Livro-reportagem sobre a trajetória e carreira musical do músico Célio Balona, e como “pano de fundo”, o alvorecer da música na capital . No livro Imagens Sons e Memórias de Minas o leitor, tem acesso, através de relatos e imagens do acervo pessoal do músico, a história do cenário cultural de Belo Horizonte a partir de 1950.
1. IMAGENS
SONS E MEMÓRIAS DE MINAS - CÉLIO BALONA
DANIELLE PÂMELA DE ARAÚJO
CRISTIANE FERNANDA DA SILVA
MARIANA REIS VIEIRA
RENATO FARIA VIEIRA
THAMIRES LOPES MARTINS DA COSTA
4. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
AGRADECIMENTOS
O grupo gostaria de agradecer, principalmente, ao
personagem retratado neste livro. Sem a generosi-
dade de Célio Balona, não teríamos conseguido
escrever este trabalho. Não podemos esquecer dos
professores: Juniele Rabelo, nossa orientadora, de
fundamental importância para que pudéssemos
discernir e adaptar nossas pretensões às formas
acadêmicas. Carla Mendonça, Cláudia Fonseca e
Juliana Duran deram dicas valiosas para que o tra-
balho tomasse forma. Sem deixar de mencionar
Eustáquio Trindade, pelas conversas informais em
relação ao projeto, nos ouvindo com atenção e fa-
zendo sugestões. Agradecemos também a Augusto,
do blog Toque Musical, que cedeu algumas capas e
discos em mp3 para que ouvíssemos a obra de Ba-
lona, principalmente os álbuns lançados somente
em vinil. Por fim, agradecemos a Deus e a nossas
famílias. Sem a bênção Dele e do apoio dos famil-
iares, não teríamos chegado nesta etapa final, tanto
do curso quando do projeto.
5. PREFÁCIO
Caros amigos,
a vida tem me proporcionado grandes alumbra-
mentos... Um deles quando descobri que a música
tinha me escolhido para viver ao lado dela para
sempre... Foi amor à primeira vista! E através dela
vieram tantos outros, para fazer de minha existên-
cia uma escola de vida. Com ela aprendi a ser doce
sem ser açucarado, simples sem ser simplório e
humilde para saber de minhas limitações. A cada
dia aprendo um pouco mais e entendo que é uma
arte e um grande desafio viver ao lado dessa mul-
her chamada música!
Ao longo desses cinquenta anos de convivência
com ela, passaram por mim grandes mestres, que
desde o inicio de minha carreira me ensinaram
e me deram meios para que eu pudesse realizar
o meu sonho maior,o de ser músico de verdade!
Mas preciso dizer, que sem o apoio total de meu
pai Lourival Passos e minha mãe Maria Balona
Passos nada disso teria acontecido... Naquela épo-
ca as famílias queriam seus filhos médicos, engen-
6. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
heiros, advogados, arquitetos ou no mínimo fun-
cionários do Banco do Brasil... Músico nunca! No
entanto, meus pais fugindo a regra me apoiaram
e me incentivaram sempre orgulhosos do filho
que tocava acordeom... Isso me fez ter desde cedo
um senso de responsabilidade e dignidade muito
grande com a profissão que escolhi. Assim pro-
curei nortear meus atos e atitudes... Agora me de-
paro com esse grupo de jovens contando minha
história e pedaços da minha vida... Foi para mim
motivo de emoção e alegria saber que tudo o que
fiz e realizei ao longo dessa minha caminhada
vai ficar registrado para sempre. Obrigado a to-
dos vocês meus queridos amigos por mais esse
ALUMBRAMENTO!
Com o meu carinho e eterno agradecimento,
Célio Balona
Belo Horizonte 20 de maio de 2011
7. SUMÁRIO
Apresentação 08
1. Encontro: histórias e sociabilidades 11
2. Experiências e memórias 26
3. Discografia: sons e narrativas 50
4. Alumbramentos: mineiridade musical 87
Conclusão 110
Referências bibliográficas 116
Dados do CD anexo ??
8. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
APRESENTAÇÃO
Escrever um livro sobre determinada pessoa é
complicado. Especialmente quando ela está viva,
trabalhando, participando ativamente daquilo que
sempre lhe foi comum. Sempre se pensa: será que
está tudo bem apurado? Ele vai gostar? O livro
corre o risco de ficar desatualizado? Além dessas
preocupações, a generosidade de Célio Balona nos
obriga a fazer um trabalho digno de sua obra, não
só por ele nos ter aberto todos os canais para que
fizéssemos este livro, mas por uma frase que co-
moveu a quem esteve presente na primeira entrev-
ista. Eu quero dar esse livro que vocês estão fazendo
para os meus netos, vai ser um documento pra eles.
Ao dizer isso, ele nos motivou e fez com que a luz
se acendesse: é um documento, um vestígio da sua
trajetória. Tentamos dimensiona-la por meio da
análise de narrativas que expressaram os “lugares
da memória” de Célio Balona.
8
9. Quem conhece música brasileira sabe que há liv-
ros contando a vida de seus principais expoen-
tes. Vários desses artistas são mineiros. Há os que
nasceram antes da eclosão da bossa nova e se con-
sagraram principalmente no samba. Ary Barroso,
Ataulfo Alves e Geraldo Pereira são exemplos. De-
pois, há uma “segunda geração mineira” que vai
se aglutinar no clube da esquina. Balona se inclui
entre esses dois pólos. Aprendeu com os mestres
que ouvia na infância e formou o embrião do que
seria um dos principais acontecimentos da MPB.
Ele não tinha uma ligação direta com a estética
clubeira, mas deu a primeira oportunidade profis-
sional a alguns dos principais músicos mineiros
que alcançariam destaque em meados dos anos 60.
Sem deixar de mencionar a importância cultural
de seu conjunto de baile na década de sessenta,
como meio de sociabilidade e de representação de
uma metrópole em ascensão.
Célio Balona sabe como é viver de música desde
sempre, num país em que poucos instrumentis-
tas conseguem prestígio do público. Ao contrário
da frase atribuída a Maurício Einhorn (A saída
para o músico brasileiro é o aeroporto do Galeão)
e de outros músicos que foram trabalhar no eixo
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10. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Rio-São Paulo, Balona, sem nenhum arrependi-
mento, preferiu ficar em Belo Horizonte quando
seus contemporâneos daqui saíam. Apesar de se
mudar para Santa Catarina na década de noventa,
seus sentimentos, retratados nas entrevistas real-
izadas para esse livro, se atrelam à cidade que ele
adotou quando criança. Os quatro capítulos ten-
tam demonstrar todas as facetas de Célio Balona:
o músico, o mineiro e o fomentador musical de
uma metrópole ainda em desenvolvimento. Espe-
ramos ter conseguido.
Este livro é dedicado àqueles músicos que apesar
de nunca terem desfrutado do prestígio público,
ajudaram a construir a música brasileira.
Renato Vieira
10
12. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
1º Capítulo
ENCONTROS:
HISTÓRIAS E SOCIABILIDADES
Natural da cidade de Visconde do Rio Branco, na
Zona da Mata de Minas Gerais, Célio Balona, 73 anos,
nasceu com um dom especial: a música. E é justa-
mente ela a base de nosso livro-reportagem, inspirada
no personagem a quem dedicamos esse livro. Nas pá-
ginas a seguir narraremos o cenário cultural de Belo
Horizonte a partir da década de 1950, remontado por
meio das memórias do multinstrumentista.
12
13. Encontros: histórias e sociabilidades
Escolhemos o músico como personagem pelo seu
trabalho artístico e pelo valor cultural que seu ofí-
cio oferece, tornando-se fonte de inspiração para
outros artistas mineiros. Optamos pela história
oral, como metodologia de pesquisa, por recon-
hecer as várias dimensões da memória indicando
as influências do tempo presente na construção
de lembranças e esquecimentos. Por meio de en-
trevistas, registramos instigantes aspectos da tra-
jetória de vida do nosso colaborador. A trajetória
de Célio Balona demarca importantes lugares
identitários: cenário artístico-cultural belo-hor-
izontino, indústria fonográfica mineira, bailes e
shows que marcaram os anos 1960. Ouvi-lo con-
tar sua história foi imprescindível para saber das
impressões sobre sua vida e obra, e o que aconte-
cia paralelamente ao seu trabalho como músico.
No final do ano de 2010 tivemos o primeiro con-
tato com o músico, através da rede social Orkut,
onde ele nos passou email e telefone para contato.
Célio, extremamente solicito, agendou a primei-
ra entrevista para o ano seguinte, concretizada
em 15 de fevereiro de 2011. Às quinze horas do
dia 15, Balona já estava pronto para nos receber
13
14. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
no Studio HP, localizado em Belo Horizonte, no
bairro Lourdes, onde trabalha ocasionalmente.
Recebeu-nos para a entrevista com simpatia,
mas de braços cruzados (sinal de desconfiança e
desconforto), na sala onde são realizadas grava-
ções musicais. Despojado, trajava uma camisa
cinza escura, calça jeans e tênis.
O ambiente era confortável: o recanto onde o músi-
co guardava fotografias e posters que o inspiravam
pessoalmente e profissionalmente. A sala é am-
pla, organizada, com ar condicionado, um quadro
do músico Miles Davis na parede de frente para a
porta da entrada e na parede ao lado esquerdo um
quadro com dois poemas da Madre Teresa de Cal-
cutá: “A Receita da Vida” e “Paz e Prosperidade”.
14
15. Encontros: histórias e sociabilidades
Mariana Reis
Célio Balona no Studio HP, local onde o músico
recebeu o grupo para a primeira entrevista
15
16. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Estimulamos o colaborador a narrar suas
histórias. Balona rememorou momentos da sua
infância, o surgimento da música em sua vida e o
início da carreira em Belo Horizonte. Durante a
entrevista, Balona gesticulava muito, mas conse-
guimos deixá-lo à vontade, em alguns momentos
da entrevista, ao lembrar-se de passagens da sua
vida, Balona se emocionou. Na ocasião, o artista
presenteou os entrevistadores com um CD, auto-
grafado, do último álbum, Alumbramentos, lan-
çado em 2010.
Bem mais tranquilo e confortável Balona conce-
deu a segunda entrevista no dia dois de março. Nós
o contatamos no dia 24 de fevereiro, pedindo uma
entrevista para que ele comentasse sua discografia.
Levamos uma planilha com a capa de cada disco
e o respectivo repertório, facilitando a lembrança
das gravações. Na entrevista anterior, quem levou
discos, fotos de sua infância e documentos foi o
músico, que deixou esse material à disposição do
grupo. Conseguimos estabelecer uma relação de
troca, que fez com que ele confiasse em nós, para
que pudéssemos realizar o trabalho. A entrevista
durou cerca de 50 minutos.
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17. Encontros: histórias e sociabilidades
Mariana Reis
Balona, agora mais a vontade, durante a segunda
entrevista realizada no dia 24 de fevereiro de 2011
A metodologia da história oral possibilitou uma
forma diferente de fazer jornalismo. Queríamos
ouvir o que ele tinha a dizer, suas impressões, sua
“construção narrativa”. Buscamos sua perspectiva
em relação ao próprio trabalho e sua trajetória. Des-
sa forma, contamos com a metodologia de história
oral aliada às técnicas de apuração e reportagem
para a construção do livro.
