal repertório construtivo Janeiro, consistia no enfileiramento portentoso de algumas centenas de Comentários Críticos
lado as técnicas tradicionais da pintura para trabalhar com matérias pere- poderia anunciar os termos de uma certa modernidade, e efetivamente o objetos –feitos para a veneração ou o entretenimento – retirados do extenso Sobre um trabalho da década de 60, Paulo Sergio Duarte comenta “A pin-
cíveis, como lixo, papel higiênico, detritos humanos e carne putrefata. Em faz, mas as formas que resultam desse antidesenho parecem contrariar de repertório simbólico que habita o imaginário popular do país. / No MAC- tura é de uma rudeza e simplicidade agressivas. É um constructo de ima-
1969, realiza trabalho com Ivald Granato e Luís Pires para a pré-Bienal de propósito qualquer idéia de norma, controle ou disciplina.” Reynaldo Niterói em 2003 – Nelson Leirner pela primeira vez agrupou as imagens em gens complexo onde o encontro é arbitrário, como nos sonhos ou em as-
Paris, exposição que deveria acontecer no MAM-RJ. Exibe no Salão da Roels Jr e Milton Machado dois conjuntos espacialmente separados, ainda que, postos um defronte do sociações de idéias. Mas não há sono nem divã, há um movimento contrá-
Bússola as Trouxas Ensangüentadas (T. E.) – em que o público era convi- outro, pareçam se equivaler no poderio simbólico. Síntese das vontades rio, querendo despertar o olhar e afirmar a necessidade de reinventar o
Jorge barrão (rio de Janeiro, 1959)
dado a interferir -, e depois as coloca sobre a base reservada a uma escul- difusas dos agrupamentos, as imagens feridas são Objetos de Desejo ima- significado. Talvez por isso, a pintura não se acha suficiente, se desdobra
tura consagrada nos jardins do MAM/ Rj. A maioria de seus trabalhos Desenhista e artista multimídia, representante da Geração 80, Jorge Bar- ginários, (...)” Moacir dos Anjos em volume, em escultura estranha, sem a rigidez tradicional da estatuária,
consiste de “situações”, como ele as chama. Tratam-se de intervenções rão participou do grupo 6 Mãos com Ricardo Basbaum e Alexandre Dacos-
as formas coloridas acolchoadas se prolongam do quadro em nossa dire-
diretas no espaço urbano. Participou em várias edições da Bienal Interna- ta, entre 1983 e 1991, desenvolvendo várias atividades: vídeo, pinturas ao rubens Gerchman (rio de Janeiro, 1942)
ção, como se, por causa do nosso temor ou indiferença, nos procurasse
cional de São Paulo. Participa da exposição coletiva – Diálogo, Antagonis- vivo, musicais, performances e execução de objetos. Estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, em 1957. para revelar um segredo...Aquele que tenta se aproximar de um trabalho
mo e Replicação no MAC-Niterói em 2002. Em 1995, surge o grupo hipermidiático – Chelpa Ferro, do qual faz parte. Entre 1960 e 1961, freqüentou a Escola Nacional de Belas Artes e cursa xi- de Antônio Dias, desse período, pelos filtros da Pop Art americana ou da
Onde seus participantes atuam misturando música eletrônica, vídeos, logravura com Adir Botelho. Em 1967, com o prêmio viagem ao estrangeiro Nova Figuração européia, se desorienta. Seu trabalho demonstra, com
cildo Meireles (rio de Janeiro, 1948) esculturas e instalações multimídia, com gravações em CD. Em 2002 Bar- do Salão Nacional de Arte Moderna, viaja para os Estados Unidos. Entre força, que o território simbólico explorado pelos artistas no Brasil tem
Cildo Meireles inicia estudos de arte em Brasília, com Felix Alejandro Barre- rão participa da exposição – Diálogo, Antagonismo e Replicação no MAC- 1968 e 1972 reside em Nova York e torna-se membro-fundador do Museu fronteiras próprias.”
