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Título: A Outra face do Amor.
Autora: Barbara Cartland.
Dados da Edição: Livros Abril, São Paulo.
Título Original: Lost Laughter.
Género: romance.
Digitalização: Dores cunha.
Correcção: Edith Suli.
Estado da Obra: Corrigida.
Numeração de Página: Rodapé.
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à
leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de
direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros
fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.
NOTA DA AUTORA
A prisão que fica perto do Fleet Market, em Londres, era o lugar onde
ficavam detidos os credores que não pagavam suas dívidas até que fossem
postos em liberdade sob fiança ou até que parentes e amigos pagassem a
dívida deles.
Smollet, que foi preso por difamação e calúnia, escreveu mais tarde um
livro onde contou o tratamento que recebiam os prisioneiros.
Tal como em outras prisões, ali tudo dependia do fato de se ter dinheiro
para subornar carcereiros e poder comprar, através deles, tudo o que
fosse necessário dos vendedores ambulantes e comerciantes das lojas da
vizinhança.
Entretanto, existia nas prisões um perigo bem maior do que estar sem
dinheiro. Era a "febre carcerária", que na época se alastrava por todas
as cadeias, devido às precárias condições de higiene e à água
contaminada. Ser encarcerado na Fleet Prision significava não apenas a
perda da liberdade mas, com muita frequência, a perda da própria vida.
Este é o primeiro romance que escrevo, no qual o herói é um visconde.
Esse título de nobreza data do começo do século X e teve origem no cargo
de oficial ou tenente de um conde - vice-conde.
Henrique VI, coroado rei da Inglaterra e França, nomeou, em 1440, John
Lord Beaumont, visconde de Beaumont nos dois países.
Tal título tem primazia sobre todos os barões e só se tornou mais
popular
no século XVII.
O filho mais velho de um marquês ou de um conde em geral recebe o título
honorário de visconde, mas nesse caso ele não pode participar da Câmara
dos Lordes.
CAPÍTULO I
1818
O Visconde Ockley saiu da casa correndo, desceu os degraus num salto, e
pulou para a carruagem.
Pegou as rédeas e chicoteou os cavalos fazendo com que eles arrancassem
tão bruscamente que o cocheiro que os estava segurando mal teve tempo
de
saltar para o lado para não ser derrubado.
A carruagem afastou-se balançando à medida que os cavalos galopavam
alameda abaixo, a uma incrível velocidade, fazendo erguer o cascalho à
sua passagem e o visconde fez a curva de saída dos portões numa roda só.
Na estreita estrada rural o pó subia enquanto ele passava como uma
ventania deixando os aldeães atónitos.
Só depois de uns três quilómetros é que os cavalos diminuíram um pouco
a
velocidade. Ele pareceu nem notar, sentado na boleia com o olhar fixo
na
estrada, os olhos fuzilando e os lábios apertados num rícto de raiva.
Era um homem com uma bela aparência, de traços bem feitos e bonitos, e
ombros largos. Tinha um bom porte e era um pugilista de
destaque na Academia de Boxe Gentleman Jackson. Também montava muito
bem
e praticava equitação com destreza. Era um forte concorrente nas
competições de salto de obstáculos.
Portanto, tinha, inevitavelmente, muito sucesso com o chamado belo
sexo.
As mulheres da sociedade que frequentava viviam suspirando por ele e
suas
conquistas eram sempre comentadas.
Por sua vez, Niobe Barrington arrebatava corações masculinos, o que não
era de se admirar, sendo ela não apenas de uma beleza sem par mas
também
herdeira de uma considerável fortuna.
O pai dela, sir Aylmer Barrington, era um homem muito rico e todos
sabiam
disso, aliás, ele próprio fazia questão de mostrar sua riqueza. Queria
que a filha única fosse sempre o centro das atenções e para isso dava
bailes fabulosos, gastando enormes quantias com as festas. Fazia
questão
de hospedar todos os convidados.
Estava sempre disposto a oferecer hospitalidade a qualquer aristocrata
que mostrasse desejo de frequentar sua casa desde que fosse solteiro,
bom
partido, e fosse um pretendente à mão de Niobe.
O visconde, que era conhecido por saber apreciar as mulheres belas,
ficou
caído de amores assim que viu Niobe pela primeira vez.
Ele tinha recebido o convite para ir à casa dela, por escrito, num
papel
timbrado um tanto pretensioso para seu gosto, e como não tinha nada
para
fazer naquela noite resolveu ir à mansão de sir Aylmer, em Grosvenor
Square, tal como vários outros contemporâneos seus. Entretanto, foi
preparado para o pior; era muito cético em relação a herdeiras, pois em
geral elas não tinham nada mais que pudesse atrair a não ser uma enorme
conta bancária.
Porém, logo ficou claro que com Niobe era muito diferente.
Ela era de uma beleza arrebatadora com os cabelos da cor do trigo
maduro,
olhos de um azul profundo, pele acetinada e fresca, capaz de inspirar
grandes poetas.
Quando ela cravou aqueles olhos azuis nos olhos acinzentados do
visconde,
ele sentiu que estava perdido.
Daquele momento em diante, ele passou a procurar Niobe com um ardor que
surpreendeu seus amigos mais íntimos.
Seus credores, entretanto, não ficaram apenas surpresos, ficaram
entusiasmados e começaram a acalentar esperanças de receberem o
dinheiro
que lhes era devido, pois as contas do visconde cada ano aumentavam
mais
e ninguém via possibilidade de receber.
Na verdade, o alfaiate dele chegou a abrir uma garrafa de vinho, para
comemorar o fato com a esposa, quando ouviu comentários de que o
visconde
estava prestes a conquistar uma das mais ricas herdeiras daquela
sociedade.
- Eu não me importaria se ela não tivesse um tostão! - comentou o
visconde com seu amigo mais íntimo, Frederick Hinlip.
- Mas aposto como ela não ia gostar de morar naquela sua mansão caindo
aos pedaços. Tenho certeza de que, com o dinheiro que tem, a primeira
coisa que ela vai fazer é restaurar aquilo tudo - retrucou Freddy. -
Além
disso, você está precisando de uns cavalos novos...
O visconde ficou meio envergonhado.
- Eu lhe sou muito grato por ter me emprestado os seus, Freddy.
- Ora, não tem de quê. - O amigo sorriu para ele.
- Ela é a coisa mais linda que já vi! - exclamou o visconde num ímpeto,
mudando por completo de assunto.
- Concordo plenamente com você, mas não se esqueça que para casar com
Niobe você tem primeiro que conquistar o pai dela.
- O que quer dizer com isso?
- Sir Aylmer é rigoroso e severo, é um osso duro de roer. Ele quer o
melhor para Niobe e nesse aspecto é inflexível. E, pensando bem, não se
pode censurá-lo por isso...
- Está insinuando que eu não estou à altura da escolha? - perguntou o
visconde.
- É que ouvi dizer que Porthcawl também é pretendente.
- Ah, aquele bobalhão! - zombou o visconde com desprezo. Parece que não
tem força nem para um aperto de mão e tem cara de peixe morto!
- Só que ele é um marquês!
- Niobe nem sequer vai olhar para ele! Só de pensar, me dá vontade de
rir! - disse o visconde com arrogância.
Contudo, no íntimo, sentiu-se apreensivo. Lembrou-se de que Niobe
havia lhe dito há uma semana que seu pai não estava muito propenso a
aceitá-lo como genro.
- O que está querendo dizer com isso? - perguntara na ocasião.
- Exatamente o que eu disse - retrucou Niobe. - Papai acha que você é
irresponsável demais para ser um bom marido. Aliás, meu querido
Valient,
receio que ele vá proibi-lo de vir aqui.
- Se ele fizer isso, nós fugiremos para casar! - disse o visconde com
firmeza.
Niobe fitou-o de olhos arregalados e ele continuou:
- Vou conseguir uma licença especial de casamento e nós poderemos nos
casar na primeira igreja que encontrarmos no caminho. Depois que você
se
tornar minha esposa, seu pai não poderá fazer mais nada.
- Ele ficará furioso! - disse ela. - Além disso, eu quero um casamento
grandioso com damas de honra e uma festa espetacular depois da
cerimónia...
- Você terá isso tudo, minha querida, se seu pai der o consentimento
dele. Mas, se ele recusar, não teremos outro recurso... só fugindo!
Niobe ergueu-se do sofá onde estavam sentados e andou com infinita
graça
até a janela que dava para o jardim dos fundos, consciente de que,
parada
ali, com o sol fazendo brilhar seus cabelos dourados, ela era a própria
imagem da beleza e sedução.
O visconde contemplou-a como se estivesse enfeitiçado.
- Ah, como você é linda... tão linda, meu amor! Eu não posso perder
você!
Ela sorriu com certa vaidade e num instante ele se ergueu e tomou-a nos
braços.
- Eu amo você, Niobe!
Depois, ele a beijou sedento e apaixonado e ao sentir que ela
correspondia com a mesma intensidade, certificou-se de que não havia o
que temer em relação ao futuro deles.
Quando os dois já estavam com a respiração ofegante, Niobe afastou-se
dele e falou, depois de alguns instantes.
- Esqueci de lhe dizer que vamos para nossa propriedade de campo neste
fim de semana. Papai organizou um outro baile para mim e convidou
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nossos vizinhos em Surrey. Vai ser uma festa incrível, com fogos
de artifício, gôndolas no lago, uma orquestra cigana no jardim, além da
outra que vai tocar no salão de baile!
- No momento, estou detestando bailes! - disse o visconde com
petulância.
- Quero você só para mim. Não acha melhor eu falar com seu pai e tratar
de nosso casamento logo? Quero, casar antes do fim da temporada!
Niobe agitou as mãos no ar, horrorizada.
- Não, não! Isso só serviria para enfurecê-lo e fazer com que ele me
proibisse definitivamente de ver você. - Ela fez uma pausa e
acrescentou:
- ele já não vai convidá-lo para o baile.
- Quer dizer que seu pai me desaprova a esse ponto? - perguntou o
visconde, incrédulo.
Jamais em toda sua vida tinha sido proibido de entrar numa casa e
achava
incrível que sir Aylmer ousasse fazer isso com ele. Niobe baixou as
pálpebras.
- O problema, Valient, é que papai acha que estou começando a gostar
muito de você...
O olhar do visconde se iluminou.
- É exatamente isso que eu quero que aconteça! Diga que me ama! Quero
ouvir de você.
- Eu acho que amo você... tenho quase certeza - respondeu Niobe -, mas
papai diz que amor é uma coisa e casamento é outra.
- O que ele está querendo dizer com isso? - perguntou o visconde, bravo.
Niobe suspirou baixinho.
- Papai quer um casamento excelente para mim... com alguém muito
importante!
O visconde arregalou os olhos, atónito.
- Você está querendo dizer que seu pai não me acha socialmente
importante? - disse ele, devagar, destacando bem as palavras. - Pois
fique sabendo que os Ockley estão entre as famílias mais importantes da
aristocracia dessa região! Não há um só livro de história que não
mencione nosso nome!
- É, eu sei - disse Niobe depressa -, não é por isso. É que papai tem
outras ideias.
- Que ideias? - perguntou ele, com voz sinistra. Niobe movimentou as
mãos
delicadas e expressivas.
- Quer dizer que existe alguém que seu pai acha melhor do que eu? -
insistiu o visconde.
Niobe não respondeu e ele a envolveu nos braços outra vez.
- Você é minha. Você me ama e sabe disso! Precisa ter coragem, meu
amor,
para dizer isso a seu pai,
- Ele não me daria ouvidos.
- Então, vamos fugir.
O visconde ia começar a explicar o plano de fuga quando Niobe ergueu o
rosto angelical e fitou-o nos olhos, dizendo:
- Beije-me, Valient! Eu adoro seus beijos e estou com medo de perder
você...
O visconde beijou, -a com ardor e acabou esquecendo a conversa e os
planos. Só quando já estava indo embora de Park Lane é que ele se
lembrou
que afinal não haviam combinado nada. Por isso escreveu a ela uma carta
apaixonada e fez com que seu criado a entregasse às escondidas à criada
de quarto de Niobe para que não fosse interceptada por sir Aylmer.
Como resposta recebeu duas linhas escritas por Niobe dizendo que ele
fosse encontrá-la na casa de seu pai, em Surrey, na próxima
segundafeira.
O visconde sabia que o baile para o qual não fora convidado seria no
sábado, e concluiu que Niobe queria vê-lo a sós, depois que os
convidados
tivessem ido embora.
Contudo, era enervante saber que a maioria de seus amigos iria à festa.
Muitos estavam até hospedados na mansão de sir Aylmer e outros em
várias
propriedades vizinhas.
Como não tinha nada para fazer, resolveu ir para sua casa em
Hertfordshire, apesar de saber que seria deprimente encontrá-la naquele
estado de decadência. Assim que o dinheiro de Niobe fosse para suas
mãos,
pretendia restaurar a casa e devolver-lhe a beleza de antigamente.
12
A guerra dilapidara a fortuna da família e quase levara o pai do
visconde
à ruína total. Ele havia investido uma grande soma sem pensar em fazer
uma reserva de capital.
O visconde lutou na guerra com o exército de Wellington e passou um ano
com o Exército de Ocupação. Seis meses depois de ter voltado à
Inglaterra, seu pai faleceu e Valient descobriu que herdara apenas uma
velha propriedade, caindo aos pedaços por falta de reparos, uma
montanha
de dívidas e nada na conta bancária para que pudesse saldá-las.
Devido aos longos anos que passara na guerra, Valient queria divertirse
para compensar o precioso tempo de sua juventude que perdera
guerreando.
Por isso, protelou a solução do problema financeiro e entregou-se com
entusiasmo aos prazeres e distrações que Londres podia oferecer.
Sem se preocupar com despesas, ele reabriu a casa da família, em
Berkeley
Square, apesar de saber que estava totalmente hipotecada, e passou a
viver como um lorde embora estivesse de bolsos vazios.
Depois de uns dois anos nessa vida, começou a pensar seriamente que
devia
fazer algo para resolver aquela situação, e era óbvio que só um
casamento
com uma rica herdeira poderia salvá-lo. Aliás, essa solução não era
novidade na família Ockley.
A maioria das gerações tinha seguido o impulso da razão e não do
coração,
escolhendo uma esposa que trouxesse dinheiro ou terras. Olhando com
cinismo a galeria de retratos da família, o visconde costumava comentar
para si mesmo que dinheiro tinha sido a única vantagem daquelas
esposas,
pois eram quase todas mulheres feias ou sem nada de extraordinário.
Enquanto estava lutando em Portugal ou na França, várias noites, no
silêncio do acampamento, ele se pusera a pensar romanticamente no tipo
de
mulher com quem gostaria de se casar.
Não que ele fosse convencido, mas tinha consciência de que era um belo
homem e que fazia palpitar os corações femininos.
Queria uma esposa que também fosse bonita para que juntos tivessem
belos
filhos, cujos retratos futuramente viessem a enriquecer aquela galeria
da
família.
Niobe poderia ter sido uma resposta às suas preces. Sabia, pela sua
vasta
experiência com mulheres, que ela se sentia atraída por ele e que
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seus beijos a deixavam excitada. Havia um brilho nos olhos dela quando
estavam juntos que garantia a conquista total daquela linda mulher.
Na segunda-feira de manhã, dirigiu-se para Surrey, impaciente para ver
Niobe. Mas, apesar disso, preocupou-se em não forçar demais os cavalos
lembrando-se que eles pertenciam a Freddy.
Passara todo o fim de semana arquitetando o plano de fuga e apalpava
com
ar sonhador a licença de casamento que estava bem guardada no bolso de
dentro de seu elegante paletó, que, aliás, ainda não tinha sido pago.
Enquanto dirigia a carruagem, ia falando com seus botões:
Sir Aylmer pode ficar aborrecido, mas depois que Niobe e eu estivermos
casados, não vai poder fazer mais nada... ainda bem que ela já tem o
dinheiro no nome dela e nem deserdá-la ele vai poder.
Tudo parecia estar correndo exatamente como ele queria. Havia só uma
pontinha de incerteza e apreensão porque Niobe tinha insistido num
casamento grandioso, com uma estrondosa festa. Ela falara várias vezes
nisso. Valient lembrava-se muito bem de tê-la ouvido contar que o
príncipe regente fora ao casamento de uma das suas amigas e que ficaria
infelicíssima se ele não fosse o convidado de honra do casamento dela.
O visconde, sem dúvida, já havia encontrado o príncipe em várias
ocasiões, mas não tinha a menor intenção de estreitar relações. Achava
terrivelmente tediosos aqueles jantares em Carlton House e os serões
musicais que se seguiam faziam-no bocejar.
O que ele gostava mesmo era de frequentar os salões de jogos, das
noitadas nas casas de prazer e das tabernas onde dançava, sempre
acompanhado de seus melhores amigos. Ou, então, de participar das
corridas de obstáculos, das corridas de cavalo em Newmarket ou Epson e
das noitadas de bebedeiras que sempre aconteciam depois de um dia de
turfe.
- Tenho certeza de que Sua Alteza ficará encantada em comparecer ao
nosso
casamento -, dissera o visconde, na ocasião, apenas numa atitude de
mera
cortesia.
Mas sabia que isso era pouco provável de acontecer. Entretanto, tinha a
certeza de poder proporcionar outros prazeres a Niobe, para compensála
dessa frustração.
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Quando entrou na alameda bem cuidada da propriedade e viu, à distância,
a
enorme mansão de sir Aylmer, o visconde esqueceu-se de tudo o que estava
pensando para só se lembrar da beleza de Niobe e de seu desejo de tê-la
em seus braços.
Niobe estava à espera dele no salão, decorado tão pomposamente que
chegava às raias do mau gosto. Contudo, ele não tinha olhos para isso,
naquele momento, só para Niobe que ergueu-se do sofá perto da janela e
foi ao encontro dele, mais linda do que nunca.
O vestido que usava combinava com a cor dos cabelos e realçava as
formas
perfeitas de seu corpo. Embora estivesse usando jóias demais para uma
jovem que está no campo, o visconde só reparava naqueles lábios
femininos
e suaves.
Quando chegaram perto, ele a abraçou.
- Não, Valient. Não! - disse Niobe empurrando-o com suas mãos alvas e
delicadas.
- Não? Por quê... - perguntou o visconde, desconfiado.
- Você não deve me beijar... precisa ouvir o que tenho a lhe dizer.
- Eu também tenho muita coisa a lhe dizer.
- Mas primeiro deve me ouvir.
Querendo agradá-la, ele preparou-se para escutar.
- Receio que isso vá aborrecê-lo, Valient, mas papai acha melhor eu
mesma
lhe contar.
- Contar-me o quê? - perguntou ele, fazendo esforço para se concentrar
no
que ela dizia e para controlar o impulso de estreitá-la nos braços e
beijar aquela boca macia e tentadora.
- Contar-lhe que... - disse Niobe - eu prometi casar com o marquês de
Porthcawl.
Por um instante o visconde não conseguiu entender, era quase como se
ela
tivesse falado numa língua estranha. Depois, à medida que foi
assimilando
as palavras e entendendo o significado, sentiu-se como se tivesse
levado
uma pancada na cabeça.
- Por acaso está brincando? Isso é uma pilhéria?
- Não, é claro que não. Papai está muito satisfeito. O casamento foi
marcado para o mês que vem.
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- Não acredito! E, depois, se isso foi decisão do seu pai, então vamos
fazer o que tínhamos combinado... vamos fugir!
Pela expressão de Niobe ele sabia, mesmo antes de acabar de falar, que
ela não iria com ele. Apesar disso quis ouvi-la falar.
- Eu tenho uma licença especial - continuou ele. - Nós nos casaremos na
primeira igreja e depois será impossível seu pai tirá-la de mim.
- Sinto muito, Valient, sabia que você ia ficar aborrecido com isso...
Eu
amo você e gostaria de ser sua esposa, mas não posso recusar o pedido
do
marquês.
O visconde respirou fundo.
- O que está querendo me dizer é que esteve me iludindo esse tempo
todo,
mantendo-me na reserva, caso Porthcawl não fizesse o pedido. Agora que
ele pediu sua mão, você simplesmente se desfaz de mim como se eu fosse
um
brinquedo velho!
- Sinto muito, Valient - repetiu ela -, gostaria que você entendesse e
que pudéssemos ser amigos depois que eu me casar.
Então, o visconde perdeu a calma de uma vez e não se controlou mais.
Ele
sempre tivera génio forte e explosivo, era uma característica dos
Ockley,
só que não se manifestava com frequência. Mas também quando isso
acontecia era uma verdadeira explosão vulcânica.
Mais tarde, o visconde mal conseguia se lembrar de tudo o que dissera
para Niobe. Só sabia que não tinha gritado. Falara baixo, mas com
intensidade e usando palavras que feriam como açoite. Ela ficara
completamente pálida e não respondera nada.
Quando sentiu que já havia dito tudo, ele saiu da sala feito um
furacão,
querendo afastar-se depressa daquela mulher que o traíra.
Depois de algum tempo dirigindo a carruagem, ele começou a se acalmar e
a
respiração ficou mais fácil. Percebeu, então, que estava correndo
demais,
os cavalos estavam suados e ele próprio estava com calor. Olhou de
relance para o chão da carruagem e notou ali uma manta que não havia
antes. Estava imaginando quem pusera aquilo ali, num dia tão quente
como
aquele, quando notou um movimento sob a coberta e viu, atónito,
aparecer
um rosto.
Era um rosto oval e pequeno com olhos grandes e negros que o fitavam
apreensivos e súplices.
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- Posso... sair daqui agora? - perguntou uma voz delicada. Estou
morrendo
de calor.
- Quem é você? - perguntou o visconde, ríspido. - E que diabos está
fazendo aqui?
A manta foi jogada para o lado e surgiu uma garota delgada e frágil que
subiu na boleia e sentou-se ao lado do visconde.
O vestido dela estava todo amarrotado e os cabelos negros em desalinho.
O
visconde fitou-a perplexo e depois olhou de novo para a estrada.
- Creio que você deve ter algum motivo para estar na minha carruagem,
não
é? Como explica isso?
- Estou fugindo.
- De quem?
- Do meu tio Aylmer.
- O quê? Está me dizendo que sir Aylmer Barrington é seu tio? disse o
visconde furioso.
- Nesse caso, mocinha, pode descer imediatamente! Não quero ter mais
nenhum relacionamento com os Barrington pelo resto da minha vida!