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18. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Considerando o que exemplifica Meihy e Holanda
(2007, p.15) a história oral é um conjunto de pro-
cedimentos: “não se trata apenas de um ato ou pro-
cedimento único. História oral é a soma articulada,
planejada, de algumas atitudes pensadas como um
conjunto. Não é apenas a entrevista ou outra fonte
oral”. A literatura consagrada de história oral en-
globa textos gerais, trabalhos pioneiros e trabal-
hos temáticos, como os de Bosi (1987), Thompson
(1992), Meihy (1996), Ferreira (1994) e Simson
(1997). A história oral destaca as visões dos atores
sociais, permitindo desenvolver e fundamentar
análises históricas a partir da constituição de fontes
e arquivos orais que desempenham papel funda-
mental na relação entre memória e história.
A memória, segundo Pollack (1989), é marcada
pelo tempo presente em sua dinâmica social, reve-
lando lembranças e esquecimentos em múltiplas
dimensões. A história oral busca, assim, registrar
a memória viva, construindo uma imagem abran-
gente e dinâmica do vivido a partir de um processo
de pesquisa. Dessa forma, de acordo com Meihy
(1996, p. 15), o trabalho de história oral se inicia
com a elaboração de um projeto e continua com
a definição do entrevistado “com o planejamento
18
19. Encontros: histórias e sociabilidades
da condução das gravações, com a transcrição, com
a conferência do depoimento, com a autorização
para o uso, arquivamento e, sempre que possível,
com a publicação dos resultados”.
A entrevista em história oral, segundo Ferreira e
Amado (1996), representa o diálogo entre entrev-
istado e entrevistador, que acaba por registrar as
preocupações de, no mínimo, dois sujeitos dife-
rentes. Em decorrência, a história oral mostra-se
fruto do diálogo de diferentes identidades. Bus-
camos, assim, transformar a entrevista de Célio
Balona em um texto trabalhado. Para a história
oral, assim como no Jornalismo, a entrevista é
fundamental: “É preciso entender qual a função
da entrevista, especificar do que trata esse in-
strumento tão caro à História Oral e fundamen-
tal para o Jornalismo. Poucas matérias de jornal
apresentam-se sem a entrevista. Por menor que
seja a nota, ela foi captada por uma entrevista”
(ROUCHOU, 2000, p. 182).
Entretanto, existem diferenças entre as duas
áreas de estudo: enquanto o jornalismo está atre-
lado com as contingências da presentificação, na
história oral procura-se dimensionar o tempo
19
20. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
— relação passado/presente. De acordo com Ma-
ciel (2007), o jornalismo tem como foco a atuali-
dade, e a entrevista aparece, muitas vezes, como
fonte imediata para uma matéria a ser redigida.
Sendo assim, permite-se entrevistas pelo telefone
ou email. Já o oralista (pesquisador que utiliza a
história oral) deverá partir para uma entrevista
após a elaboração de um projeto.
O contato face a face foi fundamental para o esta-
belecimento da entrevista entre Célio Balona e o
grupo de pesquisa. Realizamos a transcrição das
entrevistas, transformando o oral em escrito para
a constituição das fontes documentais da pesquisa.
Nas redações, na maioria dos casos, não é possível
aplicar a história oral, pois o tempo é curto e o
deadline não possibilita que o jornalista escreva,
minuciosamente, tudo o que apurou. Essa é uma
relevante diferença entre o jornalista e o oralista
— que possui o “tempo acadêmico” para organi-
zar acervos e empreender análises a partir da doc-
umentação produzida. Assim, nosso trabalho de
história oral revelou as memórias de Célio Balo-
na. Suas memórias individuais se interrelacionam
com as memórias coletivas do cenário artístico-
20
21. Encontros: histórias e sociabilidades
cultural da cidade de Belo Horizonte: “na maior
parte às vezes, lembrar não é reviver, mas refazer,
reconstruir, repensar, com imagens e ideias de
hoje, as experiências do passado. A lembrança é
uma imagem construída pelos materiais que es-
tão, agora, a nossa disposição” (BOSI, 1994, p. 55).
As expressões de subjetividade nas narrativas de
Célio Balona coincidem com uma multiplicidade
de construções coletivas.
No que se refere às memórias coletivas que en-
volvem Célio Balona, vale observar sua rede de
sociabilidade. Afinal, não foi por acaso que Mil-
ton Nascimento e Fernando Brant escreveram a
canção “Nos Bailes da Vida”. Participantes ativos
da cultura de Belo Horizonte na década de 1960,
eles esquadrinharam na música a vida de quem
saía por aí, tocando. Mas, principalmente, aventu-
rando-se pela música e aproveitando o fervilhante
cenário cultural de Belo Horizonte. Sabe-se que a
partir dos anos 1950, Belo Horizonte começou a
criar um cenário cultural próprio, tendo a música
como principal expoente, onde havia desde boates
com música ao vivo tocando os sucessos do mo-
mento até cineclubes onde se discutia Michelan-
gelo Antonioni e Jean-Luc Godard.
21
22. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Os bailes eram a principal atração, e uma opor-
tunidade para os artistas mostratem o talento que
tinham. Entre vários conjuntos musicais, havia um
que estava sempre presente em eventos sociais de
Belo Horizonte e era o preferido dos belo-hori-
zontinos. O Conjunto Célio Balona caiu no gosto
de quem era jovem na virada dos anos 1950 para
1960. A região centro-sul de da cidade, na década
de 1950, reunia jovens músicos que partilhavam
ideias e compartilhavam música. A Savassi, palco
de diversas manifestações artísticas, viu surgir no
cenário da musica brasileira artistas como Pacífico
Mascarenhas, que, em 1958, gravou seu primeiro
disco, independente, e revelou ser o precursor do
movimento da bossa nova de Minas.Nesse cenário,
tem início a ascensão de Balona e seu conjunto.
Nesse período, Belo Horizonte era conectada com
o que havia de novo, com casas especializadas em
música ao vivo, lugares que Célio Balona e out-
ros músicos freqüentavam como a casa de shows
Oxalá, no edifício Maletta, na Avenida Augusto de
Lima, no centro de Belo Horizonte. Havia todo um
contexto que beneficiava a proliferação de ambien-
tes musicais. Além dos cinemas e dos parques da
cidade jardim, havia a opção de locais com música
22
23. Encontros: histórias e sociabilidades
ao vivo: “a casa era especializada em jazz e ficava
na sobreloja do Edifício Archangelo Maletta. (...)
A Berimbau, a bem da verdade, era vanguarda. Só
Jazz. Era decorada com fotos de Jorge Ben, Modern
Jazz Quartet e Coltrane” (BORGES, 1996, p. 45-46).
Durante as entrevistas, percebemos aspectos de
mineiridade no artista. Antes de nos encontrarmos
pessoalmente, por telefone, ele foi muito atencio-
so. Mas na primeira entrevista, quando membros
do grupo foram ao seu encontro, notamos uma
desconfiança atribuída aos mineiros. Os braços
cruzados e certa timidez por ser objeto de estudo
contrastavam com o jeito despojado. Essa constata
ção faz todo sentido visto que ele é mineiro de uma
cidade interiorana(Visconde do Rio Branco) e con-
seguiu sucesso profissional na capital do estado.
23
24. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Arquivo pessoal - Célio Balona
Célio Balona durante apresentação na Casa do Baile-1966
Sobre o “mito da mineiridade” Alceu Amoroso Lima
(no ensaio Voz de Minas, de 1946) traça o perfil social
do mineiro: “É moderado em tudo, desde o aperto
de mão, rápido e sem pressão, até o olhar que não é
nele senão um reflexo remoto dos sentimentos. (...)
Medido na alegria, como no sofrimento, governando
sempre as suas expressões com o cuidado de não se
deixar dominar por elas, temendo sempre o exagero
e a exuberância, há nos geralistas, como outrora se
chamavam os mineiros, a expressão do valor íntimo”.
24
25. Encontros: histórias e sociabilidades
(LIMA, 1946, p. 18). Tal mineiridade foi expressa
no primeiro disco do artista, Música 18 Kilates, lan-
çado em 1962. A capa trazia a inscrição: (Gravadora)
MGL apresenta uma seleção das jazidas musicais de
Minas. Abaixo uma foto com um Diamante e uma
etiqueta atrelada a ele por um barbante, com os
dizeres: 18 kilates: procedência: M. Gerais.
O repertório de Música 18 Kilates, só com com-
posições de músicos mineiros, foi imposto pela
gravadora para facilitar a produção do disco no es-
tado. O repertório tem compositores variados; em
comum apenas a mineiridade: os consagrados sam-
bistas Ataulfo Alves e Ary Barroso, os bossanovistas
Roberto Guimarães e Pacífico Mascarenhas, che-
gando ao desconhecido Fredy Chateaubriand, so-
brinho de Assis Chateaubriand. Isso é uma demon-
stração do paroxismo mineiro, de tentar equilibrar
fazendo escolhas conciliadoras: “pelo contraste e
através do paradoxo, Minas encontra sua coerência
(...) vislumbra-se uma totalidade conflitual, una e
dilacerada”. Assim, Célio Balona se expressa: pleno,
retraído, expansivo e recatado.
O encontro entre os músicos da cidade era fre-
quente, formando uma rede de contatos. O maior
25
26. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
exemplo disso é o Ponto dos Músicos, onde eles se
encontravam para conseguir trabalho, trocar par-
tituras e discos. O interesse comum desses profis-
sionais denota o conceito de sociabilidade. A so-
ciabilidade representa “estar um com o outro, para
o outro, contra o outro que, através dos impulsos
ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteú-
dos e os interesses materiais ou individuais” (SIM-
MEL, 1983, p.169). Para Maffesoli (1984), as re-
lações sociais apresentam-se em uma “harmonia
diferencial”, pois só há troca se houver diferença,
possibilitando a interação. Por meio das entrevis-
tas de história oral, realizadas com Célio Balona,
percebemos uma intensa rede de sociabilidade
artístico-cultural.
De acordo com Maffesoli (1984), inspirado por
Simmel (1983), a sociabilidade liga os sujeitos a
partir da afinidade, do sentimento de proximidade
na vida cotidiana — a partir das experiências e re-
lações intersubjetivas. O partilhar de ideias, aspi-
rações e anseios em comum resultam na aproxi-
mação e troca de conhecimento. Desse modo, as
relações contribuem para a construção de sociabi-
lidade, a interação permite mais oportunidades de
acesso a diferentes pontos de vista. Por meio da so-
26
27. Encontros: histórias e sociabilidades
ciabilidade, essa interação pode manifestar-se por
troca de gestos, palavras, olhares, trajes e cores.
Segundo Maia (2002), a sociabilidade pode ser
classificada como parte da interação social: “So-
ciabilidade é uma forma pura, forma espontânea
de interação, livre de qualquer interdependência
entre os indivíduos. Sociabilidade é a forma de in-
teração social que não possui um fim definitivo,
nem conteúdo e nem resultado fora dela mesma”
(MAIA, 2002, p. 5-6).
As redes de sociabilidade narradas por Célio Balo-
na definem espaços e lugares sociais. Com as idas
e vindas pelo Brasil, principalmente em Minas
Gerais, Balona colaborou para o aparecimento
de novos músicos, que mais tarde se tornariam
grandes nomes da música mineira. Todos queri-
am trabalhar com Balona, que tocava em bailes no
qual pessoas e músicos se conheciam e experen-
ciavam um grande propósito: a música.
