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Entrevista realizada por Flávio Ulhôa com o bando Vira Saia para a concepção de sua
monografia de final de curso na UFOP (MG), em que discute sobre a realidade das bandas
independentes mineiras.
Salvador (BA) / Ouro Preto (MG)
2013.
Música. Pesquisa. Indústria fonográfica. Música e Internet. Produção. Criação.
Flávio: Pude perceber que há um trabalho de pesquisa musical por parte do grupo, que busca
resgatar o que há de mais rico na cultura regional de Minas Gerais. Como é feita essa pesquisa?
qual a relação do grupo com as festas regionais do interior de Minas? Quais dessas festas vocês
destacariam? qual a relação do grupo com o folclore mineiro?
Mo: Olha só: a pesquisa que fazemos em relação à música popular brasileira não se limita
apenas à música mineira, ela é muito mais abrangente. Nossa pesquisa atualmente está focada
nas manifestações musicais, folclóricas e culturais afro-ameríndias brasileira. Estamos fazendo
uma investigação que vai além das fronteiras de Minas, buscamos analisar as origens (que vêm
desde a África, Europa, chegam ao Brasil pelas cidades portuárias e se encontram com as
tradições indígenas), as transformações advindas dessa mistura, seu desenvolvimento com o
passar do tempo e suas possibilidades de mistura e evolução (isso já entra na parte de criação
ou re-criação, quando nos apropriamos dessas manifestações musicais e elas se fusionam com
nossas composições.)
Quanto à música mineira e todo seu universo, com certeza, é algo que lidamos com muito
respeito. Tuca, por exemplo, desenvolveu um trabalho muito bacana de resgates de calangos
na região interiorana chamada “Palmital”, de onde vem sua família. É uma região quase
“selvagem” ainda, com costumes antigos, preservados, festas populares, sobretudo religiosas,
onde, com certeza a questão da “oralidade” é super importante para a perpetuação da tradição
musical/cultural. O que ele fez foi registrar o canto de pessoas da região com um pequeno
gravador.
Também trabalhou em um projeto bacana com Ian Guest, um projeto que começou quando
foram encontradas partituras antigas em um casarão em Monsenhor Horta, em 2006. Partituras
de criações musicais assinadas por músicos do vilarejo. As partituras foram encontradas no
meio de escombros antigos e lixo. Então um grupo de estudantes de histórias do ICHS foi até o
local, higienizou as partituras, levou-as para Mariana. Ian teve acesso a esses documentos e os
transcreveu, criando harmonias modernas para as músicas. Então, com Tuca e outros músicos
fez uma série de apresentações de algumas das músicas encontradas.
Em 2009 fiz com uma amiga italiana um documentário que trata justamente dessa questão da
música de Ouro Preto e Mariana (comé que eu faço pra aprender a música da sua terra) e
coletamos tanto material que não demos conta de usar tudo o que registramos.......
Tuca: Tocamos congado, folia, canções de roda e ciranda na grande maioria coletadas nas
andanças pelos distritos, subdistritos e rocas pelas redondezas do caminho do ouro. Bacalhau,
Vargem, Palmital, Engenho D’água, Ribeirão do Carmo, Lavras Nova, onde participamos das
festas, e em alguns casos sendo festas dentro da comunidade das nossas famílias, ajudando na
condução da festa por tradição familiar mesmo. Existe a festa de 3 de maio no Palmital, distrito
de Mariana onde o ha o esquema de festeiros onde participo com minha família que e a festa
do cruzeiro e da bandeira do santo divino que já existe há mais de cem anos.
Flávio: Há uma grande influência Afro na música de vocês. Vocês vivem de fato essa cultura, no
sentido de participar de cultos, organizações ou alguma religião dessa cultura?
Déi: A cultura afro é de modo geral tradicionalmente oral e viva, então vejo que é de perto que
artistas e músicos se abastecem, n vejo como entrar no mar sem se molhar, como se
influenciar sem vivenciar.
Tuca: Sim, cada um da sua maneira... mas reconhecemos que dentre as variadas raízes que
compõe o que e a música brasileira passada e atual a África foi a grande mãe, cedendo seu
peito cheio de raízes e forca representada principalmente pelos tambores e culinária que
trouxeram os africanos. No vira saia tentamos mostrar o que todos sabem que existe mas
dificilmente se conhece que e a identidade do brasileiro que vem dos povos nativos (do índio) e
do africano. Reforçar essa cultura indenitária e regrar com boa música e demais artes
envolvidas....
Mo: Pra mim essa pergunta é um pouco descolocada.................... viver a dita “cultura afro”
não implica em, obrigatoriamente, participar de religiões, cultos, organizações, na minha
opinião.
Todos nós, brasileiros, mesmo que inconscientemente, vivemos dentro de um Brasil com
imensas influências afro..... e afro, de africana, de vários países da África (já que os escravos
que vieram para o Brasil, vieram de diferentes partes da África....). Mesmo sem saber, falamos
um português africanizado (mais de 8.000 vocábulos que usamos no Brasil têm raízes
africanas), nossa comida é totalmente influenciada pela culinária afro, nossa música, então,
nem se fala, nosso jeito de dançar, nosso jeito de falar, até nosso jeito de andar...