- Sabia que seria essa sua reação.
- Sabia? Como, se você não viu o jeito como fui destratado? Ou por
acaso
você está envolvida nessa trama diabólica para me insultar?
- Não, não tenho nada a ver com isso. É que acompanhei tudo, de longe,
e
vi o modo como você estava sendo mantido na reserva, caso o marquês não
fizesse o pedido de casamento.
O fato da garota ter dito o que ele havia pensado fez com que o
visconde
ficasse mais furioso e puxou as rédeas com violência fazendo os cavalos
pararem.
- Saia já daqui! - explodiu ele. - Vamos, desça e vá para o inferno! E
diga a seu tio e a sua prima que eu desejo que eles apodreçam no
inferno!
O modo como falou e a expressão de raiva no rosto dele deveriam ter
intimidado a garota, mas em vez disso ela o olhou cheia de comiseração
e
disse:
- Sinto muito, mas, na verdade, embora você possa não acreditar em mim,
eu acho que se livrou de boa. Teve sorte de não ter ficado com ela.
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- Que diabos quer dizer com isso?
- Você não conhece Niobe como eu conheço. Ela é invejosa, má, vingativa
e
interesseira. Ia fazer você muito infeliz.
- Não acredito que Niobe seja nada disso, e se continuar falando assim,
vou acabar esbofeteando você! - ameaçou.
- Não seria nenhuma novidade para mim - respondeu ela, sem se alterar. -
Hoje de manhã, mesmo, tio Aylmer me bateu e foi então que decidi fugir.
Por isso estou aqui.
- Bateu em você? Não acredito!
- Posso lhe mostrar as marcas, se quiser. Ele sempre bate em mim. A
primeira vez, logo que vim morar aqui, ele me bateu porque Niobe mandou,
depois se acostumou e eu vivo apanhando por qualquer coisinha.
O visconde olhou para ela, perplexo. Estava pasmo. Era difícil acreditar
naquilo, mas a garota estava falando com sinceridade, quanto a isso não
tinha dúvidas. Contemplou-a mais detidamente. Era tão jovem, quase
parecia uma criança.
- Que idade você tem?
- Dezoito anos.
- E qual é seu nome?
- Jemima Barrington.
- Então, você é mesmo prima de Niobe?
- Minha mãe era irmã de sir Aylmer. Ela fugiu com o meu pai para se
casar, eles eram primos distantes. Eram muito pobres mas muito felizes.
Quando eles morreram e eu fiquei órfã, tio Aylmer me levou para morar
com
ele. Foi por isso que disse que você escapou de boa. Eu os conheço bem.
Quando o assunto voltou para ele de novo, o visconde ficou novamente
muito irritado.
- Sinto muito, pela sua situação, mas você sabe que eu não posso me
envolver com seus problemas. O máximo que posso fazer é levá-la para
onde
você quiser ir, contanto que ninguém fique sabendo que fui eu.
- Não acho que alguém vá se interessar em saber de mim. Niobe não gosta
de mim e tio Aylmer me considera um fardo, um estorvo. Suspirou
baixinho,
antes de acrescentar: - Afinal, quem é que se preocupa com parentes
pobres?
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- Você é pobre?
- Sou. Mamãe sempre deu mais importância ao amor do que à riqueza. Ela
foi a única exceção da família.
O visconde não pôde deixar de concordar com ela nesse ponto. Niobe
preferira um título de nobreza mais importante do que o dele. Como se
adivinhasse o pensamento dele, Jemima disse:
- Niobe é esnobe como o pai! O sonho dela é estar entre as esposas dos
pares do reino, e se por acaso agora aparecesse um duque, pode estar
certo de que ela se livraria do marquês como se livrou de você!
- Já lhe disse para não falar assim!
- Um dia você ainda vai me dar razão e ver que estou falando a verdade.
O visconde ia retrucar mas refreou o impulso achando que seria indigno
da
parte dele.
- Para onde quer que eu a leve? - perguntou, segurando de novo as
rédeas.
- Para onde você quiser ou puder.
- Você tem dinheiro?
- Só dois guinéus que roubei de cima da cómoda de tio Aylmer. O
visconde
largou as rédeas e olhou para ela.
- E você me diz, assim, com essa cara, que está saindo para enfrentar o
mundo, sozinha, só com dois guinéus? Você é maluca?
Houve um pesado silêncio e depois Jemima falou, num tom de voz
amargurado
e cheio de comoção:
- É a única saída que me resta. Não posso continuar sendo espancada e
maltratada... levando uma vida desesperadamente... infeliz.
A última palavra foi dita num soluço comovente.
- Você não tem nenhum outro parente na casa de quem possa ficar? -
perguntou, preocupado.
- Tenho outros parentes, mas nenhum ficaria comigo. Todos têm muito
medo
de tio Aylmer e logo me mandariam de volta para a casa dele.
- Era o que eu também devia fazer.
Ele franziu o cenho, pensando no que fazer, mas a simples ideia de
voltar
e ter de encarar Niobe de novo, ou o pai dela, fez o sangue subir a sua
cabeça.
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- Que praga! Por que é que você foi me aparecer logo agora? Eu não
quero
voltar lá - disse ele, furioso -, estou louco para sumir e mostrar
àquela
sua priminha interesseira o que eu penso dela! - Ele riu com desprezo.
-
Eu disse a ela como me vingaria e é exatamente o que pretendo fazer.
- O que você disse a ela? - perguntou Jemima, curiosa. O visconde
semicerrou os olhos.
- Eu disse que me casaria com a primeira mulher que encontrasse, só
para
não deixar que ela me humilhasse diante de todos!
Os olhos dele faiscavam de ódio e ele olhava fixo para a estrada sem
ver
nada. Estava lembrando do rosto de Niobe quando ela dissera que ia se
casar com o marquês.
Então, ao seu lado, uma voz suave, um tanto hesitante disse:
- Se... foi isso o que você falou... ahn... eu sou a primeira mulher
que
você encontrou...
O visconde virou a cabeça para fitá-la.
- Meu Deus... é mesmo! E talvez seja até maior a vingança se eu me
casar
com uma Barrington...
Ele olhou para a frente de novo, com ar pensativo, e ouviu Jemima dizer:
- Nada deixaria Niobe mais furiosa do que... o fato de eu me casar
antes
dela... e, ainda mais, com você!
O visconde deu uma risada sinistra e um tanto assustadora.
- Deve haver uma igreja aqui por perto.
Ele chicoteou os cavalos, com certa satisfação íntima de ter encontrado
o
melhor meio de se vingar da mulher que o humilhara. Como ele era há
muito
tempo um solteirão convicto, sabia que aquele casamento repentino
causaria sensação e comentários nos clubes de St. James. Todos sabiam
que
ele estava cortejando Niobe; por isso já deviam estar fazendo apostas
para saber se ele conseguiria ou não conquistá-la, portanto seria uma
surpresa bastante irónica, aliás, quando ele anunciasse que se casara
com
a prima dela.
O visconde sabia muito bem que Niobe gostava de ser sempre a figura
central de todos os acontecimentos importantes. E apesar de ela estar
agora noiva de um marquês esse fato ia passar para segundo plano quan20
do todos soubessem que o visconde, que a cortejava, casara-se com a
prima
dela. O visconde seria o principal comentário da temporada e Niobe
ficaria furiosa.
Quando parou a carruagem diante de uma igrejinha de pedra, o visconde
tinha um sorriso quase cruel nos lábios.
- Aqui está bom - disse ele.
Olhou em redor e chamou uns garotos que brincavam ali perto para que
segurassem os cavalos.
- Você pretende mesmo... casar comigo? - disse Jemima, com voz tímida.
- Creio que essa é a melhor solução. Você só tem a ganhar! Ou será que
prefere ficar vagando pelas calçadas de Londres?
- Não... é claro... Eu lhe fico muito grata.
- Pois não precisa. Só estou fazendo isso para dar uma lição à sua
priminha e espero que ela sofra bastante.
- Sem dúvida, vaj sofrer mesmo!
O visconde desceu da carruagem, sem se preocupar em ajudar Jemima, e
perguntou a um dos garotos onde estava o vigário.
- Está na igreja, fazendo um batismo, sir - respondeu o moleque. Ele
atravessou o portão de ferro em direção à igreja e deixou Jemima
para trás. Ela desceu sozinha da boleia, amarrou o chapeuzinho e foi
atrás dele.
Quando chegou ao portão, esperou sairem um homem e uma mulher
carregando
um bebé, seguidos de várias pessoas. De longe viu o visconde
conversando
com o vigário e mostrando a ele uma folha de papel. Nervosa, ajeitou o
vestido amarrotado e quando o visconde lhe fez um sinal ela se
aproximou
e foram até o altar.
- Eu disse a ele que seu primeiro nome tinha sido inadvertidamente
omitido na licença especial - disse o visconde, em voz baixa e tom
impessoal - por isso ele vai chamar você de Jemima Niobe.
Jemima fez que sim com a cabeça. Estava pálida e com olhar assustado.
O visconde nem olhou para ela, foi andando para o altar sem sequer lhe
oferecer o braço. Jemima apressou o passo e colocou-se ao lado dele.
A cerimónia foi curta e rápida. Na hora da troca de alianças, o
visconde
percebeu que se esquecera desse detalhe, por isso tirou um anel com o
21
brasão da família, que usava no dedo mínimo, e colocou-o no dedo do
meio
da mão de Jemima, e mesmo assim ainda ficou largo
O Vigário declarou-os marido e mulher, o visconde pagou a taxa de
casamento e foi saindo sem nem prestar atenção ao padre que o
cumprimentava e desejava felicidades.
- Obrigada muito obrigada - disse Jemima, e correu atrás do marido com
medo de que ele a deixasse ali.
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CAPÍTULO II
Jemima acordou num sobressalto, achando que dormira demais e que estava
atrasada, mas quando abriu os olhos e viu aquele quarto diferente
lembrou-se que estava em outro lugar.
Percebeu que alguém havia entrado no quarto e logo viu que era uma
criada, abrindo as cortinas.
- Que horas são? - perguntou.
- Mais de nove horas, milady.
Jemima quase perdeu a respiração. Ser tratada de milady era uma
confirmação de que tudo o que acontecera na véspera era realidade,
embora
parecesse sonho.
Estava cansada quando chegaram em Londres, mas não tinha dito nada,
pois
não estava acostumada a falar de si nem a esperar que alguém se
interessasse por ela.
Os dois tinham feito o percurso todo em silêncio, desde que saíram da
igreja, o visconde sempre sisudo. Quando chegaram em casa, assim que o
cocheiro surgiu, Valient entregou a ele as rédeas, desceu e foi
seguindo
na frente sem dar atenções a Jemima. Ela o seguiu, calada. Sem dizer
uma
palavra aos empregados que o receberam, o visconde foi para a
biblioteca
e sentou-se diante de uma enorme escrivaninha.
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Jemima ficou parada na porta, sem jeito, vendo-o retirar de uma caixa de
couro, uma folha de papel timbrado que colocou sobre a mesa. Quando ele
pegou a pena para começar a escrever, Jemima falou com timidex
- Bem... o que você quer que eu faça?
- Espere um pouco! - retrucou o visconde, irritado. - Quero que levem
logo esta participação de casamento para que dê tempo de sair no jornal
de
amanhã cedo.
- É claro... desculpe.
Jemima entrou em silêncio e sentou-se em uma poltrona. Enquanto
esperava,
ficou examinando o ambiente. Percebeu que, embora o lugar fosse
luxuosamente decorado, os móveis já estavam bem gastos e precisando de
uma bela limpeza. Depois, recriminou-se por estar criticando em vez de
agradecer o estranho destino que fizera com que ela encontrasse pelo
menos um teto onde se abrigar.
Tudo acontecera tão rápido que ela nem tivera tempo de refletir sobre o
que estava fazendo, ao se casar com o visconde. A única coisa em que
pensara fora no fato de não ter de voltar à casa do tio e ainda apanhar
por ter fugido.
Ela o odiava tanto que só de lembrar daquele rosto autoritário,
estremecia. A surra que ele tinha lhe dado na última manhã, como em
tantas outras vezes, não só machucara seu corpo como principalmente a
humilhara e ferira seu orgulho. Ela nunca imaginara que no mundo
pudesse
haver pessoas tão cruéis, egoístas e insensíveis como sir Aylmer e a
filha.
Sabia que Niobe não gostava dela porque, apesar de ser pequena e
insignificante, era uma mulher e portanto a prima a considerava uma
rival.
Fizera com que o pai batesse nela, logo no início, com medo que ele
começasse a gostar da prima. Teve ciúmes do afeto do pai. Se ele
gostasse
de Jemima, Niobe iria se sentir lesada.
Niobe era possessiva e egocêntrica, achava que o mundo devia girar em
torno dela.
Bastava Jemima se arrumar um pouco melhor e ficar um pouquinho atraente
que fosse, Niobe brigava com ela, beliscava-a e obrigava-a a mudar de
roupa. Se ela se negasse, Niobe ia fazer intrigas para o pai e ele
acabava batendo na sobrinha.
24
Além disso, usava Jemima como se fosse sua empregada, aliás, a palavra
mais certa seria escrava, pois a prima trabalhava para ela de graça e
ainda recebia maus-tratos e ouvia desaforos. Às vezes, no fim do dia,
depois de subir e descer centenas de vezes aquelas escadas, ser
maltratada e humilhada, ela se sentia tão cansada e infeliz que nem
conseguia dormir. Ficava chorando, sozinha, no escuro.
O contraste entre a vida que levava na suntuosa mansão do tio e a que
levara na modesta casa de seus pais era tão grande que ela se sentia
como
se tivesse sido expulsa do paraíso e caído no inferno.
Houve vezes em que ela chegou a pensar em suicidar-se afogando-se no
lago
ou com um tiro de uma das pistolas de duelo que o tio possuía. Mas o
orgulho a mantinha firme e cheia de coragem, e ela repetia para si
própria que não ia se deixar vencer por pessoas que ela odiava e
desprezava tanto.
Tudo na casa do tio era o oposto da bondade, carinho e compreensão que
sempre recebera da mãe. Sabia que seu pai jamais gostara de sir Aylmer
e
dava graças a Deus por ele ignorá-los por serem parentes pobres e não
terem posição social de destaque.
Aquela manhã Jemima chegara ao limite do que podia suportar.
Tinha apanhado porque Niobe, embora não admitisse, estava nervosa por
ter
que dizer ao visconde que não ia mais se casar com ele, e o tio estava
nervoso com o acordo de casamento que estava em andamento com o marquês
de Porthcawl. Jemima, como sempre, era o bode expiatório de tudo e
tivera
o azar de, justo naquele dia, esbarrar sem querer numa mesinha e
derrubar
uma estatueta de porcelana.
Ela não costumava ser desastrada, mas é que um dos cachorros de sir
Aylmer entrara correndo para fazer festa e dera um encontrão nela
fazendo-a perder o equilíbrio e virar a mesinha.
Sir Aylmer, que acabara de chegar, ainda estava com o chicote de
montaria
na mão e imediatamente avançou para ela. Quando, afinal, conseguiu
correr
para o quarto, dolorida e magoada, resolveu que precisava fugir. Não
havia outro meio de se proteger daquelas surras e não queria mais se
sujeitar aqueles maus-tratos.
Sabia que o visconde iria visitar Niobe depois do almoço e quando
desceu
para fazer uma das muitas tarefas de que era encarregada, viu a
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4
carruagem dele parada no jardim. Viu que ele tinha vindo sozinho, sem
cocheiro, e imediatamente armou um plano de fuga.
Sabia que não tinha tempo para pensar muito, era preciso agir rápido.
Conseguiu passar pelo saguão sem ser vista, pegou uma das mantas de
carruagem que ficavam no baú e correu para fora sorrateiramente. Entrou
na carruagem, deitou-se no chão, cobriu-se com a manta e ficou ali
esperando, o coração palpitando de medo. Agora estava livre, afinal!
Mas enquanto se vestia depressa, depois que a criada dissera que o
visconde já estava tomando o café da manhã, Jemima ficou pensando se
não
teria apenas mudado de um carrasco para outro. Não sabia como era o
visconde. Ela o vira várias vezes de longe, é claro, pois não lhe era
permitido conhecer nenhum amigo de Niobe. Mas gostava de olhar,
furtivamente, os admiradores que cortejavam a prima. Achava ridículo
aquilo tudo e observar o espetáculo a divertia muito. De todos os
pretendentes, o visconde tinha sido o que ela achara mais bonito e
simpático.
Só quando a família estava sozinha, Jemima comia com eles à mesa, mas
Niobe e o pai a recriminavam tanto e caçoavam dela que preferia mesmo
comer com os empregados.
Agora, olhando para aquele homem, que tão de repente e inesperadamente
se
tornara seu marido, ela imaginava como seria sua vida dali em diante.
Será que seria diferente da vida na casa do tio? Ou ali também viveria
em
escravidão?
Quando o visconde terminou de escrever a participação de casamento, ele
se ergueu.
- Vou até o clube - disse ele -, de lá mando entregar a notícia no
jornal. É melhor você ir para a cama.
Jemima também se ergueu da poltrona.
- Será que... - disse ela com voz titubeante -, alguém pode me mostrar
onde é que vou dormir?
- Ah, claro, a governanta pode fazer isso. Ele tocou o sino para chamá-
la.
- Será que eu poderia... se não for incómodo... comer algo antes de
deitar? - pediu Jemima, timidamente.
- Você está com fome? - perguntou ele surpreso.
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- Eu não tomei nem café da manhã, hoje. Estou em jejum.
Ela disse apenas isso, sem se preocupar em explicar que ficara sem
comer
por causa da surra e porque ficara chorando até a hora do almoço. Nesse
momento, a porta se abriu e entrou o mordomo.
- Esta senhora deseja comer e depois diga a sua mulher para mostrar a
ela
onde vai dormir.
- A lady vai dormir aqui? - perguntou ele, com certa impertinência.
Estava realmente admirado.
- Esta é minha esposa, Kingston - anunciou o visconde -, e a partir de
agora a patroa de vocês!
Ele falou e foi saindo da biblioteca, deixando o mordomo boquiaberto e
de
olhos arregalados. Houve um ruído de porta batendo, depois o empregado
olhou para Jemima e disse, ainda de um certo modo impertinente:
- Será que entendi bem o que disse milorde? Ele se casou com a senhora?
Jemima olhou para ele de cabeça erguida.
- Você ouviu muito bem o que ele disse - retrucou. - Agora, por favor,
peça para sua mulher me mostrar meus aposentos. Acho que seria melhor
levarem a comida para mim numa bandeja.
- Não sei como vai ser - disse o mordomo -, o cozinheiro já foi embora
e
hoje de manhã milorde não deu ordens para que se preparasse jantar.
- Bem, não quero ser inconveniente. Se não houver comida, ficarei
satisfeita com um pouco de pão com queijo e um chá.
- Não sei quem vai preparar isso para a senhora. O cozinheiro não gosta
que os outros empregados mexam na cozinha.
Jemima olhou bem para o mordomo e percebeu então que ele andara
bebendo.
Admirou-se de o visconde admitir um empregado insolente como aquele,
mas
de repente lembrou-se de uma conversa com Niobe que analisava os prós e
os contras dos seus pretendentes, enquanto a prima a arrumava.
- Eu gosto de Valient Ockley -, disse Niobe, na ocasião. - Ele é bonito
e
nós dois faríamos um belo par. Todos dizem isso! Só que ele não tem
dinheiro.
27
retrucou Jemima. - Afinal,
- E por que se preocupar com isso? - retrucou Jemima. - Afinal, você já
é
muito rica!
- Não pretendo gastar meu dinheiro com homem nenhum, seja quem for.
Além
disso, papai disse que a casa dele está caindo aos pedaços e vai ser
preciso gastar uma bela quantia para deixá-la em ordem. Ao passo que a
mansão do marquês está em perfeito estado... Aliás, papai disse que a
casa dele é a casa de um nobre de verdade!
- Mas o marquês é velho - disse Jemima -: e eu acho que ele é horroroso!
- Quando você o viu?
- Eu o vi chegar ontem à noite e quando entrou no saguão pude ver bem a
cara dele. Tenho certeza de que é um bobalhão. Não tem cara de homem
inteligente ou interessante.
- Você nem o conhece, não sabe nada sobre ele! - disse Niobe, com
rispidez. - Ele é rico, viúvo e é um marquês. Já pensou na posição que
vou ter? Eu, a marquesa de Porthcawl!
- Mas ele vai ser seu marido... vai beijar você... vai dormir na mesma
cama... já pensou nisso?
- Ora, Jemima, francamente! Como se atreve a falar nessas intimidades?
- Antes de aparecer o marquês você dizia que amava o visconde...
- E eu o amo mesmo - disse Niobe, com um delicado suspiro. Gosto quando
ele me beija e me abraça... mas um marquês é muito mais importante do
que
um visconde.
Agora Jemima constatava que não só o visconde era muito pobre como
também
muito mal servido em termos de criadagem.
Uma mulher um tanto desleixada, que nem de longe parecia uma
governanta,
conduziu Jemima até um quarto, com muita má vontade, dizendo que era
ali
que devia ficar se era mesmo verdade que tinha se casado com o patrão.
- Nós nos casamos hoje mesmo, numa aldeia - retrucou Jemima.
- Então, é esse mesmo o seu quarto. É pegado ao dele. Ouvi dizer que a
senhora quer comer alguma coisa.
- Agradeceria muito se me arranjasse algo. Estou com muita fome.
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Afinal, foi-lhe servido um prato com um pedaço de carneiro e três
batatas, tudo frio, pão e manteiga numa vasilha mal lavada. Mas Jemima
não estava em condições de reparar nessas coisas. Comeu até matar a
fome,
depois, como ninguém foi buscar a bandeja vazia, ela colocou-a do lado
de
fora do quarto, tirou a roupa e se deitou.
Apesar do cansaço, não pôde deixar de notar que os lençóis estavam
rasgados e encardidos e que havia uma camada de pó na água que estava
no
jarro de louça, junto à bacia, em cima da cómoda.
Deitou-se com cuidado para não machucar mais as costas doloridas,
cheias
de-vergões das chicotadas. De qualquer forma, suspirou aliviada. Pelo
menos ali estava fora do alcance do tio e de Niobe, o resto não tinha a
menor importância.