Célio com seu jeito simples continua fazendo, a
cada dia, um pouco da história de Minas Gerais.
Ele não quis se tornar celebridade recusou se a
mudar para o Rio de Janeiro; bateu o pé para fi-
car nas Gerais.
29. Balona: experiências e mémorias
2º Capítulo
BALONA:
EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS
“O acordeom está colado no meu peito”. Frase
dita pelo personagem deste livro, que recente-
mente completou 50 anos de carreira, com shows
comemorativos e lançando o CD Alumbramentos,
através da lei estadual de incentivo à cultura. A
música entra na vida do artista ainda na infância.
Nascido em 17 de dezembro de 1938, Célio Pas-
sos Balona via o pai escutar artistas que faziam
bastante sucesso na época: o tenor italiano Tito
Schipa e o “cantor das multidões” Orlando Silva.
Ouvir música em família era um hábito naqueles
tempos, como fala o próprio Balona.
29
30. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Naquele tempo não tinha televisão nem nada.
Depois que a gente chegava da escola e janta-
va, o papai colocava aqueles discos pra gente
ouvir. Sempre me acostumei em um ambiente
assim, de muita música.
Uma dessas primeiras lembranças vem do carnaval
de 1943, vestido de soldadinho, tocando tambor.
Seu pai, que trabalhava em uma empresa de produ-
tos químicos, é transferido no ano seguinte para
Belo Horizonte. Uma infância feliz, mas três anos
depois, nova mudança: o pai é transferido para Juiz
de Fora, na Zona da Mata mineira. É ali que ele tem
o primeiro impulso para virar músico. A banda
de música que tocava em um Batalhão de Guarda
atrás da sua casa fascinava o garoto. Nesse período
encontrou o instrumento com o qual começou a
dar seus primeiros passos na música: o acordeom.
30
31. Balona: experiências e mémorias
Arquivo Pessoal - Célio Balona
Carnaval de 1943 - Vestido de soldadinho, toca tambor
Eu tava jogando (futebol) e vi um senhor tocan-
do um acordeom, então quando vi aquilo e ouvi
aquele som fiquei louco, parei do jogar fute-
bol. Falei com o professor “vou ali e não volto”.
Fiquei sentado o vendo tocar. Lembro que era
um acordeom vermelho.
31
32. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Não demorou muito para que o então artista
mirim fosse parar na “coqueluche” da época: os
programas de rádio. A estréia artística de Célio
Balona acontece no programa do pianista Wilson
Ouro. Todos os domingos, às onze da manhã, o
músico cantava no programa.
Porém, mais uma vez, seu pai é transferido. Mas
agora para um lugar que Balona conhece bem: Belo
Horizonte. Ele tinha onze anos e sua família morava
em uma casa próximo à Igreja da Boa Viagem. Na
época, as academias de acordeom eram os princi-
pais centros de música para ensinar rapazes a tocar
um instrumento. O violão era considerado “instru-
mento de vagabundo” e o piano eram ensinados às
moças. Perto da casa do artista, havia uma dessas ac-
ademias. Ele associou o som que saia do local com o
que ouviu naquele dia do futebol em Juiz de Fora. A
academia era da professora Zilah Guimarães e Célio
pediu ao pai para ser matriculado.
32
33. Balona: experiências e mémorias
Papai foi lá e conversou com a Dona Zilah. Mas
o meu pai tava com muita dificuldade, uns cinco
filhos, aquela coisa toda. E a Dona Zilah falou
que eu teria que ter um acordeom. Papai falou
que não tinha condição de comprar o acordeom
e ela falou “bom, então eu vou emprestar pro
Célio, ele estuda em casa e quando puder com-
prar um acordeom me devolve esse”.
Foi aí que um “sinal”, conforme o próprio, Balona diz,
apareceu. O ano era 1956. A Rádio Nacional, princi-
pal veículo de comunicação dos anos 1930 e 1940, ir-
radiava o programa “Gente Que Brilha”, apresentado
pelo radialista Paulo Roberto nas noites de segunda-
feira. Um dos principais patrocinadores do programa
era a esponja Bombril. O radialista fazia uma deter-
minada pergunta a ser respondida na próxima ed-
ição do programa. Quem mandasse uma carta com a
resposta correta, junto com seis rótulos do produto e
fosse sorteado, embolsava uma quantia em dinheiro.
O artista pensou na possibilidade de ganhar o prê-
mio para comprar seu próprio instrumento. Até
porque Balona sabia responder à pergunta que
deveria ser respondida na semana seguinte. Paulo
Roberto perguntou qual o verdadeiro nome do vio-
lonista Garoto, que tocava na própria Nacional.
33
34. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Eu sabia o nome dele todo. Falei com papai:
“eu sei o nome dele” e pedi à mamãe: “mãe, a
senhora me arranha seis rótulos de Bombril?”
Ela arranjou e eu escrevi a cartinha. Meu pai
falou assim: “acho que vou perder o dinheiro
do selo, mas vou mandar.”
Na segunda-feira, dia do sorteio, lá estava Balona
ouvindo a Nacional. O locutor disse que o pro-
grama tinha recebido mais de 40 mil cartas do
Brasil todo, o que fez seu pai olhar-lhe com aquele
ar de descrença. Houve um primeiro sorteio, cujo
prêmio foi para Teresina, no Piauí. Faltando pou-
co tempo para terminar o programa, Paulo Ro-
berto anunciou que iria sortear o primeiro prêmio
da noite. Ele abriu uma carta e disse que ela veio
de Minas Gerais, Belo Horizonte e foi enviada por
Célio Balona Passos, que acertou o verdadeiro
nome de Garoto: Aníbal Augusto Sardinha.
Os estudos de Célio na academia de Dona Zilah
continuram (com acordeom próprio), até o dia em
que ela lhe diz já não ter mais nada pra lhe ensinar,
dando-lhe confiança para ir à Escola de Forma-
ção Musical do Batalhão de Guardas, onde encon-
traria músicos posteriormente consagrados e que
se tornariam seus amigos, entre eles o saxofonista
34
35. Balona: experiências e mémorias
Nivaldo Ornellas e o violoncelista Márcio Mallard.
Balona queria tocar saxofone, mas foi impedido e
teve que tocar Caixa, instrumento de percussão.
Durante apresentações com a orquestra, foi visto
pelo maestro Delê de Andrade, que marcou época
em Belo Horizonte, sendo homenageado ao virar
nome de rua no bairro Santa Efigênia. Delê ficou
impressionado com o garoto e perguntou se Balona
queria tocar em sua orquestra.
Arquivo Pessoal - Célio Balona
Célio com seu primeiro arcodeon - DATA
35
36. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Eu falei pra ele conversar com o meu pai, porque
era pra tocar a noite e ele foi lá em casa e con-
versou com o meu pai. Ele me pegava em casa
pra tocar nas horas dançantes do Minas I, de
oito à meia noite. E me levava pra casa depois.
O conjunto de Delê vira uma vitrine para o virtu-
ose Balona, que tocou em várias orquestras de BH,
entre elas na de Rui Carneiro, que tocava no Iate
Clube. O líder do conjunto se desentendeu com a
direção do clube, mas o clube não queria que o con-
junto saísse. A opção dos integrantes foi manter o
conjunto no local sem Rui, tendo como líder o bat-
erista Bié Prata, mais velho do grupo. Mas Bié se
recusou, e de acordo com o próprio Balona, “num
ato de generosidade pouco comum”, virou e disse
que o conjunto tinha que ter o nome de Célio.
Antes de chegar à maioridade, mesmo sob a tu-
tela de Delê, Balona foi apreendido cinco vezes
pelo juizado de menores. Quando chegava dez da
noite, o juiz, que achava um absurdo o pai de Ba-
lona permitir que o filho tocasse em clubes, fazia
um sinal para o artista sair do palco. Ele era de-
tido, mas liberado logo em seguida. Mas em um
baile específico, a história foi diferente.
36
37. Balona: experiências e mémorias
Eu estava fazendo um baile no DCE, onde hoje
é o cine Belas Artes, duas horas da manhã, sat-
isfeito, tocando alegre da minha vida, chegou
esse cara e disse assim pra mim: não falei que
ia te levar preso? Você tá preso agora e vou te
levar para o juizado mesmo Você tá preso ag-
ora e vou te levar para o juizado mesmo”. Que
às vezes que ele me prendia, eu chegava lá e ele
me soltava né, mas dessa vez eu fiquei lá e ele
ligou para o meu pai, era 3h da manhã.
Ás três e meia da manhã, o pai de Balona chegou
ao juizado para conseguir sua liberação. Seu
Lourival perguntou “você quer ser músico, mes-
mo?”. Diante da resposta afirmativa, disse “então
vou te emancipar amanhã.”
37
38. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Arquivo Pessoal - Célio Balona
Churrascaria Camponesa - DATA
Célio, seu pai e xxxxxxxxxxxxxxx
Aos dezesseis anos, Balona considera que sua
rsponsabilidade aumentou com essa decisão. E,
em 1960, é formado o Conjunto Célio Balona,
tendo o próprio no acordeom, Nazário Cordeiro
na guitarra, Helvius Vilela no piano, Ildeu Lino
Soares no contrabaixo, Anthony Chan Chan Chan
cantava e tocava congas, Paco no Pandeiro, Nival-
do Ornellas no sax. Cesinho no trompete Afonso
Maluf no tambor e Bié Prata na bateria.Nessa ép-
oca, acontece a transição das grandes orquestras,
38
39. Balona: experiências e mémorias
com integrantes com anos de experiência, para
pequenos grupos de jovens, cujo público era de
pessoas da mesma idade. Mesmo assim, se tocava
de tudo: Bolero, Samba, Cha Cha Cha e o que mais
fizesse sucesso. E havia certo preconceito contra
os músicos. As mães das meninas que iam assistir
o conjunto de Balona tocar não deixavam-nas
namorar nenhum músico, por causa da má fama que
corria. Ele conta que as mães achavam que músicos
viviam de beber, de noitadas. E ele diz que, com a
facilidade da noite, os artistas acabavam de tocar e
iam para um bar tomar cerveja. Mas o artista alega
que o seu conjunto conseguiu mudar essa visão.
Isso eu te falo com tranquilidade, que eu acho
que de uma forma ou de outra, o nosso con-
junto ajudou e muito a modificar esse pensa-
mento em relação aos músicos, sabe? Muito,
muito pelo comportamento no palco, pela
forma de se trajar, pela forma de tratar as pes-
soas e não que os outros músicos não fizes-
sem isso, não, faziam também, mas eu acho
que da nossa parte nos fizemos o que foi pos-
sível pra que a imagem cada vez mais melho-
rasse e fosse mais respeitada.
39
40. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Nesse cenário, surgem vários outros conjuntos
liderados por grandes instrumentistas. Aécio Flávio,
Gilberto Santana, entre outros. O ambiente era de
camaradagem. E não faltava trabalho para ninguém.
Isso por causa da efervescência cultural e também
por causa de um local chamado Ponto dos Músicos.
