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1
Reflexo
“Uma imagem vale mais que mil palavras”
Descodifico parte desta imagem (retirada da
Internet) e associo à minha pessoa…
Não será propriamente à ponte que me identifico,
mas sim ao seu reflexo. A imagem que me
assemelha será talvez a produzida pelo reflexo da
água corrente; a forma de eu ver a mim próprio; a
maneira de imaginar a minha figura física e até
psicológica ao ponto de vista da comunidade com a qual lido no dia a dia... Por vezes
recorro a este reflexo; a este espelho natural, sempre que tenha algum acontecimento
importante e que para tal a minha figura; o meu cartão de visita, seja chamado a intervir…
Olhando para o reflexo da minha pessoa consigo avaliar o resultado de uma minha
prestação, ou até preparar-me para uma qualquer intervenção... posso ter noção; imaginar
o ponto de vista das outras pessoas em relação a mim, ou seja, ver-me do lado de lá…
Esta ponte diz-me que o reflexo é a alma da sua imagem, pois é o ciclo diário da figura
diferente que cada um tem na maneira, por vezes, de ser e de agir, é verdade! A imagem
que o reflexo da água produz não é propriamente igual à ponte, olhando para ela, o reflexo
é apenas o espelho da sua imagem. Tão igual à figura que por vezes fazemos não é a
mesma que realmente somos... infelizmente a vida obriga-nos a usarmos estas diferenças
em nós próprios; obriga-nos a usar uma imagem diferente àquela que sentimos quando
olhamos para nosso reflexo…
Falarmos com Deus é falarmos com nós próprios; fazermos um exame à nossa
consciência, é falarmos com o reflexo da nossa imagem…
- Quirino Vieira, agosto 2007
2
Poente
Com certeza um cenário adorado por todos! Humanos, animais e até plantas. Todos
reagem a este momento que enfeita o final do dia no horizonte. Os diferentes gostos de
cada um podem discutir milhares de belezas existentes no mundo, mas a beleza natural
que não tem moda, essa, não é discutida.
O fluxo luminoso projectado pelo sol no
mar; o último suspiro do dia, transmite-nos
um sinal de esperança num horizonte cada
vez mais distante e esquecido, por culpa
de ambições humanas cada vez mais
virtuais…
Este fechar de porta do dia e
acompanhado pelos rugidos de alguns
animais, descreve quão importante é a
natureza. Será uma chamada de atenção?... o amanhã virá com certeza!... Nos tempos
modernos, a luz artificial acaba por esconder em parte a sensação do bem-estar que este
cenário transmite, o que faz com que as novas gerações cada vez menos recorram à
sensação única do desaparecer do sol no horizonte e desvalorizem ou esqueçam o
tamanho da importância da natureza nas nossas vidas. Havemos um dia pagar caro por
isto…
- Quirino Vieira, 2008
3
Atouguia, fundo do vale: Calvos pequeninos – nus de pele branca
Na Calheta, antigamente, quando a era do
desenvolvimento regional e quando a
aproximação rodoviária ao centro da ilha,
Funchal, ainda era um mito, as populações
da localidade contentavam-se com modos de
vida mais sedentários. A essência da maioria
dos calhetenses ministrava-se de forma bem
mais original, regia-se o dia-a-dia por
costumes e tradições próprias de uma terra,
na época, ainda pouco exposta ao
consumismo. Os dias de hoje, controlados pelo capitalismo, por si só, ameaçam a garantia
de um futuro sustentável para as gerações vindouras, criam a pavorosa dúvida sobre a
estabilidade do futuro, criam a iminência atroz que horroriza as mentes já receosas. Tudo
que acaba por omitir a beleza natural que esta ilha nos oferece, tudo que esconde o lindo
clima que esta pérola nos proporciona…
Ilustres piscinas naturais, que estais hoje expostas ao abandono; para muitos, nunca cairás
no esquecimento. Ó formosuras espalhadas por vários pontos do caudal da ribeira, dona
de vale fundo, compostas por declives e quedas de água: fostes vós consideradas
autênticas “escolas de natação”, as testemunhas “oculares” do tronco nu de muitas
crianças; muito que, por várias gerações, fostes consultadas. Por filhos, por pais e… por
avós!...
