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a respeito, no sentido de endossar o posicionamento dos linguistas, pouco ouvidos até o momento.
          Curiosamente é de se estranhar esse procedimento, uma vez que seria de se esperar que
estes fossem os primeiros a serem consultados em virtude da sua expertise. Para além disso, ainda,
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             O fato que, inicialmente, chama a atenção foi que os críticos não tiveram sequer o cuidado
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linhas largamente citadas. Vale notar que o livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares
Nacionais) em relação à concepção de língua/linguagem, orientações que já estão em andamento há
mais de uma década. Além disso, não somente este, mas outros livros didáticos englobam a discussão
da variação linguística com o intuito de ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo
letrado. Portanto, em nenhum momento houve ou há a defesa de que a norma culta não deva ser
ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma culta para
o acesso efetivo aos bens culturais, ou seja, garantir o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão
que justifica a existência de uma disciplina que ensine língua portuguesa a falantes nativos de
português.
          A linguística se constituiu como ciência há mais de um século. Como qualquer outra ciência,
não trabalha com a dicotomia certo/errado. Independentemente da inegável repercussão política que
isso possa ter, esse é o posicionamento científico. Esse trabalho investigativo permitiu aos linguistas
elaborar outras constatações que constituem hoje material essencial para a descrição e explicação de
qualquer língua humana.
          Uma dessas constatações é o fato de que as línguas mudam no tempo, independentemente
do nível de letramento de seus falantes, do avanço econômico e tecnológico de seu povo, do poder mais
ou menos repressivo das Instituições. As línguas mudam. Isso não significa que ficam melhores ou
piores. Elas simplesmente mudam. Formas linguísticas podem perder ou ganhar prestígio, podem
desaparecer, novas formas podem ser criadas. Isso sempre foi assim. Podemos ressaltar que muitos dos
usos hoje tão cultuados pelos puristas originaram-se do modo de falar de uma forma alegadamente
inferior do Latim: exemplificando, as formas “noscum” e “voscum”, estigmatizadas por volta do século
III, por fazerem parte do chamado “latim vulgar”, originaram respectivamente as formas “conosco” e
“convosco”.
          Outra constatação que merece destaque é o fato de que as línguas variam num mesmo
tempo, ou seja, qualquer língua (qualquer uma!) apresenta variedades que são deflagradas por fatores
já bastante estudados, como as diferenças geográficas, sociais, etárias, dentre muitas outras. Por
manter um posicionamento científico, a linguística não faz juízos de valor acerca dessas variedades,
simplesmente as descreve. No entanto, os linguistas, pela sua experiência como cidadãos, sabem e
divulgam isso amplamente, já desde o final da década de sessenta do século passado, que essas
variedades podem ter maior ou menor prestígio. O prestígio das formas linguísticas está sempre
relacionado ao prestígio que têm seus falantes nos diferentes estratos sociais. Por esse motivo, sabe-se
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constatação fundamenta o posicionamento da linguística sobre o ensino da língua materna.
          Independentemente da questão didático-pedagógica, a linguística demonstra que não há
nenhum caos linguístico (há sempre regras reguladoras desses usos), que nenhuma língua já foi ou pode
ser “corrompida” ou “assassinada”, que nenhuma língua fica ameaçada quando faz empréstimos, etc.
Independentemente da variedade que usa, qualquer falante fala segundo regras gramaticais estritas (a
ampliação da noção de gramática também foi uma conquista científica). Os falantes do português
brasileiro podem fazer o plural de “o livro” de duas maneiras: uma formal: os livros; outra informal: os
livro. Mas certamente nunca se ouviu ninguém dizer “o livros”. Assim também, de modo bastante
generalizado, não se pronuncia mais o “r” final de verbos no infinitivo, mas não se deixa de pronunciar
(não de forma generalizada, pelo menos) o “r” final de substantivos. Qualquer falante, culto ou não,
pode dizer (e diz) “vou comprá” para “comprar”, mas apenas algumas variedades diriam ‘dô’ para ‘dor’.
Estas últimas são estigmatizadas socialmente, porque remetem a falantes de baixa extração social ou de
pouca escolaridade. No entanto, a variação da supressão do final do infinitivo é bastante corriqueira e
não marcada socialmente. Demonstra-se, assim, que falamos obedecendo a regras. A escola precisa
estar atenta a esse fato, porque precisa ensinar que, apesar de falarmos “vou comprá” precisamos
escrever “vou comprar”. E a linguística ao descrever esses fenômenos ajuda a entender melhor o
funcionamento das línguas o que deve repercutir no processo de ensino.
          Por outro lado, entendemos que o ensino de língua materna não tem sido bem sucedido, mas
isso não se deve às questões apontadas. Esse é um tópico que demandaria uma outra discussão muito
mais profunda, que não cabe aqui.
          Por fim, é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é
indício de ignorância ou de qualquer outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou
daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás,
pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à
variedade linguística.