Localizado no cruzamento entre a Avenida Afon-
so Pena e a rua Tupinambás, em frente a Sapataria
Americana, o local servia como ponto de encontro
dos músicos. Trocas de partituras e discos eram co-
muns. E propostas de trabalho sempre apareciam.
(..)os caras que fechavam as festas, chegavam e fa-
lavam assim “tem serviço aí sábado”? não tem não,
então.. “Bem, você vai tocar no Camp Club Camp-
estre, quem mais vai”? “Ah vai o Teleco na bateria,
vai o Paulinho Horta de contrabaixo..” Entendeu?
Então eram os conjuntos surpresas. Você chegava
ao lugar e pensava “você vai tocar também aqui”
(risos). E não tinha ensaio, não tinha nada.
A noite e o baile são considerados pelo músico sua
“universidade”, onde ele aprendeu tudo. Aprender a
tocar de tudo para todos, tocando o que gostava e,
principalmente, o que não gostava, fizeram Balona
ter uma percepção musical ampliada, que desem-
bocaria em seus trabalhos a partir dos anos 80.
40
41. Balona: experiências e mémorias
Para facilitar a divulgação dos conjuntos da cidade,
era necessário criar uma gravadora local, já que as
grandes casas discográficas se localizavam no eixo
Rio-São Paulo. Os irmãos Cheib (Dirceu, Afrânio e
Célio) resolveram arriscar e montar a MGL, Minas
Gravações Limitadas. Para iniciar o catálogo, foi
chamado o maestro paulista Edmundo Peruzzi,
gravando discos instrumentais. Depois, inaugu-
rando a série de artistas mineiros a gravar pelo selo,
vem o Conjunto Célio Balona, que lançou em 1959
o LP “Música 18 Kilates”, com sucessos da época.
Nós gravamos em São Paulo. Aí eles gravaram
o segundo nosso, lá em São Paulo também e
resolveram fazer um estúdio no bairro Caiçara,
na Avenida Frei Orlando. Realmente fizeram
um estúdio de primeira, enorme, com uma
máquina Ampex que veio dos Estados Unidos,
então foi ali começou a grande virada da in-
dústria fonográfica aqui em Minas Gerais.
A MGL mudaria seu nome para Palladium e de-
pois Bemol. Até hoje a gravadora é referência de
gravação dentro do estado. O próprio Balona re-
conhece sua importância.
41
42. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Acredito que a BEMOL é a gravadora mais
importante para nós. É a gravadora que tem o
maior acervo de artistas mineiros, a BEMOL foi
para nós a redenção. Porque era muito difícil
gravar no Rio de Janeiro e São Paulo. O assé-
dio lá era imenso, porque era gente do Brasil in-
teiro querendo fazer sucesso por lá. A partir do
momento em que nós tivemos gravadora aqui,
pronto, acabou isso.
Os discos eram distribuídos por todo Brasil e tam-
bém em países fronteiriços. Balona gravava por en-
comenda. Ele recebia da direção da gravadora uma
lista de músicas, geralmente sucessos, para gravar.
Balona arregimentava os músicos, ensaiava com
eles 3 ou 4 vezes e gravava o disco de uma tacada só.
Dentro desse contexto, aparece um novo ritmo, um
outro jeito de fazer música, com o nome de Bossa
Nova. A batida do violão de João Gilberto e as músi-
cas de Tom Jobim também influenciaram aqueles
músicos que, mesmo morando numa cidade sem
mar, se identificaram com a estética sal-sol-sul da
Bossa. O músico Pacífico Mascarenhas foi o respon-
sável por trazer os grandes nomes do estilo para Belo
Horizonte. O hoje recluso João Gilberto fez um show
no Iate Clube, onde Balona teve a oportunidade de
42
43. Balona: experiências e mémorias
conhecê-lo. Ele fala sobre o impacto que o estilo teve
em sua carreira e faz uma análise sobre as diferenças
musicais pré-bossa nova e pós-bossa nova.
(...) modificou a música brasileira, a melódica,
a harmônica e em termo de literatura também.
Quer dizer, a palavra modificou a forma de
dizer as coisas, mesmo dizendo que esta so-
frendo por amor, não precisava dizer que tava
no bar tomando cachaça e que a mulher é isso,
aquilo, ou aquilo outro. Foi uma forma bonita
de dizer as coisas (...) antes da Bossa Nova, a
música brasileira tinha uma coisa de dramal-
hão, de a mulher que enganou o cara, o cara
vai pro bar e enche a cara, entendeu? Era um
negócio assim, era uma letra pesada.
Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Dom Um Romão e
outros expoentes da bossa realizaram shows na
cidade, em festivais de bossa nova, que notada-
mente aconteciam na secretária de Saúde e As-
sistência, onde hoje se localiza o Minascentro. Os
músicos locais se enturmavam com os cariocas, já
que, como o próprio Célio diz, estavam tentando
fazer o mesmo que eles em termos musicais.
Por volta de 1962, Célio conhece dois rapazes que
fariam história na MPB. Milton Nascimento e Wag-
43
44. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
ner Tiso. O primeiro foi apresentado por Pacífico
Mascarenhas, que gostou do crooner Bituca e foi
contar a descoberta a Célio.
Pacífico Mascarenhas chegou lá em casa e fa-
lou assim “oh, Célio tem um menino aí de Três
Pontas, cantando lá no Oxalá, no Maletta, que
eu acho que valia a pena você pelo menos ir lá
para conhecer o cara”. Eu falei com ele “vamos
lá hoje à noite?”. Chegamos lá, tava lá o Bituca
com o violão cantando sozinho. Quando eu
vi o Bituca cantando, ele acabou de cantar, o
Pacífico falou com ele “tem um Conjunto aí, é
um conjunto de baile, mas nós temos um pro-
grama de televisão também, se você quiser en-
trar para o Conjunto está na hora”.
Bituca aceitou o convite e permaneceu por quase
três anos. Wagner entrou em substituição a Hel-
vius Vilela, que foi para o Rio de Janeiro tocar com
Elizeth Cardoso.
Outro fator muito importante para o sucesso do
Conjunto Célio Balona foi a TV Itacolomi. Inaugu-
rada em 1955 por Assis Chateaubriand, presidente
dos Diários Associados, foi o primeiro canal de TV
de Minas Gerais. Célio foi contratado pela emissora
em 1956. Na época, todos os canais de TV tinham
44
45. Balona: experiências e mémorias
o seu próprio cast de músicos, cantores e artistas.
Como ainda não havia o sistema de canais em rede,
era preciso contratar músicos locais para preench-
er o espaço musical nas emissoras, especialmente
aqueles que apresentavam calouros.
Tinha um programa chamado Confiança no
Sucesso, em 1957, patrocinado pela Casa Con-
fiança (casa de móveis). Esse programa ele ia
ao ar toda semana. (...)um amigo meu que
falou “ah, se eu fosse você, acho que você de-
veria se candidatar, porque é uma boa coisa,
vão precisar de músicos lá para tocar, fazer os
programas musicais e tal”. Aí eu fui. Passei na
primeira eliminatória, na segunda e ganhei o
concurso. Ai fui contratado.
Balona conta um caso que exemplifica bem como
funcionava a estrutura televisiva da época.
Quando tinha um intervalo de um programa
para o outro eles colocavam um que se chamava
“Musical”, entrava assim “atenção (batendo pal-
mas), tal músico vai tocar com Célio Balona, ah
vai tocar Blue Moon”. Então a gente entrava e
começava “Musical” ai pronto, nós tocávamos.
45
46. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
A Itacolomi lhe deu um programa, chamado “Ba-
lona Bem Bolado”, exibido aos sábados, seis da tar-
de. Ele se apresentava acompanhado do conjunto,
tocando musicas que os telespectadores pediam
através de cartas. Como a estação era recebida em
quase todo o estado, o grupo fez várias viagens
pelo interior de Minas.
Nos anos 60 e 70, os cantores não tinham banda
própria. Quando iam cantar em alguma cidade,
eram acompanhados por algum músico local ex-
periente. Como Balona era a referência musical
da cidade, ele acompanhou vários artistas consa-
grados que se apresentaram em Belo Horizonte.
Cauby Peixoto, Elizeth Cardoso, Dorival e Nana
Caymmi, Jair Rodrigues, Benito di Paula, Eli-
ana Pittman, Elza Soares e até o mexicano Lucio
Gatica. Histórias curiosas dessa época não faltam.
Em 1976, ele acomapanhou Cauby Peixoto em um
show na Casa do Baile, onde as mulheres eram
recebidas com uma rosa com um bilhete escrito
“com um beijo do Cauby”. Uma mulher alta, loira,
jogava pétalas de rosa no cantor. O resto, quem
conta, é o próprio Balona
46
47. Balona: experiências e mémorias
Acervo Carlos Fabiano Braga
TV Itacolomi - XXXX
Célio Balona e
XXXXXX antes
de se apresen-
tar no programa
XXXXXXXXXX
Acervo Carlos Fabiano Braga
TV Itacolomi - XXXX
Célio Balona se apre-
sentando no programa
XXXXXXXXXX
47
48. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Acervo Carlos Fabiano Braga
TV Itacolomi - XXXX
Célio Balona nos bas-
tidores do programa
XXXXXXXXXX
Acervo Carlos Fabiano Braga
Topo do edifício da
TV Itacolomi - 1957
48
49. Balona: experiências e mémorias
Quando acabou o show e o Cauby acabou de
dar o bis, nos acompanhando, ele “pá”, saiu fora
pela cozinha. E a loira levantou e saiu correndo
atrás dele. Ai o Cauby sumiu, o empresário dele,
Levi Freire, saiu com a gente lá fora, para levar o
Cauby para o hotel e a gente para despedir dele.
E cadê o Cauby? Nada.(...)Nós procuramos e
procuramos. Quando chegamos perto do (bar)
Redondo, o Cauby com aquele paletó dele, todo
dourado, estava agachado atrás de uma árvore,
parado, e o Levi falou “Uai Cauby, o que houve”?
Ai ele virou e falou com aquela voz dele “Profes-
sor, essa mulher é louca, ela quer me pegar”.
No início da década de 1970, os grandes músicos
mineiros saem de Belo Horizonte e vão para o Rio
de Janeiro, em busca de maior visibilidade, espe-
cialmente porque Milton Nascimento, segundo
lugar no Festival Internacional da Canção de 1967,
conseguiu grande sucesso e era conhecido de to-
dos. Balona também embarcou nesse trem. Mais
especificamente, no Vera Cruz, que levava ao Rio.
Ele foi convidado pelo pianista Laerte Vaz de Melo
para se apre sentar na boate carioca Fred´s. Ele se
apresentou por uma semana e a boate queria que
ele continuasse, mas ele desistiu. Célio queria ficar
perto dos pais.
49
50. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
No domingo eu peguei o Vera Cruz, quando
eu cheguei na estação, que é hoje o Museu de
Artes e Ofícios, eu pus o pé ali e disse daqui eu
não saio, daqui ninguém me tira (risos). E fui
para a casa do meu pai e da minha mãe, feliz
da vida. Convivi com eles a época que eu pude
conviver. Não me arrependo um minuto de ter
vindo. Acho que independe geograficamente
de você poder mostrar seu trabalho, fazer suas
coisas, por mais difícil que possa ser. Mas acho
que o reconhecimento que eu tenho aqui em
Belo Horizonte me basta(..)Belo Horizonte me
deu tudo o que eu tenho.
