5. 7 aPreseNTação
9 o Brasil eM seUs MerCados
15 MerCado MUNiCiPal adolPho lisBoa . MaNaUs/aM
35 Ver-o-Peso . BeléM/Pa
59 MerCado de são José . reCife/Pe
77 MerCado Modelo . salVador/Ba
99 MerCado VareJisTa do PorTo . CUiaBá/MT
115 MerCado CeNTral . Belo horizoNTe/MG
139 feira de são CrisTóVão . rio de JaNeiro/rJ
159 MerCado MUNiCiPal . são PaUlo/sP
181 MerCado PúBliCo de floriaNóPolis . floriaNóPolis/sC
197 MerCado PúBliCo CeNTral de PorTo aleGre. PorTo aleGre/rs
6.
7. aPreseNTação
os MerCados são Mais do qUe centros de compra e venda de
mercadorias. São expressões da cultura e da história de uma região e de
seu povo. Esses centros populares, repletos de tantos produtos, iguarias,
tecidos e artesanatos, refletem a identidade de cada região, despertando
em nós curiosidade e fascínio. São responsáveis por uma história viva e
contínua que conta os hábitos alimentares, religiosos, comportamentais
e culturais de um povo por meio de sua atividade comercial.
Além de preservarem a identidade regional e popular, os mercados
também representam a convivência harmônica das diferenças, a de-
mocracia cultural que se reproduz e se perpetua ao longo da história.
Este belo livro, destinado a estudantes, pesquisadores e ao público
em geral, nos leva a um passeio pela vastidão histórico-cultural que
envolve os mercados de todo o Brasil. Fruto de longa e detalhada
pesquisa, ele nos conta um pouco da história dos mercados em um
ritmo agradável e cheio de riquezas. Ele mostra ao leitor que cada
mercado é único em sua história, contando sobre a sociedade, a po-
lítica, a cultura e a economia que cercam cada um deles.
A Estácio acredita que, em um país como o Brasil, com tamanha
diversidade, essa riquíssima combinação cultural presente nos mer-
cados adquire um significado vital para compreender nossas raízes e
nossa identidade. Como instituição de ensino superior, apostamos na
pesquisa histórica e na valorização da memória cultural como condi-
ções indispensáveis para se construir uma sociedade cada dia melhor.
Aproveite esta viagem pelos Mercados do Brasil!
eduardo alcalay
Presidente da Estácio – Ensino Superior
7
8.
9. o Brasil
eM seUs MerCados
o Verdadeiro GUaraNá JesUs, garrafadas e defumadores, pau-
tenente e saracura-mirá, Bará, Oxóssi, Xangô, Menino-Deus no presépio,
guaiamum, pirarucu, salmão, chocalho, apito, berimbau, açaí, farinha,
cajá, azeite espanhol, queijo suíço, roupas, calçados, adereços, buchada
de bode, baião de dois – a diversidade, o curioso, o útil, o necessário,
tudo ocupa os corredores de um só lugar: o mercado.
Qual Gabinetes de Curiosidades, espaços surgidos na época das
grandes explorações e descobrimentos durante os séculos XVI e
XVII, onde se colecionavam inúmeros objetos e espécimes estranhos
e curiosos dos reinos animal, vegetal e mineral, os mercados do Brasil
são um verdadeiro estímulo a todos os sentidos, do paladar ao tato,
constituindo um espaço quase mágico onde se mercadeja desde o
alimento do corpo até a proteção da alma.
Historicamente falando, a origem das feiras e dos mercados é quase
tão antiga quanto o aparecimento do homem agricultor e criador que
trocava o excedente de suas produções. As primeiras aglomerações ur-
banas já contavam com atividades agrícolas e citadinas, constituindo-se
em núcleos de povoamento e comércios locais. A troca de produtos
que garantiam o abastecimento da população local era feita nas feiras
e nos mercados abertos localizados em abrigos temporários – como
ainda acontece hoje em dia com as feiras livres semanais das cidades
brasileiras. Antigos registros fazem referência ao comércio nos templos,
desempenhando a função de mercados na exata acepção da palavra:
lugar onde se compram e vendem mercadorias.