Desde os nove anos de idade, a adesão diária ao mergulho, em época de verão, fazia-se
em massa. Rãs no imediato, nem vê-las! Estes “sapos da poça” eram de penugem, que na
tenra idade, os cabelos, apenas se contavam sobre a cabeça; calvos pequeninos – nus de
pele branca. Eram estes utentes, os menores, responsáveis por aquele barulho ao fundo
do vale, os responsáveis pelas pranchadas na água acompanhadas pelos gritos jovens e
pelo barulho da corrente. Ouvia-se cá de cima! Eram os “artistas”, autores, dos prejuízos
nos terrenos de feno abundante que circundava o leito do caudal. As fugas à pedrada,
proveniente dos seus donos impertinentes, eram encaradas, pelos pequeninos, como
porfias desportivas. As fugidas a jusante do percurso de água, de pés descalços e sobre o
irregular monte de calhaus, eram o “prato do dia” composto pela adrenalina elevada e pelo
“salve-se quem puder”, vista pelos pequenitos como “cereja sobre o bolo”, após a fadigada
tarde de fanfarras na zona. Seguiam-se os ataques aos frutos silvestres; as papaias, as
amoras, os tabaibos, as nêsperas, pouco lhes dava o bicho!... O regresso era já à noitinha,
4
a mancha molhada, no rabo, era o único que transparecia de mais um dia de piscinas
naturais dos calvos pequeninos – nus de pele branca…
A foz do vale acentuado, ladeado pela falésia que sua base, hoje, se assemelha ao Rio de
Janeiro, por estar coberta de quadrúpedes e de areia amarela que no Inverno espelha o
seu medíocre valor pouco, ou nada, condizente com o traçado original da referida enseada,
fruto de pedregulhos caídos do acentuado rochedo que ainda hoje ameaça descambar
sobre a ingenuidade humana!... Foi, naquela época e na sua versão mais original, o destino
que sucedeu as poças da ribeira dos então já grandinhos!...
- Quirino Vieira, 20-07-2010
Mãe
Comigo a pensar, para ti hoje me dei
E à consciência que tantas lembranças advém
Em letras perpétuo, pois doutro modo não sei
Prisioneiro da angústia de quem já não te tem
É verdade Mãe,
Cinco anos que já partiste, eu sei
Daí a homenagem que hoje te faço
Recorrer à saudade, a forma que achei
Para em poesia imortalizar-te um abraço
Pensar em ti torna-me forte
Na tua identidade que hoje me mantém
Serás para mim sempre o suporte
Onde quer que eu esteja MÃÃÃEEEE!
- Quirino Vieira, 02-08-2017
5
Horizonte infinito - ciclo da VIDA
Ao fundo e a perscrutar constante
Do mais que pode a visão alcançar
Remoto e infinito aos olhos distante
Risca o traço azul do céu e do mar
A outra banda de seu longo esplendor
Que da natureza o bem corresponde
Testemunha o fenómeno separador
Que se dá nele quando o Sol se esconde
Na escuridão generosa a Lua sempre vela
O horizonte fixo que mantém sua teimosia
Aguardando com quietude a coisa bela
De acordar esperto com a luz do novo dia!
O sobrevir do silêncio da madrugada
À fresca alvorada vem acrescer
O vermelho clarão da aurora sagrada
Revela o Sol estar prestes a nascer
A montanha de colorido arcado
Já com raios aos olhos encandear
Enceta o extenso dia adorado
De largas horas com Sol a brilhar!
Faça frio, vento, ou faça calor
Façam-se sinais da natureza munida
Será por linha encarar tudo com amor
Pois é este o ciclo que controla a VIDA
- Quirino Vieira, 19-07-2018
6
As “Santinhas” eram duas irmãs, a Maria e a Maria!
Foram duas Marias irmãs de sangue, idosas de postura arrebitada e atlética, solteiras que
sempre viveram juntas! Devotas da igreja católica e fiéis aos trabalhos de uma agricultura
que lhes foi garantindo o sustento. Nas suas longas vidas prevaleceu a simplicidade! Muito
organizadas eram as "santinhas" e com hábitos de bom zelo, generosas e bem-educadas!
Uma pilha de décadas na bagagem destas irmãs onde durante os tempos nelas se foi
acumulando sabedoria aos montões!... Quilómetros a fio de água de giro para rega e
milhares de sinfonias matinais entoadas pelos seus despertadores da capoeira (de minha
má memória) foram preenchendo as suas bem determinadas missões e o fazer jus das
suas partes na esfera dos vivos...