Enquanto descia as escadas para tomar o café da manhã, usando o mesmo
vestido com que saíra da casa do tio, Jemima ficou pensando se o
visconde
não estaria arrependido de ter se casado com ela, num gesto impulsivo.
Achou que devia ter recusado e tê-lo impedido de fazer uma coisa tão
absurda, só para se vingar. Mas, ao mesmo tempo, para ela tinha sido
muito conveniente, a maior felicidade de sua vida, embora ainda não
soubesse o que esperar daquela situação.
Não precisava mais temer a crueldade do tio: agora era a viscondessa
Ockley, e não importava o que acontecesse no futuro, mesmo que o
visconde
a mandasse embora, que não quisesse mais vê-la, pelo menos tinha um
nome
e um título honroso.
Quando o visconde começara a cortejar Niobe, ela ficara fascinada não
apenas com ele mas também com a linhagem de nobreza a que pertencia.
- Os Ockley são muito importantes - repetira Niobe inúmeras vezes. -
Vários aristocratas que não aceitariam papai, por ele ser apenas um
cavaleiro com título adquirido e ter feito fortuna em vez de herdá-la,
jamais fechariam as portas para um Ockley.
Por isso, naquela manhã, Jemima sentia-se feliz por ter adquirido o
nome
do visconde, embora se sentisse um pouco nervosa porque não sabia com
que
humor ele estaria.
Desceu as escadas e ficou procurando a sala de jantar pois não havia
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ninguém ali para lhe dizer onde era, até que ouviu vozes e caminhou na
direção de onde vinham.
O visconte estava com dor de cabeça, de ressaca, por ter bebido vinho
demais. Ele detestava quando acontecia isso, pois normalmente não era
de
beber muito. Era bastante cuidadoso com relação a isso. Comia e bebia
sem
exageros, preocupado em manter uma boa saúde para ter um bom desempenho
nos esportes que gostava de praticar.
Entretanto, na véspera, depois de ter mandado levar a notícia de
casamento para o jornal, ele encontrou vários amigos no clube e ficou
bebendo com eles até de madrugada. Resolveu não contar nada a eles para
que o impacto da notícia no jornal fosse maior no dia seguinte. Sorriu
com a satisfação íntima de saber que para Niobe, sem dúvida, seria uma
surpresa bem desagradável.
Quanto mais pensava no modo como ela o iludira, mantendo-o na reserva
caso o marquês falhasse, com mais raiva ele ficava.
Tinha ficado bebendo no clube, mas não falara, não participara da
conversa como sempre fazia. Ficara só ouvindo. Todos estranharam e
perguntaram o que tinha acontecido, por que estava tão calado. Como ele
não respondesse, os amigos se entreolharam, certos de que Niobe havia
dado o fora nele.
Só Freddy, porque era o amigo mais íntimo, resolveu perguntar de novo,
quando deu a ele uma carona em sua carruagem, na hora de irem embora.
- Sei que você foi até a casa de campo deles, hoje, Valient - disse.
- Ela recusou seu pedido?
- Não quero falar nesse assunto - disse o visconde com voz um pouco
arrastada. - Amanhã eu falo, Freddy. Venha tomar o café da manhã comigo.
- Está bem, pode me esperar. Sinto muito, meu amigo, se aconteceu o que
eu desconfio... mas, afinal, ela não é a única herdeira rica no mundo.
Ânimo, rapaz!
O visconde, enrolou a língua, emitiu um som confuso e desceu da
carruagem
sem nem dizer boa noite.
Freddy tocou a carruagem e ficou com pena do amigo. Desconfiava
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que Niobe tinha preferido o marquês e que Valient estava sofrendo por
isso.
O visconde tinha acabado de entrar na sala de jantar e estava
examinando
o que havia na mesa do café, arrumada com pratarias escurecidas e
malcuidadas, quando Freddy entrou sem ser anunciado.
- bom dia, meu caro Valient -, foi ele cumprimentando num tom caloroso.
-
Espero que esteja mais bem-disposto hoje.
- Pois eu lhe digo que estou em péssimo estado - retrucou o visconde
largando a tampa de prata que cobria um dos pratos e olhando para
Freddy.
- O que não é de se admirar, considerando-se o que você bebeu ontem.
Deve
ter bebido pelo menos umas três garrafas!
O visconde resmungou qualquer coisa e serviu-se de café. Freddy
acomodou-
se numa cadeira e abriu o jornal que tinha trazido.
- Você já leu as notícias? - perguntou ele. - Os agricultores estão
protestando veementemente contra a competição no mercado de alimentos
importados, que são mais baratos. - Virou algumas páginas examinando
por
alto o conteúdo e de repente exclamou. - Meu Deus!
- Leu de novo a notícia que tanto o surpreendera, depois disse. Então,
ela aceitou seu pedido! Mas por que diabos não me disse nada? Por que
não
me contou ontem? Só que o jornal publicou errado... aqui estão dizendo
que vocês já se casaram!
- Leia para mim.
- Puxa, mas como é que foram cometer um erro desses? - comentou Freddy
admirado. - Ouça, está escrito assim: - "Realizou-se ontem secretamente
o
casamento entre o Quinto visconde Ockley, de Ockley Hall,
Northamptonshire e a srta. Barrington".
- Exatamente, está certo - afirmou o visconde.
Freddy olhou para ele atónito e boquiaberto, mas antes que formulasse a
pergunta que tinha em mente a porta se abriu e Jemima entrou. Freddy
virou a cabeça e ao vê-la ergueu-se imediatamente.
- bom dia, Jemima -, disse Valient. - Quero lhe apresentar meu melhor
amigo, Frederick Hinlip. Freddy, esta é minha esposa, Jemima
Barrington,
agora viscondessa de Ockley.
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Por instantes, Freddy ficou sem fala por completo. Os olhos de Valient
brilhavam com cinismo e ele parecia estar se divertindo.
- Desculpe eu ter me atrasado... - disse Jemima - mas é que dormi
demais.
Estava tão cansada!
- Não tem importância - disse o visconde. - Não precisava ter levantado
cedo. Sirva-se, por favor. Não sei se você vai achar a comida muito
apetitosa, em todo caso...
- Claro que vou, eu ainda estou com fome - sorriu Jemima. O visconde
ficou meio sem jeito.
- Kingston não levou comida para você, ontem?
- Levou o que ele conseguiu arranjar. Disse que o cozinheiro já havia
saído.
Freddy, afinal, recuperou a fala.
- Isso é alguma brincadeira? - perguntou ele, sem entender nada.
- É claro que não! - respondeu Valient. - Se você quer saber a verdade,
vou lhe contar, mas não é para espalhar para todo mundo. Niobe realmente
preferiu o marquês e Jemima, a prima dela, estava louca para fugir das
garras do tio. Coisa, aliás, que não censuro!
Freddy fitava os dois com olhos semicerrados.
- Quer dizer que se casou para se vingar de Niobe?
- Você entende rápido, Freddy. Foi justamente isso que eu fiz! Só
queria
saber os comentários que estão fazendo lá no clube... e quanto tempo
vão
demorar para descobrir que a Barrington com quem me casei não é a que
estão pensando!
- Sem dúvida, você resolve as coisas de um modo-mui to especial!
- comentou o amigo.
Freddy contemplou Jemima com olhos críticos enquanto ela se aproximava
da
mesa e se sentava. Ela sorriu, meio tímida, e ele concluiu que a moça
era
de certa forma atraente se não fosse comparada com a prima.
- Então, estão casados, ora vejam só! Preciso cumprimentá-los. E agora,
o
que pretendem fazer?
- Como assim? - perguntou o visconde. - Você acha que devemos fazer
algo?
32
Estava só imaginando... Por que não tive o prazer de conhecê-la
antes, milady?
- Eu não tinha permissão de ser apresentada aos convidados de meu tio,
nem de frequentar as festas para as quais ele e a filha eram convidados
-
respondeu Jemima. - É que sou apenas uma parenta pobre.
- Parenta pobre? - repetiu Freddy, incrédulo.
- Muito pobre - confirmou ela. - Minha fortuna resume-se em dois
guinéus.
De novo Freddy olhou atónito para o visconde.
- Pois é, não é para contar a ninguém - disse o visconde - mas Jemima
estava fugindo para Londres, só com esse dinheiro e sem ter onde ficar
nem a quem recorrer.
- Meu Deus! Então você foi a salvação para ela - disse Freddy -, embora
também tivesse tido seus motivos para se casar assim tão
precipitadamente!
- E eu sou muito grata a ele por isso. - Fitou o visconde sentado à sua
frente e quando seus olhares se encontraram ela teve a impressão de que
era a primeira vez que ele olhava para ela. - Só que estava com medo de
que hoje já estivesse arrependido de sua benevolência...
Freddy percebeu o olhar e falou apressado.
- Bem, creio que vocês desejam ficar a sós e você, Valient,
naturalmente
não vai mais comigo à luta de boxe em Hampstead Heath conforme tínhamos
combinado, não é?
- É claro que vou! - respondeu o visconde de imediato. - Tenho certeza
de
que o sargento Jenkins vai ganhar e pretendo apostar nele!
Freddy olhou de um para outro.
- E a sua esposa?
- Ah, será que eu não poderia ir também? - pediu ela. - Adoraria ver
uma
luta, eu sempre tive vontade!
- Uma lady nunca frequenta esse tipo de lugar - retrucou o visconde.
- Ah, eu esqueci que agora sou uma lady... é difícil me acostumar com a
ideia.
- É, sua primeira aparição em público deve ser de modo apropriado,
milady
- disse Freddy, depois olhou para o visconde. - Sem dúvida
33
você deve estar sabendo que todo mundo vai ficar louco para conhecer
sua
esposa. Imagino que a essa hora os comentários já devem estar
fervilhando
e quando descobrirem que não foi com Niobe que você casou vão ficar
mortos de curiosidade para conhecer sua mulher!
- É claro que vão ficar curiosos e acho isso ótimo! Niobe vai ficar
furiosa - disse Valient.
- Isso é verdade - disse Jemima. - Será que... posso pedir algo?
- Certamente - respondeu o visconde.
- É que... - Jemima corou enquanto falava. - Bem, eu saí do jeito que
estava... não trouxe nada.
- Nada? - espantou-se Freddy.
- É, foi tudo tão de repente! Eu desci e vi a carruagem, logo depois da
surra que levei de tio Aylmer, e achei que era minha chance de
escapar...
não aguentava mais...
- Quer dizer que sir Aylmer costumava bater na senhora, milady? Não é
possível!
- Pode parecer impossível, mas é verdade -, retrucou Jemima e se virou
de
costas. O vestido que usava tinha sido de Niobe e era um pouco grande
para ela, além de ter um pequeno decote atrás. Por isso, os dois
puderam
ver bem os vergões vermelhos, marcando a pele branca e delicada, que
chegavam quase até o pescoço. Ela se virou de frente de novo.
- Estão vendo? Mais para baixo está pior ainda! Agora sabem que não
estou
mentindo.
- Mas isto é um despropósito! Que coisa absurda! - indignou-se Freddy.
-
Aquele homem é um monstro!
- Eu jamais gostei dele e sempre o considerei um intrometido
acrescentou
o visconde -, mas nunca imaginei que ele fosse tão vil a ponto de
tratar
com brutalidade uma delicada jovem!
Olhou para Jemima, enquanto falava, e achou que ela parecia uma menina,
pequena e frágil. Por um instante, passou por sua cabeça a ideia de que
poderia ser acusado de raptar uma menor, porém logo se lembrou de que
sir
Aylmer não ia querer fazer alarde do caso para que o mundo social em
que
vivia ficasse sabendo o modo brutal e repulsivo com que tratava uma
parenta pobre que estava sob sua tutela.
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Estava pensando - disse Freddy, depois de uma longa pausa que assim
como
milady está...
Ora, pelo amor de Deus, Freddy, chame-a de Jemima e trate-a de
você! - interrompeu o visconde. - Senão, parece que você está falando
de
minha mãe!
- Está bem. O que eu quero dizer é que já que Jemima vai ter que
comprar
algumas roupas, é melhor que faça um enxoval digno de uma lady. É
preciso
que fique patente porque entre ela e Niobe você a preferiu!
Tanto o visconde quanto Jemima entenderam de imediato o que ele estava
tentando dizer, com muito tato, para não ferir a suscetibilidade da
moça.
- Meu Deus! Eu vou mesmo ter roupas novas, lindas, e feitas
especialmente
para mim? Mal posso acreditar! Há dois anos que eu só uso os vestidos
velhos de Niobe, que ela não quer mais, e por mais que eu tente reformá-
los nunca ficam bem em mim. Eu sou morena e mamãe sempre dizia que cor
pastel não combina comigo!
- Pois compre quantos vestidos quiser - disse o visconde -, e é melhor
ir
à loja de madame Bertha. Eu já estou mesmo devendo uma grande quantia a
ela!
- Você tem conta na madame Bertha? - disse Jemima atónita, mas depois
de
alguns instantes caiu na risada. - Ah, mas é claro, como sou boba!
Devia
ser lá que você comprava presentes para as mulheres com quem andava!
- Meu Deus! Isso não são modos de falar! - repreendeu o visconde. Tanto
ele quanto Freddy estavam tão espantados com o jeito dela que
Jemima corou.
- Desculpe... não sabia que era errado...
- Claro que é errado - disse o visconde. - Você não devia nem saber uma
coisa dessas, quanto mais mencionar o assunto! Não posso Creditar que
seu
tio tenha...
- Não foi tio Aylmer que falou nisso, foi um primo, Oliver Barington.
- Que sujeito mais inoportuno! - comentou Freddy. - Aliás, eu nunca
suportei Oliver, desde os tempos de escola.
35
- Concordo com você - disse o visconde -, e quanto a você, Jemima, é
melhor esquecer as besteiras que seu primo lhe disse.
- Ah, ele não disse díretamente para mim. É que as pessoas sempre acham
que os criados são surdos e imbecis e falam coisas indiscretas perto
deles. E parentes pobres estão na mesma categoria de empregados...
Freddy não pôde deixar de rir.
- Pois, minha cara, agora você tem de esquecer essa história de parente
pobre. Valient não pode ter uma esposa humilde. Portanto erga a cabeça
e
trate de convencer a todos que Valient escolheu a melhor esposa do
mundo.
Jemima fitou-o de olhos arregalados e disse com voz ténue:
- Acha mesmo que... que eu consigo...
- Você tem que conseguir - disse Freddy. - Valient se meteu nessa... -
ele ia dizer "encrenca", mas trocou a palavra a tempo situação e é
muito
importante que nem Porthcawl nem Niobe riam dele agora!
- Ah, isso não! É claro, eu entendo! - disse Jemima. - Talvez fosse
melhor... eu desaparecer, ir embora... - Ela suspirou. - Acho que foi
um
erro eu ter concordado em me casar com você... mas é que, naquela hora,
me pareceu tão maravilhoso que você pudesse me ajudar num momento de
desespero tão grande...
- Fico contente de ter podido ajudá-la - disse o visconde com deter
minação -, mas Freddy tem razão. Agora temos que enfrentar a situação
de
cabeça erguida, não podemos ficar feito cachorros escorraçados, com o
rabo no meio das pernas,
- Assim é que se fala, meu caro! - aprovou Freddy. - Agora está nas
mãos
de Jemima.
Freddy a contemplou de onde estava e Jemima sentiu que ele a estava
analisando, estudando os pontos favoráveis.
- Farei o que vocês quiserem e acharem melhor - disse ela -, mas estou
bem ciente de que não posso me comparar a Niobe.
- Lembro-me de uma vez - disse Freddy -, quando criança, em que
perguntei
a mamãe se ela gostava mais de mim ou de meu irmão Ela pegou duas
flores
do jardim, uma rosa e um lírio, e depois me disse
36
Qual das duas você acha mais bonita?.
- Não sei, mamãe - respondi eu -, as duas são lindas de forma
diferente.
Cada uma tem sua beleza especial.
Justamente! - disse ela. - Não se pode estabelecer comparação
entre elas. As duas são dignas de admiração. E é assim que eu me sinto
também com você e seu irmão Charlie. Vocês são duas pessoas diferentes
e
eu admiro e amo os dois como meus filhos. Não existe primeiro e
segundo, só
dois garotos que eu adoro.
- Que resposta maravilhosa! - encantou-se Jemima. - Vou dar bem isso,
caso aconteça o mesmo com meus filhos. - Depois, percebendo o que
dissera,
ela corou e mudou de assunto. - Vou me esforçar para ficar o melhor que
posso! Talvez com vestidos bonitos e o cabelo bem penteado milorde não
se
envergonhe de mim...
- Não tenho a menor intenção de me envergonhar, ao contrário, pretendo
me
orgulhar de você! - disse o visconde num tom de voz que soou um pouco
forçado.
Houve uma pequena pausa, depois Jemima disse:
- Então... será que poderia fazer o favor de ir comigo e ajudar-me a
escolher os vestidos certos? Eu não sei se saberei escolher sozinha .O
visconde olhou-a com ar de surpresa e Freddy riu.
- Por que não, Valient? Você tem bom gosto, como já pôde demonstrar em
várias ocasiões... - disse com malícia.
- Ora, cale-se! Está se mostrando pior do que Oliver BarringtoH'
- Não diga isso nem brincando! - retrucou Freddy. - Mas, minhas irrnãs,
quando querem comprar roupas para ocasiões muito especiais costumam
desfilar
com os vestidos para mim, para que eu dê palpit e ajude na decisão.
- Pois bem - decidiu o visconde -, nós iremos com Jemima fazer as
compras.
- Mas não podemos sair com ela assim como está agora! - disse Freddy
depressa.
- Por que não? - perguntou o visconde.
- Porque depois de meia hora toda Londres já estará comentando que,
perdoe-me, Jemima, ela não está à altura de ser sua esposa.
Jemima sabia que ele tinha razão. O vestido que usava ainda estava
37
todo amassado, por ela ter ficado deitada no chão da carruagem sob a
manta, embora o tivesse dependurado cuidadosamente quando o tirara à
noite. E, além do mais, estava grande para ela e a cor não combinava nem
um pouco, deixando sua pele pálida. Quanto ao cabelo, estava solto e
rebelde, sem um penteado da moda. Nunca tivera tempo ou meios de cuidar
da aparência e Niobe não gostava de vê-la bem-arrumada. Naquele momento
tomou consciência de como devia estar causando má impressão a lorde
Hinlip e ao próprio visconde. Passou a mão pelos cabelos, um tanto
constrangida e sem jeito.
- Faremos o seguinte - disse Freddy. - Primeiro mandarei minha
carruagem
a Bond Street para trazer madame Bertha aqui com alguns vestidos para
que
Jemima possa se trocar e depois iremos fazer compras. E, se você me
permite, Valient, vou transformá-la numa Prima Donna.
Jemima bateu palmas, entusiasmada.
- Isso seria maravilhoso... maravilhoso! - fez uma pausa e depois
acrescentou. - Mas, e a luta de boxe, não vou atrapalhar?
- A luta é às duas horas - disse Freddy - e não vamos demorar tanto
assim
fazendo compras. Temos bastante tempo ainda.
Jemima estava maravilhada. Era a coisa mais emocionante que acontecera
em
sua vida. E mal cabia em si de contente quando, duas horas mais tarde,
saiu na companhia do visconde e Freddy, toda arrumada com um vestido
cor
de morango e chapéu com flores combinando. Entraram os três na
carruagem
e foram para Bond Street.
Não visitaram só a loja de madame Bertha, foram também a outras onde
tanto o visconde quanto Freddy eram bem conhecidos.
Cada vez que Jemima era apresentada como a nova viscondessa, a
proprietária ficava toda sorridente e querendo agradar. Quando, às
quinze
para uma, ela voltou para casa, cheia de roupas novas, estava se
sentindo
a heroína de um conto de fadas. Os três iam conversando na carruagem.
- Ainda há muitas outras coisas que você precisa comprar... sombrinhas,
sapatos, luvas e coisas assim, mas isso você pode comprar hoje à tarde
mesmo, enquanto vamos assistir a luta. Só que não deve sair sozinha -
disse Freddy.
- E quem vou levar comigo?
- Uma de suas criadas pode acompanhá-la, não é, Valient?
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Posso levar a criada que foi me acordar hoje de manhã? - pediu
Jemima. - Ela me pareceu simpática.
É, pode sim - respondeu o visconde com um tom de desinteresse.
Obrigada... muito obrigada por dizer que eu posso comprar o
que quiser. E mil vezes obrigada por todas essas coisas maravilhosas
que
acaba de me dar! Nunca pensei... nunca sonhei que um dia pudesse ter
vestidos tão lindos!
- Tenho certeza de que vai ficar muito bem com eles - disse o visconde
no
mesmo tom de voz que usara antes.
Freddy percebeu um certo desapontamento no olhar dela.
- Sabe o que acho que devemos fazer? - disse ele depressa. Acho que
devemos comemorar depois da luta. Valient, você deve convidar os amigos
para jantarem com vocês hoje. Tenho certeza de que todos ficarão
encantados de conhecer Jemima!
- Está bem - concordou o visconde. Depois, virou-se para a esposa.
- Diga a Kingston para avisar o cozinheiro que eu quero que providencie
jantar para umas dez pessoas.
- Eu direi. - respondeu ela, sentindo-se importante.
Quando pararam diante da casa, Freddy ajudou-a a descer da carruagem.
- Ponha seu melhor vestido, Jemima - disse ele, baixinho -, não se
esqueça que precisa impressionar bem os amigos de Valient. É muito
importante!
- Eu não esquecerei.
Freddy apertou de leve a mão dela e subiu de novo na carruagem.
Enquanto
se afastavam, ele virou-se e viu-a ainda parada no último degrau.
Parecia
tão frágil e desamparada! Acenou e ela respondeu.
- Sabe de uma coisa, meu caro Valient - disse ele virando-se para
O amigo. - Você é mesmo um homem de sorte!
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CAPÍTULO III
Assim que a carruagem desapareceu, virando a esquina, Jemima entrou e um
dos empregados veio correndo até a porta.
Era Hawkins, um homem baixo, magro, que tinha sido ordenança de Valient
enquanto ele estava no exército e voltara à vida civil junto com ele,
servindo-o como empregado, conforme a governanta tinha lhe contado na
véspera.
- Milorde já foi embora? - perguntou ele, ainda ofegante.