Na Idade Média, o mercado e a cidade já estavam intimamente
ligados.As trocas periódicas dos produtos excedentes aconteciam geral-
mente fora das muralhas que rodeavam as cidades, em lugares próximos
aos caminhos mais movimentados e importantes. Com o passar do
9
10. tempo, em decorrência do crescimento populacional, da expansão
urbana e do aumento das produções locais, que traziam a consequente
possibilidade de bons negócios para os mercadores, fica evidente a
necessidade de mercados onde a população pudesse se abastecer. É
dessa maneira que o mercado conquista um lugar permanente nas
cidades: esses locais de troca, ou praças de mercado, espaços públicos
por excelência, nos quais eram exercidas atividades rurais e urbanas,
vão se consolidando, se deslocando e se posicionando em pontos
cada vez mais centrais e de mais fácil acesso. Esse processo tem estrita
correspondência com o que ocorria na vida social, apesar de não ter
uma natureza propriamente social: a urbanização passa a ocorrer no
entorno das praças, pois é nelas que acontece boa parte das atividades
coletivas, onde elas têm um espaço para sua manifestação.
Desde a época das cidades medievais até as cidades modernas, os
espaços urbanos passaram por enormes transformações quanto à sua
forma e ao seu uso; no entanto, esse espaço de caráter fundamentalmente
público, em que convivem o comércio e as atividades coletivas – o fluxo
de pessoas, as manifestações políticas e religiosas, as manifestações artís-
ticas, etc. –, teve sua essência preservada. Os mercados vieram para ficar.
heraNça PorTUGUesa
As origens dos mercados brasileiros não diferem significativamente
das raízes dos antigos mercados abertos. Eles foram introduzidos no
Brasil pelos colonizadores portugueses, seguindo os mesmos padrões
dos mercados do Império. Nos primórdios da colonização do terri-
tório brasileiro, o início de uma povoação era sempre a construção
de um cruzeiro ou de uma capela. Era em torno desses marcos que a
freguesia (denominação portuguesa de “paróquia”, que era subordi-
nada a um pároco com autoridade espiritual e que também exercia a
administração civil) se desenvolvia em todos os aspectos. Curiosamente,
a palavra “paróquia” vem do grego parochos, que significa “aquele que
fornece as coisas necessárias”, ou ainda de paroikia, que significa “vi-
zinhança”. Por vários séculos, a Igreja Católica tinha uma propensão
natural e legal para dominar os espaços e determinar o quadro da vida
cotidiana das pequenas cidades – o papel das atividades econômicas
e das diversas camadas sociais presentes nas cidades, as redes de negó-
cios, a diversificação agrícola. Levando em conta esse fato, podemos
imaginar que não é à toa que muitos mercados brasileiros tenham
nascido nas futuras praças da Matriz, geralmente cercados pelas feiras,
cuja configuração – uma aglomeração de negras com seus tabuleiros
em barracas com coberturas coloridas e alinhadas ao ar livre – não
tinha sido criada para atender às elites locais. Esse quadro das cidades
brasileiras repletas de vendedores ambulantes, como foi o caso do Rio
de Janeiro, prevaleceu até meados do século XIX.
10 MErcadOS dO BraSIL
11. A construção dos primeiros mercados cobertos brasileiros, tal como
os conhecemos hoje, só ocorreu a partir do final do século XIX e
obedeceu a uma tendência de construção de grandes espaços públicos,
como fábricas, estações de trem, manicômios e hospitais, iniciada na
Europa no final do século XVIII, no período pós-Revolução Francesa,
quando se começou a reorganizar o espaço urbano. Ao lado disso, o
processo de industrialização desencadeado pela Revolução Industrial
– iniciada na Inglaterra em meados desse mesmo século – intensificou
a concentração populacional e acentuou as relações sociais nas cidades,
promovendo o surgimento de inúmeras atividades novas e demandando
outros modelos de edifícios que atendessem às novas necessidades de-
correntes dessa mudança. No processo da Revolução Industrial, o ferro
passa a ser o metal mais explorado, com possibilidades ilimitadas de uso
graças à sua flexibilidade e à facilidade de produção em escala. Pouco
tempo se passou entre a sua utilização para a fabricação de máquinas
e equipamentos e sua aplicação na construção dos grandes edifícios.
Nascia assim a arquitetura em ferro, típica do século XIX, ten-
dência que se difundiu pela Europa e pelos Estados Unidos e fez
surgir novas escolas de arquitetura e de engenharia para a execução
de edifícios grandiosos. Um dos exemplos de edifícios desse novo
contexto urbano foram os mercados públicos em ferro. Entre eles,
Parte integrante do Ver-o-
o mercado Les Halles Centrales, construído em Paris pelo arquiteto
Peso, o Mercado de Carne é Victor Baltard em 1855, foi aquele que influenciou todos os mercados
todo construído em estrutura
metálica inglesa e impressiona
construídos posteriormente. A técnica da construção em ferro, com
pelos detalhes. a estrutura de suporte dos edifícios produzida em forma modular,
12. permitia que esses módulos fossem transportados ou exportados da
Europa para qualquer país e, posteriormente, montados nos locais
designados para a construção das obras através da fixação das peças
com cravos e parafusos.