A mais nova sabia ler e escrever o quanto baste, a Maria! Já a outra não, a outra Maria, a
mais velha, completava o cérebro das duas! Numa espécie de relações públicas desta
dupla, era a mais velha que às representava! Apesar de entre elas tudo ser detalhadamente
controlado pela outra mais arrebitada, a Maria mais nova! As “santinhas” eram pessoas
sociáveis, davam-se bem com toda a gente! Tudo nelas parecia ensaiado! Peguilhavam-
se, volta e meia a envolvente ao choque de ideias fervia, sou testemunha. Algumas vezes
deste lado acenei no sentido de lhes repor a ordem! Era tudo sereno e fácil, tudo
rapidamente se recomponha! Completavam-se uma à outra e tinham consciência de tal
importância, tudo funcionou entre estas irmãs Marias como um sistema, onde unidas tudo
se fundamentava.
O ritmo sincronizado e ligeiramente acelerado entre elas perfilou o frequente que às
caracterizava! As correrias na alvorada precedente ao nascer do sol, nos seus campos
agrícolas e os homens contratados às suas responsabilidades para trabalho de enxada, o
terço rezado em voz alta ao cair das noites, iam preenchendo o velho ditado de “deitar
cedo e o cedo erguer…” de duas vidas onde o longo ciclo se pautou por escassas
mudanças de rotina!
A sombra das folhas das vinhas cheirosas e frescas de uva americana, que cobria o quintal
do lar por elas compartilhado e os três ou quatro degraus da entrada que sempre serviram
de assentos para o habitual repouso e observatório nas tardes escaldantes de verão,
preencheram um cartaz de duas manas em que a harmonia se descarrilou com a partida
da Maria mais velha!... A Maria mais nova hoje está ainda viva e em boas mãos!...
Quirino Vieira, 17-10-2018
7
Carros de Madeira
Fluíam-se, entretanto, o início/meados da década de oitenta!... Os dias de verão tórrido e
a subsequência dos escaldões que se propagavam sobre as peles expostas da juventude
ingénua, cuja moça ignorância cegava-se pela adrenalina duma geração pouco informada
acerca das cautelas que lhes asseguravam dos males que hoje todos conhecem; em
épocas de pouca informação oriunda dos computadores e do mundo virtual, estes que na
altura se avistavam apenas em filmes de ficção científica; e, nos tempos em que a
hiperatividade adolescente designava-se por maluquice, onde a birra e a baboseira nunca
conheceram o seu verdadeiro psicólogo, a construção artesanal de carrinhos de madeira
partia sempre do improviso dos jovens adolescentes, dos quais, a imatura criatividade
dispunha apenas das mais simples e tradicionais matérias primas da localidade! As tábuas;
os galhos de urze; os resíduos de pneus automóveis; bem como, os fios de arame e pouco
mais, completavam o material necessário para dar início ao fabrico dos “meios de
transporte”, que numa espécie de carros de corridas loucas nunca garantiram qualquer
segurança à integridade física dos seus pequenos “chauffeurs”! Este já extinto património
cultural partia do exemplo precioso e de um paradigma que fora herdado dos seus
ascendentes, que serviu e de que maneira, para preencher os longos dias da borga; os
outros tempos da brincadeira e da ocupação dos tempos livres! Foram costumes e
tradições de outras décadas que com a chegada da evolução tecnológica tudo obteve o
seu ponto final!...
Nunca sem antes serem carregados às costas que nem cangas animais até ao seu ponto
de partida, na Atouguia e do cimo do Lombo, da montanha, à sua base, o calhau!
Nomeadamente, “do jogo da bola” à serra d’água (onde recentemente fora construído o
Hotel Saccharum), patenteava-se um dos trajetos dos tais carros de madeira, de fabrico
artesanal, que estavam moldados para serem movidos em função da gravidade do planeta
e onde a teoria da deslocação regia-se somente pelo velho ditado: " a descer todos os
santos empurram"!
Estas corridas que por ladeira abaixo faziam-se por norma em grupos, longas e loucas, a
alta velocidade imposta sobre a calçada irregular e inclinada; o barulho e os gritos de
divertimento adolescente, bem como, o perigo exposto aos participantes e não só, por cada
metro do percurso, via-se e ouvia-se! Sem dúvida, seria esta a “fanfarra” a causadora de
um dos mais dormentes formigueiros no rabo que alguém possa ter registado em memória!
Ao regresso no final, a todo aquele fastio sobreponha-se à canga de todas as engenhocas
de madeira que por ladeira acima tinham que voltar para casa...