Então isso é uma coisa, até mesmo o mais branco brasileiro vive a cultura afro... não tem como
escapar......
No caso do vira saia, posso dizer que, além de vivermos essa cultura naturalmente (por sermos
brasileiros), nós temos consciência disso e sim, vamos a batucadas, terreiros de candomblé
(sendo que, quanto a acreditar ou não na religião, cada indivíduo do grupo tem suas próprias
crenças e deve responder por si....), vamos aos congados, aos candombes, buscamos esses
resquícios tão presentes de africanidade no Brasil conscientemente. Aqui em salvador essa
História já está bem mais digerida pela sociedade. Os negros têm bastante consciência de seu
valor, buscam reencontrar-se e reconectar-se com sua ancestralidade, com sua origem, origem
de seu povo, saber de sua história, entender sua história... claro que não se pode generalizar,
muita gente ainda vive com preconceitos e feridas mal cicatrizadas. Em Ouro Preto e Mariana
estamos carecas de saber da importância que o negro teve e tem na construção social. Mas os
negros vivem acuados.... as negras alisam seus cabelos, os terreiros de umbanda e candomblé
ainda são vistos como “coisa do capeta”, sendo que a senhora que vai à Igreja, quando tem
algum problema assim vai correndo na benzedeira. Mas a pressão que a Igreja Católica exerceu
sobre a sociedade mineira foi muito pesada. Pra mim, foi massacrante! Na nossa região, os
índios, coitados, foram completamente disseminados. E os negros (entre os que não morreram
dentro das minas e os que fugiram para os quilombos) foram calados e se acostumaram a ficar
calados! Aí entra, por exemplo, a importância que uma figura como chico rei teve na nossa
história pra sacudir o negro, pra que os congados não se calem. Esse se tornou um ícone, né?
Aí vem o sincretismo, que transforma Yemanjá em Nossa Senhora para que os negros possam
rezar em paz e sem medo para seus orixás. Mas é melhor não começar a falar muito de
questões religiosas........
Flávio: Ao eleger as músicas do repertório da banda há algum critério especial quanto a melodia
ou a letra? Quais principais temas que tratam as letras elegidas e compostas pelo Vira Saia?
Déi: Assim, eu sou da Cidade Baixa em Salvador um local com manifestações muito marcadas
como a Segunda Gorda da Ribeira e a Lavagem do Bonfim essas coisas povoam minha cabeça
desde sempre e há grande musicalidade nessas festas não apenas sonora mas no jeito das
pessoas, no sincretismo todo, os capoeiras, as baianas, as carroças enfeitadas de fitinha, o
cozido (que é um prato com legumes e carne)... então as letras quanto as melodias trazem de
certa forma esse universo que já é musical só falta mesmo pormos no tom.
Tuca: Transitamos entre a música tonal e modal. Músicas de transe e de gozo mesmo...de
saber pra onde requebrar a cintura e o momento de arrepiar os cabelos. Gostamos dessa coisa
de mexer com o corpo, a mente e aquela sensação quando parece que você sai do chão sem
sair do lugar. A música levando pra lugares desconhecidos dentro da pessoas e que faz pensar.
Mo: Nossa! A questão do repertório sempre dá pano pra manga!!!! KKKKkkkk Temos em nosso
repertório mais de 400 músicas! Acho que até hoje nunca fizemos duas apresentações com o
mesmo repertório!
Pra escolha das músicas sempre pensamos no lugar e na proposta da apresentação, antes de
tudo... A partir daí, pensamos nas músicas que têm mais a ver e fazemos blocos de ritmos e de
estilos. Agora estamos trabalhando bastante com esses blocos rítmicos... Então vamos fazendo
a conexão entre as músicas, às vezes criando um enredo entre as letras, fazendo uma trilha
musical... A temática “afro” é sempre constante, mas não nos prendemos nem limitamos nosso
trabalho a esse tema. A questão religiosa vem sempre, também, mas sempre causa conversa
depois, já que as músicas chamadas “pontos” não devem ser tocadas em qualquer lugar...
Hoje estamos também dando prioridade às nossas músicas autorais, por mais que não sejam
conhecidas... Estamos cada vez mais incorporando nossas criações às apresentações e o
resultado vem sendo positivo... a gente consegue perceber o que nossas canções geram no
público.
Flávio: Vocês agora estão produzindo na Bahia. Por que esse deslocamento?
Tuca: Já estamos nos aprofundando na cultura ameríndia há um tempo. Ficar e vivenciar isso
na Bahia já fazia parte dos planos. Eu estou tentando mestrado em antropologia cultural em
Salvador e Mo se aprofundando em dança afro e jogamos capoeira, frequentamos as rodas de
samba e diversos eventos. Já no Vira tocamos jongo, cateretê, samba de roda, samba xula,
cacuriá, catira e vários outros ritmos não tano conhecidos para o dito grande público, as vezes
chamados de massa. Esperamos estar trazendo novos temperos pra esse imenso bolo chamado
música popular.