No caso do Brasil, dentre todos os edifícios pré-fabricados em
ferro nenhum teve tanta aceitação e utilidade quanto os mercados
públicos. A variedade de módulos que podiam ser importados e a
facilidade da construção possibilitaram o surgimento do primeiro
mercado em ferro brasileiro: o Mercado de São José, instalado no
Recife, em 1875. Inspirado no mercado público de Grenelle, em
Paris, esse mercado foi concebido por um engenheiro da Câmara
Municipal de Recife, que contratou o engenheiro francês Louis
Vauthier para desenvolver o projeto e acompanhar a fabricação das
peças na França. Um detalhe fundamental, ao qual Vauthier estava
muito atento, foi a necessidade de adaptar o edifício às condições
climáticas do Nordeste brasileiro: para amenizar as altas temperaturas
internas produzidas pelo clima tropical, a típica cobertura de folhas
de ferro foi substituída por telhas de barro, e as venezianas em vidro,
por venezianas de madeira. Vauthier também não deixou escapar a
importância de se construir um sistema de abastecimento de água
e uma rede de esgoto para o mercado.
Entre o final do século XIX e a primeira década do século XX
foram construídos no Brasil, por engenheiros brasileiros e estrangeiros,
diversos mercados em ferro, como o Mercado de Peixe, da cidade
Entrada principal do
de Belém. Eles eram feitos, em geral, nos locais onde se reuniam Mercado de São José.
13. aglomerados de feirantes e vendedores ambulantes, com o intuito de
organizar o comércio local.Tal esforço de construção normalmente
se apoiou em projetos patrocinados pelos governos municipais.
Os projetos arquitetônicos dos mercados brasileiros incluem, além
do característico vão livre coberto por um grande teto – comum a todos
os mercados –, algumas adaptações às nossas condições climáticas, como
uma construção com todas laterais abertas para as ruas, permitindo a
iluminação e a ventilação do ambiente no caso dos edifícios situados
nas regiões mais quentes do País. Com múltiplas utilidades, os mercados
de norte a sul do Brasil são geralmente constituídos por grandes vãos,
com pavilhões articulados entre si e organizados segundo o gênero de
comércio: carnes, aves, peixes e frios; frutas, verduras, legumes, cereais
e especiarias; artesanato, artigos religiosos, ervas medicinais, armarinho
e serviços; comidas típicas, petiscos e bebidas, etc. – produtos esses
negociados em inúmeros compartimentos (ou boxes). Eventualmente
existem também barracas externas espalhadas nas calçadas do pátio que
rodeia os mercados. Os serviços oferecidos no seu entorno, geralmente
surgidos de forma espontânea, também contribuem para geração de
fluxos necessários à dinâmica do mercado.
Os mercados se inserem numa economia local sustentável.Andando
praticamente na contramão das transformações ocorridas no modo de
operacionalização de outros locais de comércio de varejo e enfren-
tando, principalmente, a concorrência dos supermercados – setor que
inovou na gestão, na definição dos espaços físicos, no uso de recursos
tecnológicos, nas estratégias de marketing baseadas em pesquisas de
comportamento e necessidades do consumidor –, os mercados brasi-
leiros sobrevivem e permanecem como marcos do comércio varejista
de abastecimento. A maioria deles passou por processos de restaura-
ção, com o cuidado de preservar a arquitetura e a aparência originais;
muitos passaram por reformas profundas para melhorar as condições
de higiene, de segurança e de acessibilidade e oferecer maior conforto
aos seus frequentadores.
Mas o que importa é que os mercados são espaços democráticos,
cheios de vida e de histórias, abertos à itinerância de frequentadores
de todas as idades, de todos os gostos e interesses, de todas as classes
sociais. São pontos de compras e encontros, de pequenos e grandes
negócios, de boemia e gastronomia, de arte e convivência social.
Os dez mercados brasileiros apresentados neste livro são um
exemplo dessa riqueza. Contêm em si mesmos todas as justificativas
para, através das belíssimas fotografias de Cyro José, embarcarmos numa
viagem ímpar a um universo de todos os odores, de todas as cores, de
infinitos sabores e – por que não? – de todos os sons.
o editor
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