nechea, em 1963. Freqüenta por dois meses a Escola Nacional de Belas Ar- Niterói. O grupo Chelpa Ferro criou em 2003 um trabalho, (uma mesa) para Latino-Americano do Imaginário. Entre 1975 e 1979, dirige a Escola de Artes
tes, no Rio de Janeiro, em 1967. Seu trabalho se caracteriza pela diversidade o balé 4 por 4 da coreógrafa Deborah Colker. Visuais do Parque Lage. Em meados da década de 70, é co-fundador e di- ivan cardoso (rio de Janeiro, 1952)
de técnicas e suportes empregados – pintura, desenho, escultura, ambiente, Comentários Críticos retor da revista Malasartes. Em 1982, passa um ano em Berlim como artis- É artista plástico, fotógrafo, cineasta, produtor e jornalista. Seus traba-
happening, instalação, performance, fotografia, conjugando-os em múlti- “Barrão faz com que objetos comuns (muitos deles conhecidos como ta residente a convite do Deutsche Akademischer Austauschdienst Küns- lhos têm como tema a apropriação de objetos banais retirados do cotidia-
plas linguagens que discorrem sobre questões sociais e políticas Realiza a eletrodomésticos) passem a ter uma nova ordem de funcionamento, dei- tler Program. Em 2000 lança, em São Paulo, álbum com 32 litografias, no. Ivan Cardoso é mais conhecido por sua obra como cineasta, especial-
exposição Geografia do Brasil que é apresentada no Museu de Arte Moderna xando de lado sua utilidade “familiar” (doméstica) e desempenhado tare- primeiro volume da coleção Cahier d’Artiste, da Lithos Edições de Arte. mente por seus longa-metragens O Segredo da Múmia, As Sete Vampiras
Aloísio Magalhães, em Recife em 2001, no Museu de Arte Moderna da Bahia, fas “exóticas” para as quais não tinham sido (exatamente) construídos. Expõe no MAC-Niterói em 2001. e O Escorpião Escarlate. Nas últimas três décadas, fez curtas-metragens
Salvador em 2002 e no Espaço Cultural Venâncio em Brasília em 2002. Barrão é antes de tudo um artista Pop. A grande lição do Pop é gostar do Comentários Críticos focalizando figuras como o sambista Moreira da Silva, o escritor Dyonélio
Comentários Críticos mundo, das coisas do mundo. Barrão nos ensina a gostar ainda mais das “O volume torrencial de imagens que criou em vinte anos de carreira é Machado, o cineasta José Mojica Marins, o artista plástico Hélio Oiticica e
“Os trabalhos de Cildo se inscrevem no quadro do experimentalismo da coisas como telefone, televisão ou aspirador de pó. “ Hermano Vianna sensacional. Algumas dessas imagens são definitivas e marcam época, os poetas Torquarto Neto e Augusto de Campos. Muito ligado a Oiticica
arte contemporânea brasileira. Este quadro tinha como referências as como A Bela Lindonéia, obra-síntese do tropicalismo, (...) estas imagens (1937-1980), em 1979 fez HO e, em 2002, Cardoso criou Heliorama, um
nazareth pacheco ( são paulo, 1961) outro filme sobre o criador dos Parangolés.
tendências construtivas vigentes nos anos 50 e as tentativas pop dos anos vão além do campo estético, têm uma dimensão sociológica, antropológi-
60. Nos trabalhos de Cildo, encontramos um sistema que se poderia chamar Nazareth Pacheco e Silva (São Paulo SP 1961) cursa artes plásticas na Uni- ca, política, tocam fundo a alma do país. (...) Discute o transporte coletivo, Palavra do Artista
de visionário, coerente e rigoroso, aglutinador de experiência, que articula versidade Mackenzie, São Paulo, de 1981 a 1983. Viaja para Paris e freqüen- a habitação popular, o trabalho, o lazer, o consumismo e a publicidade, a “Nas participações de Hélio Oiticica nos meus filmes, ele ficava meio perdi-
desde gestos insignificantes do cotidiano às grandes estruturas sociais.” ta, em 1987, o ateliê de escultura da École National Superieure des Beaux- cultura de massa, (...) a violência policial. Frederico Morais do, desapercebido... Muitas imagens ficaram guardadas, inéditas”, explica
Paulo Venâncio Filho Arts. Titula-se mestre em artes pela Escola de Comunicações e Artes da
Ivan. Sobre Heliorama, diz Ivan: “Cada vez mais eu acho esse meu trabalho
Universidade de São Paulo, ECA/USP, em 1999. No início dos anos 90, par- Waltercio caldas (rio de Janeiro, 1946)
de documentarista muito importante. O cinema de fato é a melhor maneira
farnese de andrade (araguari, Minas Gerais, 1926 – 1996) ticipa de workshops com Iole de Freitas, Carmela Gross, José Resende, No início dos anos 70, através de sucessivas exposições, sendo duas no das pessoas que não conheceram Glauber, Hélio e outros nomes importan-
Nasceu em Araguari em 1926. Em Belo Horizonte entre 1945 e 1948, estudou Amilcar de Castro, Nuno Ramos e Waltercio Caldas, e apresenta as primeiras MAM-RJ (1973 e 1976) e uma no MASP (1975), Waltercio abriu um novo tes. Daqui a 20, 30 anos esses vão ser filmes fundamentais para as pessoas
desenho com Guignard. Nas décadas de 50 e 60, ilustrou livros, revistas e peças tridimensionais: objetos filiformes manipuláveis de metal ou borra- rumo para a arte conceitual no Brasil. Seus dispositivos críticos, cuja inte- entenderem a época e o que foi o trabalho desses artistas”, conta.