- Quirino Vieira, 28-12-2018
8
O Carteiro
Com o início na década de mil novecentos e setenta e numa
localidade composta por habitações que na sua maioria se
implantam sobre os Lombos que moldam a envolvente geográfica
da ilha, que do seu desenho resulta o traço da erosão dos tempos,
formado pelo percurso das ribeiras barulhentas que correm a todo
o custo até ao seu destino pretendido, o oceano; e, com a
população maioritariamente a viver da abundância dos seus
terrenos agrícolas; nas épocas em que a situação política da
Região e do País era atravessada pela insegurança do temível
ultramar, cujas consequências se espalhavam pela emigração em massa duma juventude
pouco formada e que partia para a sorte na esperança de alcançar um futuro melhor, a
correspondência pela via Internet de entre familiares, seus entes queridos, que muitas das
vezes partiram ainda crianças, era inexistente; telemóveis; computadores e coisas do
género nessa época nem se ouviam falar!
Sobre os céus escuros apenas iluminados pela Lua e naquelas manhãs que afinal eram
ainda madrugada, dava-se o inicio à rotina de um trabalho que outrora nunca se fez
acompanhar das disponibilidades tecnológicas que hoje a todos facilita a vida, vinte e dois
quilómetros eram a sina diária de entre as subidas ao pico às descidas ao calhau (medidas
calculadas periodicamente através de conta-quilómetros portáteis para fins estatísticos dos
CTT), feitas a pé pelo carteiro, que se fazia acompanhar de uma mala carregada de
correspondência!... Sol, chuva, vento?... Seguir é obrigatório!
(...) Com início ao Convento das Vinhas, no Lombo do Salão, a descida até à vila da
Calheta seria o primeiro dos desafios a pé de um dia de trabalho que já havia se iniciado
há algumas horas no sentido de preparação de toda carga destinada ao seu giro. A
acompanhar-se de uma bolsa de cabedal bem carregada e levada à mão esquerda, bem
como, de um montão de entre jornais a envelopes levados ao molho no braço direito; de
uniforme a rigor e com a corneta bem afinada, chega à hora de fazer-se ao caminho... toca
a andar!
Uma vez concluída a primeira descida, sendo o percurso rotineiro e como não há tempo a
perder, é o momento de se iniciar o percurso seguinte, a subida ao topo do primeiro Lombo,
o Lombo do Doutor! Será este o próximo objetivo! Para ficarmos com uma ideia, esta subida
a pique corresponderá aproximadamente a um terço do trajeto total do dia! Entre a estrada
municipal, às veredas habitadas e até aos campos de cultivo, de missão levada ao peito,
9
sempre acompanhado pelas caras sorridentes de quem avista finalmente o carteiro, passo
a passo, por entre entregas e recebimentos de correspondência; reformas; jornais e por
entre cumprimentos e conversas rápidas, finalmente é atingido o primeiro topo, o cimo do
Lombo! Pois o dia já vai a meio!...
A travessia por entre os Lombos era feita lá em cima! De mala na mão, pela vereda calçada
que fazia a sua ligação e conhecida por vereda do “Barreiro”; o tal “V” provocado pela
erosão da ribeira; que tem na sua base a ponte que testemunha a água debaixo de si; ora
desce; ora sobe e, uma vez deste lado e com o suor já a molhar-lhe a roupa, dava-se início
à segunda parte do giro do dia! A descida!
Do cimo do Lombo da Atouguia, por entre as veredas e os caminhos municipais; da estrada
Regional até ao último cantinho habitado, a correria repetia-se todos os dias! O João; a
Maria; a Joaquina; o vendeiro; o avô; a tia... todos esperam pelo carteiro! O objetivo
passaria por alcançar a base do Lombo, a Serra D’Água; o calhau!... Quando finalmente
alcançada a vila da Calheta estava dado como concluído o seu percurso a pé do dia, mas
não o seu trabalho! Ficaria apenas a faltar a tarefa administrativa, que na estação dos
Correios passava por organizar a correspondência que trazia consigo e já preparar parte
do próximo dia!...
Finalmente chegara a hora do regresso; o período para o seu merecido descanso! Pois era
já findo o cansativo dia!... e foram assim por mais de trinta anos de missão diária!...