Mo: A primeira razão dessa mudança foi justamente dar suporte à nossa pesquisa referente às
manifestações musicais e artísticas afro-ameríndias brasileiras. A Bahia é de uma profunda
riqueza dessas manifestações, que até os dias de hoje se mantêm ativas. É um berço de
tesouros culturais, a Bahia. Aqui as manifestações se mantiveram ainda em nível folclórico. O
samba, por exemplo, dizem que nasceu aqui, no interior de Cachoeira e Santo Amaro, nas
plantações de cana-de-açúcar. O Samba de roda. Depois é que os baianos o levaram para o Rio
de Janeiro, onde tomou caráter mais espetaculoso e cosmopolita. Mas a raíz de tudo está aqui.
Em muitos sentidos parece que a Bahia está parada no tempo, no bom sentido da coisa. Os
baianos também são excepcionais compositores, escritores, dançarinos. São mestres. Em
Salvador temos a oportunidade de desfrutar de muita arte, de oficinas, de muita cultura, e, se
procurarmos bem, gratuitamente! Então essa estância aqui está rendendo ótimos frutos ao Vira
Saia e a cada um de nós, individualmente. As parcerias com os compositores, por exemplo,
gerou um novo disco, com poesia riquíssimo e muito swing. Agora o processo está em
andamento e estamos tentando viabilizar a gravação dessas músicas com qualidade
profissional, com músicos de qualidade. Acho que estamos nesse ponto: ou vai ou racha! Um
período de ideias, projetos, buscas.
Saímos de Minas porque não dava mais para ficar só ali, onde estávamos. Precisávamos
expandir nossos horizontes pessoais e profissionais. Claro que não foi fácil vir pra cá, começar
uma vida do zero, nosso grupo não era conhecido por ninguém e pouco a pouco estamos
desenvolvendo um trabalho, priorizando cada vez mais por sua qualidade, abrindo mão de tocar
em qualquer lugar, como foi no ano passado. Esse ano estamos mais cautelosos, mas
interiorizados, já que almejamos por coisas maiores...
Flávio: Qual a diferença no cenário da música independente e alternativa da Bahia e de Minas?
Tuca: Posso só te antecipar pelo pouco tempo e que em salvador a poesia está mais viva em
todos os cantos e lugares. Dentro do ônibus, balsas, pelas ruas e sua cidade em geral. Isso e
claro ajuda pra encontrar ótimos letristas. Já em Minas pela tardia escola barroca a riqueza
melódica é fenomenal. Não é à toa que existem músicas com melodias lindas como as
composições do Milton Nascimento, Beto Guedes, Toninho Horta em contraponto com a
sofisticação rítmica de um Gabi Guedes (Orquestra Rumpilezz), Carlinhos Brown, etc. E o ritmo
x melodia!
Mo: Antes de mais nada, existe uma diferença primordial da nossa realidade baiana e mineira
que é: aqui vivemos na capital do estado, e em Minas estamos no interior, apesar de que Ouro
Preto e Mariana fazem parte do grande eixo artístico e cultural de Minas.
São cenários por si só bastante diferentes, cada um com suas particularidades, claro, benefícios
e malefícios, no que diz respeito ao crescimento do grupo.
Salvador é uma grande cidade nordestina. Diferenças gritantes entre ricos e pobres, muito lixo
por todas as partes, miséria urbana, etc. Um porto, por onde, historicamente, já circularam
muitas pessoas de todas as partes do mundo. A circulação de cultura por aqui é enorme, a
quantidade de programação cultural gratuita, é impressionante... Ano passado vivíamos no
Pelourinho, e pudemos vivenciar de perto esse frenesí artístico que rola por lá: atrações
incríveis por R$5,00, R$1,00 ou gratuitas... vários editais de cultura, várias possibilidades. Tudo
isso vimos e vivenciamos também o outro lado: o lado do músico que não é conhecido, o lado
do músico que ganha R$5,00 pra tocar a noite inteira... (quando a coisa é gratuita, o público
adora, mas na hora de pagar, ui!) Então percebemos que se não começássemos a nos articular
burocraticamente falando, ou seja, correr atrás de editais do governo, da prefeitura, de festivais
etc., seria difícil crescer apenas tocando em barzinhos...
Participamos de várias iniciativas artísticas, pois morávamos no miolo da cultura da Bahia:
rodeados de artistas antigos, puta talentosos, mas todos pobres aos 70 anos... e foi
maravilhoso conhecer o universo dessas pessoas, ter contato com elas, participar de seus
eventos, mas não podíamos parar por ali... Então esse ano nos mudamos pro outro lado da
cidade, atualmente moramos em uma antiga comunidade de pescadores que está ao lado do
Rio Vermelho, que é um dos centros culturais promissores da cidade. Ou seja: ainda vivemos
em um gueto, mas rodeado de “riqueza” material – pessoas com mais alcance financeiro.
Então, ao que tudo indica, vamos correr atrás para que o trabalho possa evoluir em vários
sentidos. E, claro, ainda estamos super conectados com os artistas do Pelourinho, com certeza
os mais autênticos daqui, mas que, infelizmente, não se unem. Grandes artistas, cada um
encarcerado em sua própria bolha.... Então esse ano creio que vamos experienciar uma outra
Salvador... e o Vira Saia vai se mover de maneira diferente, também.... é como se o grupo já
estivesse tomando vida própria! Sinto que ainda está por vir essa explosão aqui em Salvador...
que o terreno ainda é desconhecido...