                                                                    Associação Brasileira de Linguística

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  • 1. Língua e Ignorância Nas duas últimas semanas, o Brasil acompanhou uma discussão a respeito do livro didático Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático do MEC. Diante de posicionamentos virulentos externados na mídia, alguns até histéricos, a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINGUÍSTICA – ABRALIN – vê a necessidade de vir a público manifestar-se a respeito, no sentido de endossar o posicionamento dos linguistas, pouco ouvidos até o momento. Curiosamente é de se estranhar esse procedimento, uma vez que seria de se esperar que estes fossem os primeiros a serem consultados em virtude da sua expertise. Para além disso, ainda, foram muito mal interpretados e mal lidos. O fato que, inicialmente, chama a atenção foi que os críticos não tiveram sequer o cuidado de analisar o livro em questão mais atentamente. As críticas se pautaram sempre nas cinco ou seis linhas largamente citadas. Vale notar que o livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) em relação à concepção de língua/linguagem, orientações que já estão em andamento há mais de uma década. Além disso, não somente este, mas outros livros didáticos englobam a discussão da variação linguística com o intuito de ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto, em nenhum momento houve ou há a defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma culta para o acesso efetivo aos bens culturais, ou seja, garantir o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão que justifica a existência de uma disciplina que ensine língua portuguesa a falantes nativos de português. A linguística se constituiu como ciência há mais de um século. Como qualquer outra ciência, não trabalha com a dicotomia certo/errado. Independentemente da inegável repercussão política que isso possa ter, esse é o posicionamento científico. Esse trabalho investigativo permitiu aos linguistas elaborar outras constatações que constituem hoje material essencial para a descrição e explicação de qualquer língua humana. Uma dessas constatações é o fato de que as línguas mudam no tempo, independentemente do nível de letramento de seus falantes, do avanço econômico e tecnológico de seu povo, do poder mais ou menos repressivo das Instituições. As línguas mudam. Isso não significa que ficam melhores ou piores. Elas simplesmente mudam. Formas linguísticas podem perder ou ganhar prestígio, podem desaparecer, novas formas podem ser criadas. Isso sempre foi assim. Podemos ressaltar que muitos dos usos hoje tão cultuados pelos puristas originaram-se do modo de falar de uma forma alegadamente inferior do Latim: exemplificando, as formas “noscum” e “voscum”, estigmatizadas por volta do século III, por fazerem parte do chamado “latim vulgar”, originaram respectivamente as formas “conosco” e “convosco”. Outra constatação que merece destaque é o fato de que as línguas variam num mesmo tempo, ou seja, qualquer língua (qualquer uma!) apresenta variedades que são deflagradas por fatores já bastante estudados, como as diferenças geográficas, sociais, etárias, dentre muitas outras. Por manter um posicionamento científico, a linguística não faz juízos de valor acerca dessas variedades,
  • 2. simplesmente as descreve. No entanto, os linguistas, pela sua experiência como cidadãos, sabem e divulgam isso amplamente, já desde o final da década de sessenta do século passado, que essas variedades podem ter maior ou menor prestígio. O prestígio das formas linguísticas está sempre relacionado ao prestígio que têm seus falantes nos diferentes estratos sociais. Por esse motivo, sabe-se que o desconhecimento da norma de prestígio, ou norma culta, pode limitar a ascensão social. Essa constatação fundamenta o posicionamento da linguística sobre o ensino da língua materna. Independentemente da questão didático-pedagógica, a linguística demonstra que não há nenhum caos linguístico (há sempre regras reguladoras desses usos), que nenhuma língua já foi ou pode ser “corrompida” ou “assassinada”, que nenhuma língua fica ameaçada quando faz empréstimos, etc. Independentemente da variedade que usa, qualquer falante fala segundo regras gramaticais estritas (a ampliação da noção de gramática também foi uma conquista científica). Os falantes do português brasileiro podem fazer o plural de “o livro” de duas maneiras: uma formal: os livros; outra informal: os livro. Mas certamente nunca se ouviu ninguém dizer “o livros”. Assim também, de modo bastante generalizado, não se pronuncia mais o “r” final de verbos no infinitivo, mas não se deixa de pronunciar (não de forma generalizada, pelo menos) o “r” final de substantivos. Qualquer falante, culto ou não, pode dizer (e diz) “vou comprá” para “comprar”, mas apenas algumas variedades diriam ‘dô’ para ‘dor’. Estas últimas são estigmatizadas socialmente, porque remetem a falantes de baixa extração social ou de pouca escolaridade. No entanto, a variação da supressão do final do infinitivo é bastante corriqueira e não marcada socialmente. Demonstra-se, assim, que falamos obedecendo a regras. A escola precisa estar atenta a esse fato, porque precisa ensinar que, apesar de falarmos “vou comprá” precisamos escrever “vou comprar”. E a linguística ao descrever esses fenômenos ajuda a entender melhor o funcionamento das línguas o que deve repercutir no processo de ensino. Por outro lado, entendemos que o ensino de língua materna não tem sido bem sucedido, mas isso não se deve às questões apontadas. Esse é um tópico que demandaria uma outra discussão muito mais profunda, que não cabe aqui. Por fim, é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é indício de ignorância ou de qualquer outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à variedade linguística. Associação Brasileira de Linguística