Por moça singela se apaixonou
Que prá outra banda lá morava
Da sua vida tudo se transformou
Para o destino que o aguardava
Em harmonia uniram-se os laços
Do princípio da vida conjugal
Às energias juntaram-se os pedaços
Para sua missão longa e leal
Da união, o início da luta a dois
E do lar, o de se estar a preencher
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Foram quatro a vir descender
- Quirino Vieira, 25-05-2019

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Suri[1]poscrivo.pdf
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Raciocínios - Quirino Vieira

  • 1. 1 Reflexo “Uma imagem vale mais que mil palavras” Descodifico parte desta imagem (retirada da Internet) e associo à minha pessoa… Não será propriamente à ponte que me identifico, mas sim ao seu reflexo. A imagem que me assemelha será talvez a produzida pelo reflexo da água corrente; a forma de eu ver a mim próprio; a maneira de imaginar a minha figura física e até psicológica ao ponto de vista da comunidade com a qual lido no dia a dia... Por vezes recorro a este reflexo; a este espelho natural, sempre que tenha algum acontecimento importante e que para tal a minha figura; o meu cartão de visita, seja chamado a intervir… Olhando para o reflexo da minha pessoa consigo avaliar o resultado de uma minha prestação, ou até preparar-me para uma qualquer intervenção... posso ter noção; imaginar o ponto de vista das outras pessoas em relação a mim, ou seja, ver-me do lado de lá… Esta ponte diz-me que o reflexo é a alma da sua imagem, pois é o ciclo diário da figura diferente que cada um tem na maneira, por vezes, de ser e de agir, é verdade! A imagem que o reflexo da água produz não é propriamente igual à ponte, olhando para ela, o reflexo é apenas o espelho da sua imagem. Tão igual à figura que por vezes fazemos não é a mesma que realmente somos... infelizmente a vida obriga-nos a usarmos estas diferenças em nós próprios; obriga-nos a usar uma imagem diferente àquela que sentimos quando olhamos para nosso reflexo… Falarmos com Deus é falarmos com nós próprios; fazermos um exame à nossa consciência, é falarmos com o reflexo da nossa imagem… - Quirino Vieira, agosto 2007
  • 2. 2 Poente Com certeza um cenário adorado por todos! Humanos, animais e até plantas. Todos reagem a este momento que enfeita o final do dia no horizonte. Os diferentes gostos de cada um podem discutir milhares de belezas existentes no mundo, mas a beleza natural que não tem moda, essa, não é discutida. O fluxo luminoso projectado pelo sol no mar; o último suspiro do dia, transmite-nos um sinal de esperança num horizonte cada vez mais distante e esquecido, por culpa de ambições humanas cada vez mais virtuais… Este fechar de porta do dia e acompanhado pelos rugidos de alguns animais, descreve quão importante é a natureza. Será uma chamada de atenção?... o amanhã virá com certeza!... Nos tempos modernos, a luz artificial acaba por esconder em parte a sensação do bem-estar que este cenário transmite, o que faz com que as novas gerações cada vez menos recorram à sensação única do desaparecer do sol no horizonte e desvalorizem ou esqueçam o tamanho da importância da natureza nas nossas vidas. Havemos um dia pagar caro por isto… - Quirino Vieira, 2008
  • 3. 3 Atouguia, fundo do vale: Calvos pequeninos – nus de pele branca Na Calheta, antigamente, quando a era do desenvolvimento regional e quando a aproximação rodoviária ao centro da ilha, Funchal, ainda era um mito, as populações da localidade contentavam-se com modos de vida mais sedentários. A essência da maioria dos calhetenses ministrava-se de forma bem mais original, regia-se o dia-a-dia por costumes e tradições próprias de uma terra, na época, ainda pouco exposta ao consumismo. Os dias de hoje, controlados pelo capitalismo, por si só, ameaçam a garantia de um futuro sustentável para as gerações vindouras, criam a pavorosa dúvida sobre a estabilidade do futuro, criam a iminência atroz que horroriza as mentes já receosas. Tudo que acaba por omitir a beleza natural que esta ilha nos oferece, tudo que esconde o lindo clima que esta pérola nos proporciona… Ilustres piscinas naturais, que estais hoje expostas ao abandono; para muitos, nunca cairás no esquecimento. Ó formosuras espalhadas por vários pontos do caudal da ribeira, dona de vale fundo, compostas por declives e quedas de água: fostes vós consideradas autênticas “escolas de natação”, as testemunhas “oculares” do tronco nu de muitas crianças; muito que, por várias gerações, fostes consultadas. Por filhos, por pais e… por avós!... Desde os nove anos de idade, a adesão diária ao mergulho, em época de verão, fazia-se em massa. Rãs no imediato, nem vê-las! Estes “sapos da poça” eram de penugem, que na tenra idade, os cabelos, apenas se contavam sobre a cabeça; calvos pequeninos – nus de pele branca. Eram estes utentes, os menores, responsáveis por aquele barulho ao fundo do vale, os responsáveis pelas pranchadas na água acompanhadas pelos gritos jovens e pelo barulho da corrente. Ouvia-se cá de cima! Eram os “artistas”, autores, dos prejuízos nos terrenos de feno abundante que circundava o leito do caudal. As fugas à pedrada, proveniente dos seus donos impertinentes, eram encaradas, pelos pequeninos, como porfias desportivas. As fugidas a jusante do percurso de água, de pés descalços e sobre o irregular monte de calhaus, eram o “prato do dia” composto pela adrenalina elevada e pelo “salve-se quem puder”, vista pelos pequenitos como “cereja sobre o bolo”, após a fadigada tarde de fanfarras na zona. Seguiam-se os ataques aos frutos silvestres; as papaias, as amoras, os tabaibos, as nêsperas, pouco lhes dava o bicho!... O regresso era já à noitinha,
  • 4. 4 a mancha molhada, no rabo, era o único que transparecia de mais um dia de piscinas naturais dos calvos pequeninos – nus de pele branca… A foz do vale acentuado, ladeado pela falésia que sua base, hoje, se assemelha ao Rio de Janeiro, por estar coberta de quadrúpedes e de areia amarela que no Inverno espelha o seu medíocre valor pouco, ou nada, condizente com o traçado original da referida enseada, fruto de pedregulhos caídos do acentuado rochedo que ainda hoje ameaça descambar sobre a ingenuidade humana!... Foi, naquela época e na sua versão mais original, o destino que sucedeu as poças da ribeira dos então já grandinhos!... - Quirino Vieira, 20-07-2010 Mãe Comigo a pensar, para ti hoje me dei E à consciência que tantas lembranças advém Em letras perpétuo, pois doutro modo não sei Prisioneiro da angústia de quem já não te tem É verdade Mãe, Cinco anos que já partiste, eu sei Daí a homenagem que hoje te faço Recorrer à saudade, a forma que achei Para em poesia imortalizar-te um abraço Pensar em ti torna-me forte Na tua identidade que hoje me mantém Serás para mim sempre o suporte Onde quer que eu esteja MÃÃÃEEEE! - Quirino Vieira, 02-08-2017
  • 5. 5 Horizonte infinito - ciclo da VIDA Ao fundo e a perscrutar constante Do mais que pode a visão alcançar Remoto e infinito aos olhos distante Risca o traço azul do céu e do mar A outra banda de seu longo esplendor Que da natureza o bem corresponde Testemunha o fenómeno separador Que se dá nele quando o Sol se esconde Na escuridão generosa a Lua sempre vela O horizonte fixo que mantém sua teimosia Aguardando com quietude a coisa bela De acordar esperto com a luz do novo dia! O sobrevir do silêncio da madrugada À fresca alvorada vem acrescer O vermelho clarão da aurora sagrada Revela o Sol estar prestes a nascer A montanha de colorido arcado Já com raios aos olhos encandear Enceta o extenso dia adorado De largas horas com Sol a brilhar! Faça frio, vento, ou faça calor Façam-se sinais da natureza munida Será por linha encarar tudo com amor Pois é este o ciclo que controla a VIDA - Quirino Vieira, 19-07-2018
  • 6. 6 As “Santinhas” eram duas irmãs, a Maria e a Maria! Foram duas Marias irmãs de sangue, idosas de postura arrebitada e atlética, solteiras que sempre viveram juntas! Devotas da igreja católica e fiéis aos trabalhos de uma agricultura que lhes foi garantindo o sustento. Nas suas longas vidas prevaleceu a simplicidade! Muito organizadas eram as "santinhas" e com hábitos de bom zelo, generosas e bem-educadas! Uma pilha de décadas na bagagem destas irmãs onde durante os tempos nelas se foi acumulando sabedoria aos montões!... Quilómetros a fio de água de giro para rega e milhares de sinfonias matinais entoadas pelos seus despertadores da capoeira (de minha má memória) foram preenchendo as suas bem determinadas missões e o fazer jus das suas partes na esfera dos vivos... A mais nova sabia ler e escrever o quanto baste, a Maria! Já a outra não, a outra Maria, a mais velha, completava o cérebro das