Ao mesmo tempo, em Mariana e Ouro Preto, a cena independente está cada vez mais
organizada. O trabalho desenvolvido por Coletivos está fazendo toda a diferença para a
evolução da realidade artística local. E acho que isso, ao vir pra cá, não me sinto presa a
Salvador, ao contrário, estamos cada vez mais conectados a Minas, mas ao mesmo tempo, ao
mundo todo... São essas redes artísticas que perpassam as fronteiras físicas, são essas redes
que vão salvar os músicos, os artistas de nossa época, elas servem pra promover essa conexão
entre artistas independentes, ou seja, interdependentes, porque acredito que, o artista
totalmente “independente” está fadado ao fracasso, porque é justamente essa
interdependência na independência que vai gerar a conexão, que por sua vez vai gerar a
evolução desses artistas...
Enfim, eu já sabia disso, mas apenas atualmente estou me dando conta do que é o Vira Saia
verdadeiramente, e o Vira Saia é muito mais do que apenas um grupo musical: é um coletivo
de artes e artistas, mas sem dizê-lo ou admiti-lo. A maioria do público conhece apenas nosso
trabalho musical, mas temos trabalhos independentes significativos na área da música, da
literatura, do vídeo, da arte-educação. E acho que isso é importante: manter esses trabalhos,
não importando onde estamos, continuar gerando essas conexões entre os artistas e as
comunidades ao nosso redor, para que
Flávio: Qual o grande desafio de ir contra tudo o que impõe as grandes gravadoras
musicalmente falando?
Tuca: Hoje o mercado fonográfico está mais acessível a qualquer musico muito mais que
qualquer outro período na história. Funciona como a descoberta da formula da soda...todos
sabem mas só os melhores e mais bem preparados e que sobressaem e viram uma Coca Cola
ou um droga pesada...
Mo: Acho que o principal é: não sei mais qual o papel das gravadoras tradicionais no contexto
do mercado fonográfico mundial, na atualidade. E creio que nem elas próprias sabem mais de
seu próprio papel.
Mas aí eu te faço uma pergunta: quais são as imposições das grandes gravadoras???
Flávio: A internet tem papel determinante, hoje, na divulgação do grupo? ela é o principal meio
de divulgação?
Tuca: Sim ela e o meio mais próximo de modelo democrático de divulgação de informação ou
qualquer tipo de propaganda para alcançar multidões pelo menos de internautas. Salve a santa
net.
Mo: Com certeza a internet tem um papel fundamental na divulgação de nosso trabalho, e
acho que é uma realidade global, a realidade de muitas bandas.
Inclusive tenho a consciência de que ainda não usamos nem 10% dessa ferramenta e todas as
suas possibilidades... Tenho amigos na Europa, por exemplo, que já financiaram discos
independentes através da ajuda de programas que existem por lá, que te contactam a
“mecenas” virtuais, que dão dinheiro para bancar seu projeto...
Inclusive o papel da internet para a cena musical mundial vem transformando o papel das
grandes gravadoras e sua relação com artistas e público no geral. O fenômeno download, mp3,
tudo isso ainda é tão “novo” de certa maneira, ainda não se sabe no que isso vai dar... Outro
dia mesmo eu li que a Trama Virtual (“maior plataforma de música independente virtual no
Brasil”) fechou. Fechou. E o Bôscoli, empresário, músico, um dos donos do espaço alegou que o
fim do site é “consequência da mudança do cenário musical na internet”. Ou seja: o espaço
existia há dez anos, e foi esse o tempo das grandes e rápidas transformações da internet na
vida do cenário musical. Furacões, tendências, a pós-modernidade fazendo tudo voar pelos
ares. Virtuais.
Tem gente que fala que quem faz música eletrônica não é músico, é designer de som; com os
programas de computador que existem hoje, qualquer pessoa pode “construir” sua música,
brincando... e depois, pode sim, postar na internet, qualquer um pode ter um perfil no
Myspace, no Soundcloud, nisso ou naquilo... Qual o valor do produto “CD”, do produto “livro”
hoje em dia? Todos esses objetos estão sofrendo uma ressignificação... o mundo virtual está
devorando a realidade, de certa maneira... E um produto físico como um “CD” passa a ter um
valor mais simbólico do que prático. Por exemplo: quando vendemos um “CD” do Vira Saia, as
pessoas pagam R$10,00 por um cd copiado em casa, com uma capa xerocada, com um estojo
de plástico.... sendo que ali na esquina ela pode comprar um cd pirata do Roberto Carlos (que é
um artista de renome nacional) por R$5,00. Ou seja: quando compra um cd do Vira Saia, o
comprador não está pagando pelo valor físico do produto CD, ele está pagando por um objeto
com uma áurea artística, como um pão artesanal... está pagando por todo o processo pelo qual
passou aquele objeto: sua gravação independente, sua concepção independente e seu
potencial e singularidade...
Flavio: Vocês creem que é possível e esperam um dia fazer sucesso nacional?
Déi:: “A felicidade é minha voz microfonada
No alto-falante dos vendedores da lapa
Um, dois, três testando o som que eu vou gravar
Felicidade para a rádio que tocar”
Eu faço músicas para fazer sucesso nacional. Quiçá mundial, a net ta ai.

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Entrevista feita com o bando Vira Saia. Por Flávio Ulhôa

  • 1. Entrevista realizada por Flávio Ulhôa com o bando Vira Saia para a concepção de sua monografia de final de curso na UFOP (MG), em que discute sobre a realidade das bandas independentes mineiras. Salvador (BA) / Ouro Preto (MG) 2013. Música. Pesquisa. Indústria fonográfica. Música e Internet. Produção. Criação. Flávio: Pude perceber que há um trabalho de pesquisa musical por parte do grupo, que busca resgatar o que há de mais rico na cultura regional de Minas Gerais. Como é feita essa pesquisa? qual a relação do grupo com as festas regionais do interior de Minas? Quais dessas festas vocês destacariam? qual a relação do grupo com o folclore mineiro? Mo: Olha só: a pesquisa que fazemos em relação à música popular brasileira não se limita apenas à música mineira, ela é muito mais abrangente. Nossa pesquisa atualmente está focada nas manifestações musicais, folclóricas e culturais afro-ameríndias brasileira. Estamos fazendo uma investigação que vai além das fronteiras de Minas, buscamos analisar as origens (que vêm desde a África, Europa, chegam ao Brasil pelas cidades portuárias e se encontram com as tradições indígenas), as transformações advindas dessa mistura, seu desenvolvimento com o passar do tempo e suas possibilidades de mistura e evolução (isso já entra na parte de criação ou re-criação, quando nos apropriamos dessas manifestações musicais e elas se fusionam com nossas composições.) Quanto à música mineira e todo seu universo, com certeza, é algo que lidamos com muito respeito. Tuca, por exemplo, desenvolveu um trabalho muito bacana de resgates de calangos na região interiorana chamada “Palmital”, de onde vem sua família. É uma região quase “selvagem” ainda, com costumes antigos, preservados, festas populares, sobretudo religiosas, onde, com certeza a questão da “oralidade” é super importante para a perpetuação da tradição
  • 2. musical/cultural. O que ele fez foi registrar o canto de pessoas da região com um pequeno gravador. Também trabalhou em um projeto bacana com Ian Guest, um projeto que começou quando foram encontradas partituras antigas em um casarão em Monsenhor Horta, em 2006. Partituras de criações musicais assinadas por músicos do vilarejo. As partituras foram encontradas no meio de escombros antigos e lixo. Então um grupo de estudantes de histórias do ICHS foi até o local, higienizou as partituras, levou-as para Mariana. Ian teve acesso a esses documentos e os transcreveu, criando harmonias modernas para as músicas. Então, com Tuca e outros músicos fez uma série de apresentações de algumas das músicas encontradas. Em 2009 fiz com uma amiga italiana um documentário que trata justamente dessa questão da música de Ouro Preto e Mariana (comé que eu faço pra aprender a música da sua terra) e coletamos tanto material que não demos conta de usar tudo o que registramos....... Tuca: Tocamos congado, folia, canções de roda e ciranda na grande maioria coletadas nas andanças pelos distritos, subdistritos e rocas pelas redondezas do caminho do ouro. Bacalhau, Vargem, Palmital, Engenho D’água, Ribeirão do Carmo, Lavras Nova, onde participamos das festas, e em alguns casos sendo festas dentro da comunidade das nossas famílias, ajudando na condução da festa por tradição familiar mesmo. Existe a festa de 3 de maio no Palmital, distrito de Mariana onde o ha o esquema de festeiros onde participo com minha família que e a festa do cruzeiro e da bandeira do santo divino que já existe há mais de cem anos. Flávio: Há uma grande influência Afro na música de vocês. Vocês vivem de fato essa cultura, no sentido de participar de cultos, organizações ou alguma religião dessa cultura? Déi: A cultura afro é de modo geral tradicionalmente oral e viva, então vejo que é de perto que artistas e músicos se abastecem, n vejo como entrar no mar sem se molhar, como se influenciar sem vivenciar. Tuca: Sim, cada um da sua maneira... mas reconhecemos que dentre as variadas raízes que compõe o que e a música brasileira passada e atual a África foi a grande mãe, cedendo seu peito cheio de raízes e forca representada principalmente pelos tambores e culinária que trouxeram os africanos. No vira saia tentamos mostrar o que todos sabem que existe mas dificilmente se conhece que e a identidade do brasileiro que vem dos povos nativos (do índio) e do africano. Reforçar essa cultura indenitária e regrar com boa música e demais artes envolvidas.... Mo: Pra mim essa pergunta é um pouco descolocada.................... viver a dita “cultura afro” não implica em, obrigatoriamente, participar de religiões, cultos, organizações, na minha opinião. Todos nós, brasileiros, mesmo que inconscientemente, vivemos dentro de um Brasil com imensas influências afro..... e afro, de africana, de vários países da África (já que os escravos que vieram para o Brasil, vieram de diferentes partes da África....). Mesmo sem saber, falamos um português africanizado (mais de 8.000 vocábulos que usamos no Brasil têm raízes africanas), nossa comida é totalmente influenciada pela culinária afro, nossa música, então, nem se fala, nosso jeito de dançar, nosso jeito de falar, até nosso jeito de andar... Então isso é uma coisa, até mesmo o mais branco brasileiro vive a cultura afro... não tem como escapar...... No caso do vira saia, posso dizer que, além de vivermos essa cultura naturalmente (por sermos brasileiros), nós temos consciência disso e sim, vamos a batucadas, terreiros de candomblé (sendo que, quanto a acreditar ou não na religião, cada indivíduo do grupo tem suas próprias
  • 3. crenças e deve responder por si....), vamos aos congados, aos candombes, buscamos esses resquícios tão presentes de africanidade no Brasil conscientemente. Aqui em salvador essa História já está bem mais digerida pela sociedade. Os negros têm bastante consciência de seu valor, buscam reencontrar-se e reconectar-se com sua ancestralidade, com sua origem, origem de seu povo, saber de sua história, entender sua história... claro que não se pode generalizar, muita gente ainda vive com preconceitos e feridas mal cicatrizadas. Em Ouro Preto e Mariana estamos carecas de saber da importância que o negro teve e tem na construção social. Mas os negros vivem acuados.... as negras alisam seus cabelos, os terreiros de umbanda e candomblé ainda são vistos como “coisa do capeta”, sendo que a senhora que vai à Igreja, quando tem algum problema assim vai correndo na benzedeira. Mas a pressão que a Igreja Católica exerceu sobre a sociedade mineira foi muito pesada. Pra mim, foi massacrante! Na nossa região, os índios, coitados, foram completamente disseminados. E os negros (entre os que não morreram dentro das minas e os que fugiram para os quilombos) foram calados e se acostumaram a ficar calados! Aí entra, por exemplo, a importância que uma figura como chico rei teve na nossa história pra sacudir o negro, pra que os congados não se calem. Esse se tornou um ícone, né? Aí vem o sincretismo, que transforma Yemanjá em Nossa Senhora para que os negros possam rezar em paz e sem medo para seus orixás. Mas é melhor não começar a falar muito de questões religiosas........ Flávio: Ao eleger as músicas do repertório da banda há algum critério especial quanto a melodia ou a letra? Quais principais temas que tratam as letras elegidas e compostas pelo Vira Saia? Déi: Assim, eu sou da Cidade Baixa em Salvador um local com manifestações muito marcadas como a Segunda Gorda da Ribeira e a Lavagem do Bonfim essas coisas povoam minha cabeça desde sempre e há grande musicalidade nessas festas não apenas sonora mas no jeito das pessoas, no sincretismo todo, os capoeiras, as baianas, as carroças enfeitadas de fitinha, o cozido (que é um prato com legumes e carne)... então as letras quanto as melodias trazem de certa forma esse universo que já é musical só falta mesmo pormos no tom. Tuca: Transitamos entre a música tonal e modal. Músicas de transe e de gozo mesmo...de saber pra onde requebrar a cintura e o momento de arrepiar os cabelos. Gostamos dessa coisa de mexer com o corpo, a mente e aquela sensação quando parece que você sai do chão sem sair do lugar. A música levando pra lugares desconhecidos dentro da pessoas e que faz pensar. Mo: Nossa! A questão do repertório sempre dá pano pra manga!!!! KKKKkkkk Temos em nosso repertório mais de 400 músicas! Acho que até hoje nunca fizemos duas apresentações com o mesmo repertório! Pra escolha das músicas sempre pensamos no lugar e na proposta da apresentação, antes de tudo... A partir daí, pensamos nas músicas que têm mais a ver e fazemos blocos de ritmos e de estilos. Agora estamos trabalhando bastante com esses blocos rítmicos... Então vamos fazendo a conexão entre as músicas, às vezes criando um enredo entre as letras, fazendo uma trilha musical... A temática “afro” é sempre constante, mas não nos prendemos nem limitamos nosso trabalho a esse tema. A questão religiosa vem sempre, também, mas sempre causa conversa depois, já que as músicas chamadas “pontos” não devem ser tocadas em qualquer lugar... Hoje estamos também dando prioridade às nossas músicas autorais, por mais que não sejam conhecidas... Estamos cada vez mais incorporando nossas criações às apresentações e o resultado vem sendo positivo... a gente consegue perceber o que nossas canções geram no público. Flávio: Vocês agora estão produzindo na Bahia. Por que esse deslocamento? Tuca: Já estamos nos aprofundando na cultura ameríndia há um tempo. Ficar e vivenciar isso na Bahia já fazia parte dos planos. Eu estou tentando mestrado em antropologia cultural em
  • 4. Salvador e Mo se aprofundando em dança afro e jogamos capoeira, frequentamos as rodas de samba e diversos eventos. Já no Vira tocamos jongo, cateretê, samba de roda, samba xula, cacuriá, catira e vários outros ritmos não tano conhecidos para o dito grande público, as vezes chamados de massa. Esperamos estar trazendo novos temperos pra esse imenso bolo chamado música popular. Mo: A primeira razão dessa mudança foi justamente dar suporte à nossa pesquisa referente às manifestações musicais e artísticas afro-ameríndias brasileiras. A Bahia é de uma profunda riqueza dessas manifestações, que até os dias de hoje se mantêm ativas. É um berço de tesouros culturais, a Bahia. Aqui as manifestações se mantiveram ainda em nível folclórico. O samba, por exemplo, dizem que nasceu aqui, no interior de Cachoeira e Santo Amaro, nas plantações de cana-de-açúcar. O Samba de roda. Depois é que os baianos o levaram para o Rio de Janeiro, onde tomou caráter mais espetaculoso e cosmopolita. Mas a raíz de tudo está aqui. Em muitos sentidos parece que a Bahia está parada no tempo, no bom sentido da coisa. Os baianos também são excepcionais compositores, escritores, dançarinos. São mestres. Em Salvador temos a oportunidade de desfrutar de muita arte, de oficinas, de muita cultura, e, se procurarmos bem, gratuitamente! Então essa estância aqui está rendendo ótimos frutos ao Vira Saia e a cada um de nós, individualmente. As parcerias com os compositores, por exemplo, gerou um novo disco, com poesia riquíssimo e muito swing. Agora o processo está em andamento e estamos tentando viabilizar a gravação dessas músicas com qualidade profissional, com músicos de qualidade. Acho que estamos nesse ponto: ou vai ou racha! Um período de ideias, projetos, buscas. Saímos de Minas porque não dava mais para ficar só ali, onde estávamos. Precisávamos expandir nossos horizontes pessoais e profissionais. Claro que não foi fácil vir pra cá, começar uma vida do zero, nosso grupo não era conhecido por ninguém e pouco a pouco estamos desenvolvendo um trabalho, priorizando cada vez mais por sua qualidade, abrindo mão de tocar em qualquer lugar, como foi no ano passado. Esse ano estamos mais cautelosos, mas interiorizados, já que almejamos por coisas maiores... Flávio: Qual a diferença no cenário da música independente e alternativa da Bahia e de Minas? Tuca: Posso só te antecipar pelo pouco tempo e que em salvador a poesia está mais viva em todos os cantos e lugares. Dentro do ônibus, balsas, pelas ruas e sua cidade em geral. Isso e claro ajuda pra encontrar ótimos letristas. Já em Minas pela tardia escola barroca a riqueza melódica é fenomenal. Não é à toa que existem músicas com melodias lindas como as composições do Milton Nascimento, Beto Guedes, Toninho Horta em contraponto com a sofisticação rítmica de um Gabi Guedes (Orquestra Rumpilezz), Carlinhos Brown, etc. E o ritmo x melodia! Mo: Antes de mais nada, existe uma diferença primordial da nossa realidade baiana e mineira que é: aqui vivemos na capital do estado, e em Minas estamos no interior, apesar de que Ouro Preto e Mariana fazem parte do grande eixo artístico e cultural de Minas. São cenários por si só bastante diferentes, cada um com suas particularidades, claro, benefícios e malefícios, no que diz respeito ao crescimento do grupo. Salvador é uma grande cidade nordestina. Diferenças gritantes entre ricos e pobres, muito lixo por todas as partes, miséria urbana, etc. Um porto, por onde, historicamente, já circularam muitas pessoas de todas as partes do mundo. A circulação de cultura por aqui é enorme, a quantidade de programação cultural gratuita, é impressionante... Ano passado vivíamos no Pelourinho, e pudemos vivenciar de perto esse frenesí artístico que rola por lá: atrações incríveis por R$5,00, R$1,00 ou gratuitas... vários editais de cultura, várias possibilidades. Tudo isso vimos e vivenciamos também o outro lado: o lado do músico que não é conhecido, o lado do músico que ganha R$5,00 pra tocar a noite inteira... (quando a coisa é gratuita, o público adora, mas na hora de pagar, ui!) Então percebemos que se não começássemos a nos articular
  • 5. burocraticamente falando, ou seja, correr atrás de editais do governo, da prefeitura, de festivais etc., seria difícil crescer apenas tocando em barzinhos... Participamos de várias iniciativas artísticas, pois morávamos no miolo da cultura da Bahia: rodeados de artistas antigos, puta talentosos, mas todos pobres aos 70 anos... e foi maravilhoso conhecer o universo dessas pessoas, ter contato com elas, participar de seus eventos, mas não podíamos parar por ali... Então esse ano nos mudamos pro outro lado da cidade, atualmente moramos em uma antiga comunidade de pescadores que está ao lado do Rio Vermelho, que é um dos centros culturais promissores da cidade. Ou seja: ainda vivemos em um gueto, mas rodeado de “riqueza” material – pessoas com mais alcance financeiro. Então, ao que tudo indica, vamos correr atrás para que o trabalho possa evoluir em vários sentidos. E, claro, ainda estamos super conectados com os artistas do Pelourinho, com certeza os mais autênticos daqui, mas que, infelizmente, não se unem. Grandes artistas, cada um encarcerado em sua própria bolha.... Então esse ano creio que vamos experienciar uma outra Salvador... e o Vira Saia vai se mover de maneira diferente, também.... é como se o grupo já estivesse tomando vida própria! Sinto que ainda está por vir essa explosão aqui em Salvador... que o terreno