Arquivo Pessoal - Célio Balona
Célio e sua mãe XXXX - DATA
50
51. Balona: experiências e mémorias
A grande febre da segunda metade dos anos 70
eram as discotecas. Com o advento das fitas cas-
setes, os músicos que tocavam ao vivo nas boates
começaram a perder o emprego e raramente eram
chamados para tocar. Para se adaptar a novidade,
Célio decidiu virar uma “banda de um homem só”.
Comprou um órgão da Yamaha com ritmo, que fazia
tudo. Balona se adaptou tão bem com o instrumen-
to que participou de uma competição da Yamaha,
o Electron Festival, para selecionar dois organistas
que disputariam um concurso na América Latina, e
posteriormente participar de um festival não com-
petitivo no Japão. Na primeira eliminatória, em São
Paulo, ficou em segundo lugar, se classificando para
a próxima fase, em Bogotá. Com a passagem paga
pelos Diários Associados, conseguiu o primeiro
lugar e foi representar a América Latina em Tóquio.
O mundial foi uma apresentação de quinze
músicos representando diversas regiões do
planeta. Eu fiquei feliz de estar entre os quinze.
A partir daí comecei a compor mais, comecei a
mexer mais com instrumento eletrônico e de-
ixei o acordeom um pouco de lado.
Nos anos oitenta, ele se dedicou à música instru-
mental de vanguarda, gravando discos como Voo
51
52. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Noturno (1986). Pouco tempo depois, é convi-
dadopara fazer uma trilha sonora de um longa-
metragem em Santa Catarina, sobre Madre Pau-
lina. Ele iria ficar um mês e acabou ficando dez
anos, trabalhando com cinema e televisão. Mas
sempre batia a saudade e fazia visitas esporádicas
à cidade. De acordo com ele, se sentia “igual a um
boi quando vai pro matadouro” na hora de ir em-
bora. Ao chegar à conclusão de que voltaria, foi
direto para um local em Belo Horizonte bastante
especial pra ele.
“A primeira coisa que eu fiz logo quando sai do
aeroporto foi vir aqui para a Rua Alagoas e fiquei
passeando pela rua sentindo o cheiro daquelas
árvores. Porque o cheiro daquelas arvores ali é
o cheiro mais característico de Belo Horizonte.
Só quem sai daqui é que sabe disso. Na hora que
você chega ali, você vê que é uma árvore que
dá uma frutinha vermelhinha. É o trecho entre
Cristovão Colombo e Avenida Brasil. A coisa
é ali. Vai até lá para os lados da Igreja da Boa
Viagem, mas é ali. E aquilo me deixava assim,
porque eu acredito que tudo começou em Belo
Ho-rizonte e que tudo vai acabar aqui.”
52
53. Balona: experiências e mémorias
Mariana Reis
Rua Alagoas - Local onde o músico diz ter cheiro
caracteristico da capital mineira
53
55. Discografia: sons e narrativas
3 Capítulo
DISCOGRAFIA:
SONS E NARRATIVAS
A discografia de Célio Balona se divide em duas
fases. A primeira é estabelecida com os discos
dos anos 1960, contendo repertório de outros
compositores, com sucessos de então. A segun-
da começa a partir de 1983, tendo como início o
disco Imagens, primeiro álbum só com músicas
de Balona. Neste capítulo, o artista comentará
disco a disco feito por ele, analisando repertório
e contando curiosidades das gravações.
55
56. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Com a permissão do artista, incluímos junto ao liv-
ro um cd com grande parte de sua discografia, es-
pecialmente os discos só disponíveis no formato de
vinil e fora de catálogo há mais de quarenta anos.
Através de sua audição, o leitor poderá verificar com
clareza as circunstancias que permeiam a obra de
Balona: a qualidade do instrumentista ao executar
qualquer tipo de música, o conceito de cada álbum
e também sua ousadia, registrando faixas como o
tema do seriado Batman e seu impulso para obras
próprias, a partir dos discos da década de oitenta.
Música 18 Kilates, primeiro LP de sua carreira, foi
gravado em 1962. Lançado pela então nascente gra-
vadora MGL (Minas Gravações Limitadas), a capa e
o título faziam alusão ao passado colonial de Minas,
com ênfase na extração do minério e de pedras pre-
ciosas. No canto superior da capa, há a inscrição
MGL apresenta uma seleção das jazidas musicais de
Minas . Isto porque no disco estão presentes músi-
cas de compositores mineiros, alguns consagrados,
como Ary Barroso e Ataulfo Alves, amigos de Ba-
lona, como Pacífico Mascarenhas e Nazário Cor-
deiro, que tocava no conjunto do músico. No canto
esquerdo da capa, uma foto de um diamante com
uma fita, simulando uma inscrição de preço, com
56
57. Discografia: sons e narrativas
os dizeres: 18 kilates-Procedência M.Gerais. Balona
conta como foi a gravação do disco.
Nós gravamos em São Paulo (...) A MGL queria
começar a gravar com músicos mineiros e nessa
época o meu conjunto estava muito em evidên-
cia, porque tinha programa na TV Itacolomi e
eles resolveram gravar esse disco com a gente.
Capa do disco Música 18 Kilates - Célio Balona - 1962
57
58. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Capa da reedição do disco Música 18 Kilates - Célio Balona - XXXX
Uma dupla de compositores salta aos olhos de
quem vê o nome dos autores gravados no disco:
Fredy Chateaubriand e Vinicius de Carvalho. Com-
positores desconhecidos, seis músicas da dupla em
paceria forma o repertório do disco. A inclusão
dessas canções no álbum tem um sentido que elu-
cida as engrenagens da indústria fonográfica.
Fredy era um dos diretores da TV Itacolomi,
sobrinho de Assis Chateaubriand, gostava de
fazer música. Na verdade fomos muito impos-
tos a gravar isso aí. “Vamos gravar porque vai ter
uma divulgação nos Diários Associados todo”. As
músicas deles eram boas. E ai, como a BEMOL e
a MGL tinham feito esse trato de divulgação se
a gente gravasse as músicas deles, nós gravamos.
58
59. Discografia: sons e narrativas
O grande sucesso do disco é Jingle Cha-Cha-Cha,
uma adaptação feita por Balona de jingles que fa-
ziam sucesso na época.
É o seguinte, na época os jingles se tornaram
um sucesso, então as pessoas na rua escutavam
e cantavam, essa coisa toda. Por exemplo, na TV
Itacolomi as crianças quando viam o comer-
cial dos Cobertores Paraíba, que passava a oito
e meia da noite. Assim, “já é hora de dormir,
não espere a mamãe mandar, um consolo para
você e um alegre despertar. Cobertores Paraíba”.
Então isso marcou muito, como mais um monte
de outros jingles que a gente gravou (...)
O disco foi bem recebido pelo público e pela
crítica, levando a MGL, que depois tornaria-se
Palladium e logo em seguida Bemol, a investir
em Balona e seu conjunto. O álbum foi relan-
çado em meados dos anos 1960, com uma capa
diferente, tendo apenas um fundo branco com
o título e o crédito ao conjunto do artista. A gra-
vadora chamava Balona e seus músicos para faz-
erem discos com outros artistas e também gravar
músicas por encomenda, como jingles e spots.
No ano seguinte, é lançado Balona é o Sucesso, as-
sim como o primeiro, teve os créditos atribuídos à
59
60. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
“Célio Balona e seu conjunto”. A capa mostra um
artista galã, pronto para ser venerado pelas moças.
Mas é um trabalho que mostra a sintonia do ar-
tista com um estilo que era modismo à época e
com o qual ele se identificava.
Capa do disco Balona é o sucesso - Célio Balona - 1963
60
61. Discografia: sons e narrativas
Foi exatamente quando a Bossa Nova
chegou a Belo Horizonte. As notícias da
outra música brasileira estavam aqui.
Então nós fomos assistir um show do
Sérgio Mendes, no antigo Kart Club, no
Vale do Sereno, onde é hoje o Belvedere.
E foi pela primeira vez que eu escutei
Garota de Ipanema, nós fomos os ter-
ceiros a gravar Garota de Ipanema. Pery
(Ribeiro) foi o primeiro, depois não sei
se o próprio Sérgio Mendes. E pelas con-
tas da Palladium nós estávamos sendo
os terceiros a gravar essa música.
No disco aparecem outros clássicos da Bossa Nova,
como Insensatez, também de Tom Jobim e Vinicius
de Moraes, Céu e Mar de Johnny Alf e a pré-bossa
novista Duas Contas, de Garoto, o violonista que
“fez” Balona ganhar o prêmio na Rádio Nacional.
Há ecos musicais ainda mais longínquos, como
Aurora, de Mário Lago e Roberto Roberti. Mas há
espaço para repertório inédito. Como Amor que
Vem, de Nazário Cordeiro, guitarrista do grupo,
em parceria com João Medeiros Filho, poeta que
escreveu o texto de contracapa do disco, Balanço
63, tema do pianista Helvius Vilela, e duas faixas
61
62. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
compostas por Nelsinho, famoso maestro e trom-
bonista. Uma delas, Balonadas, é uma homena-
gem feita por ele a Balona. O conjunto teve liber-
dade para escolher o repertório, diferentemente
do primeiro disco.
Esse LP também foi gravado em São Paulo, tendo
uma reedição posterior, com o título Garota de
Ipanema, lançado pelo selo Paladium. A foto de Cé-
lio foi substituída por uma capa branca com o título
em rosa e azul e a figura de uma mulher desenhada.
Capa da reedição de Balona é um sucesso - Célio Balona - XXXX
62
63. Discografia: sons e narrativas
Balona faz o seu disco mais híbrido em termos
de repertório em 1966. Um Homem, Uma mulher,
trazendo na capa a fotografia de uma moça com-
portada, mas, emulando sensualidade, recostada
numa pedra com um cobertor em volta.
Esse disco, primeiro gravado nos estúdios da Be-
mol no Caiçara, tem como eixo principal, a grava-
ção de músicas de cinema. Um Homem, Uma
mulher, também era o título de um filme francês,
dirigido por Claude Lelouch. A história de amor
de um piloto de corridas e uma roteirista fez bas-
tante sucesso nos cinemas, junto com a trilha
composta por Francis Lai.
No filme, aparecia até uma versão de Samba Da
Benção, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, na
voz de Pierre Barouh, também compositor da tril-
ha. O disco de Balona trazia os dois temas princi-
pais desse filme: Um Homem, Uma mulher e Plus
Fort que Nous. Havia também The Shadow Of Your
Smile, do filme Adeus Às Ilusões, de Vincent Mi-
nelli. Composta por Johnny Mandel e Paul Web-
ster, ganhou o Oscar de melhor canção. Também
inclui o Tema de Lara, composto por Maurice
Jarre para o filme Dr. Jivago, e clássicos america-
63
64. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
nos como Bye Bye Blackbird e Once in a While. Ha-
via apenas três músicas genuinamente brasileiras,
já que Trevo de Quatro Folhas era uma versão, gra-
vada inclusive por João Gilberto no seu clássico
álbum Chega de Saudade. O Caderninho, sucesso
da Jovem Guarda composto por Olmir Stockler,
Quem te Viu, Quem te Vê, de Chico Buarque e
Triste Madrugada, sucesso de Jair Rodrigues com-
posto por Jorge Costa são músicas que estavam na
parada de sucessos.