duas! Numa espécie de relações públicas desta dupla, era a mais velha que às representava! Apesar de entre elas tudo ser detalhadamente controlado pela outra mais arrebitada, a Maria mais nova! As “santinhas” eram pessoas sociáveis, davam-se bem com toda a gente! Tudo nelas parecia ensaiado! Peguilhavam- se, volta e meia a envolvente ao choque de ideias fervia, sou testemunha. Algumas vezes deste lado acenei no sentido de lhes repor a ordem! Era tudo sereno e fácil, tudo rapidamente se recomponha! Completavam-se uma à outra e tinham consciência de tal importância, tudo funcionou entre estas irmãs Marias como um sistema, onde unidas tudo se fundamentava. O ritmo sincronizado e ligeiramente acelerado entre elas perfilou o frequente que às caracterizava! As correrias na alvorada precedente ao nascer do sol, nos seus campos agrícolas e os homens contratados às suas responsabilidades para trabalho de enxada, o terço rezado em voz alta ao cair das noites, iam preenchendo o velho ditado de “deitar cedo e o cedo erguer…” de duas vidas onde o longo ciclo se pautou por escassas mudanças de rotina! A sombra das folhas das vinhas cheirosas e frescas de uva americana, que cobria o quintal do lar por elas compartilhado e os três ou quatro degraus da entrada que sempre serviram de assentos para o habitual repouso e observatório nas tardes escaldantes de verão, preencheram um cartaz de duas manas em que a harmonia se descarrilou com a partida da Maria mais velha!... A Maria mais nova hoje está ainda viva e em boas mãos!... Quirino Vieira, 17-10-2018
  • 7. 7 Carros de Madeira Fluíam-se, entretanto, o início/meados da década de oitenta!... Os dias de verão tórrido e a subsequência dos escaldões que se propagavam sobre as peles expostas da juventude ingénua, cuja moça ignorância cegava-se pela adrenalina duma geração pouco informada acerca das cautelas que lhes asseguravam dos males que hoje todos conhecem; em épocas de pouca informação oriunda dos computadores e do mundo virtual, estes que na altura se avistavam apenas em filmes de ficção científica; e, nos tempos em que a hiperatividade adolescente designava-se por maluquice, onde a birra e a baboseira nunca conheceram o seu verdadeiro psicólogo, a construção artesanal de carrinhos de madeira partia sempre do improviso dos jovens adolescentes, dos quais, a imatura criatividade dispunha apenas das mais simples e tradicionais matérias primas da localidade! As tábuas; os galhos de urze; os resíduos de pneus automóveis; bem como, os fios de arame e pouco mais, completavam o material necessário para dar início ao fabrico dos “meios de transporte”, que numa espécie de carros de corridas loucas nunca garantiram qualquer segurança à integridade física dos seus pequenos “chauffeurs”! Este já extinto património cultural partia do exemplo precioso e de um paradigma que fora herdado dos seus ascendentes, que serviu e de que maneira, para preencher os longos dias da borga; os outros tempos da brincadeira e da ocupação dos tempos livres! Foram costumes e tradições de outras décadas que com a chegada da evolução tecnológica tudo obteve o seu ponto final!... Nunca sem antes serem carregados às costas que nem cangas animais até ao seu ponto de partida, na Atouguia e do cimo do Lombo, da montanha, à sua base, o calhau! Nomeadamente, “do jogo da bola” à serra d’água (onde recentemente fora construído o Hotel Saccharum), patenteava-se um dos trajetos dos tais carros de madeira, de fabrico artesanal, que estavam moldados para serem movidos em função da gravidade do planeta e onde a teoria da deslocação regia-se somente pelo velho ditado: " a descer todos os santos empurram"! Estas corridas que por ladeira abaixo faziam-se por norma em grupos, longas e loucas, a alta velocidade imposta sobre a calçada irregular e inclinada; o barulho e os gritos de divertimento adolescente, bem como, o perigo exposto aos participantes e não só, por cada metro do percurso, via-se e ouvia-se! Sem dúvida, seria esta a “fanfarra” a causadora de um dos mais dormentes formigueiros no rabo que alguém possa ter registado em memória! Ao regresso no final, a todo aquele fastio sobreponha-se à canga de todas as engenhocas de madeira que por ladeira acima tinham que voltar para casa... - Quirino Vieira, 28-12-2018