ainda é desconhecido... Ao mesmo tempo, em Mariana e Ouro Preto, a cena independente está cada vez mais organizada. O trabalho desenvolvido por Coletivos está fazendo toda a diferença para a evolução da realidade artística local. E acho que isso, ao vir pra cá, não me sinto presa a Salvador, ao contrário, estamos cada vez mais conectados a Minas, mas ao mesmo tempo, ao mundo todo... São essas redes artísticas que perpassam as fronteiras físicas, são essas redes que vão salvar os músicos, os artistas de nossa época, elas servem pra promover essa conexão entre artistas independentes, ou seja, interdependentes, porque acredito que, o artista totalmente “independente” está fadado ao fracasso, porque é justamente essa interdependência na independência que vai gerar a conexão, que por sua vez vai gerar a evolução desses artistas... Enfim, eu já sabia disso, mas apenas atualmente estou me dando conta do que é o Vira Saia verdadeiramente, e o Vira Saia é muito mais do que apenas um grupo musical: é um coletivo de artes e artistas, mas sem dizê-lo ou admiti-lo. A maioria do público conhece apenas nosso trabalho musical, mas temos trabalhos independentes significativos na área da música, da literatura, do vídeo, da arte-educação. E acho que isso é importante: manter esses trabalhos, não importando onde estamos, continuar gerando essas conexões entre os artistas e as comunidades ao nosso redor, para que Flávio: Qual o grande desafio de ir contra tudo o que impõe as grandes gravadoras musicalmente falando? Tuca: Hoje o mercado fonográfico está mais acessível a qualquer musico muito mais que qualquer outro período na história. Funciona como a descoberta da formula da soda...todos sabem mas só os melhores e mais bem preparados e que sobressaem e viram uma Coca Cola ou um droga pesada... Mo: Acho que o principal é: não sei mais qual o papel das gravadoras tradicionais no contexto do mercado fonográfico mundial, na atualidade. E creio que nem elas próprias sabem mais de seu próprio papel. Mas aí eu te faço uma pergunta: quais são as imposições das grandes gravadoras??? Flávio: A internet tem papel determinante, hoje, na divulgação do grupo? ela é o principal meio de divulgação?
  • 6. Tuca: Sim ela e o meio mais próximo de modelo democrático de divulgação de informação ou qualquer tipo de propaganda para alcançar multidões pelo menos de internautas. Salve a santa net. Mo: Com certeza a internet tem um papel fundamental na divulgação de nosso trabalho, e acho que é uma realidade global, a realidade de muitas bandas. Inclusive tenho a consciência de que ainda não usamos nem 10% dessa ferramenta e todas as suas possibilidades... Tenho amigos na Europa, por exemplo, que já financiaram discos independentes através da ajuda de programas que existem por lá, que te contactam a “mecenas” virtuais, que dão dinheiro para bancar seu projeto... Inclusive o papel da internet para a cena musical mundial vem transformando o papel das grandes gravadoras e sua relação com artistas e público no geral. O fenômeno download, mp3, tudo isso ainda é tão “novo” de certa maneira, ainda não se sabe no que isso vai dar... Outro dia mesmo eu li que a Trama Virtual (“maior plataforma de música independente virtual no Brasil”) fechou. Fechou. E o Bôscoli, empresário, músico, um dos donos do espaço alegou que o fim do site é “consequência da mudança do cenário musical na internet”. Ou seja: o espaço existia há dez anos, e foi esse o tempo das grandes e rápidas transformações da internet na vida do cenário musical. Furacões, tendências, a pós-modernidade fazendo tudo voar pelos ares. Virtuais. Tem gente que fala que quem faz música eletrônica não é músico, é designer de som; com os programas de computador que existem hoje, qualquer pessoa pode “construir” sua música, brincando... e depois, pode sim, postar na internet, qualquer um pode ter um perfil no Myspace, no Soundcloud, nisso ou naquilo... Qual o valor do produto “CD”, do produto “livro” hoje em dia? Todos esses objetos estão sofrendo uma ressignificação... o mundo virtual está devorando a realidade, de certa maneira... E um produto físico como um “CD” passa a ter um valor mais simbólico do que prático. Por exemplo: quando vendemos um “CD” do Vira Saia, as pessoas pagam R$10,00 por um cd copiado em casa, com uma capa xerocada, com um estojo de plástico.... sendo que ali na esquina ela pode comprar um cd pirata do Roberto Carlos (que é um artista de renome nacional) por R$5,00. Ou seja: quando compra um cd do Vira Saia, o comprador não está pagando pelo valor físico do produto CD, ele está pagando por um objeto com uma áurea artística, como um pão artesanal... está pagando por todo o processo pelo qual passou aquele objeto: sua gravação independente, sua concepção independente e seu potencial e singularidade... Flavio: Vocês creem que é possível e esperam um dia fazer sucesso nacional? Déi:: “A felicidade é minha voz microfonada No alto-falante dos vendedores da lapa Um, dois, três testando o som que eu vou gravar Felicidade para a rádio que tocar” Eu faço músicas para fazer sucesso nacional. Quiçá mundial, a net ta ai.