jornais. Entre 1959 e 1961, freqüentou o ateliê de gravura do MAM/RJ. Em cha. Em 1993, começa a trabalhar com pequenas caixas repletas de objetos. ligência só encontrava concorrência no humor fino e perverso que subver-
1970 recebeu o prêmio viagem ao exterior para Espanha. Falece no Rio de Apresenta posteriormente uma série de espéculos de acrílico. Em 1997, tia toda a lógica do consumo visual, foram sutilmente infiltrados no siste- cláudio fonseca (rio de Janeiro, 1949-1993)
Janeiro em 1996. Em 2000, no Espaço Porto Seguro em São Paulo, foi reali- exibe colares e vestimentas feitos de cristal e instrumentos de perfuração. ma de arte. A partir dos anos 80, o que antes poderíamos classificar como Formou-se em arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
zada a retrospectiva Imagens aprisionadas; a foto/objeto em Farnese de Comentários Críticos “objetos” passam de modo evidente para o campo escultórico. As exposi- (UFRJ). Foi aluno de Anna Bella Geiger . Pintor, arquiteto e professor, tendo
Andrade, com obras pertencentes a várias coleções do Rio e de São Paulo. “O nome de Nazareth Pacheco está ligado a uma geração de artistas sur- ções de Waltercio, desde os anos 80, têm estado presentes em diversas dado aulas no Parque Lage ( Escola de Artes Visuais – EAV) DE 1986 – 1988.
“A tônica de seu raciocínio talvez esteja na tentativa constante de aproxi- gida no final dos anos 80 e início dos 90. /Em 1988, começa a trabalhar cidades do mundo, em importantes instituições, destacando-se sua parti- Participou da exposição emblemática em 1984 no Rio de Janeiro RJ - Como
mar elementos opostos: a cabeça da boneca (...) e a cabeça do ex-voto, o esculturas filiformes, associando às longas fitas de borracha ou latão for- cipação na Documenta IX de Kassel, em 1992. Em 2001 realizou a retros- Vai Você, Geração 80?, na EAV/Parque Lage. Depois de transitar pelo
oratório (...); um jogo de esconder e revelar, um convite à participação mas pontiagudas, que remetiam incontestavelmente a instrumentos de pectiva Waltercio Caldas 1985-2000 no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ; conceitualismo na década de 70, volta-se para a pintura. O interesse por
cúmplice do espectador”. Arlindo Daibert dor. /Convidada por Tadeu Chiarelli a integrar o Panorama da Arte Brasilei- no ano seguinte, participou do projeto Artecidade no SESC Belenzinho em animais selvagens se desenvolve no seu retorno da Europa, em 1996. Na
ra de 1997, no qual foi premiada, a artista apresentou a produção de cola- São PauloEm 2003 seus trabalhos integram a exposição “Desenho anos construção de suas telas o artista apropria-se da pele de feras como su-
“Com seus Objetos, exorciza fantasmas e exercita a memória, realizando
res e vestidos. Concebidos para adornar, a fim de compensar os limites de 70” no MAM – RJ. porte e como elemento de sua pintura, formando uma intrigante simbiose.
assim, uma espécie de arqueologia existencial.” Frederico Morais
nossa frágil existência, tornavam-se cada vez mais ameaçadores.” Lisette “As peças, as coisas de Waltercio Caldas se impõem ao olhar por uma su- Participou da exposição Apropriações no MAC-Niterói em 2003.