- Foi - respondeu Jemima. - Ele e lorde Hinlip foram assistir a luta em
Wimbledon Common.
Hawkins resmungou algo ininteligível e Jemima perguntou:
- Por que, aconteceu algo errado?
- É, milady, aconteceu sim... não sei o que fazer.
- Talvez eu possa resolver ou ajudar. Diga o que é. Hawkins ficou um
tanto embaraçado antes de responder.
- Bem, milady, é que os empregados estão indo embora.
- Indo embora? Mas por quê?
Houve um silêncio, depois o criado disse, constrangido.
- Eles não gostaram de milorde ter se casado... Jemima olhou-o,
consternada.
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- Mas eu não pretendo criar problemas!
Ao mesmo tempo, pensou na poeira acumulada na casa, nos lençóis
encardidos, na refeição fria que tinham lhe servido na véspera, nos maus
modos e concluiu que os Kingston não seriam uma grande perda.
Entretanto,
como não sabia qual seria a reação do visconde, disse
apenas:
- Vou falar com eles. Tenho certeza de que quando eu disser que
não pretendo interferir na rotina da casa, eles resolverão ficar. Será
que pode me mostrar onde fica a cozinha?
- Certamente, milady.
Sem que houvesse explicação para isso, ela teve a impressão de que
Hawkins pensava o mesmo que ela a respeito dos Kingston.
Atravessaram um corredor e desceram uma escada que, sem a menor dúvida,
estavam precisando de uma bela limpeza. No andar de baixo, o chão
ladrilhado estava imundo.
Ao passarem pela despensa, Jemima viu um objeto de prata saindo para
fora
de uma maleta de couro que estava no chão. Parou na porta e Kingston
surgiu de trás de um armário com um candelabro de prata na mão.
Jemima entrou na despensa.
- Parece que você e sua mulher estão abandonando a casa de lorde
Ockley,
não é isso? - disse ela num tom de voz que soou corajoso.
Percebeu que Kingston surpreendeu-se ao vê-la e imediatamente recolocou
o
candelabro no armário, antes de responder, em tom grosseiro. - Fomos
contratados para trabalhar para um homem solteiro.
- Posso entender o descontentamento de vocês - retrucou Jemima - mas
naturalmente é de se esperar que peçam demissão com certa antecedência.
Não podem sair assim de repente.
- Nós vamos já! - disse Kingston, com petulância e ar de pouco caso. -
queremos receber os salários a que temos direito.
Jemima olhou para a maleta preta e viu que o objeto de prata que estava
saindo para fora era o pé de um candelabro, par daquele outro que ele
tinha tirado do armário.
- Creio que você ia levar este candelabro que está ali na maleta para
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consertar, mas já que vai embora, pode deixar que eu providencio isso.
Quer fazer o favor de guardá-lo de novo no armário?
Houve um silêncio pesado e por instantes ela temeu que Kingston fosse
desafiar sua ordem, mas então Hawkins, que ficara parado na porta entrou
e ele mudou de atitude.
- É verdade, milady, eu ia levar os candelabros para consertar - ele
respondeu. - Eu não disse? Tinha certeza de que a senhora ia começar a
interferir e ficar criticando o serviço, por isso não vou mais ficar
para
ouvir reclamações.
- Dobre a língua - repreendeu-o Hawkins com rispidez -, e trate milady
com respeito! Isso não é modo de falar!
Kingston sabia que não estava com a razão e entregou os pontos. Retirou
o
candelabro da maleta e Jemima viu que lá dentro havia vários outros
objetos de prata. Ela não disse nada, apenas ficou olhando até que a
maleta ficasse totalmente vazia. Então, Hawkins adiantou-se, trancou a
porta do armário e entregou a chave a ela.
- Obrigada, Hawkins.
Jemima sabia que ela o estava agradecendo não apenas por lhe entregar a
chave mas sim pelo apoio que dera a ela. Assim que saiu da despensa,
ela
o ouviu dizer:
- O quanto antes sair daqui, melhor, senão vou dar parte de você à
polícia!
Kingston respondeu com um palavrão que Jemima fingiu não ter escutado
enquanto ia para a cozinha. Hawkins apressou o passo e alcançou-a na
porta.
A sra. Kingston estava lá, toda arrumada, pronta para sair e em cima da
mesa havia uma porção de pacotes ao lado de uns restos de comida. Ela
olhou com animosidade para Jemima e já ia dizer algo rude quando
Hawkins
impediu-a, dizendo:
- Você não vai embora enquanto não abrir todos esses pacotes e mostrar
a milady o que tem dentro! Acabamos de surpreender seu mari do com os
candelabros de prata na maleta. - A sra. Kingston ficou sem fala e
Hawkins continuou: - Você sabe tão bem quanto eu qual é pena para quem
rouba seja lá o que for!
A governanta deu um grito, pegou uma cesta que devia conter
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roupas dela, passou correndo por Hawkins e saiu antes que ele pudesse
dizer qualquer outra coisa.
Ouviram-na chamar o marido, lá fora, em seguida o ruído do portão dos
fundos batendo e depois o silêncio.
- , Bem, eles se foram! - disse Hawkins. - E se quer saber minha
opinião,
milady, acho que já foram tarde. Eles não prestam.
- Eu também achei isso - retrucou Jemima. - Só não queria ter de
aborrecer meu marido.
- Os Kingston beberam o vinho dele e dividiram entre os três a metade
do
dinheiro que milorde deixou para o cozinheiro comprar comida.
- Onde está o cozinheiro, agora?
- Foi embora, há uma hora. Ele estava com medo que a senhora
descobrisse
o que estavam tramando, milady.
- Por que você não avisou lorde Ockley que eles o estavam atraiçoando?
Hawkins refletiu por alguns instantes, antes de responder.
- Por que estou acostumado assim, milady. No exército, é cada um por
si.
Viver e deixar viver. Se milorde tivesse perguntado, eu teria lhe
contado
a verdade, mas como não falou nada achei que não devia criar problemas.
- Acho que posso entender sua posição - disse Jemima. - Agora, que tal
vermos o que eles iam levar embora?
Abriram os pacotes sobre a mesa e descobriram que continham vários
pequenos objetos recolhidos da casa, alguns dos quais bastante
valiosos,
outros meras bugigangas, mas Jemima ficou contente que tudo tivesse
sido
salvo das mãos dos ladrões.
Só quando estavam colocando os objetos numa bandeja para recolocálos
nos
lugares certos, é que Jemima lembrou-se do recado do visconde.
- E, agora, o que vamos fazer, Hawkins? - disse ela aflita. Lorde
Ockley
disse que teremos, no mínimo, uns dez convidados para Jantar hoje!
- Duvido que consigamos arranjar outros empregados tão depressa assim,
milady...
- Pois, então, já sei o que vamos fazer!
43
- f
O visconde voltou da luta com um bom humor extraordinário. Tinha se
divertido a valer, não apenas observando a luta, cujo vencedor foi o
sargento em quem apostou e que arrasou o adversário em vinte e seisf
rounds, mas também recebendo com cinismo os cumprimentos de seus amigos
e conhecidos que ficaram sabendo do casamento.
Não pôde deixar de pensar que todos eles estavam sendo tão efusivos I e
amáveis só por saberem da grande fortuna de Niobe.
A atitude dos amigos, em geral, era de quem o considerava extremamente
inteligente e hábil por ser bem-sucedido num golpe invejável. Enquanto
que o visconde estava tão eufórico de não ter sido humilhado: quanto um
garotinho que consegue roubar uma maçã de um pomar sem ser pego.
Voltaram, como sempre, na carruagem de Freddy com o visconde se gurando
as rédeas. Freddy sabia que o amigo manejava os cavalos e bera melhor do
que ele e por isso preferia deixá-lo conduzir.
- Por quanto tempo vai continuar com essa farsa? - perguntou Freddy,
assim que ficaram a sós.
- Até que eles descubram a verdade.
- Vão ficar furiosos quando perceberem que você os fez de tolos!
- Não poderão dizer nada. Afinal, eu casei com uma Barrington, não
menti
quando publiquei a notícia, nem disse a eles que tinha me casado com
Niobe. Ah! Só gostaria de ser uma mosca para poder escutar o que ela e
o
pai estão dizendo disso tudo!
- Meu caro amigo, você está se tornando um sádico!
- Ora, ela jogou sujo comigo e merece o mesmo em troca - disse o
visconde
com displicência.
- É, quanto a isso, concordo com você, mas ao mesmo tempo não posso
deixar de achar que você está patinando em gelo fino, Valient.
O visconde ficou em silêncio por alguns instantes.
- Veremos o que acontece esta noite - disse ele, depois. - Você viu
quem
eu convidei para jantar?
- É, confesso que fiquei surpreso com sua escolha.
- Alvanley é o maior tagarela e espalha-boatos de Londres e se ele
aprovar Jemima os outros seguirão a atitude dele. Chesham é um grande
admirador da beleza feminina e não resiste a um rosto bonito...
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Freddy não disse nada e depois de uma pausa o visconde acrescentou: sei
o
que está pensando, mas acontece que ele não gosta de Niobe.
Por quê?
Ela o desprezou antes de saber quão importante ele era. Depois
que descobriu e tentou reconquistá-lo ele não quis mais saber, não se
deixou levar.
- Isso é bem próprio dela! Se quer saber minha opinião, Valient, quanto
mais ouço falar de Niobe e do pai, mais me convenço de que você deveria
agradecer o fato de ter se livrado deles e não procurar se vingar!
- Nós vemos as coisas de modo diferente - disse ele, apenas, encerrando
o
assunto.
O visconde acabou chegando tarde em casa porque não resistiu à tentação
de parar um pouco no clube White só para ouvir o que tinham a dizer
sobre
seu casamento.
Algumas pessoas ele já havia encontrado durante a luta, mas muitos
tinham
passado a tarde ali nas confortáveis poltronas do clube comentando
sobre
acontecimentos da sociedade e era a opinião desses que ele queria ouvir.
Só quando Freddy percebeu que já era tarde e o chamou para ir embora é
que o visconde saiu e dirigiu a carruagem a toda velocidade para
Berkeley
Square.
- Só espero que o cozinheiro tenha feito um bom serviço, pelo menos
dessa
vez! - disse ele puxando as rédeas e fazendo os cavalos pararem diante
da
casa.
- Você devia ter esperado até que Jemima se acostumasse a ser uma dona-
de-casa. Ela mal acabou de chegar! - comentou Freddy.
- Jemima? Ora, duvido que ela saiba como dirigir uma casa! E, dePois,
agora é tarde demais.
Os dois se olharam apreensivos.
- É melhor servir bastante vinho. Isso sempre esconde possíveis falhas.
O visconde desceu da carruagem, subiu correndo os degraus de entrada e
quem o recebeu foi Hawkins e não Kingston.
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- Está bem, Hawkins - disse ele -, sei que estou atrasado mas espero
que
tenha providenciado tudo para mim.
Sem esperar resposta ele subiu a escada, de dois em dois degraus e
encontrou, tal como esperava, seu banho preparado e suas roupas limpas
estendidas sobre a cama.
Ainda estava tão alvoroçado com os cumprimentos e imaginando o que os
convidados iam achar de Jemima que não reparou em mais nada. Tomou
banho e
arrumou-se depressa e quando desceu as escadas, impecavelmente vestido,
viu lorde Alvanley, lorde Worcester e sir Stafford Lumley entrando no
saguão.
Cumprimentou-os com grande efusão e conduziu-os até a sala descobrindo,
surpreso, que Freddy já estava lá. Ele tinha ido até a casa dele,
trocado
de roupa, voltado, e ainda chegara antes do visconde.
Não havia o menor sinal de Jemima e quando chegaram mais quatro
convidados ele já estava pensando em mandar chamá-la, quando seu criado
se aproximou e disse em voz baixa:
- Mtlady manda pedir desculpas, milorde, mas diz que está atrasada e
não
pode vir já. Pediu que o senhor começasse o jantar sem ela.
O visconde franziu a testa, mas sabia que era incorreto demonstrar
aborrecimento em público, por isso disse apenas:
- Diga à lady que venha o mais rápido possível! - E voltou-se para os
convidados.
Tudo estava em ordem e bem arrumado, as bebidas providenciadas com
capricho e exatamente na hora marcada o jantar foi anunciado.
O visconde desculpou-se pela ausência da esposa e conduziu as visitas
para a sala de jantar.
Assim que foi servido o prato de entrada o visconde percebeu de repente
que quem estava servindo à mesa era seu criado de quarto e uma jovem
que
era arrumadeira da casa.
Já ia perguntar o que acontecera a Kingston quando se lembrou que não
seria de bom-tom, naquele momento. e como o jantar transcorria
perfeito,
sem a menor falha, ele não se preocupou mais com isso.
Percebeu, satisfeito, que a comida estava melhor do que nunca. Jamais
provara coisas tão deliciosas e até Alvanley, que era um conhecido
gourmet, fizera elogios a pelo menos dois dos pratos.
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fjawkins mantinha todas as taças cheias de vinho, com presteza e
atenção,
,
havia um clima de jovialidade e bom humor e a conversa estava mais
animada que de costume.
A única coisa que aborrecia o visconde era aquela cadeira vazia na
outra
cabeceira da mesa. Não conseguia imaginar por que Jemima estava
demorando
tanto. Pensou que talvez os vestidos novos não tivessem sido entregues
ou
que talvez ela tivesse tido um súbito ataque de timidez, o que era mais
improvável.
Finalmente, quando serviram pêssegos, uvas moscatel e castanhas como
sobremesa, a porta se abriu e Jemima entrou na sala. O visconde a viu
primeiro, e se ergueu de imediato. Os convidados olharam para a porta
e ao vê-la levantaram-se também. Ele não pôde deixar de sentir uma
satisfação íntima ao constatar que ela estava linda
e extremamente atraente.
O vestido cor de carmim, ornamentado com tule e babados nos ombros e na
barra, realçavam a pele alva e acetinada. Os cabelos negros bem
penteados,
de acordo com a última moda, por um cabeleireiro que Hawkins trouxera à
tarde, estavam brilhantes e com reflexos azulados e deixavam à mostra o
rosto delicado onde brilhavam os enormes olhos escuros.
Ela se aproximou da mesa e quando o visconde percebeu os olhares de
interrogação das visitas, disse:
- Permita que lhe apresente meus amigos. Cavalheiros... minha esposa!
Foi com grande satisfação que ele ouviu um ligeiro murmúrio antes que
Jemima inclinasse a cabeça num gesto de cortesia e se sentasse à
cabeceira da mesa, na cadeira que Hawkins puxou para ela.
- Peço que me desculpem o atraso - disse ela, com voz suave e Musical,
quebrando o silêncio que se seguira à apresentação.
- Estava preocupado com a demora - retrucou o visconde. Creio que você
perdeu um excelente jantar. Faço questão de elogiar Pessoalmente o
cozinheiro amanhã cedo.
Um brilho de malícia passou pelos olhos de Jemima, mas ele não entendeu.
- Espero que faça isso mesmo, milorde.
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Lorde Alvanley foi o primeiro que teve a coragem de formular a pergunta
que estava formigando na língua de todos.
- Deve ter havido um erro de imprensa na Gazette dessa manhã Ockley -
disse ele -, pois do jeito que saiu a notícia entendi que você havia se
casado com a senhorita Barrington.
- A notícia estava certa - retrucou o visconde laconicamente - acontece
apenas que minha esposa é sobrinha de sír Aylmer e não filha dele.
Todos os presentes ficaram atónitos, com exceção de Freddy, é claro, e
várias exclamações foram ouvidas. O visconde não pôde deixar de achar
graça na maneira como todos se portavam para se adaptarem à novidade
- Pois quero ser o primeiro a ter o privilégio - disse, afinal, lorde
Chesham que estava sentado à direita de Jemima - de brindar à saúde da
noiva e desejar a ela felicidades. E, é claro, cumprimentar Ockley pela
escolha.
Não havia dúvidas de que ele falava com sinceridade e Jemima olhou para
ele com um sorriso que, como sempre, formava covinhas em suas faces.
Estava mesmo tão bonita e encantadora que todos os brindes feitos e
todos
os elogios ditos foram sinceros.
Lorde Worcester, que estava sentado perto do visconde, expressou o que
todos deviam estar pensando.
- Você, meu caro Valient - disse ele -, está sempre surpreendendo mesmo
seus amigos mais íntimos! Hoje, sem dúvida, você nos nocauteou a todos,
tal como o sargento Jenkins na luta.
O visconde sorriu complacente e o lorde disse em voz baixa, só para ele
escutar.
- E o que houve com Niobe? Eu estava certo de que você e ela estavam
apaixonados.
- Meu caro, sempre achei mais prudente esconder minhas cartas num jogo
-
retrucou o visconde sem responder.
- E neste jogo escondeu bem mesmo! Mas eu não o censuro por isso. Se os
outros a tivessem visto antes, estou certo de que você teria de vencer
vários rivais para conquistá-la. Ela é fascinante!
E essa foi a palavra mais usada pelos convidados, quando mais tarde,
depois de saírem da casa do visconde, queriam descrever Jemima.
48
Todos, cada um por sua vez, fizeram elogios sinceros quando se
despediram
dela e muitos tentaram em vão fazê-la explicar por que não havia
aparecido na sociedade até então.
Era óbvio que todos os cavalheiros ali presentes acharam que havia
algum
mistério ou talvez até certa esperteza por parte do visconde por havê-
la
mantido escondida e só aparecer já como esposa dele. Estavam todos
admirados por terem descoberto a existência dela só naquele momento.
- Não posso imaginar por que nunca a encontrei na casa de seu tio -
diziam todos eles, mais ou menos do mesmo jeito. - Ou será que não
morava
lá com ele, é isso?
- Quando meus pais eram vivos eu morava em Kent com eles -, respondia
ela
de modo evasivo.
Conseguia se esquivar de todas as perguntas sem mentir e evitando uma
resposta direta de tal modo que quando as visitas se retiraram sabiam
tão
pouco sobre ela como quando chegaram.
A única coisa que conseguiram saber era que o visconde tinha se casado
e
que a noiva não era quem estavam imaginando, mas sim uma jovem miúda e
delicada, amável, encantadora e fascinante que ouvia com atenção tudo o
que lhe diziam e corava graciosamente a cada elogio que ouvia
Muitos dos cavalheiros ali presentes tinham sido tratados com arrogância
e desdém por Niobe que, se deixara estragar pelo sucesso de sua beleza.
Antes mesmo da festa terminar, tanto o visconde quando Freddy tinham
certeza de que os comentários sobre a "esposa de Ockley" seriam os mais
favoráveis.
Quando todos se foram, e só Freddy ficou, o visconde disse a Jemima:
- Por que diabos, afinal, demorou tanto para aparecer e não jantou
conosco? Pensei que tivesse tido um ataque de nervos ou qualquer coisa
assim.
Ele não falava em tom de censura, pois estava com excelente humor
devido
ao sucesso do jantar. Estava até mais eufórico do que à tarde. Jemima
contemplou-o por instantes, depois disse:
49
- Aposto um guinéu como você não adivinha o motivo. O visconde refletiu
por um momento.
- Creio que, como todas as mulheres, você demorou demais para se
arrumar
ou o cabeleireiro se atrasou. Lembra-se, Freddy, daquela bailarina que
nunca cheg... - ele interrompeu bruscamente, lem brando-se que Jemima
era
uma senhora. - Pois bem, diga qual foi o motivo.
- Você perdeu a aposta - disse Jemima e estendeu a mão aberta para ele.
-
Pode me pagar!
- Ei, espere um pouco! Primeiro quero saber o motivo.
- Bem, na verdade, foi por causa do jantar que me atrasei.
- O jantar? Como assim? Você preferiu jantar sozinha? E por falar
nisso... o que houve com Kingston? Por que Hawkins é que estava
servindo
à mesa?
- É justamente isso o que eu ia explicar. - Jemima fez uma pausa
- Sinto muito mas os Kingston foram embora.
- Embora?
- É. Hawkins e eu ainda conseguimos impedi-los de levar uns objetos de
prata que estavam roubando - acrescentou ela depressa antes que ele
dissesse algo.
- Não é possível uma coisa dessas! Sabia que Kingston bebia mas sempre
pensei que fosse honesto! - admirou-se o visconde.
- Pode perguntar a Hawkins, se quiser. E eles foram embora porque
acharam
que não iam poder continuar roubando agora que você casou e tem uma
esposa para tomar conta da casa.
Os olhos do visconde se anuviaram ameaçadoramente e Freddy se apressou
em
dizer:
- Sempre achei Kingston um imprestável e muito insolente, E bebia demais
mesmo, aliás, da sua adega, meu caro. Tenho certeza de que Jemima irá
encontrar criados bem melhores do que esses!
- Não gosto que a rotina doméstica seja perturbada! - disse o visconde
com petulância. - Em todo caso, pelo menos o cozinheiro saiu-se bem e
mostrou grande competência!
- Muito obrigada - disse Jemima. - Estou pronta para ouvir os elogios
que
você disse merecer o jantar
50
por instantes os dois homens se entreolharam e depois olharam fixo ara
ela como se não acreditassem no que acabavam de ouvir.
Freddy falou primeiro.
Está nos dizendo que foi você quem fez o jantar?
É. Não havia mais ninguém para fazer... e devemos agradecer a
Hawkins também. Ele comprou todos os ingredientes necessários em tempo
recorde. Depois eu fiz a comida e ele serviu. Foi isso.
Houve um silêncio total, depois o visconde começou a rir alto e, como
se
fosse contagioso, Freddy riu também e depois Jemima.
- Meu Deus!... Se eles soubessem! - disse o visconde sacudido pelo
riso.
- A noiva que eles pensavam ser a mais rica herdeira, preparando a
refeição que eles comeram e depois aparecendo linda, com o frescor de
quem repousou o dia todo! Você merece um prémio, Jemima! Se eu sou um
bom
jogador, que gosta de surpreender, você também é! Ah, eles engoliram
tudo
direitinho!... Isca, anzol e linha... ha, ha ha ha...
- Como é que você sabe cozinhar tão bem assim? - perguntou Freddy
quando
o riso diminuiu um pouco e ele conseguiu falar.
- Meu pai gostava de comer bem e mamãe e eu gostávamos de agradá-lo
porque o amávamos. Por isso, tínhamos vários livros de receitas e
vivíamos preparando coisas diferentes.
- Céus! A comida de hoje foi a melhor que já provei em toda a vida! -
exclamou Freddy.