Afrânio (Cheib) tinha falado comigo que
queria um disco que tivesse músicas de
cinema, e Um Homem, Uma Mulher era o
filme da vez, a bola da vez. Eu gravei to-
cando órgão elétrico, o Rubinho bateria,
o Mauricio Scarpelli contrabaixo e o An-
thony Cha Cha Cha fazendo percussão.
Foram nós quatro. Com dois dias nós gra-
vamos esse disco, Bye bye Blackbird é uma
das musicas mais tocadas pelos músicos de
jazz. O caderninho também na época fa-
zia um sucesso muito grande. A música do
Chico também.
64
65. Discografia: sons e narrativas
Capa de Um homem e uma mulher - Célio Balona - 1966
Reedição de Um homem e uma mulher - Célio Balona - XXXX
65
66. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
O disco vendeu bem “de sul a nordeste”. A agora Pal-
adium tinha filiais em São Paulo e Rio, e vendedores
autônomos que vendiam os discos pelo Brasil e por
países vizinhos. Com esse repertório internacional,
o disco agradou principalmente a jovens, que tin-
ham todos os sucessos do momento em um disco só.
Essa mesma estratégia continuou com o LP Balona
Espetacular. Lançado em 1967, era um desfile de
sucessos do ano. Canções do Segundo Festival Interna-
cional da Canção, promovido pela TV Globo naquele
ano, como Travessia e Carolina, do Segundo Festival
da Record, realizado em 1967 (Maria Carnaval e Cin-
zas e Alegria, Alegria) e grandes sucessos de Wilson
Simonal (como Vesti Azul) e do “queijinho de Minas”
Martinha (Eu te Amo Mesmo Assim). Mas quem apa-
rece com força no disco é Roberto Carlos. Além da
referida Maria Carnaval e Cinzas, composta por Luiz
Carlos Paraná e interpretada por ele no Festival da Re-
cord, Roberto era o compositor de Meu Grito, sucesso
com Agnaldo Timóteo e interprete de Só Vou Gostar
de Quem Gosta de Mim, de Rossini Pinto. Havia ainda
espaço para Manifesto, canção de protesto de Marioz-
inho Rocha e Guto Graça Mello. Segundo Balona:
66
67. Discografia: sons e narrativas
Capa do disco Balona Espetacular - Célio Balona - 1967
Os festivais estavam em alta, então todas es-
sas músicas foram grandes sucessos nos festi-
vais. Então eles falaram comigo “nós precisa-
mos disso aqui”. E eu fiz. (...) A gente já tava
gravando aqui no estúdio da Bemol no bairro
Caiçara, mas foi um disco também que não de-
morou muito, porque a gente estava com tudo
ensaiado. Então foi entrar dentro do estúdio e
liquidar fatura.
67
68. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
O álbum contava com Nazário Cordeiro na gui-
tarra, Hélvius Vilela no piano, Ildeu no contra-
baixo, Celinho no Trompete, Nivaldo Ornellas no
Saxofone, Alfonso Maluf na percussão e Miltinho
na Bateria são os músicos do disco.
No ano seguinte sai o LP Bem Bolado. O disco
não foi creditado a Balona, mas o estilo do disco
e a chancela do selo Paladium dão pistas de que é
um disco do artista. O próprio tinha um programa
na TV Itacolomi chamado Balona Bem Bolado. O
repertório mescla Dorival Caymmi, Beatles, Do-
menico Modugno (incluindo o estrondoso sucesso
Dio, Como Ti Amo) e The Boogoloo Dance, tema
do próprio Balona. Há ainda uma faixa secreta:
Something´s Gotta Give, que não constava na lista
de musicas do disco e não foi creditada. De acordo
com o blog Toque Musical, pertencente a um pes-
quisador musical que postou o disco na internet,
ela só não entrou na lista impressa porque no dia
da produção do disco ninguém sabia o nome da
música. De acordo com Balona, o LP foi gravado
em uma boate:
68
69. Discografia: sons e narrativas
Capa do disco Bem Bolado - Célio Balona - 1968
Esse disco foi gravado numa boate que fez um
grande sucesso, uma boate que nós fizemos,
chamava boate Uai, era ali na Av. Brasil com
Rua Rio Grande do Norte. A Paladium queria
um disco ao vivo, com aquele clima de festa, um
clima de boate e tal, de show de boate. Aquela
coisa toda. Então conversaram comigo e a gente
gravou na boate algumas coisas e a maioria a
gente gravou no estúdio mesmo, mas querendo
fazer aquela ambientação da boate.
69
70. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
O disco não continha créditos, mas contava com
a participação de outros artistas. Um deles é de
Roberta Lombardi, fundadora da grife Vide Bula,
que ainda canta esporadicamente. O percussioni-
sta Anthony Cha Cha Cha, velho companheiro de
Balona nos estúdios, dá uma canja nos vocais.
Encerrando a década, Balona grava um com-
pacto simples (uma música de cada lado) que
renderia frutos ao artista mais de quarenta anos
depois. De um lado, Tema de Batman escrito por
Neal Heasf para o seriado televisivo do heroi
dos quadrinhos. Com muitos efeitos sonoros,
o disco dialogava com o que era feito na época
no campo da psicodelia. No outro lado estava o
Tema de Ônibus, feito pelo músico Dino Granfo.
O próprio Balona é quem conta como esse dis-
quinho foi concebido.
Meus filhos na época, um tava com oito anos
e outro tava com quatro. Nessa época passava
muito aquela série do Batman e eles eram fasci-
nados com aquilo. Um dia, brincando, cheguei
perto deles e falei “olha, eu sou muito amigo
do Batman, eu falei outro dia com ele que eu
vou gravar uma aventura dele para vocês”. Eles
ficaram com os olhos arregalados e tal.
70
71. Discografia: sons e narrativas
Durante uma folga em uma sessão no estúdio Be-
mol, Balona sugeriu fazer “uma brincadeira”, to-
cando o tema do super-heroi. Criou uma história
contada ao longo da música, simulando uma in-
vasão de marcianos à Terra. Um foguete em di-
reção à Lua cruza com os marcianos. Batman
então é chamado quando um foguete em direção a
Lua encontra os invasores. Todas as vozes, de Bat-
man, dos Marcianos e dos astronautas no foguetes
são feitas pelo próprio Balona.
O Afrânio riu tanto com a brincadeira e falou
que iríamos fazer um compacto simples disso.
Como não tinha nada do outro lado fizemos
o Tema de ônibus, porque o pessoal chegou de
ônibus. Isso é do Dino. Aí gravamos, o Dino
estava lá também no dia. Isso foi uma grande
brincadeira que a gente fez. Bom, eu cheguei
em casa e levei uma fita cassete e mostrei para
os meus filhos. Eles ficaram assim: “pai, você
conseguiu falar com o Batman”! Eu falei: tô te
dizendo que ele é meu amigo! Ai os meninos
ficaram quietos. O disco não vendeu nada,
porque aquilo ali ficou mais como catalogo lá
da Palladium, Bemol.
Joel Stone, brasileiro dono de uma loja de discos
em Nova York, a Tropicália in Furs, lançou em 2010
71
72. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
a coletânea Brazilian Guitar Fuzz Bananas em LP
e CD. A coletânea compilava compactos psicodé-
licos feitos no Brasil entre as décadas de 60 e 70, a
maioria de artistas obscuros. Mas a honra de abrir a
coletânea, elogiada pela crítica especializada, ficou
com Balona e sua versão para o Tema de Batman.
No ano passado minha irmã me ligou do rio e
falou “Célio, você tá na capa do segundo cad-
erno do O Globo”. Falei que não estava sabendo
não e ela me falou que estavam falando sobre
um disco Tema de Batman, que foi lançado
nos Estados Unidos, e eu dizia que não estava
sabendo. Aí comprei O Globo, era um cara
chamado Joel Stone, brasileiro, que mora em
Nova York, nos Estados Unidos. Esse cara veio
aqui e foi procurando em alguns sebos do Rio
de Janeiro e São Paulo discos da década de 60 e
70, que eram considerados psicodélicos (...) não
estava sabendo de nada. Nem imaginava nada
mais desse tema de Batman.(...). E eu nunca me
considerei psicodélico (risos).
72
73. Discografia: sons e narrativas
Compacto simples, com o Tema de Batman e Tema de Ônibus - Célio Balona - XXXX
73
74. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
É interessante analisar que o disco foi gravado em
69, ano que o homem vai à lua e o auge da corrida
espacial entre Estados Unidos e União Soviética. A
música brasileira já havia se referido a isso em can-
ções como Lunik 9, de Gilberto Gil. Mas, de acordo
com Balona, foi tudo uma coincidência: “ficou guar-
dado lá no subconsciente e quando veio a conversa
dessa história eu pensei em foguete, essa coisa toda”.
Outro compacto lançado por Balona continha uma
versão de Dans Mon Ile, música de Henri Salvador,
que faz parte da trilha do filme Europa de Noite,
do italiano Alessandro Blasetti. O longa mostrava
números de artistas em palcos europeus.
Capa do compacto Português com a música Sonho Lindo - XXXX
74
75. Discografia: sons e narrativas
Eu fui assistir esse filme e fiquei muito im-
pressionado com a música do Henri Salvador
chamado Dans Mon Ile. Eu assisti esse filme
doze vezes e resolvi fazer uma versão em por-
tuguês do Dans Mon Ile, que ficou sendo o
Sonho Lindo. E gravei em compacto simples,
do outro lado uma música do Marilton Borg-
es, e esse compacto realmente ele fez muito
sucesso aqui em Belo Horizonte, no interior de
Minas Gerais.
Balona passa os anos 70 sem registrar nada em
disco. Opção do próprio artista, que já não queria
registrar obras de outros compositores, já com a
vontade de fazer outro tipo de música. Nessa época,
acompanha outros cantores e participa de um fes-
tival de teclado da Yamaha, representando o Brasil.
Só em 1982 ele retorna aos estúdios com o LP
Imagens, lançado no ano seguinte. Completamente
diferente de tudo o que já havia feito, o disco con-
ta somente com composições próprias. Abrindo
com a faixa título, de quase nove minutos, Balona
assume teclado, vibrafone, piano acústico, sin-
tetizador e acordeom, junto a músicos mineiros de
uma geração posterior a sua, como Marcus Viana,
Neném, Mário Castelo, Juarez Moreira, Afonso
Maluf, além de Pingo Balona, filho do artista.
75
76. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
A capa do disco não mostra Balona com pose de
galã, mas sim com a impressão de um homem mad-
uro, bem diferente das capas que emulavam um as-
tro de cinema. Era um disco há muito sonhado por
Balona, que bancou todo o projeto, tendo a velha Be-
mol como parceira na distribuição. As oito músicas
trazem uma veia de experimentação conectada com
a música instrumental feita na época, bastante influ-
enciada pela tecnologia nos instrumentos musicais.
Nesse disco, o artista queria mostrar que poderia
fazer coisas diferentes e ter uma identidade própria.
Teve a prova disso de uma forma bastante peculiar.
Ao fazer o show de lançamento do disco no teatro
Francisco Nunes, toda a parafernália de instrumen-
tos utilizada no disco estava no palco, impression-
ando antigos fãs do artista.
Eu fiquei sabendo o seguinte, por duas amigas
minhas que estavam assistindo o show que na
segunda música, tinha três senhoras sentadas
atrás “nossa, acho que o Célio Balona enlouque-
ceu porque ele tá tocando umas coisas muito
loucas, muito doidas, isso aí não é ele não”.
Balona achou “a melhor coisa do mundo”, já que ele
estava mostrando um novo tipo de trabalho. Apesar
do baile e de gravações de músicas alheias terem sido
76
77. Discografia: sons e narrativas
seu principal sustento como profissional, ele queria
mudar. E essa fala das duas senhoras, para o artista,
foi um sinal de que ele estava no caminho certo.
Capa do disco Imagens - Célio Balona - 1982
Para o artista, apesar do amor e do “ódio” que o
disco despertou, foi uma oportunidade de con-
seguir mostrar um trabalho diferente, que era o
que ele queria fazer. Contendo apenas oito faixas,
é possível perceber que é um disco versátil, com a
77
78. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
banda que o acompanha em cada fazendo experi-
mentações harmônicas e construindo um som
bem diferente daquele que os fãs de Balona es-
tavam acostumados a ouvir.
O viés de Imagens continua no disco seguinte, Voo
Noturno. Apesar de contar com outros instrumen-
tistas, segue a linha de Imagens, com experimen-
tações, faixas que ultrapassam o tempo de quatro
minutos e até o mesmo número de faixas. A capa
utiliza um quadro de Marco Antonio Moreira,
músico e pintor amigo de Balona. Um pássaro em
tons de azul e vermelho voando sobre uma tela
escura. Na contra capa, o artista com seus vários
sintetizadores. O disco simboliza um mergulho ai-
nda mais profundo nos instrumentos eletrônicos, o
que lhe identifica bastante com os anos oitenta, já
que o eletrônico era uma nova opção para a música
instrumental, caindo depois em desuso.
78
79. Discografia: sons e narrativas
Nessa época praticamente os tecladistas gra-
vavam com quatro, cinco, seis sintetizadores,
era uma época que o César Camargo e Mari-
ano gravava com aquele monte de teclado. O
Egberto Gismonti tinha um monte de teclado.
Então todo mundo queria explorar ao máximo
um universo sonoro cujo universo o ouvido
humano não estava muito acostumado, com
sons sintetizados, com sons criados em labo-
ratórios, essa coisa toda.(...) Eu me joguei mui-
to em cima disso aí.
Capa do disco Voo Noturno - Célio Balona - XXXX
79
80. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Posteriormente, nos outros trabalhos, onde o som
do teclado era considerado datado, o artista retor-
na aos instrumentos acústicos. Hoje, ele mescla o
eletrônico com o acústico, já que considera que
os instrumentos eletrônicos imprescindíveis, mas
que devem ser usados em “doses homeopáticas”.
Voo noturno e Imagens são os únicos discos gra-
vados nos anos 80. Poucos, mas que mostram um
momento especial na carreira de Balona, por es-
tar fazendo um novo tipo de trabalho, com o qual
se identificava mais, assumindo as composições,
tendo uma obra própria.
Em 1992, Batuquerê é lançado. Era um disco de
despedida, já que Balona estava prestes a sair de
Belo Horizonte, com convites para morar no Rio
de Janeiro e Santa Catarina. Ele queria fazer o dis-
co na capital mineira e pretendia que o trabalho
tivesse algo bem brasileiro, mostrando sua inten-
ção na capa do CD – primeiro registro em com-
pact disc lançado por ele – e uma foto sua com
uma pequena bandeira brasileira em seu peito.
Músicas como Aquarela do Brasil, de Ary Barroso,
e Ponta de Areia, de Milton Nascimento e Fernan-
do Brant, também estavam no repertório. Não há
80
81. Discografia: sons e narrativas
tom saudosista no álbum. Mas a própria iniciativa
de gravar músicas alheias, de autores mineiros,
aliada a capa com a bandeira do Brasil tem um
simbolismo forte: conservar as raízes. Mas, afinal,
porquê o titulo Batuquerê?
Esse nome foi até interessante, eu escolhi
porque eu procurei saber no dicionário
se tinha uma palavra que significava
querer batucar. E não tem. Então eu
criei essa palavra, batuquerê. Três anos
depois que esse disco foi lançado apa-
receu um grupo lá na Bahia chamado
Batuquerê, mas eu criei essa palavra
porque não tinha. Batuque, batucan-
do, batucar, batucada, mas o de querer
batucar, então foi por isso.
81
82. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Capa do disco Batuquerê - Célio Balona - 1992
(Mais) um hiato, desta vez de exatos dez anos, sem
entrar em estúdio para gravar Morando em Santa Ca-
tarina, fazendo trilhas para a RBS (Rede Brasil Sul,
afiliada da TV Globo naquela região do país), Balona
lança em 2002 o CD Cantigas de Roda para Ouvir e
Sonhar. Sonho antigo do artista, com um pouco de
referência a antigas lembranças, já que as canções que
ele escolheu para o álbum lhe remetiam à infância e
ao local onde nasceu. Estando longe, era uma forma
de se conectar, mais uma vez, às suas origens.
82
83. Discografia: sons e narrativas
O Cantigas era uma idéia que eu tinha de fazer
só instrumental. Então lá em Florianópolis, eu
tinha um estúdio e comecei a pensar em fazer
um disco. Esse disco foi gravado sozinho, eu, o
estúdio e os teclados. É um disco que é uma ho-
menagem aos anônimos que fizeram as musi-
cas, porque não sei se você sabe, porque a maio-
ria das cantigas de roda você não sabe quem
compôs. Não tem o nome, isso já vem lá de trás.
Capa do disco Cantigas de Roda - Célio Balona - XXXX
83
84. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Cantigas é o estopim para a volta de Balona à ci-
dade que o acolheu ainda criança. Em 2003, ele
volta a morar em Belo Horizonte. Logo depois do
retorno, o CD Trilhas é lançado. Uma compilação
de músicas feitas para comerciais, curtas-metra-
gens e televisão, quando o artista ainda morava
em Florianópolis. Faixas pela primeira vez lança-
das em disco e que aliavam a qualidade do artista
a um trabalho feito sobre encomenda.
Eu trabalhei com cinema lá, fiz trilhas para um
filme chamado Madre Paulina e oito curtas me-
tragens para um projeto chamado Curta Santa
Catarina, que é um projeto interessantíssimo.
Os cineastas aprovados têm que pegar um livro
de um catarinense e fazer um curta metragem
contando a história do livro. Então eu fiz lá em
Santa Catarina trilha para oito curtas metragens
e para TV RBS, eu fiz a trilha de um seriado
contando a vida de Anita Garibaldi.
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85. Discografia: sons e narrativas
Capa do disco Trilhas - Célio Balona - 2003
Logo na seqüência, sai Coletânea, uma “colcha de
retalhos”, de acordo com o próprio artista, com
várias regravações de músicas próprias lançadas
desde Imagens.
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86. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Coletânea foi um disco que quando eu voltei
para Belo Horizonte em 2003, o Rubinho da
Status Café e Cultura falou que patrocinaria
um monte de músicas que estava querendo
colocar no CD. Então a Status patrocinou. E
a música nova que tem no Coletânea é a que
abre, uma musica chamada Tudo a ver com
Nosotros. Que é uma mistura de música cu-
bana com música brasileira e eu também tive a
alegria de ter o Arthur Maia de gravar comigo
no contrabaixo.
Capa do disco Coletânea - Célio Balona - 2003
86
87. Discografia: sons e narrativas
2006 é o ano do Projeto Brasil, iniciativa de Ba-
lona que contava com o pianista Clóvis Aguiar
e o baixista Milton Ramos. O disco foi o desdo-
bramento de um convite para tocar em uma casa
noturna na região metropolitana de Belo Hori-
zonte. Quando retornou a Belo Horizonte, Fábio
Campos, dono da livraria da Travessa, montou
em Nova Lima o restaurante Capim Limão. Ele foi
convidado pela esposa de Fábio, Dulce, para tocar
no local uma vez por semana.
Eu falei que não queria ir com o meu nome.
Eu estava querendo ir com um trio, mas fazer
um trabalho diferente. Eu tinha conhecido o
Clóvis e o Miltinho já era amigo meu há mais
tempo, então demos o nome de Projeto Brasil e
ficamos lá um ano, todas as quintas feiras.
Numa noite, Aluísio Vasconcelos, então presiden-
te da Eletrobrás, estava presente no restaurante e
se encantou com o trio. Sugeriu que o projeto fosse
registrado em disco, patrocinado pela Eletrobrás.
Em 2008, um show do projeto realizado no Teatro
Sesiminas também virou DVD.
O disco era um panorama da música moderna
brasileira feita a partir dos anos 50. Compositores
87
88. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
como Chico Buarque, Edu Lobo e os homenagea-
dos com o subtítulo do disco: De Antônio a Zé Keti
estão presentes no repertorio, tendo Tom Jobim
como principal eixo do disco.
Capa do disco Projeto Brasil - Célio Balona - 2006
Alumbramentos foi o ultimo disco lançado por Ba-
lona. Mas aí já é uma outra história... Esse panora-
ma discográfico mostra que Célio Balona sempre se
manteve íntegro em seus objetivos musicais, fazendo
aquilo que quis, com coerência, qualidade e amor.
88
89. Discografia: sons e narrativas
Capa CD Alumbramentos - Célio Balona - 2010
89
90. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
4 Capítulo
ALUMBRAMENTOS:
MINEIRIDADE MUSICAL
Cinquenta anos de música não são para qualquer
um. Quem se depara com o senhor de cabelos
grisalhos, de notável simpatia, ao ouvir a sua voz
acompanhada do acordeom, seu instrumento mu-
sical preferido, se encanta com a voz grave. A per-
severança, dedicação e amor pela música fazem a
diferença na vida do músico Célio Balona. Artista
que ao longo da sua carreira tem contribuído para
o desenvolvimento do cenário cultural de Minas.
90
91. Alumbramentos: mineiridade musical
Neste capítulo faremos um apanhado das atividades
do músico após 50 anos de carreira e evidenciar sua
contribuição artística para o cenário cultural mi-
neiro, enquanto personagem que colaborou para
fortalecer a identidade cultural de Minas. Em 2010,
Balona comemorou 50 anos de carreira.
Cinqüenta anos de música não são para qualquer
um. Quem se depara com o senhor de cabelos
grisalhos, de notável simpatia, ao ouvir a sua voz
acompanhada do acordeom, seu instrumento mu-
sical preferido, se encanta com a voz grave. A per-
severança, dedicação e amor pela música fazem a
diferença na vida do músico Célio Balona. Artista
que ao longo da sua carreira tem contribuído para
o desenvolvimento do cenário cultural de Minas.
Neste capítulo faremos um apanhado das atividades
do músico após 50 anos de carreira e evidenciar sua
contribuição artística para o cenário cultural mi-
neiro, enquanto personagem que colaborou para
fortalecer a identidade cultural de Minas. Em 2010,
Balona comemorou 50 anos de carreira.
91
92. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Os 50 anos de música, para mim, passaram
muito rapidamente. A música sempre foi uma
grande musa na minha vida. Eu na verdade
me casei com a música desde cedo. Cinqüenta
anos é um passaporte bastante recheado de ex-
periências e histórias para contar. Ao longo da
minha carreira sempre busquei trabalhar com
dignidade, profissionalismo, perseverança,
humildade e não me render às tentações de
sucesso fácil.
Para festejar cinco décadas de trabalho, em 2010,
Célio Balona lançou o CD Alumbramentos que faz
um apanhado da sua carreira. O álbum traz no en-
carte um texto em que o músico relata o seu des-
lumbramento na infância pela música e remonta o
início de cinco décadas de dedicação e amor pela
música. O cd Alumbramentos é também uma ho-
menagem aos seus pais
Na verdade eu levei um susto quando eu me de-
parei com os 50 anos pela frente, assim. Bateu
na minha porta e falou assim olha, eu sou o 50
(risos). Falei assim o meu Deus do céu, estou fa-
zendo 50 anos de música nessa cidade, a cidade
que eu amo. Eu sou de Visconde do Rio Bran-
co, mais na verdade minha mãe adotiva é Belo
Horizonte, entendeu. Então tudo o que eu con-
segui na minha vida foi em Belo Horizonte. A
92
93. Alumbramentos: mineiridade musical
Em Alumbramentos, Balona conta com participa-
ções especiais de Paulinho Pedra Azul, Carla Vilar
e outros músicos mineiros. O lançamento do CD
foi um sucesso e encantou os belo-horizontinos.
Talvez isso se deva ao fato da produção do CD
contar com a participação de velhos parceiros.
Vários músicos amigos e parceiros do artista fa-
zem participação especial nesse álbum como Cris-
tiano Caldas, Milton Ramos, Tino Dias e Pedro
Alexandre. O lançamento do CD possibilitou ao
músico apresentar-se também com Cleber Alves,
amigo e parceiro musical.
Para celebrar tantos anos de música, o compositor,
intérprete, arranjador, tecladista e acordeonista,
presenteou os fãs realizando um show, no dia 18
de novembro, na Praça Floriano Peixoto, no bair-
ro Santo Efigênia e no SESI Minas. No espetáculo,
Balona apresentou suas novas canções e recordou
músicas do passado.
Estiveram presentes na comemoração dos 50 anos
vários companheiros de esquina. No palco estavam
presentes parceiros de diversas gerações: Christiano
Caldas (piano e teclados), Milton Ramos (contra-
93
94. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
baixo acústico e elétrico), Hudson Vaz (bateria), Bill
Lucas (percussão), Serginho Silva (percussão), Cle-
ber Alves (saxofone tenor e soprano), Betinho Junior
(saxofone barítono), Alaércio Martins (trombone),
Juventino Dias (trompete e Flugelhorn) e Anderson
de Oliveira (violoncelo). Ao lado de seu instrumento
principal, o acordeom, Balona levou os fãs para um
passeio pela história da música brasileira e pela sua
própria história. Para ele, o show dos 50 anos foi um
presente para a sua carreira e uma grande demonst-
ração de carinho dos parceiros e amigos.
Flyer Divulgação: Comemoração dos 50 anos de carreira
94
95. Alumbramentos: mineiridade musical
Meus amigos me presentearam com o talento
deles tocando comigo. Esse foi o maior presente.
O maior presente foi tê-los comigo, com tanto
carinho, com tanto amor, como tanta dedicação.
Eu tenho os meus amigos como irmãos. Eu es-
colhi a dedo os músicos que participaram desse
CD. Um deles, o meu amigo e parceiro Murilo
Antunes, um dos grandes letristas da MPB, me
deu a honra de colocar letra em quatro canções.
Participou também Paulinho Pedra Azul, que
cantou Alumbramentos e Carla Villar cantando
Só nos resta fazer canções. A música é um todo,
cada um colabora com um pedacinho.
Mariana Reis
Paulinho Pedra Azul prestigiano o show do amigo
Célio Balona na Status Café Cultura e Arte
95
96. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
O artista é um dos respeitados instrumentistas mi-
neiros da atualidade e hoje comemora 50 anos de
carreira. Passados 50 anos de estrada, muito trab-
alho e histórias pra contar, Célio afirma, “valeu a
pena!”. Cheio de satisfação, assim se refere à sua
trajetória artística.
Ainda na ativa e com muita disposição para apre-
nder e experimentar, Célio Balona atualmente
trabalha com shows, trilhas sonoras para filmes e
documentários. O músico compôs uma trilha so-
nora para um filme da cineasta Laine Milan, que
foi premiada como melhor trilha sonora no Fes-
tival de Cinema de Juiz de Fora, em 2009. Outra
trilha sonora foi finalista do Grande Prêmio Vivo
do Cinema Brasileiro, na categoria Trilha Sonora
Original com a música composta para o longa-
metragem Cinco frações de uma quase história,
do diretor Guilherme Fiúza.
As comemorações dos 50 anos lhe possibilitaram
realizar um show no museu Notórios, de Buenos
Aires, no dia 18 de abril de 2010 e no dia 19 e 20,
no Teatro Rolo, de Mar del Plata. Segundo Balona,
o show reuniu músicas do CD Alumbramentos e
músicas de artistas brasileiros.
96
97. Alumbramentos: mineiridade musical
Mariana Reis
Célio Balona durante apresentação na
Status Café Cultura e Arte
A turnê na Argentina foi uma grande opor-
tunidade para a divulgação do meu trabalho
de músico e compositor. Pretendo fazer o
melhor possível para divulgar nossa música
por lá. Agente procurou fazer a música de
Minas e do Brasil.
Longe dos palcos e dos flashes, a agenda do músico
continua lotada de compromissos. Focado nos pro-
jetos que pretende realizar, Balona se esforça para
manter o ritmo das criações de trilhas sonoras, os
shows com o quinteto e divulgação do seu trabalho
na internet. O estúdio HP, localizado no bairro San-
97
98. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
to Agostinho, na capital é lugar onde o músico se
reúne com o seu quinteto composto por Christiano
Caldas (piano), Fabio Gonçalves (guitarra), Ramon
Braga (bateria) e Milton Ramos (contrabaixista).
Também no estúdio da Bemol, o quinteto se reúne
pra ensaiar e gravar suas músicas. Segundo Balona,
todo dia há uma lição diferente para aprender.
Mariana Reis
Balona no Studio HP durante a primeira entrevista
No meu trabalho atual, eu estou cercado de
músicos jovens, muito talentosos! O que eu
posso passar pra eles eu passo, eles me passam
também. Eu aprendo todo santo dia. Vou mor-
rer tentando aprender mais.
98
99. Alumbramentos: mineiridade musical
A música de Balona agrada todo tipo de público. No
auge da carreira, Célio continua fazendo da música
seu horizonte. Dentre os trabalhos realizados re-
centemente, Célio compôs uma trilha sonora para
o diretor Helvécio Ratton, para o documentário em
longa-metragem “O mineiro e o queijo”, que aborda
as dificuldades enfrentadas pelos pequenos produ-
tores de queijo artesanal em Minas. Entre com-
posições e gravações ainda há espaço para outros
projetos, como o lançamento de um CD com músi-
cas de seresta, o que na opinião do músico faz parte
da cultura mineira.
Tenho convites para apresentações em Festivais
de Jazz aqui no Brasil e pretendo lançar um CD
instrumental só com músicas de seresta. Nor-
malmente esse gênero tão mineiro e brasileiro é
gravado com as músicas cantadas, no meu caso
vou gravar com piano, acordeon, contrabaixo,
bandolim e um quarteto de cordas. Totalmente
instrumental. A música mineira é única, não
têm genéricos! “Os meus planos para o futuro
são de tocar... tocar... compor... compor.”
O vivaz artista que se “casou” com a música, vive
o presente com a certeza de vai fazer música hoje,
amanhã e depois. Para músico, alguns gêneros
musicais evidenciam a riqueza da música popular
99
100. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
brasileira. Mas aos olhos de Balona, o trabalho dos
artistas brasileiros é pouco valorizado.
Segundo Balona, a música brasileira está decadente,
a qualidade das canções deixa a desejar. Balona faz
uma avaliação sobre a qualidade da música “ven-
dida” atualmente, e evidência sua preocupação so-
bre os trabalhos dos artistas atuais. Para o músico
muitos produtores se preocupam em tornar os ar-
tistas ídolos, e não se preocupam em fazer música
de qualidade. Resta aos fãs refletir sobre o trabalho
de alguns artistas e avaliar criticamente o que con-
sumem. Balona salienta que o ritmo e a harmonia da
música são fundamentais para produzir um trabalho
de qualidade e a fama é conseqüência desse trabalho.
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101. Alumbramentos: mineiridade musical
Eu procuro evidenciar o ritmo e a harmonia.
Porque a música brasileira é riquíssima, se você
pegar de Manaus ao Chuí, nós vamos ter muitos
ritmos diferentes, quantas manifestações cult-
urais diferentes, quantas possibilidades diferen-
tes, que revelam um pouco de cada estado. No
meu disco tem samba, tem maracatu, tem fre-
vo, tem catopés. Então eu procuro sempre dar
um colorido mesmo, sabe, da coisa brasileira e
isso me dá muito prazer, me dá muita satisfa-
ção. Acho que estou no caminho certo porque
eu já tive várias manifestações de pessoas que
gostaram do trabalho, que sentiram esse lado
brasileiro da coisa, porque eu acho que não tem
necessidade de importar coisas de fora se você
tem o melhor aqui.
A musicalidade criada em Minas Gerais é muito
rica, as composições carregam consigo sentimen-
to, narram memórias que fazem menção aos vales,
rios e suas montanhas. Balona entre outros músi-
cos foram os precursores da música em Belo Hor-
izonte, juntos os amigos da esquina provocaram
uma revolução musical, freqüentadores de bares,
restaurantes, se tornaram referência na ainda jo-
vem capital mineira. Que desde então, vem tra-
zendo inovações no cenário musical.
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102. IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona
Queríamos fazer música, tocar nossas canções.
Tudo foi acontecendo naturalmente, durante
as gravações mesmo”, conta. Para ele, o disco
consegue ter unidade mesmo com as diferen-
tes sonoridades propostas por ele e por Milton.
“Agradeço por eles terem entendido o que eu
queria dizer, meu novo jeito de compor e tocar
que tinha uma clara inspiração nos Beatles. Eu
fui um dos primeiros a compor baladas aqui
no Brasil, afirma Lô.(site:Revista Época)
A mineiridade presente na música mineira ficaria
evidenciada em músicos que atingiriam o auge
das carreiras depois, como Wagner Tiso, ex-in-
tegrante do conjunto de Balona, na voz marcante
de Milton Nascimento, no jazz de Toninho Horta,
o pop rock de Beto Guedes e Lô Borges e com a
música instrumental de Célio Balona.
Refletindo sobre o sentimento e a cultura dos
mineiros, o poeta Affonso Ávila diz que ‘somos
um povo festivo, extremamente criativo, temos
uma visão sensual da vida, mas ao mesmo tem-
po somos recolhidos e conservadores do ponto
de vista social e ideológico. É essa dualidade
barroca, a meu ver, que caracteriza a chamada
mineiridade. (ESTADO DE MINAS, caderno
PENSAR, de 10 de março de 2007).
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