ivens Machado (santa catarina, 1942) Lagnado tileza provocativa. Aparentemente ascéticas, elas deixam a luz, o ar, o vazio Comentários Críticos
atravessá-las e respondem, com uma espécie de materialidade imaterial,
Iniciou sua carreira como gravador, ingressando posteriormente na Escola “Saído da prática conceitual, nos anos 70, um primeiro momento da nova
nelson leirner (são paulo, 1932) às tagarelices vãs do mundo. Eu sei que elas se querem ”objetos no mun-
de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro no curso para professor de arte. Foi pintura de Cláudio Fonseca, entre a suspensão e o sedimento, propunha a
Em 1958, freqüenta por curto período o ateliê de Samson Flexor. Em 1966, do”, mas essas coisas decepcionam e iludem o mundo se este se quer fixi-
aluno de Anna Bella Geiger. Entre prêmios e exposições destaca-se em reencenação da Natureza sendo criada. Era, então, a pura energia se des-
funda com outros artistas o Grupo Rex. Em 1967 realiza a Exposição-Não- dez e imobilidade.” José Thomaz Brum
1988 na Mostra Modernidade – Arte Brasileira do século XX, no museu de locando de sua orgulhosa força virgem para a maravilhada hora primeira
arte moderna de Paris e Brasil Projects PS1, em Nova York. Em suas expo- Exposição, happening de encerramento das atividades do grupo. Envia
antonio dias (paraíba, 1944) das formas elementares. A energia que cede uma parcela de sua perpétua
sições mais recentes, destacamos a Mostra do Redescobrimento/ Arte para o Salão de Arte Moderna de Brasília um porco empalhado e questiona
volúpia indomada e aceita fixar-se nesse instante de pausa, passagem e
Contemporânea (Fundação Bienal de São Paulo – SP, 2000), Palavra/ publicamente, pelo Jornal da Tarde, os critérios que levaram o júri a aceitar Nasce em Campina Grande, Paraíba em 1944. Em 1957 mudou-se para o Rio
transfiguração que é o quadro. Valia o impulso barroco que se dispõe a
Imagem no MAM- RJ em 2001, Violência e Paixão, no MAM- RJ e no Santan- a sua obra. Em 1974, expõe a série A Rebelião dos Animais, cujos trabalhos de Janeiro e estudou sobre a orientação de Oswaldo Goeldi na Escola Na-
imitar a natureza apenas para melhor reivindicar o artifício. Ascensão,
der Cultural em Porto Alegre – RS, ambas em 2002; em 2003, participou da criticam duramente o regime militar, pela qual recebe da Associação Pau- cional de Belas Artes. Realizou trabalhos de artes gráficas e projetos de
metamorfose, vertigem: o rapto do barroco nos levava, ali, ao momento
IV Bienal do Mercosul, em Porto Alegre e do Projéteis de Arte Contempo- lista dos Críticos de Arte o prêmio melhor proposta do ano. Em 1997, programação visual. Em 1965, participou da “Opinião 65” e em 1967, da
inaugural em que o magma se vai transformando em Nome. Depois das
rânea, FUNARTE, RJ. muda-se para o Rio de Janeiro e passa a dar aulas na EAV/Parque Lage. Em “Nova Objetividade Brasileira”, ambas no MAM/RJ. Nesse mesmo ano re-
montanhas, das pedras e dos corpos, em tinta-lava, vieram, no entanto,
1999 participa da 48ª Bienal de Veneza e em 2002 -da 25ª Bienal Interna- cebeu uma bolsa e mudou-se para Paris. Em 1968 foi para Milão, cidade
Comentários Críticos mais recentemente, as pinturas e as quase-montagens habitadas de um
cional de São Paulo, com uma sala especial. No ano de 2002 participa da onde até hoje mantém uma de suas residências e ateliê (as outras são em
mesmo felino animal. Uma idéia querendo se afirmar através do fetiche da
“Ivens não molda ou desbasta seu trabalho. Ele monta a partir de elemen- 25ª Bienal Internacional de São Paulo, com uma sala especial; também Colônia e no Rio de Janeiro). Ainda neste ano, iniciou suas investigações
sábia violência.” Roberto Pontual
tos independentes, que por vezes têm um sentido próprio, em uma unida- expõe sob o título de Arte e não arte na Galeria Brito Cinimo. conceituais concentradas na reflexão poética entre palavra/imagem, sendo