- Mal posso crer! - disse o visconde. - Pena que não possamos contar
aos
outros porque ficaria mal para Jemima.
- Você quer dizer que não ficaria bem para a esposa do visconde Ockley
-
corrigiu Jemima. - Agora sei que poderia ter arranjado emPrego de
cozinheira se você não tivesse feito de mim uma lady.
- Aliás, acho que as duas coisas são perfeitamente compatíveis disse o
visconde. - com você cozinhando desse jeito para que vou Querer
contratar
um cozinheiro?
- No momento, o que precisamos é de alguém para arrumar a cozinha -
disse
Jemima. - Hawkins levou a louça lá para baixo, mas ainda é preciso
lavar
tudo aquilo.
Freddy riu de novo.
51
- Creio que amanhã, em vez de ir às lojas fazer compras para o seu
enxoval,
você vai a uma agência de empregados domésticos.
- É justamente o que pretendo fazer. Só há uma dificuldade.
- E qual é? - perguntou o visconde.
- É que Hawkins me disse que uma das razões do descontentar de todos
criados, além da minha chegada, é o fato de não estarem recebendo
salários há algum tempo.
O visconde ficou embaraçado.
- Confesso que tenho sido um tanto descuidado em relação a isso mas a
verdade é que meus bolsos estão vazios.
- Mas vamos ter que dar um jeito nisso, não é? - disse ela.
- Concordo plenamente, só que no momento não sei o que poderemos fazer
para sair dessa situação.
Então os três se lembraram que ele tinha pensado em resolver as
dificuldades financeiras casando-se com Niobe. Freddy ergueu-se de
súbito.
- Bem, eu vou indo. Está na hora de eu me deitar. Foi uma noite
maravilhosa, Jemima, graças a você! E, Valient, meu caro, pode estar
certo de que você riu por último e se vingou de todos, principalmente de
quem mais merecia!
O visconde acompanhou-o até a porta e quando voltou para a sala Jemima
ergueu-se da poltrona onde estava.
- Bem, creio que está na hora de dizer boa noite. Foi tudo muito
engraçado e excitante mas também me cansei bastante. - disse Jemima.
- Quero agradecê-la pelo magnífico desempenho desta noite.
- Não é preciso. E, depois, se vamos começar a trocar agradecimentos,
eu
nem sei por onde começar de tão grata que estou a você.
Ela tocou de leve o vestido novo como se mal pudesse acreditar que o
estivesse usando.
- Você está tão diferente da meninínha esfarrapada que se escondeu sob
uma manta, na minha carruagem! - sorriu o visconde.
- Espero que não tenha desperdiçado seu dinheiro comigo, milorde. O
visconde ergueu o cálice de licor que estava pela metade, fazendo
um brinde a ela.
52
- A noite hoje foi um sucesso, Jemima... foi sua consagração definitiva!
Ela se afastou com graça.
Boa noite, milorde. Estou feliz por compartilhar da sua vingança,
ou melhor, do seu triunfo. O café da manhã só será servido depois das
nove horas. Hawkins vai ter de sair cedo para comprar ovos. Nós hoje
comemos tudo o que havia na casa!
Antes que o visconde pudesse dizer qualquer coisa, ouviu os passos dela
se afastando no saguão em direção à escada.
- Um triunfo! - repetiu ele para si e bebeu o resto do licor,
satisfeito.
Mas, lá no fundo da consciência, uma voz desagradável lembrou-o de que
havia um futuro para se preocupar e que, além, de tudo, agora ainda
tinha
que manter uma esposa. com que dinheiro?
Jemima e Emily voltavam para casa depois de uma visita infrutífera à
agência de empregados domésticos. Ela ia pensando se Hawkins tinha ou
não
providenciado as coisas que ela queria para o almoço. Ele passara um
tempo enorme lavando a louça, limpando a cozinha e a copa. Jemima sabia
que era uma concessão da parte dele pois não era esse seu serviço, mas
ele estava sempre disposto a fazer qualquer coisa em benefício do
visconde.
Jemima refletiu que era fácil julgar o caráter das pessoas,
principalmente dos homens, a partir da lealdade que inspiravam a seus
empregados.
Na casa de seu tio, todos os empregados dele o odiavam e detestavam
Niobe
pela maneira como ela os tratava e falava com eles. Se algum dos
empregados não a agradasse, ela pedia ao pai que o despedisse, sem
motivo, e não o deixava dar cartas de referências. Por isso, ficara
surpresa logo que conhecera os Kingston e não entendia
como o visconde os tinha contratado. Eles não eram em absoluto
O tipo de criados que ela esperava encontrar na casa de um nobre. Mas
logo
Emily forneceu a explicação, enquanto conversavam na carruagem de
aluguel, a caminho de casa.
Eu acho, Emily - disse Jemima -, que nós vamos ter dificuldades
53
em encontrar, nesta época do ano, um casal que sirva. Vi muita
gente do campo passar a temporada em Londres e a procura de empregados é
muito grande.
- Isso é verdade, milady, ainda mais que milorde não pode pagar os
preços
altos que esses empregados treinados pedem...
Jemima olhou para ela de olhos arregalados.
- Quer dizer que o lorde empregou os Kingston porque eles cobravam
barato? - Emily ficou embaraçada e Jemima insistiu
- Diga-a verdade, por favor, só vai me ajudar.
- Está bem, milady, eu vou dizer. Assim que cheguei a Londrdres eu fui à
agência da sra. Dawson para conseguir um emprego de domestica. Lá me
disseram que havia pedido de três casas para eu escolher e uma delas
era a
do visconde. - Ela fez uma pausa e continuou meio sem jeito. - Meus
pais
vivem na propriedade de campo dos Ockley eu ouvia falar do sucesso do
visconde com as corridas de cavalo desde que era pequena... por isso,
disse à sra. Dawson que era na casa do visconde Ockley que eu queria
trabalhar. Ela me respondeu que fiz uma má escolha porque o visconde
pagava mal e que depois eu não fosse reclamar que ela não tinha avisado.
Eu fiquei admirada, pois pensava que gente com esses títulos era sempre
rica. Mas logo descobri que a sra. Dawson tinha razão. Às vezes, eu
recebo
meu pagamento mas às vezes não recebo e mesmo assim é sempre menos do
que
eu ganharia em outras casas.
- E apesar disso você continua com o visconde?
- Bem, ele é sempre tão generoso e bonito... achávamos que ele ia sair
logo dessa situação. Todos nós pensávamos isso quando...
Emily parou bruscamente mas Jemima sabia muito bem o que ela ia dizer. E
pela primeira vez pensou que se até os empregados estavam contando com
um casamento vantajoso para resolver a situação financeira do visconde,
o
que aconteceria agora?
A carruagem de aluguel chegou a Berkeley Square e Jemima pagou o
cocheiro, com um pouco do dinheiro que pedira ao visconde de manhã para
as despesas, e ficou imaginando se haveria mais dinheiro e onde ele
poderia consegui-lo.
Entrou no saguão, tirando o chapéu novo e elegante, pensando que
54
era melhor tirar aquele vestido chique para preparar o almoço. Nesse
momento, Hawkins aproximou-se dela e ela sentiu que havia algo errado.
O que houve? - perguntou ela.
Há um cavalheiro que deseja vê-la, milady. É sir Aylmer Barrington!
Jemima ficou petrificada.
Seu primeiro impulso foi fugir, mas logo o orgulho e a coragem voltaram
e
ela resolveu enfrentá-lo, fossem quais fossem as consequências.
- Onde está o cavalheiro?
- Na sala, milady.
Jemima olhou-se no espelho do saguão por um instante e ao ajeitar os
cabelos deu-se conta de que estava com os olhos maiores e cheios de
medo.
Sentiu um nó na garganta e os lábios secos. Era assim que se sentia,
sempre que tinha que enfrentar o tio, porque já sabia que acabaria
levando uma surra de chicote.
Em seguida, recusando-se a ser covarde, respirou fundo, caminhou
resoluta
para a porta da sala e abriu-a.
Sir Aylmer estava em pé diante da lareira, sinistro e ameaçador como
sempre parecia aos olhos de Jemima mesmo quando não estava bravo.
Pela expressão do olhar e os lábios apertados ela sabia que ele estava
furioso.
Sentiu o coração palpitar agitado e começou a tremer de medo.
- Ah, então você está aqui mesmo, Jemima! - disse sir Aylmer, com a voz
ríspida que sempre usava com a sobrinha e que seria uma surpresa para
muitas pessoas da sociedade.
- É... tio Aylmer - disse ela, aproximando-se dele hesitante.
- Você deve estar pensando que foi muito esperta, não é? Casar, se é
que
se casou mesmo, com um homem que está profundamente apaixonado por
Niobe!
Ora, essa é boa! Pois vou lhe dizer uma coisa, mocinha, não pretendo
deixar que me façam de tolo e já que seu casamento não tem valor legal
vou levá-la de volta comigo e vou castiga-la, por essa atitude leviana,
de um jeito que você não vai esquecer tão cedo! Quero ver se vai ter
coragem de fugir de novo!
Sir Aylmer não estava gritando, falava baixo mas com severidade e
energia
o que tornava as palavras ainda mais assustadoras.
55
- Sinto muito... tio Aylmer se eu... aborreci o senhor, mas o senhor
dizia
tanto que eu era um fardo... um estorvo... que ni pensei que fosse
sentir
minha falta.
- Não se trata de sentir sua falta! É simplesmente que não vou admitir
que desafiem minha autoridade, nem vou permitir que uma sobrinha minha
se porte como uma vagabunda qualquer, indo deitar-se com o primeiro
homem
que encontre! Vamos! Vá buscar suas coisa já a não ser que queira
apanhar aqui mesmo. Você bem que merece.
- Mas... eu acho, tio Aylmer, que devíamos... esperar meu marido, para
saber o que ele acha disso...
A resposta de Jemima enfureceu sir Aylmer a ponto de fazê-lo per der o
controle e ele começou a gritar com a sobrinha.
- Faça o que eu lhe disse! Não discuta!
Ele ergueu o braço e se aproximou como se fosse bater nela.
Jemima instintivamente encolheu-se, incapaz de disfarçar seu terror.
Nesse momento a porta se abriu e o visconde entrou na sala.
Sir Aylmer baixou o braço e Jemima, num gesto impensado, correu para o
marido. Teve vontade de se atirar em seus braços e agarrar-se a ele,
mas
refreou o impulso a tempo. Parou bem perto e ele percebeu que ela
estava
tremendo.
- Posso lhe perguntar, sir Aylmer - disse o visconde em tom sarcástico
-,
por que está gritando com minha esposa?
- Sua esposa! - retrucou ele com escárnio. - Você acredita mêsmo que
ela é sua esposa? Ora, vamos, você não é nenhum tolo, Ockley! Sabe tão
bem quanto eu que neste país casamento com menor de idade só é válido
legalmente com o consentimento do tutor.
- Nós casamos com uma licença especial - disse o visconde -, o vigário
que realizou a cerimónia não fez perguntas. Portanto, se preferir, estou
disposto a levar a questão aos tribunais e vou alegar compaixão, diante
dos juizes, como motivo que me levou ao casamento- Compaixão? Você pode
ameaçar e fazer barulho, Ockley, mas eu vou levar minha sobrinha comigo
imediatamente e dar a ela o castigo que merece por fugir de casa e se
atirar nos seus braços.
Sir Aylmer estava falando aos gritos e ficou surpreso de ver um sorriso
nos lábios do visconde.
56
Espero que repita o que acabou de dizer, exatamente com essas
alavras, diante dos juizes. Como já disse, fossem quais fossem meus
sentimentos em relação a sua sobrinha, não posso permitir que uma
garota delicada, que é pouco mais do que uma criança, seja tratada com
essa brutalidade e desumanidade que arrancaria lágrimas aos jurados
mais insensíveis!
Fez-se silêncio por algum tempo, depois sir Aylmer falou já sem gritar.
- Não sei de que está falando.
- Estou dizendo - disse o visconde, ríspido -, que se decidir recorrer
à
Justiça para anular nosso casamento, eu pretendo levar minha mulher ao
tribunal e mostrar a todos o modo como tem sido tratada. O senhor
deixou
suas marcas bem nítidas nas costas dela e isto, sir Aylmer, servirá
para
mostrar ao mundo, principalmente, ao mundo social no qual gosta tanto
de
brilhar, exatamente o tipo grosseiro e bruto que é e sempre foi!
Houve um total silêncio. Em seguida sir Aylmer falou, em tom
conciliador.
- Bem... talvez eu tenha sido um pouco precipitado... é claro que se
está
satisfeito com esse casamento esquisito, não tem sentido eu querer
anulá-
lo.
- Seria absolutamente inútil! E agora, sir Aylmer, tenho certeza de que
seus cavalos estão impacientes para irem embora -, disse o visconte,
abrindo a porta da sala.
Sir Aylmer arregalou os olhos para ele, incrédulo.
- Está me expulsando de sua casa, Ockley?
- Estou apenas deixando claro que prefiro o senhor lá fora e não aqui
dentro. bom dia, sir Aylmer!
Não havia mais nada a fazer e sir Aylmer atravessou o saguão e saiu. O
rosto estava contorcido de raiva e ele resmungava baixinho. Assim que
saiu, Hawkins bateu a porta estrondosamente.
Da sala, o visconde ouviu e Jemima não pode reprimir um gritinho de
entusiasmo.
- Ah... você foi maravilhoso! Obrigada... muito obrigada mesmo! Ela
disse
isso e cobriu o rosto com as mãos como se quisesse impedir
as lágrimas que queriam rolar de seus olhos.
57
CAPÍTULO IV
O visconde e Jemima estavam voltando para casa depois de terem ido
almoçar fora. No caminho, os dois riam divertidos.
A notícia de que o visconde se casara com uma Barrington, mas não com a
que o mundo social chamava de "a certa", já chegara aos ouvidos de
vários
amigos e conhecidos.
Quando saíram para almoçar com a condessa de Lincoln, Jemima tinha
certeza de que o convite tinha sido motivado por curiosidade pura. Fato
que foi confirmado quando viu a expressão do olhar dos outros
convidados.
Ela e o visconde tinham chegado mais tarde, depois da maioria das
pessoas, e quando foram anunciados e entraram fez-se um silêncio
repentino, o que indicava que estavam falando deles. Todos os olhares
se
concentraram nos dois enquanto a anfitriã os recebia e em seguida
levava
Jemima para ser apresentada primeiro às damas depois aos cavalheiros.
Jemima sabia que estava elegante e bem-arrumada no seu vestido verde-
folha com chapéu combinando e isso lhe dava segurança. Tinha custado
caríssimo, mas, à medida que cumprimentava as pessoas e ouvia elogios,
certificava-se de que valera a pena.
58
Durante todo o almoço, e mesmo depois, ela foi bombardeada por
perguntas. Todos queriam saber por que nunca a tinham visto em Lodres
antes de se casar ou, pior ainda, por que nunca a tinham encontrado
na casa do tio, nas festas que costumava dar.
com muita esperteza ela conseguiu evitar as respostas diretas e não
tinha
dúvidas de que assim que ela e o visconde saíssem dali, os outros iriam
comentar tudo o que dissera e iriam concluir que havia algum mistério em
torno dela.
O visconde, entretanto, estava encantado com o burburinho e agitação
que
tinha provocado na sociedade.
Enquanto almoçavam, ele observou que Jemima se portava muito bem e
estava
a altura das outras damas e que os homens estavam fascinados por ela,
cuja beleza era um contraste total com a da prima.
O visconde percebeu com satisfação que havia pelo menos quatro pessoas
naquela sala que eram amigas íntimas de sir Aylmer e Niobe e tinha
certeza de que tudo o que fosse dito ali seria repetido para os
parentes
de Jemima antes do fim do dia.
Ainda estava exultante pela maneira como tinha subjugado sir Aylmer.
Ele
o vencera de tal modo que tinha certeza de que o tio de Jemima jamais
voltaria a importuná-los. E tal atitude tinha provocado elogios de
Freddy.
- Você foi muito esperto, Valient - dissera ele. - Teve presença de
espírito. Não sei como lhe ocorreu tão rápido que a reputação social
dele
era a única coisa que defenderia a qualquer preço!
- Está se esquecendo - retrucara o visconde -, que ele só ia casar a
filha comigo porque tenho um título e que preferiu outro mais
importante?
O tom amargo fez com que o amigo percebesse que seu orgulho ferido
ainda
não cicatrizara e com muito tato procurou mudar o rumo da conversa.
- Só acho uma pena não podermos contar a façanha a nossos amigos, mas
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Romance do Visconde e Niobe

  • 1. Título: A Outra face do Amor. Autora: Barbara Cartland. Dados da Edição: Livros Abril, São Paulo. Título Original: Lost Laughter. Género: romance. Digitalização: Dores cunha. Correcção: Edith Suli. Estado da Obra: Corrigida. Numeração de Página: Rodapé. Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente. NOTA DA AUTORA A prisão que fica perto do Fleet Market, em Londres, era o lugar onde ficavam detidos os credores que não pagavam suas dívidas até que fossem postos em liberdade sob fiança ou até que parentes e amigos pagassem a dívida deles. Smollet, que foi preso por difamação e calúnia, escreveu mais tarde um livro onde contou o tratamento que recebiam os prisioneiros. Tal como em outras prisões, ali tudo dependia do fato de se ter dinheiro para subornar carcereiros e poder comprar, através deles, tudo o que fosse necessário dos vendedores ambulantes e comerciantes das lojas da vizinhança. Entretanto, existia nas prisões um perigo bem maior do que estar sem dinheiro. Era a "febre carcerária", que na época se alastrava por todas as cadeias, devido às precárias condições de higiene e à água contaminada. Ser encarcerado na Fleet Prision significava não apenas a perda da liberdade mas, com muita frequência, a perda da própria vida. Este é o primeiro romance que escrevo, no qual o herói é um visconde. Esse título de nobreza data do começo do século X e teve origem no cargo de oficial ou tenente de um conde - vice-conde. Henrique VI, coroado rei da Inglaterra e França, nomeou, em 1440, John Lord Beaumont, visconde de Beaumont nos dois países. Tal título tem primazia sobre todos os barões e só se tornou mais popular no século XVII. O filho mais velho de um marquês ou de um conde em geral recebe o título honorário de visconde, mas nesse caso ele não pode participar da Câmara dos Lordes. CAPÍTULO I 1818 O Visconde Ockley saiu da casa correndo, desceu os degraus num salto, e pulou para a carruagem. Pegou as rédeas e chicoteou os cavalos fazendo com que eles arrancassem tão bruscamente que o cocheiro que os estava segurando mal teve tempo de saltar para o lado para não ser derrubado. A carruagem afastou-se balançando à medida que os cavalos galopavam alameda abaixo, a uma incrível velocidade, fazendo erguer o cascalho à sua passagem e o visconde fez a curva de saída dos portões numa roda só. Na estreita estrada rural o pó subia enquanto ele passava como uma ventania deixando os aldeães atónitos.
  • 2. Só depois de uns três quilómetros é que os cavalos diminuíram um pouco a velocidade. Ele pareceu nem notar, sentado na boleia com o olhar fixo na estrada, os olhos fuzilando e os lábios apertados num rícto de raiva. Era um homem com uma bela aparência, de traços bem feitos e bonitos, e ombros largos. Tinha um bom porte e era um pugilista de destaque na Academia de Boxe Gentleman Jackson. Também montava muito bem e praticava equitação com destreza. Era um forte concorrente nas competições de salto de obstáculos. Portanto, tinha, inevitavelmente, muito sucesso com o chamado belo sexo. As mulheres da sociedade que frequentava viviam suspirando por ele e suas conquistas eram sempre comentadas. Por sua vez, Niobe Barrington arrebatava corações masculinos, o que não era de se admirar, sendo ela não apenas de uma beleza sem par mas também herdeira de uma considerável fortuna. O pai dela, sir Aylmer Barrington, era um homem muito rico e todos sabiam disso, aliás, ele próprio fazia questão de mostrar sua riqueza. Queria que a filha única fosse sempre o centro das atenções e para isso dava bailes fabulosos, gastando enormes quantias com as festas. Fazia questão de hospedar todos os convidados. Estava sempre disposto a oferecer hospitalidade a qualquer aristocrata que mostrasse desejo de frequentar sua casa desde que fosse solteiro, bom partido, e fosse um pretendente à mão de Niobe. O visconde, que era conhecido por saber apreciar as mulheres belas, ficou caído de amores assim que viu Niobe pela primeira vez. Ele tinha recebido o convite para ir à casa dela, por escrito, num papel timbrado um tanto pretensioso para seu gosto, e como não tinha nada para fazer naquela noite resolveu ir à mansão de sir Aylmer, em Grosvenor Square, tal como vários outros contemporâneos seus. Entretanto, foi preparado para o pior; era muito cético em relação a herdeiras, pois em geral elas não tinham nada mais que pudesse atrair a não ser uma enorme conta bancária. Porém, logo ficou claro que com Niobe era muito diferente. Ela era de uma beleza arrebatadora com os cabelos da cor do trigo maduro, olhos de um azul profundo, pele acetinada e fresca, capaz de inspirar grandes poetas. Quando ela cravou aqueles olhos azuis nos olhos acinzentados do visconde, ele sentiu que estava perdido. Daquele momento em diante, ele passou a procurar Niobe com um ardor que surpreendeu seus amigos mais íntimos. Seus credores, entretanto, não ficaram apenas surpresos, ficaram entusiasmados e começaram a acalentar esperanças de receberem o dinheiro que lhes era devido, pois as contas do visconde cada ano aumentavam
  • 3. mais e ninguém via possibilidade de receber. Na verdade, o alfaiate dele chegou a abrir uma garrafa de vinho, para comemorar o fato com a esposa, quando ouviu comentários de que o visconde estava prestes a conquistar uma das mais ricas herdeiras daquela sociedade. - Eu não me importaria se ela não tivesse um tostão! - comentou o visconde com seu amigo mais íntimo, Frederick Hinlip. - Mas aposto como ela não ia gostar de morar naquela sua mansão caindo aos pedaços. Tenho certeza de que, com o dinheiro que tem, a primeira coisa que ela vai fazer é restaurar aquilo tudo - retrucou Freddy. - Além disso, você está precisando de uns cavalos novos... O visconde ficou meio envergonhado. - Eu lhe sou muito grato por ter me emprestado os seus, Freddy. - Ora, não tem de quê. - O amigo sorriu para ele. - Ela é a coisa mais linda que já vi! - exclamou o visconde num ímpeto, mudando por completo de assunto. - Concordo plenamente com você, mas não se esqueça que para casar com Niobe você tem primeiro que conquistar o pai dela. - O que quer dizer com isso? - Sir Aylmer é rigoroso e severo, é um osso duro de roer. Ele quer o melhor para Niobe e nesse aspecto é inflexível. E, pensando bem, não se pode censurá-lo por isso... - Está insinuando que eu não estou à altura da escolha? - perguntou o visconde. - É que ouvi dizer que Porthcawl também é pretendente. - Ah, aquele bobalhão! - zombou o visconde com desprezo. Parece que não tem força nem para um aperto de mão e tem cara de peixe morto! - Só que ele é um marquês! - Niobe nem sequer vai olhar para ele! Só de pensar, me dá vontade de rir! - disse o visconde com arrogância. Contudo, no íntimo, sentiu-se apreensivo. Lembrou-se de que Niobe havia lhe dito há uma semana que seu pai não estava muito propenso a aceitá-lo como genro. - O que está querendo dizer com isso? - perguntara na ocasião. - Exatamente o que eu disse - retrucou Niobe. - Papai acha que você é irresponsável demais para ser um bom marido. Aliás, meu querido Valient, receio que ele vá proibi-lo de vir aqui. - Se ele fizer isso, nós fugiremos para casar! - disse o visconde com firmeza. Niobe fitou-o de olhos arregalados e ele continuou: - Vou conseguir uma licença especial de casamento e nós poderemos nos casar na primeira igreja que encontrarmos no caminho. Depois que você se tornar minha esposa, seu pai não poderá fazer mais nada. - Ele ficará furioso! - disse ela. - Além disso, eu quero um casamento grandioso com damas de honra e uma festa espetacular depois da cerimónia... - Você terá isso tudo, minha querida, se seu pai der o consentimento dele. Mas, se ele recusar, não teremos outro recurso... só fugindo! Niobe ergueu-se do sofá onde estavam sentados e andou com infinita graça até a janela que dava para o jardim dos fundos, consciente de que, parada
  • 4. ali, com o sol fazendo brilhar seus cabelos dourados, ela era a própria imagem da beleza e sedução. O visconde contemplou-a como se estivesse enfeitiçado. - Ah, como você é linda... tão linda, meu amor! Eu não posso perder você! Ela sorriu com certa vaidade e num instante ele se ergueu e tomou-a nos braços. - Eu amo você, Niobe! Depois, ele a beijou sedento e apaixonado e ao sentir que ela correspondia com a mesma intensidade, certificou-se de que não havia o que temer em relação ao futuro deles. Quando os dois já estavam com a respiração ofegante, Niobe afastou-se dele e falou, depois de alguns instantes. - Esqueci de lhe dizer que vamos para nossa propriedade de campo neste fim de semana. Papai organizou um outro baile para mim e convidou 10 nossos vizinhos em Surrey. Vai ser uma festa incrível, com fogos de artifício, gôndolas no lago, uma orquestra cigana no jardim, além da outra que vai tocar no salão de baile! - No momento, estou detestando bailes! - disse o visconde com petulância. - Quero você só para mim. Não acha melhor eu falar com seu pai e tratar de nosso casamento logo? Quero, casar antes do fim da temporada! Niobe agitou as mãos no ar, horrorizada. - Não, não! Isso só serviria para enfurecê-lo e fazer com que ele me proibisse definitivamente de ver você. - Ela fez uma pausa e acrescentou: - ele já não vai convidá-lo para o baile. - Quer dizer que seu pai me desaprova a esse ponto? - perguntou o visconde, incrédulo. Jamais em toda sua vida tinha sido proibido de entrar numa casa e achava incrível que sir Aylmer ousasse fazer isso com ele. Niobe baixou as pálpebras. - O problema, Valient, é que papai acha que estou começando a gostar muito de você... O olhar do visconde se iluminou. - É exatamente isso que eu quero que aconteça! Diga que me ama! Quero ouvir de você. - Eu acho que amo você... tenho quase certeza - respondeu Niobe -, mas papai diz que amor é uma coisa e casamento é outra. - O que ele está querendo dizer com isso? - perguntou o visconde, bravo. Niobe suspirou baixinho. - Papai quer um casamento excelente para mim... com alguém muito importante! O visconde arregalou os olhos, atónito. - Você está querendo dizer que seu pai não me acha socialmente importante? - disse ele, devagar, destacando bem as palavras. - Pois fique sabendo que os Ockley estão entre as famílias mais importantes da aristocracia dessa região! Não há um só livro de história que não mencione nosso nome! - É, eu sei - disse Niobe depressa -, não é por isso. É que papai tem outras ideias. - Que ideias? - perguntou ele, com voz sinistra. Niobe movimentou as mãos delicadas e expressivas. - Quer dizer que existe alguém que seu pai acha melhor do que eu? -
  • 5. insistiu o visconde. Niobe não respondeu e ele a envolveu nos braços outra vez. - Você é minha. Você me ama e sabe disso! Precisa ter coragem, meu amor, para dizer isso a seu pai, - Ele não me daria ouvidos. - Então, vamos fugir. O visconde ia começar a explicar o plano de fuga quando Niobe ergueu o rosto angelical e fitou-o nos olhos, dizendo: - Beije-me, Valient! Eu adoro seus beijos e estou com medo de perder você... O visconde beijou, -a com ardor e acabou esquecendo a conversa e os planos. Só quando já estava indo embora de Park Lane é que ele se lembrou que afinal não haviam combinado nada. Por isso escreveu a ela uma carta apaixonada e fez com que seu criado a entregasse às escondidas à criada de quarto de Niobe para que não fosse interceptada por sir Aylmer. Como resposta recebeu duas linhas escritas por Niobe dizendo que ele fosse encontrá-la na casa de seu pai, em Surrey, na próxima segundafeira. O visconde sabia que o baile para o qual não fora convidado seria no sábado, e concluiu que Niobe queria vê-lo a sós, depois que os convidados tivessem ido embora. Contudo, era enervante saber que a maioria de seus amigos iria à festa. Muitos estavam até hospedados na mansão de sir Aylmer e outros em várias propriedades vizinhas. Como não tinha nada para fazer, resolveu ir para sua casa em Hertfordshire, apesar de saber que seria deprimente encontrá-la naquele estado de decadência. Assim que o dinheiro de Niobe fosse para suas mãos, pretendia restaurar a casa e devolver-lhe a beleza de antigamente. 12 A guerra dilapidara a fortuna da família e quase levara o pai do visconde à ruína total. Ele havia investido uma grande soma sem pensar em fazer uma reserva de capital. O visconde lutou na guerra com o exército de Wellington e passou um ano com o Exército de Ocupação. Seis meses depois de ter voltado à Inglaterra, seu pai faleceu e Valient descobriu que herdara apenas uma velha propriedade, caindo aos pedaços por falta de reparos, uma montanha de dívidas e nada na conta bancária para que pudesse saldá-las. Devido aos longos anos que passara na guerra, Valient queria divertirse para compensar o precioso tempo de sua juventude que perdera guerreando. Por isso, protelou a solução do problema financeiro e entregou-se com entusiasmo aos prazeres e distrações que Londres podia oferecer. Sem se preocupar com despesas, ele reabriu a casa da família, em Berkeley Square, apesar de saber que estava totalmente hipotecada, e passou a viver como um lorde embora estivesse de bolsos vazios. Depois de uns dois anos nessa vida, começou a pensar seriamente que devia fazer algo para resolver aquela situação, e era óbvio que só um casamento
  • 6. com uma rica herdeira poderia salvá-lo. Aliás, essa solução não era novidade na família Ockley. A maioria das gerações tinha seguido o impulso da razão e não do coração, escolhendo uma esposa que trouxesse dinheiro ou terras. Olhando com cinismo a galeria de retratos da família, o visconde costumava comentar para si mesmo que dinheiro tinha sido a única vantagem daquelas esposas, pois eram quase todas mulheres feias ou sem nada de extraordinário. Enquanto estava lutando em Portugal ou na França, várias noites, no silêncio do acampamento, ele se pusera a pensar romanticamente no tipo de mulher com quem gostaria de se casar. Não que ele fosse convencido, mas tinha consciência de que era um belo homem e que fazia palpitar os corações femininos. Queria uma esposa que também fosse bonita para que juntos tivessem belos filhos, cujos retratos futuramente viessem a enriquecer aquela galeria da família. Niobe poderia ter sido uma resposta às suas preces. Sabia, pela sua vasta experiência com mulheres, que ela se sentia atraída por ele e que 13 seus beijos a deixavam excitada. Havia um brilho nos olhos dela quando estavam juntos que garantia a conquista total daquela linda mulher. Na segunda-feira de manhã, dirigiu-se para Surrey, impaciente para ver Niobe. Mas, apesar disso, preocupou-se em não forçar demais os cavalos lembrando-se que eles pertenciam a Freddy. Passara todo o fim de semana arquitetando o plano de fuga e apalpava com ar sonhador a licença de casamento que estava bem guardada no bolso de dentro de seu elegante paletó, que, aliás, ainda não tinha sido pago. Enquanto dirigia a carruagem, ia falando com seus botões: Sir Aylmer pode ficar aborrecido, mas depois que Niobe e eu estivermos casados, não vai poder fazer mais nada... ainda bem que ela já tem o dinheiro no nome dela e nem deserdá-la ele vai poder. Tudo parecia estar correndo exatamente como ele queria. Havia só uma pontinha de incerteza e apreensão porque Niobe tinha insistido num casamento grandioso, com uma estrondosa festa. Ela falara várias vezes nisso. Valient lembrava-se muito bem de tê-la ouvido contar que o príncipe regente fora ao casamento de uma das suas amigas e que ficaria infelicíssima se ele não fosse o convidado de honra do casamento dela. O visconde, sem dúvida, já havia encontrado o príncipe em várias ocasiões, mas não tinha a menor intenção de estreitar relações. Achava terrivelmente tediosos aqueles jantares em Carlton House e os serões musicais que se seguiam faziam-no bocejar. O que ele gostava mesmo era de frequentar os salões de jogos, das noitadas nas casas de prazer e das tabernas onde dançava, sempre acompanhado de seus melhores amigos. Ou, então, de participar das corridas de obstáculos, das corridas de cavalo em Newmarket ou Epson e das noitadas de bebedeiras que sempre aconteciam depois de um dia de turfe. - Tenho certeza de que Sua Alteza ficará encantada em comparecer ao nosso casamento -, dissera o visconde, na ocasião, apenas numa atitude de mera
  • 7. cortesia. Mas sabia que isso era pouco provável de acontecer. Entretanto, tinha a certeza de poder proporcionar outros prazeres a Niobe, para compensála dessa frustração. 14 Quando entrou na alameda bem cuidada da propriedade e viu, à distância, a enorme mansão de sir Aylmer, o visconde esqueceu-se de tudo o que estava pensando para só se lembrar da beleza de Niobe e de seu desejo de tê-la em seus braços. Niobe estava à espera dele no salão, decorado tão pomposamente que chegava às raias do mau gosto. Contudo, ele não tinha olhos para isso, naquele momento, só para Niobe que ergueu-se do sofá perto da janela e foi ao encontro dele, mais linda do que nunca. O vestido que usava combinava com a cor dos cabelos e realçava as formas perfeitas de seu corpo. Embora estivesse usando jóias demais para uma jovem que está no campo, o visconde só reparava naqueles lábios femininos e suaves. Quando chegaram perto, ele a abraçou. - Não, Valient. Não! - disse Niobe empurrando-o com suas mãos alvas e delicadas. - Não? Por quê... - perguntou o visconde, desconfiado. - Você não deve me beijar... precisa ouvir o que tenho a lhe dizer. - Eu também tenho muita coisa a lhe dizer. - Mas primeiro deve me ouvir. Querendo agradá-la, ele preparou-se para escutar. - Receio que isso vá aborrecê-lo, Valient, mas papai acha melhor eu mesma lhe contar. - Contar-me o quê? - perguntou ele, fazendo esforço para se concentrar no que ela dizia e para controlar o impulso de estreitá-la nos braços e beijar aquela boca macia e tentadora. - Contar-lhe que... - disse Niobe - eu prometi casar com o marquês de Porthcawl. Por um instante o visconde não conseguiu entender, era quase como se ela tivesse falado numa língua estranha. Depois, à medida que foi assimilando as palavras e entendendo o significado, sentiu-se como se tivesse levado uma pancada na cabeça. - Por acaso está brincando? Isso é uma pilhéria? - Não, é claro que não. Papai está muito satisfeito. O casamento foi marcado para o mês que vem. 15 - Não acredito! E, depois, se isso foi decisão do seu pai, então vamos fazer o que tínhamos combinado... vamos fugir! Pela expressão de Niobe ele sabia, mesmo antes de acabar de falar, que ela não iria com ele. Apesar disso quis ouvi-la falar. - Eu tenho uma licença especial - continuou ele. - Nós nos casaremos na primeira igreja e depois será impossível seu pai tirá-la de mim. - Sinto muito, Valient, sabia que você ia ficar aborrecido com isso... Eu amo você e gostaria de ser sua esposa, mas não posso recusar o pedido
  • 8. do marquês. O visconde respirou fundo. - O que está querendo me dizer é que esteve me iludindo esse tempo todo, mantendo-me na reserva, caso Porthcawl não fizesse o pedido. Agora que ele pediu sua mão, você simplesmente se desfaz de mim como se eu fosse um brinquedo velho! - Sinto muito, Valient - repetiu ela -, gostaria que você entendesse e que pudéssemos ser amigos depois que eu me casar. Então, o visconde perdeu a calma de uma vez e não se controlou mais. Ele sempre tivera génio forte e explosivo, era uma característica dos Ockley, só que não se manifestava com frequência. Mas também quando isso acontecia era uma verdadeira explosão vulcânica. Mais tarde, o visconde mal conseguia se lembrar de tudo o que dissera para Niobe. Só sabia que não tinha gritado. Falara baixo, mas com intensidade e usando palavras que feriam como açoite. Ela ficara completamente pálida e não respondera nada. Quando sentiu que já havia dito tudo, ele saiu da sala feito um furacão, querendo afastar-se depressa daquela mulher que o traíra. Depois de algum tempo dirigindo a carruagem, ele começou a se acalmar e a respiração ficou mais fácil. Percebeu, então, que estava correndo demais, os cavalos estavam suados e ele próprio estava com calor. Olhou de relance para o chão da carruagem e notou ali uma manta que não havia antes. Estava imaginando quem pusera aquilo ali, num dia tão quente como aquele, quando notou um movimento sob a coberta e viu, atónito, aparecer um rosto. Era um rosto oval e pequeno com olhos grandes e negros que o fitavam apreensivos e súplices. 16 - Posso... sair daqui agora? - perguntou uma voz delicada. Estou morrendo de calor. - Quem é você? - perguntou o visconde, ríspido. - E que diabos está fazendo aqui? A manta foi jogada para o lado e surgiu uma garota delgada e frágil que subiu na boleia e sentou-se ao lado do visconde. O vestido dela estava todo amarrotado e os cabelos negros em desalinho. O visconde fitou-a perplexo e depois olhou de novo para a estrada. - Creio que você deve ter algum motivo para estar na minha carruagem, não é? Como explica isso? - Estou fugindo. - De quem? - Do meu tio Aylmer. - O quê? Está me dizendo que sir Aylmer Barrington é seu tio? disse o visconde furioso. - Nesse caso, mocinha, pode descer imediatamente! Não quero ter mais
  • 9. nenhum relacionamento com os Barrington pelo resto da minha vida! - Sabia que seria essa sua reação. - Sabia? Como, se você não viu o jeito como fui destratado? Ou por acaso você está envolvida nessa trama diabólica para me insultar? - Não, não tenho nada a ver com isso. É que acompanhei tudo, de longe, e vi o modo como você estava sendo mantido na reserva, caso o marquês não fizesse o pedido de casamento. O fato da garota ter dito o que ele havia pensado fez com que o visconde ficasse mais furioso e puxou as rédeas com violência fazendo os cavalos pararem. - Saia já daqui! - explodiu ele. - Vamos, desça e vá para o inferno! E diga a seu tio e a sua prima que eu desejo que eles apodreçam no inferno! O modo como falou e a expressão de raiva no rosto dele deveriam ter intimidado a garota, mas em vez disso ela o olhou cheia de comiseração e disse: - Sinto muito, mas, na verdade, embora você possa não acreditar em mim, eu acho que se livrou de boa. Teve sorte de não ter ficado com ela. 17 - Que diabos quer dizer com isso? - Você não conhece Niobe como eu conheço. Ela é invejosa, má, vingativa e interesseira. Ia fazer você muito infeliz. - Não acredito que Niobe seja nada disso, e se continuar falando assim, vou acabar esbofeteando você! - ameaçou. - Não seria nenhuma novidade para mim - respondeu ela, sem se alterar. - Hoje de manhã, mesmo, tio Aylmer me bateu e foi então que decidi fugir. Por isso estou aqui. - Bateu em você? Não acredito! - Posso lhe mostrar as marcas, se quiser. Ele sempre bate em mim. A primeira vez, logo que vim morar aqui, ele me bateu porque Niobe mandou, depois se acostumou e eu vivo apanhando por qualquer coisinha. O visconde olhou para ela, perplexo. Estava pasmo. Era difícil acreditar naquilo, mas a garota estava falando com sinceridade, quanto a isso não tinha dúvidas. Contemplou-a mais detidamente. Era tão jovem, quase parecia uma criança. - Que idade você tem? - Dezoito anos. - E qual é seu nome? - Jemima Barrington. - Então, você é mesmo prima de Niobe? - Minha mãe era irmã de sir Aylmer. Ela fugiu com o meu pai para se casar, eles eram primos distantes. Eram muito pobres mas muito felizes. Quando eles morreram e eu fiquei órfã, tio Aylmer me levou para morar com ele. Foi por isso que disse que você escapou de boa. Eu os conheço bem. Quando o assunto voltou para ele de novo, o visconde ficou novamente muito irritado. - Sinto muito, pela sua situação, mas você sabe que eu não posso me envolver com seus problemas. O máximo que posso fazer é levá-la para onde você quiser ir, contanto que ninguém fique sabendo que fui eu. - Não acho que alguém vá se interessar em saber de mim. Niobe não gosta
  • 10. de mim e tio Aylmer me considera um fardo, um estorvo. Suspirou baixinho, antes de acrescentar: - Afinal, quem é que se preocupa com parentes pobres? 18 - Você é pobre? - Sou. Mamãe sempre deu mais importância ao amor do que à riqueza. Ela foi a única exceção da família. O visconde não pôde deixar de concordar com ela nesse ponto. Niobe preferira um título de nobreza mais importante do que o dele. Como se adivinhasse o pensamento dele, Jemima disse: - Niobe é esnobe como o pai! O sonho dela é estar entre as esposas dos pares do reino, e se por acaso agora aparecesse um duque, pode estar certo de que ela se livraria do marquês como se livrou de você! - Já lhe disse para não falar assim! - Um dia você ainda vai me dar razão e ver que estou falando a verdade. O visconde ia retrucar mas refreou o impulso achando que seria indigno da parte dele. - Para onde quer que eu a leve? - perguntou, segurando de novo as rédeas. - Para onde você quiser ou puder. - Você tem dinheiro? - Só dois guinéus que roubei de cima da cómoda de tio Aylmer. O visconde largou as rédeas e olhou para ela. - E você me diz, assim, com essa cara, que está saindo para enfrentar o mundo, sozinha, só com dois guinéus? Você é maluca? Houve um pesado silêncio e depois Jemima falou, num tom de voz amargurado e cheio de comoção: - É a única saída que me resta. Não posso continuar sendo espancada e maltratada... levando uma vida desesperadamente... infeliz. A última palavra foi dita num soluço comovente. - Você não tem nenhum outro parente na casa de quem possa ficar? - perguntou, preocupado. - Tenho outros parentes, mas nenhum ficaria comigo. Todos têm muito medo de tio Aylmer e logo me mandariam de volta para a casa dele. - Era o que eu também devia fazer. Ele franziu o cenho, pensando no que fazer, mas a simples ideia de voltar e ter de encarar Niobe de novo, ou o pai dela, fez o sangue subir a sua cabeça. 19 - Que praga! Por que é que você foi me aparecer logo agora? Eu não quero voltar lá - disse ele, furioso -, estou louco para sumir e mostrar àquela sua priminha interesseira o que eu penso dela! - Ele riu com desprezo. - Eu disse a ela como me vingaria e é exatamente o que pretendo fazer. - O que você disse a ela? - perguntou Jemima, curiosa. O visconde semicerrou os olhos. - Eu disse que me casaria com a primeira mulher que encontrasse, só para não deixar que ela me humilhasse diante de todos!
  • 11. Os olhos dele faiscavam de ódio e ele olhava fixo para a estrada sem ver nada. Estava lembrando do rosto de Niobe quando ela dissera que ia se casar com o marquês. Então, ao seu lado, uma voz suave, um tanto hesitante disse: - Se... foi isso o que você falou... ahn... eu sou a primeira mulher que você encontrou... O visconde virou a cabeça para fitá-la. - Meu Deus... é mesmo! E talvez seja até maior a vingança se eu me casar com uma Barrington... Ele olhou para a frente de novo, com ar pensativo, e ouviu Jemima dizer: - Nada deixaria Niobe mais furiosa do que... o fato de eu me casar antes dela... e, ainda mais, com você! O visconde deu uma risada sinistra e um tanto assustadora. - Deve haver uma igreja aqui por perto. Ele chicoteou os cavalos, com certa satisfação íntima de ter encontrado o melhor meio de se vingar da mulher que o humilhara. Como ele era há muito tempo um solteirão convicto, sabia que aquele casamento repentino causaria sensação e comentários nos clubes de St. James. Todos sabiam que ele estava cortejando Niobe; por isso já deviam estar fazendo apostas para saber se ele conseguiria ou não conquistá-la, portanto seria uma surpresa bastante irónica, aliás, quando ele anunciasse que se casara com a prima dela. O visconde sabia muito bem que Niobe gostava de ser sempre a figura central de todos os acontecimentos importantes. E apesar de ela estar agora noiva de um marquês esse fato ia passar para segundo plano quan20 do todos soubessem que o visconde, que a cortejava, casara-se com a prima dela. O visconde seria o principal comentário da temporada e Niobe ficaria furiosa. Quando parou a carruagem diante de uma igrejinha de pedra, o visconde tinha um sorriso quase cruel nos lábios. - Aqui está bom - disse ele. Olhou em redor e chamou uns garotos que brincavam ali perto para que segurassem os cavalos. - Você pretende mesmo... casar comigo? - disse Jemima, com voz tímida. - Creio que essa é a melhor solução. Você só tem a ganhar! Ou será que prefere ficar vagando pelas calçadas de Londres? - Não... é claro... Eu lhe fico muito grata. - Pois não precisa. Só estou fazendo isso para dar uma lição à sua priminha e espero que ela sofra bastante. - Sem dúvida, vaj sofrer mesmo! O visconde desceu da carruagem, sem se preocupar em ajudar Jemima, e perguntou a um dos garotos onde estava o vigário. - Está na igreja, fazendo um batismo, sir - respondeu o moleque. Ele atravessou o portão de ferro em direção à igreja e deixou Jemima para trás. Ela desceu sozinha da boleia, amarrou o chapeuzinho e foi atrás dele. Quando chegou ao portão, esperou sairem um homem e uma mulher carregando
  • 12. um bebé, seguidos de várias pessoas. De longe viu o visconde conversando com o vigário e mostrando a ele uma folha de papel. Nervosa, ajeitou o vestido amarrotado e quando o visconde lhe fez um sinal ela se aproximou e foram até o altar. - Eu disse a ele que seu primeiro nome tinha sido inadvertidamente omitido na licença especial - disse o visconde, em voz baixa e tom impessoal - por isso ele vai chamar você de Jemima Niobe. Jemima fez que sim com a cabeça. Estava pálida e com olhar assustado. O visconde nem olhou para ela, foi andando para o altar sem sequer lhe oferecer o braço. Jemima apressou o passo e colocou-se ao lado dele. A cerimónia foi curta e rápida. Na hora da troca de alianças, o visconde percebeu que se esquecera desse detalhe, por isso tirou um anel com o 21 brasão da família, que usava no dedo mínimo, e colocou-o no dedo do meio da mão de Jemima, e mesmo assim ainda ficou largo O Vigário declarou-os marido e mulher, o visconde pagou a taxa de casamento e foi saindo sem nem prestar atenção ao padre que o cumprimentava e desejava felicidades. - Obrigada muito obrigada - disse Jemima, e correu atrás do marido com medo de que ele a deixasse ali. 22 CAPÍTULO II Jemima acordou num sobressalto, achando que dormira demais e que estava atrasada, mas quando abriu os olhos e viu aquele quarto diferente lembrou-se que estava em outro lugar. Percebeu que alguém havia entrado no quarto e logo viu que era uma criada, abrindo as cortinas. - Que horas são? - perguntou. - Mais de nove horas, milady. Jemima quase perdeu a respiração. Ser tratada de milady era uma confirmação de que tudo o que acontecera na véspera era realidade, embora parecesse sonho. Estava cansada quando chegaram em Londres, mas não tinha dito nada, pois não estava acostumada a falar de si nem a esperar que alguém se interessasse por ela. Os dois tinham feito o percurso todo em silêncio, desde que saíram da igreja, o visconde sempre sisudo. Quando chegaram em casa, assim que o cocheiro surgiu, Valient entregou a ele as rédeas, desceu e foi seguindo na frente sem dar atenções a Jemima. Ela o seguiu, calada. Sem dizer uma palavra aos empregados que o receberam, o visconde foi para a biblioteca e sentou-se diante de uma enorme escrivaninha. 23 Jemima ficou parada na porta, sem jeito, vendo-o retirar de uma caixa de couro, uma folha de papel timbrado que colocou sobre a mesa. Quando ele pegou a pena para começar a escrever, Jemima falou com timidex
  • 13. - Bem... o que você quer que eu faça? - Espere um pouco! - retrucou o visconde, irritado. - Quero que levem logo esta participação de casamento para que dê tempo de sair no jornal de amanhã cedo. - É claro... desculpe. Jemima entrou em silêncio e sentou-se em uma poltrona. Enquanto esperava, ficou examinando o ambiente. Percebeu que, embora o lugar fosse luxuosamente decorado, os móveis já estavam bem gastos e precisando de uma bela limpeza. Depois, recriminou-se por estar criticando em vez de agradecer o estranho destino que fizera com que ela encontrasse pelo menos um teto onde se abrigar. Tudo acontecera tão rápido que ela nem tivera tempo de refletir sobre o que estava fazendo, ao se casar com o visconde. A única coisa em que pensara fora no fato de não ter de voltar à casa do tio e ainda apanhar por ter fugido. Ela o odiava tanto que só de lembrar daquele rosto autoritário, estremecia. A surra que ele tinha lhe dado na última manhã, como em tantas outras vezes, não só machucara seu corpo como principalmente a humilhara e ferira seu orgulho. Ela nunca imaginara que no mundo pudesse haver pessoas tão cruéis, egoístas e insensíveis como sir Aylmer e a filha. Sabia que Niobe não gostava dela porque, apesar de ser pequena e insignificante, era uma mulher e portanto a prima a considerava uma rival. Fizera com que o pai batesse nela, logo no início, com medo que ele começasse a gostar da prima. Teve ciúmes do afeto do pai. Se ele gostasse de Jemima, Niobe iria se sentir lesada. Niobe era possessiva e egocêntrica, achava que o mundo devia girar em torno dela. Bastava Jemima se arrumar um pouco melhor e ficar um pouquinho atraente que fosse, Niobe brigava com ela, beliscava-a e obrigava-a a mudar de roupa. Se ela se negasse, Niobe ia fazer intrigas para o pai e ele acabava batendo na sobrinha. 24 Além disso, usava Jemima como se fosse sua empregada, aliás, a palavra mais certa seria escrava, pois a prima trabalhava para ela de graça e ainda recebia maus-tratos e ouvia desaforos. Às vezes, no fim do dia, depois de subir e descer centenas de vezes aquelas escadas, ser maltratada e humilhada, ela se sentia tão cansada e infeliz que nem conseguia dormir. Ficava chorando, sozinha, no escuro. O contraste entre a vida que levava na suntuosa mansão do tio e a que levara na modesta casa de seus pais era tão grande que ela se sentia como se tivesse sido expulsa do paraíso e caído no inferno. Houve vezes em que ela chegou a pensar em suicidar-se afogando-se no lago ou com um tiro de uma das pistolas de duelo que o tio possuía. Mas o orgulho a mantinha firme e cheia de coragem, e ela repetia para si própria que não ia se deixar vencer por pessoas que ela odiava e desprezava tanto. Tudo na casa do tio era o oposto da bondade, carinho e compreensão que sempre recebera da mãe. Sabia que seu pai jamais gostara de sir Aylmer e
  • 14. dava graças a Deus por ele ignorá-los por serem parentes pobres e não terem posição social de destaque. Aquela manhã Jemima chegara ao limite do que podia suportar. Tinha apanhado porque Niobe, embora não admitisse, estava nervosa por ter que dizer ao visconde que não ia mais se casar com ele, e o tio estava nervoso com o acordo de casamento que estava em andamento com o marquês de Porthcawl. Jemima, como sempre, era o bode expiatório de tudo e tivera o azar de, justo naquele dia, esbarrar sem querer numa mesinha e derrubar uma estatueta de porcelana. Ela não costumava ser desastrada, mas é que um dos cachorros de sir Aylmer entrara correndo para fazer festa e dera um encontrão nela fazendo-a perder o equilíbrio e virar a mesinha. Sir Aylmer, que acabara de chegar, ainda estava com o chicote de montaria na mão e imediatamente avançou para ela. Quando, afinal, conseguiu correr para o quarto, dolorida e magoada, resolveu que precisava fugir. Não havia outro meio de se proteger daquelas surras e não queria mais se sujeitar aqueles maus-tratos. Sabia que o visconde iria visitar Niobe depois do almoço e quando desceu para fazer uma das muitas tarefas de que era encarregada, viu a 25 4 carruagem dele parada no jardim. Viu que ele tinha vindo sozinho, sem cocheiro, e imediatamente armou um plano de fuga. Sabia que não tinha tempo para pensar muito, era preciso agir rápido. Conseguiu passar pelo saguão sem ser vista, pegou uma das mantas de carruagem que ficavam no baú e correu para fora sorrateiramente. Entrou na carruagem, deitou-se no chão, cobriu-se com a manta e ficou ali esperando, o coração palpitando de medo. Agora estava livre, afinal! Mas enquanto se vestia depressa, depois que a criada dissera que o visconde já estava tomando o café da manhã, Jemima ficou pensando se não teria apenas mudado de um carrasco para outro. Não sabia como era o visconde. Ela o vira várias vezes de longe, é claro, pois não lhe era permitido conhecer nenhum amigo de Niobe. Mas gostava de olhar, furtivamente, os admiradores que cortejavam a prima. Achava ridículo aquilo tudo e observar o espetáculo a divertia muito. De todos os pretendentes, o visconde tinha sido o que ela achara mais bonito e simpático. Só quando a família estava sozinha, Jemima comia com eles à mesa, mas Niobe e o pai a recriminavam tanto e caçoavam dela que preferia mesmo comer com os empregados. Agora, olhando para aquele homem, que tão de repente e inesperadamente se tornara seu marido, ela imaginava como seria sua vida dali em diante. Será que seria diferente da vida na casa do tio? Ou ali também viveria em escravidão? Quando o visconde terminou de escrever a participação de casamento, ele se ergueu. - Vou até o clube - disse ele -, de lá mando entregar a notícia no jornal. É melhor você ir para a cama.
  • 15. Jemima também se ergueu da poltrona. - Será que... - disse ela com voz titubeante -, alguém pode me mostrar onde é que vou dormir? - Ah, claro, a governanta pode fazer isso. Ele tocou o sino para chamá- la. - Será que eu poderia... se não for incómodo... comer algo antes de deitar? - pediu Jemima, timidamente. - Você está com fome? - perguntou ele surpreso. 26 - Eu não tomei nem café da manhã, hoje. Estou em jejum. Ela disse apenas isso, sem se preocupar em explicar que ficara sem comer por causa da surra e porque ficara chorando até a hora do almoço. Nesse momento, a porta se abriu e entrou o mordomo. - Esta senhora deseja comer e depois diga a sua mulher para mostrar a ela onde vai dormir. - A lady vai dormir aqui? - perguntou ele, com certa impertinência. Estava realmente admirado. - Esta é minha esposa, Kingston - anunciou o visconde -, e a partir de agora a patroa de vocês! Ele falou e foi saindo da biblioteca, deixando o mordomo boquiaberto e de olhos arregalados. Houve um ruído de porta batendo, depois o empregado olhou para Jemima e disse, ainda de um certo modo impertinente: - Será que entendi bem o que disse milorde? Ele se casou com a senhora? Jemima olhou para ele de cabeça erguida. - Você ouviu muito bem o que ele disse - retrucou. - Agora, por favor, peça para sua mulher me mostrar meus aposentos. Acho que seria melhor levarem a comida para mim numa bandeja. - Não sei como vai ser - disse o mordomo -, o cozinheiro já foi embora e hoje de manhã milorde não deu ordens para que se preparasse jantar. - Bem, não quero ser inconveniente. Se não houver comida, ficarei satisfeita com um pouco de pão com queijo e um chá. - Não sei quem vai preparar isso para a senhora. O cozinheiro não gosta que os outros empregados mexam na cozinha. Jemima olhou bem para o mordomo e percebeu então que ele andara bebendo. Admirou-se de o visconde admitir um empregado insolente como aquele, mas de repente lembrou-se de uma conversa com Niobe que analisava os prós e os contras dos seus pretendentes, enquanto a prima a arrumava. - Eu gosto de Valient Ockley -, disse Niobe, na ocasião. - Ele é bonito e nós dois faríamos um belo par. Todos dizem isso! Só que ele não tem dinheiro. 27 retrucou Jemima. - Afinal, - E por que se preocupar com isso? - retrucou Jemima. - Afinal, você já é muito rica! - Não pretendo gastar meu dinheiro com homem nenhum, seja quem for. Além disso, papai disse que a casa dele está caindo aos pedaços e vai ser preciso gastar uma bela quantia para deixá-la em ordem. Ao passo que a mansão do marquês está em perfeito estado... Aliás, papai disse que a
  • 16. casa dele é a casa de um nobre de verdade! - Mas o marquês é velho - disse Jemima -: e eu acho que ele é horroroso! - Quando você o viu? - Eu o vi chegar ontem à noite e quando entrou no saguão pude ver bem a cara dele. Tenho certeza de que é um bobalhão. Não tem cara de homem inteligente ou interessante. - Você nem o conhece, não sabe nada sobre ele! - disse Niobe, com rispidez. - Ele é rico, viúvo e é um marquês. Já pensou na posição que vou ter? Eu, a marquesa de Porthcawl! - Mas ele vai ser seu marido... vai beijar você... vai dormir na mesma cama... já pensou nisso? - Ora, Jemima, francamente! Como se atreve a falar nessas intimidades? - Antes de aparecer o marquês você dizia que amava o visconde... - E eu o amo mesmo - disse Niobe, com um delicado suspiro. Gosto quando ele me beija e me abraça... mas um marquês é muito mais importante do que um visconde. Agora Jemima constatava que não só o visconde era muito pobre como também muito mal servido em termos de criadagem. Uma mulher um tanto desleixada, que nem de longe parecia uma governanta, conduziu Jemima até um quarto, com muita má vontade, dizendo que era ali que devia ficar se era mesmo verdade que tinha se casado com o patrão. - Nós nos casamos hoje mesmo, numa aldeia - retrucou Jemima. - Então, é esse mesmo o seu quarto. É pegado ao dele. Ouvi dizer que a senhora quer comer alguma coisa. - Agradeceria muito se me arranjasse algo. Estou com muita fome. 28 Afinal, foi-lhe servido um prato com um pedaço de carneiro e três batatas, tudo frio, pão e manteiga numa vasilha mal lavada. Mas Jemima não estava em condições de reparar nessas coisas. Comeu até matar a fome, depois, como ninguém foi buscar a bandeja vazia, ela colocou-a do lado de fora do quarto, tirou a roupa e se deitou. Apesar do cansaço, não pôde deixar de notar que os lençóis estavam rasgados e encardidos e que havia uma camada de pó na água que estava no jarro de louça, junto à bacia, em cima da cómoda. Deitou-se com cuidado para não machucar mais as costas doloridas, cheias de-vergões das chicotadas. De qualquer forma, suspirou aliviada. Pelo menos ali estava fora do alcance do tio e de Niobe, o resto não tinha a menor importância. Enquanto descia as escadas para tomar o café da manhã, usando o mesmo vestido com que saíra da casa do tio, Jemima ficou pensando se o visconde não estaria arrependido de ter se casado com ela, num gesto impulsivo. Achou que devia ter recusado e tê-lo impedido de fazer uma coisa tão absurda, só para se vingar. Mas, ao mesmo tempo, para ela tinha sido muito conveniente, a maior felicidade de sua vida, embora ainda não soubesse o que esperar daquela situação. Não precisava mais temer a crueldade do tio: agora era a viscondessa Ockley, e não importava o que acontecesse no futuro, mesmo que o visconde
  • 17. a mandasse embora, que não quisesse mais vê-la, pelo menos tinha um nome e um título honroso. Quando o visconde começara a cortejar Niobe, ela ficara fascinada não apenas com ele mas também com a linhagem de nobreza a que pertencia. - Os Ockley são muito importantes - repetira Niobe inúmeras vezes. - Vários aristocratas que não aceitariam papai, por ele ser apenas um cavaleiro com título adquirido e ter feito fortuna em vez de herdá-la, jamais fechariam as portas para um Ockley. Por isso, naquela manhã, Jemima sentia-se feliz por ter adquirido o nome do visconde, embora se sentisse um pouco nervosa porque não sabia com que humor ele estaria. Desceu as escadas e ficou procurando a sala de jantar pois não havia 29 ninguém ali para lhe dizer onde era, até que ouviu vozes e caminhou na direção de onde vinham. O visconte estava com dor de cabeça, de ressaca, por ter bebido vinho demais. Ele detestava quando acontecia isso, pois normalmente não era de beber muito. Era bastante cuidadoso com relação a isso. Comia e bebia sem exageros, preocupado em manter uma boa saúde para ter um bom desempenho nos esportes que gostava de praticar. Entretanto, na véspera, depois de ter mandado levar a notícia de casamento para o jornal, ele encontrou vários amigos no clube e ficou bebendo com eles até de madrugada. Resolveu não contar nada a eles para que o impacto da notícia no jornal fosse maior no dia seguinte. Sorriu com a satisfação íntima de saber que para Niobe, sem dúvida, seria uma surpresa bem desagradável. Quanto mais pensava no modo como ela o iludira, mantendo-o na reserva caso o marquês falhasse, com mais raiva ele ficava. Tinha ficado bebendo no clube, mas não falara, não participara da conversa como sempre fazia. Ficara só ouvindo. Todos estranharam e perguntaram o que tinha acontecido, por que estava tão calado. Como ele não respondesse, os amigos se entreolharam, certos de que Niobe havia dado o fora nele. Só Freddy, porque era o amigo mais íntimo, resolveu perguntar de novo, quando deu a ele uma carona em sua carruagem, na hora de irem embora. - Sei que você foi até a casa de campo deles, hoje, Valient - disse. - Ela recusou seu pedido? - Não quero falar nesse assunto - disse o visconde com voz um pouco arrastada. - Amanhã eu falo, Freddy. Venha tomar o café da manhã comigo. - Está bem, pode me esperar. Sinto muito, meu amigo, se aconteceu o que eu desconfio... mas, afinal, ela não é a única herdeira rica no mundo. Ânimo, rapaz! O visconde, enrolou a língua, emitiu um som confuso e desceu da carruagem sem nem dizer boa noite. Freddy tocou a carruagem e ficou com pena do amigo. Desconfiava 30 que Niobe tinha preferido o marquês e que Valient estava sofrendo por isso. O visconde tinha acabado de entrar na sala de jantar e estava examinando o que havia na mesa do café, arrumada com pratarias escurecidas e
  • 18. malcuidadas, quando Freddy entrou sem ser anunciado. - bom dia, meu caro Valient -, foi ele cumprimentando num tom caloroso. - Espero que esteja mais bem-disposto hoje. - Pois eu lhe digo que estou em péssimo estado - retrucou o visconde largando a tampa de prata que cobria um dos pratos e olhando para Freddy. - O que não é de se admirar, considerando-se o que você bebeu ontem. Deve ter bebido pelo menos umas três garrafas! O visconde resmungou qualquer coisa e serviu-se de café. Freddy acomodou- se numa cadeira e abriu o jornal que tinha trazido. - Você já leu as notícias? - perguntou ele. - Os agricultores estão protestando veementemente contra a competição no mercado de alimentos importados, que são mais baratos. - Virou algumas páginas examinando por alto o conteúdo e de repente exclamou. - Meu Deus! - Leu de novo a notícia que tanto o surpreendera, depois disse. Então, ela aceitou seu pedido! Mas por que diabos não me disse nada? Por que não me contou ontem? Só que o jornal publicou errado... aqui estão dizendo que vocês já se casaram! - Leia para mim. - Puxa, mas como é que foram cometer um erro desses? - comentou Freddy admirado. - Ouça, está escrito assim: - "Realizou-se ontem secretamente o casamento entre o Quinto visconde Ockley, de Ockley Hall, Northamptonshire e a srta. Barrington". - Exatamente, está certo - afirmou o visconde. Freddy olhou para ele atónito e boquiaberto, mas antes que formulasse a pergunta que tinha em mente a porta se abriu e Jemima entrou. Freddy virou a cabeça e ao vê-la ergueu-se imediatamente. - bom dia, Jemima -, disse Valient. - Quero lhe apresentar meu melhor amigo, Frederick Hinlip. Freddy, esta é minha esposa, Jemima Barrington, agora viscondessa de Ockley. 31 Por instantes, Freddy ficou sem fala por completo. Os olhos de Valient brilhavam com cinismo e ele parecia estar se divertindo. - Desculpe eu ter me atrasado... - disse Jemima - mas é que dormi demais. Estava tão cansada! - Não tem importância - disse o visconde. - Não precisava ter levantado cedo. Sirva-se, por favor. Não sei se você vai achar a comida muito apetitosa, em todo caso... - Claro que vou, eu ainda estou com fome - sorriu Jemima. O visconde ficou meio sem jeito. - Kingston não levou comida para você, ontem? - Levou o que ele conseguiu arranjar. Disse que o cozinheiro já havia saído. Freddy, afinal, recuperou a fala. - Isso é alguma brincadeira? - perguntou ele, sem entender nada. - É claro que não! - respondeu Valient. - Se você quer saber a verdade, vou lhe contar, mas não é para espalhar para todo mundo. Niobe realmente preferiu o marquês e Jemima, a prima dela, estava louca para fugir das garras do tio. Coisa, aliás, que não censuro!
  • 19. Freddy fitava os dois com olhos semicerrados. - Quer dizer que se casou para se vingar de Niobe? - Você entende rápido, Freddy. Foi justamente isso que eu fiz! Só queria saber os comentários que estão fazendo lá no clube... e quanto tempo vão demorar para descobrir que a Barrington com quem me casei não é a que estão pensando! - Sem dúvida, você resolve as coisas de um modo-mui to especial! - comentou o amigo. Freddy contemplou Jemima com olhos críticos enquanto ela se aproximava da mesa e se sentava. Ela sorriu, meio tímida, e ele concluiu que a moça era de certa forma atraente se não fosse comparada com a prima. - Então, estão casados, ora vejam só! Preciso cumprimentá-los. E agora, o que pretendem fazer? - Como assim? - perguntou o visconde. - Você acha que devemos fazer algo? 32 Estava só imaginando... Por que não tive o prazer de conhecê-la antes, milady? - Eu não tinha permissão de ser apresentada aos convidados de meu tio, nem de frequentar as festas para as quais ele e a filha eram convidados - respondeu Jemima. - É que sou apenas uma parenta pobre. - Parenta pobre? - repetiu Freddy, incrédulo. - Muito pobre - confirmou ela. - Minha fortuna resume-se em dois guinéus. De novo Freddy olhou atónito para o visconde. - Pois é, não é para contar a ninguém - disse o visconde - mas Jemima estava fugindo para Londres, só com esse dinheiro e sem ter onde ficar nem a quem recorrer. - Meu Deus! Então você foi a salvação para ela - disse Freddy -, embora também tivesse tido seus motivos para se casar assim tão precipitadamente! - E eu sou muito grata a ele por isso. - Fitou o visconde sentado à sua frente e quando seus olhares se encontraram ela teve a impressão de que era a primeira vez que ele olhava para ela. - Só que estava com medo de que hoje já estivesse arrependido de sua benevolência... Freddy percebeu o olhar e falou apressado. - Bem, creio que vocês desejam ficar a sós e você, Valient, naturalmente não vai mais comigo à luta de boxe em Hampstead Heath conforme tínhamos combinado, não é? - É claro que vou! - respondeu o visconde de imediato. - Tenho certeza de que o sargento Jenkins vai ganhar e pretendo apostar nele! Freddy olhou de um para outro. - E a sua esposa? - Ah, será que eu não poderia ir também? - pediu ela. - Adoraria ver uma luta, eu sempre tive vontade! - Uma lady nunca frequenta esse tipo de lugar - retrucou o visconde. - Ah, eu esqueci que agora sou uma lady... é difícil me acostumar com a ideia.
  • 20. - É, sua primeira aparição em público deve ser de modo apropriado, milady - disse Freddy, depois olhou para o visconde. - Sem dúvida 33 você deve estar sabendo que todo mundo vai ficar louco para conhecer sua esposa. Imagino que a essa hora os comentários já devem estar fervilhando e quando descobrirem que não foi com Niobe que você casou vão ficar mortos de curiosidade para conhecer sua mulher! - É claro que vão ficar curiosos e acho isso ótimo! Niobe vai ficar furiosa - disse Valient. - Isso é verdade - disse Jemima. - Será que... posso pedir algo? - Certamente - respondeu o visconde. - É que... - Jemima corou enquanto falava. - Bem, eu saí do jeito que estava... não trouxe nada. - Nada? - espantou-se Freddy. - É, foi tudo tão de repente! Eu desci e vi a carruagem, logo depois da surra que levei de tio Aylmer, e achei que era minha chance de escapar... não aguentava mais... - Quer dizer que sir Aylmer costumava bater na senhora, milady? Não é possível! - Pode parecer impossível, mas é verdade -, retrucou Jemima e se virou de costas. O vestido que usava tinha sido de Niobe e era um pouco grande para ela, além de ter um pequeno decote atrás. Por isso, os dois puderam ver bem os vergões vermelhos, marcando a pele branca e delicada, que chegavam quase até o pescoço. Ela se virou de frente de novo. - Estão vendo? Mais para baixo está pior ainda! Agora sabem que não estou mentindo. - Mas isto é um despropósito! Que coisa absurda! - indignou-se Freddy. - Aquele homem é um monstro! - Eu jamais gostei dele e sempre o considerei um intrometido acrescentou o visconde -, mas nunca imaginei que ele fosse tão vil a ponto de tratar com brutalidade uma delicada jovem! Olhou para Jemima, enquanto falava, e achou que ela parecia uma menina, pequena e frágil. Por um instante, passou por sua cabeça a ideia de que poderia ser acusado de raptar uma menor, porém logo se lembrou de que sir Aylmer não ia querer fazer alarde do caso para que o mundo social em que vivia ficasse sabendo o modo brutal e repulsivo com que tratava uma parenta pobre que estava sob sua tutela. 34 Estava pensando - disse Freddy, depois de uma longa pausa que assim como milady está... Ora, pelo amor de Deus, Freddy, chame-a de Jemima e trate-a de você! - interrompeu o visconde. - Senão, parece que você está falando de minha mãe!
  • 21. - Está bem. O que eu quero dizer é que já que Jemima vai ter que comprar algumas roupas, é melhor que faça um enxoval digno de uma lady. É preciso que fique patente porque entre ela e Niobe você a preferiu! Tanto o visconde quanto Jemima entenderam de imediato o que ele estava tentando dizer, com muito tato, para não ferir a suscetibilidade da moça. - Meu Deus! Eu vou mesmo ter roupas novas, lindas, e feitas especialmente para mim? Mal posso acreditar! Há dois anos que eu só uso os vestidos velhos de Niobe, que ela não quer mais, e por mais que eu tente reformá- los nunca ficam bem em mim. Eu sou morena e mamãe sempre dizia que cor pastel não combina comigo! - Pois compre quantos vestidos quiser - disse o visconde -, e é melhor ir à loja de madame Bertha. Eu já estou mesmo devendo uma grande quantia a ela! - Você tem conta na madame Bertha? - disse Jemima atónita, mas depois de alguns instantes caiu na risada. - Ah, mas é claro, como sou boba! Devia ser lá que você comprava presentes para as mulheres com quem andava! - Meu Deus! Isso não são modos de falar! - repreendeu o visconde. Tanto ele quanto Freddy estavam tão espantados com o jeito dela que Jemima corou. - Desculpe... não sabia que era errado... - Claro que é errado - disse o visconde. - Você não devia nem saber uma coisa dessas, quanto mais mencionar o assunto! Não posso Creditar que seu tio tenha... - Não foi tio Aylmer que falou nisso, foi um primo, Oliver Barington. - Que sujeito mais inoportuno! - comentou Freddy. - Aliás, eu nunca suportei Oliver, desde os tempos de escola. 35 - Concordo com você - disse o visconde -, e quanto a você, Jemima, é melhor esquecer as besteiras que seu primo lhe disse. - Ah, ele não disse díretamente para mim. É que as pessoas sempre acham que os criados são surdos e imbecis e falam coisas indiscretas perto deles. E parentes pobres estão na mesma categoria de empregados... Freddy não pôde deixar de rir. - Pois, minha cara, agora você tem de esquecer essa história de parente pobre. Valient não pode ter uma esposa humilde. Portanto erga a cabeça e trate de convencer a todos que Valient escolheu a melhor esposa do mundo. Jemima fitou-o de olhos arregalados e disse com voz ténue: - Acha mesmo que... que eu consigo... - Você tem que conseguir - disse Freddy. - Valient se meteu nessa... - ele ia dizer "encrenca", mas trocou a palavra a tempo situação e é muito importante que nem Porthcawl nem Niobe riam dele agora! - Ah, isso não! É claro, eu entendo! - disse Jemima. - Talvez fosse melhor... eu desaparecer, ir embora... - Ela suspirou. - Acho que foi um erro eu ter concordado em me casar com você... mas é que, naquela hora, me pareceu tão maravilhoso que você pudesse me ajudar num momento de
  • 22. desespero tão grande... - Fico contente de ter podido ajudá-la - disse o visconde com deter minação -, mas Freddy tem razão. Agora temos que enfrentar a situação de cabeça erguida, não podemos ficar feito cachorros escorraçados, com o rabo no meio das pernas, - Assim é que se fala, meu caro! - aprovou Freddy. - Agora está nas mãos de Jemima. Freddy a contemplou de onde estava e Jemima sentiu que ele a estava analisando, estudando os pontos favoráveis. - Farei o que vocês quiserem e acharem melhor - disse ela -, mas estou bem ciente de que não posso me comparar a Niobe. - Lembro-me de uma vez - disse Freddy -, quando criança, em que perguntei a mamãe se ela gostava mais de mim ou de meu irmão Ela pegou duas flores do jardim, uma rosa e um lírio, e depois me disse 36 Qual das duas você acha mais bonita?. - Não sei, mamãe - respondi eu -, as duas são lindas de forma diferente. Cada uma tem sua beleza especial. Justamente! - disse ela. - Não se pode estabelecer comparação entre elas. As duas são dignas de admiração. E é assim que eu me sinto também com você e seu irmão Charlie. Vocês são duas pessoas diferentes e eu admiro e amo os dois como meus filhos. Não existe primeiro e segundo, só dois garotos que eu adoro. - Que resposta maravilhosa! - encantou-se Jemima. - Vou dar bem isso, caso aconteça o mesmo com meus filhos. - Depois, percebendo o que dissera, ela corou e mudou de assunto. - Vou me esforçar para ficar o melhor que posso! Talvez com vestidos bonitos e o cabelo bem penteado milorde não se envergonhe de mim... - Não tenho a menor intenção de me envergonhar, ao contrário, pretendo me orgulhar de você! - disse o visconde num tom de voz que soou um pouco forçado. Houve uma pequena pausa, depois Jemima disse: - Então... será que poderia fazer o favor de ir comigo e ajudar-me a escolher os vestidos certos? Eu não sei se saberei escolher sozinha .O visconde olhou-a com ar de surpresa e Freddy riu. - Por que não, Valient? Você tem bom gosto, como já pôde demonstrar em várias ocasiões... - disse com malícia. - Ora, cale-se! Está se mostrando pior do que Oliver BarringtoH' - Não diga isso nem brincando! - retrucou Freddy. - Mas, minhas irrnãs, quando querem comprar roupas para ocasiões muito especiais costumam desfilar com os vestidos para mim, para que eu dê palpit e ajude na decisão. - Pois bem - decidiu o visconde -, nós iremos com Jemima fazer as compras. - Mas não podemos sair com ela assim como está agora! - disse Freddy depressa. - Por que não? - perguntou o visconde.
  • 23. - Porque depois de meia hora toda Londres já estará comentando que, perdoe-me, Jemima, ela não está à altura de ser sua esposa. Jemima sabia que ele tinha razão. O vestido que usava ainda estava 37 todo amassado, por ela ter ficado deitada no chão da carruagem sob a manta, embora o tivesse dependurado cuidadosamente quando o tirara à noite. E, além do mais, estava grande para ela e a cor não combinava nem um pouco, deixando sua pele pálida. Quanto ao cabelo, estava solto e rebelde, sem um penteado da moda. Nunca tivera tempo ou meios de cuidar da aparência e Niobe não gostava de vê-la bem-arrumada. Naquele momento tomou consciência de como devia estar causando má impressão a lorde Hinlip e ao próprio visconde. Passou a mão pelos cabelos, um tanto constrangida e sem jeito. - Faremos o seguinte - disse Freddy. - Primeiro mandarei minha carruagem a Bond Street para trazer madame Bertha aqui com alguns vestidos para que Jemima possa se trocar e depois iremos fazer compras. E, se você me permite, Valient, vou transformá-la numa Prima Donna. Jemima bateu palmas, entusiasmada. - Isso seria maravilhoso... maravilhoso! - fez uma pausa e depois acrescentou. - Mas, e a luta de boxe, não vou atrapalhar? - A luta é às duas horas - disse Freddy - e não vamos demorar tanto assim fazendo compras. Temos bastante tempo ainda. Jemima estava maravilhada. Era a coisa mais emocionante que acontecera em sua vida. E mal cabia em si de contente quando, duas horas mais tarde, saiu na companhia do visconde e Freddy, toda arrumada com um vestido cor de morango e chapéu com flores combinando. Entraram os três na carruagem e foram para Bond Street. Não visitaram só a loja de madame Bertha, foram também a outras onde tanto o visconde quanto Freddy eram bem conhecidos. Cada vez que Jemima era apresentada como a nova viscondessa, a proprietária ficava toda sorridente e querendo agradar. Quando, às quinze para uma, ela voltou para casa, cheia de roupas novas, estava se sentindo a heroína de um conto de fadas. Os três iam conversando na carruagem. - Ainda há muitas outras coisas que você precisa comprar... sombrinhas, sapatos, luvas e coisas assim, mas isso você pode comprar hoje à tarde mesmo, enquanto vamos assistir a luta. Só que não deve sair sozinha - disse Freddy. - E quem vou levar comigo? - Uma de suas criadas pode acompanhá-la, não é, Valient? 38 Posso levar a criada que foi me acordar hoje de manhã? - pediu Jemima. - Ela me pareceu simpática. É, pode sim - respondeu o visconde com um tom de desinteresse. Obrigada... muito obrigada por dizer que eu posso comprar o que quiser. E mil vezes obrigada por todas essas coisas maravilhosas que acaba de me dar! Nunca pensei... nunca sonhei que um dia pudesse ter vestidos tão lindos! - Tenho certeza de que vai ficar muito bem com eles - disse o visconde
  • 24. no mesmo tom de voz que usara antes. Freddy percebeu um certo desapontamento no olhar dela. - Sabe o que acho que devemos fazer? - disse ele depressa. Acho que devemos comemorar depois da luta. Valient, você deve convidar os amigos para jantarem com vocês hoje. Tenho certeza de que todos ficarão encantados de conhecer Jemima! - Está bem - concordou o visconde. Depois, virou-se para a esposa. - Diga a Kingston para avisar o cozinheiro que eu quero que providencie jantar para umas dez pessoas. - Eu direi. - respondeu ela, sentindo-se importante. Quando pararam diante da casa, Freddy ajudou-a a descer da carruagem. - Ponha seu melhor vestido, Jemima - disse ele, baixinho -, não se esqueça que precisa impressionar bem os amigos de Valient. É muito importante! - Eu não esquecerei. Freddy apertou de leve a mão dela e subiu de novo na carruagem. Enquanto se afastavam, ele virou-se e viu-a ainda parada no último degrau. Parecia tão frágil e desamparada! Acenou e ela respondeu. - Sabe de uma coisa, meu caro Valient - disse ele virando-se para O amigo. - Você é mesmo um homem de sorte! 39 CAPÍTULO III Assim que a carruagem desapareceu, virando a esquina, Jemima entrou e um dos empregados veio correndo até a porta. Era Hawkins, um homem baixo, magro, que tinha sido ordenança de Valient enquanto ele estava no exército e voltara à vida civil junto com ele, servindo-o como empregado, conforme a governanta tinha lhe contado na véspera. - Milorde já foi embora? - perguntou ele, ainda ofegante. - Foi - respondeu Jemima. - Ele e lorde Hinlip foram assistir a luta em Wimbledon Common. Hawkins resmungou algo ininteligível e Jemima perguntou: - Por que, aconteceu algo errado? - É, milady, aconteceu sim... não sei o que fazer. - Talvez eu possa resolver ou ajudar. Diga o que é. Hawkins ficou um tanto embaraçado antes de responder. - Bem, milady, é que os empregados estão indo embora. - Indo embora? Mas por quê? Houve um silêncio, depois o criado disse, constrangido. - Eles não gostaram de milorde ter se casado... Jemima olhou-o, consternada. 40 - Mas eu não pretendo criar problemas! Ao mesmo tempo, pensou na poeira acumulada na casa, nos lençóis encardidos, na refeição fria que tinham lhe servido na véspera, nos maus modos e concluiu que os Kingston não seriam uma grande perda. Entretanto, como não sabia qual seria a reação do visconde, disse apenas: - Vou falar com eles. Tenho certeza de que quando eu disser que não pretendo interferir na rotina da casa, eles resolverão ficar. Será
  • 25. que pode me mostrar onde fica a cozinha? - Certamente, milady. Sem que houvesse explicação para isso, ela teve a impressão de que Hawkins pensava o mesmo que ela a respeito dos Kingston. Atravessaram um corredor e desceram uma escada que, sem a menor dúvida, estavam precisando de uma bela limpeza. No andar de baixo, o chão ladrilhado estava imundo. Ao passarem pela despensa, Jemima viu um objeto de prata saindo para fora de uma maleta de couro que estava no chão. Parou na porta e Kingston surgiu de trás de um armário com um candelabro de prata na mão. Jemima entrou na despensa. - Parece que você e sua mulher estão abandonando a casa de lorde Ockley, não é isso? - disse ela num tom de voz que soou corajoso. Percebeu que Kingston surpreendeu-se ao vê-la e imediatamente recolocou o candelabro no armário, antes de responder, em tom grosseiro. - Fomos contratados para trabalhar para um homem solteiro. - Posso entender o descontentamento de vocês - retrucou Jemima - mas naturalmente é de se esperar que peçam demissão com certa antecedência. Não podem sair assim de repente. - Nós vamos já! - disse Kingston, com petulância e ar de pouco caso. - queremos receber os salários a que temos direito. Jemima olhou para a maleta preta e viu que o objeto de prata que estava saindo para fora era o pé de um candelabro, par daquele outro que ele tinha tirado do armário. - Creio que você ia levar este candelabro que está ali na maleta para 41 consertar, mas já que vai embora, pode deixar que eu providencio isso. Quer fazer o favor de guardá-lo de novo no armário? Houve um silêncio pesado e por instantes ela temeu que Kingston fosse desafiar sua ordem, mas então Hawkins, que ficara parado na porta entrou e ele mudou de atitude. - É verdade, milady, eu ia levar os candelabros para consertar - ele respondeu. - Eu não disse? Tinha certeza de que a senhora ia começar a interferir e ficar criticando o serviço, por isso não vou mais ficar para ouvir reclamações. - Dobre a língua - repreendeu-o Hawkins com rispidez -, e trate milady com respeito! Isso não é modo de falar! Kingston sabia que não estava com a razão e entregou os pontos. Retirou o candelabro da maleta e Jemima viu que lá dentro havia vários outros objetos de prata. Ela não disse nada, apenas ficou olhando até que a maleta ficasse totalmente vazia. Então, Hawkins adiantou-se, trancou a porta do armário e entregou a chave a ela. - Obrigada, Hawkins. Jemima sabia que ela o estava agradecendo não apenas por lhe entregar a chave mas sim pelo apoio que dera a ela. Assim que saiu da despensa, ela o ouviu dizer: - O quanto antes sair daqui, melhor, senão vou dar parte de você à polícia! Kingston respondeu com um palavrão que Jemima fingiu não ter escutado enquanto ia para a cozinha. Hawkins apressou o passo e alcançou-a na porta.
  • 26. A sra. Kingston estava lá, toda arrumada, pronta para sair e em cima da mesa havia uma porção de pacotes ao lado de uns restos de comida. Ela olhou com animosidade para Jemima e já ia dizer algo rude quando Hawkins impediu-a, dizendo: - Você não vai embora enquanto não abrir todos esses pacotes e mostrar a milady o que tem dentro! Acabamos de surpreender seu mari do com os candelabros de prata na maleta. - A sra. Kingston ficou sem fala e Hawkins continuou: - Você sabe tão bem quanto eu qual é pena para quem rouba seja lá o que for! A governanta deu um grito, pegou uma cesta que devia conter 42 roupas dela, passou correndo por Hawkins e saiu antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa. Ouviram-na chamar o marido, lá fora, em seguida o ruído do portão dos fundos batendo e depois o silêncio. - , Bem, eles se foram! - disse Hawkins. - E se quer saber minha opinião, milady, acho que já foram tarde. Eles não prestam. - Eu também achei isso - retrucou Jemima. - Só não queria ter de aborrecer meu marido. - Os Kingston beberam o vinho dele e dividiram entre os três a metade do dinheiro que milorde deixou para o cozinheiro comprar comida. - Onde está o cozinheiro, agora? - Foi embora, há uma hora. Ele estava com medo que a senhora descobrisse o que estavam tramando, milady. - Por que você não avisou lorde Ockley que eles o estavam atraiçoando? Hawkins refletiu por alguns instantes, antes de responder. - Por que estou acostumado assim, milady. No exército, é cada um por si. Viver e deixar viver. Se milorde tivesse perguntado, eu teria lhe contado a verdade, mas como não falou nada achei que não devia criar problemas. - Acho que posso entender sua posição - disse Jemima. - Agora, que tal vermos o que eles iam levar embora? Abriram os pacotes sobre a mesa e descobriram que continham vários pequenos objetos recolhidos da casa, alguns dos quais bastante valiosos, outros meras bugigangas, mas Jemima ficou contente que tudo tivesse sido salvo das mãos dos ladrões. Só quando estavam colocando os objetos numa bandeja para recolocálos nos lugares certos, é que Jemima lembrou-se do recado do visconde. - E, agora, o que vamos fazer, Hawkins? - disse ela aflita. Lorde Ockley disse que teremos, no mínimo, uns dez convidados para Jantar hoje! - Duvido que consigamos arranjar outros empregados tão depressa assim, milady... - Pois, então, já sei o que vamos fazer! 43 - f O visconde voltou da luta com um bom humor extraordinário. Tinha se divertido a valer, não apenas observando a luta, cujo vencedor foi o sargento em quem apostou e que arrasou o adversário em vinte e seisf
  • 27. rounds, mas também recebendo com cinismo os cumprimentos de seus amigos e conhecidos que ficaram sabendo do casamento. Não pôde deixar de pensar que todos eles estavam sendo tão efusivos I e amáveis só por saberem da grande fortuna de Niobe. A atitude dos amigos, em geral, era de quem o considerava extremamente inteligente e hábil por ser bem-sucedido num golpe invejável. Enquanto que o visconde estava tão eufórico de não ter sido humilhado: quanto um garotinho que consegue roubar uma maçã de um pomar sem ser pego. Voltaram, como sempre, na carruagem de Freddy com o visconde se gurando as rédeas. Freddy sabia que o amigo manejava os cavalos e bera melhor do que ele e por isso preferia deixá-lo conduzir. - Por quanto tempo vai continuar com essa farsa? - perguntou Freddy, assim que ficaram a sós. - Até que eles descubram a verdade. - Vão ficar furiosos quando perceberem que você os fez de tolos! - Não poderão dizer nada. Afinal, eu casei com uma Barrington, não menti quando publiquei a notícia, nem disse a eles que tinha me casado com Niobe. Ah! Só gostaria de ser uma mosca para poder escutar o que ela e o pai estão dizendo disso tudo! - Meu caro amigo, você está se tornando um sádico! - Ora, ela jogou sujo comigo e merece o mesmo em troca - disse o visconde com displicência. - É, quanto a isso, concordo com você, mas ao mesmo tempo não posso deixar de achar que você está patinando em gelo fino, Valient. O visconde ficou em silêncio por alguns instantes. - Veremos o que acontece esta noite - disse ele, depois. - Você viu quem eu convidei para jantar? - É, confesso que fiquei surpreso com sua escolha. - Alvanley é o maior tagarela e espalha-boatos de Londres e se ele aprovar Jemima os outros seguirão a atitude dele. Chesham é um grande admirador da beleza feminina e não resiste a um rosto bonito... 44 Freddy não disse nada e depois de uma pausa o visconde acrescentou: sei o que está pensando, mas acontece que ele não gosta de Niobe. