Este documento discute a figura paterna através de exemplos bíblicos e da poesia de Drummond. Reflete sobre como os pais cuidam e vestem seus filhos com amor, e como as roupas representam momentos importantes e novas fases da vida.
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
O significado simbólico das vestes na relação pai-filho
1. Na casa do pai
Meu pai perdi no tempo, e ganho em sonho./Se a noite me atribui poder de fuga,/sinto logo meu pai e nele
ponho/o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.
Está morto, que importa? Inda madruga/e seu rosto, nem triste nem risonho,/é o rosto, antigo, o mesmo. E não
enxuga/suor algum, na calma de meu sonho.
Oh meu pai arquiteto e fazendeiro!/Fazcinzas de silêncio, e suas roças/de cinza estão maduras, orvalhadas.
Por um rio que corre o tempo inteiro,/e corre além do tempo, enquanto as nossas/murcham num sopro fontes
represadas.”
Este belo poema de Carlos Drummond de Andrade inspirou-me lembranças da infância e de meu pai – aliás,
por causa dele parei pra pensar também na figura de um pai e no que ela representa em nossa cultura judaico -
cristã. Vários exemplos bíblicos de amor de pai me sobrevieram: o próprio Deus no Éden, após Adão e Eva se
esconderem por descobrirem que estavam nus, matou uma ovelha e os vestiu, como que de afeto e
consideração, e é notório o fato de as vestes estarem ligadas a reencontros com a autoridade do Pai. O filho
pródigo, ao retornar maltrapilho como estava, recebeu de seu pai um ”smoking” de festa juntamente com as
celebrações dignas de um rei.
José, filho de Jacó, antes de ser traído por seus irmãos, lhe rasgarem as roupas e ser vendido como escravo ao
Egito, ganhou uma caríssima túnica de cores variadas de seu próprio pai, o que, na época, caracterizava que o
pai tinha um apreço especial por aquele filho. Íntegro, recusou a mulher de Potifar, mas usou os dons que Deus
lhe dera para interpretar sonhos – o que fazia de bom grado para todos na prisão, motivo pelo qual foi indicado
a Faraó. Quando o rei o chamou, tomou banho, se barbeou e fez o quê? Vestiu novas vestes, as quais o
levaram até o governo do Egito (e aí elas significaram o início de um novo ciclo), após decifrar o famoso sonho
de faraó: sete vacas feias e magras que engoliam sete vacas belas e gordas; sete anos de abundância que
José usou para planejar e estocar alimentos a fim atravessar sete anos de escassez, seca e fome no mundo de
então. Um exemplo de gestão para governos brasileiros, lulopetistas ou não.
David também era o favorito do Pai, mas, por ser filho ilegítimo, não estava à mesa, quando o profeta Samuel
procurou seu pai para cumprir a missão de ungir um novo rei para Israel. Estava no campo, com vestes de
pastor de ovelhas, e saiu dali para vestir armaduras de guerreiro, além de púrpura e linhos finos, próprios de um
imperador.
Mas nem só de belas e novas vestes se vive e todos sabemos como faz bem um tênis já rodado e amaciado
nos pés, mesmo quando se ganha um novo de presente, como lembrança de alguém que se ama.
Daí escuto e anoto uma velha canção do conjunto Roupa Nova, informando que “da água da fonte cansei de
beber pra não envelhecer” e que “talvez eu seja simplesmente como um sapato velho, mas ainda sirvo, se você
me quiser / Basta você me calçar, que eu aqueço o frio de seus pés”. Puro afeto: como o alegre vestir de um
filho que nasce ou, com lágrimas, resignado, o colocar do terno no pai já morto.
José Carlos Nunes Barreto