  • 8. 8 O Carteiro Com o início na década de mil novecentos e setenta e numa localidade composta por habitações que na sua maioria se implantam sobre os Lombos que moldam a envolvente geográfica da ilha, que do seu desenho resulta o traço da erosão dos tempos, formado pelo percurso das ribeiras barulhentas que correm a todo o custo até ao seu destino pretendido, o oceano; e, com a população maioritariamente a viver da abundância dos seus terrenos agrícolas; nas épocas em que a situação política da Região e do País era atravessada pela insegurança do temível ultramar, cujas consequências se espalhavam pela emigração em massa duma juventude pouco formada e que partia para a sorte na esperança de alcançar um futuro melhor, a correspondência pela via Internet de entre familiares, seus entes queridos, que muitas das vezes partiram ainda crianças, era inexistente; telemóveis; computadores e coisas do género nessa época nem se ouviam falar! Sobre os céus escuros apenas iluminados pela Lua e naquelas manhãs que afinal eram ainda madrugada, dava-se o inicio à rotina de um trabalho que outrora nunca se fez acompanhar das disponibilidades tecnológicas que hoje a todos facilita a vida, vinte e dois quilómetros eram a sina diária de entre as subidas ao pico às descidas ao calhau (medidas calculadas periodicamente através de conta-quilómetros portáteis para fins estatísticos dos CTT), feitas a pé pelo carteiro, que se fazia acompanhar de uma mala carregada de correspondência!... Sol, chuva, vento?... Seguir é obrigatório! (...) Com início ao Convento das Vinhas, no Lombo do Salão, a descida até à vila da Calheta seria o primeiro dos desafios a pé de um dia de trabalho que já havia se iniciado há algumas horas no sentido de preparação de toda carga destinada ao seu giro. A acompanhar-se de uma bolsa de cabedal bem carregada e levada à mão esquerda, bem como, de um montão de entre jornais a envelopes levados ao molho no braço direito; de uniforme a rigor e com a corneta bem afinada, chega à hora de fazer-se ao caminho... toca a andar! Uma vez concluída a primeira descida, sendo o percurso rotineiro e como não há tempo a perder, é o momento de se iniciar o percurso seguinte, a subida ao topo do primeiro Lombo, o Lombo do Doutor! Será este o próximo objetivo! Para ficarmos com uma ideia, esta subida a pique corresponderá aproximadamente a um terço do trajeto total do dia! Entre a estrada municipal, às veredas habitadas e até aos campos de cultivo, de missão levada ao peito,
  • 9. 9 sempre acompanhado pelas caras sorridentes de quem avista finalmente o carteiro, passo a passo, por entre entregas e recebimentos de correspondência; reformas; jornais e por entre cumprimentos e conversas rápidas, finalmente é atingido o primeiro topo, o cimo do Lombo! Pois o dia já vai a meio!... A travessia por entre os Lombos era feita lá em cima! De mala na mão, pela vereda calçada que fazia a sua ligação e conhecida por vereda do “Barreiro”; o tal “V” provocado pela erosão da ribeira; que tem na sua base a ponte que testemunha a água debaixo de si; ora desce; ora sobe e, uma vez deste lado e com o suor já a molhar-lhe a roupa, dava-se início à segunda parte do giro do dia! A descida! Do cimo do Lombo da Atouguia, por entre as veredas e os caminhos municipais; da estrada Regional até ao último cantinho habitado, a correria repetia-se todos os dias! O João; a Maria; a Joaquina; o vendeiro; o avô; a tia... todos esperam pelo carteiro! O objetivo passaria por alcançar a base do Lombo, a Serra D’Água; o calhau!... Quando finalmente alcançada a vila da Calheta estava dado como concluído o seu percurso a pé do dia, mas não o seu trabalho! Ficaria apenas a faltar a tarefa administrativa, que na estação dos Correios passava por organizar a correspondência que trazia consigo e já preparar parte do próximo dia!... Finalmente chegara a hora do regresso; o período para o seu merecido descanso! Pois era já findo o cansativo dia!... e foram assim por mais de trinta anos de missão diária!... Por moça singela se apaixonou Que prá outra banda lá morava Da sua vida tudo se transformou Para o destino que o aguardava Em harmonia uniram-se os laços Do princípio da vida conjugal Às energias juntaram-se os pedaços Para sua missão longa e leal Da união, o início da luta a dois E do lar, o de se estar a preencher De que era antes ao que será depois Foram quatro a vir descender - Quirino Vieira, 25-05-2019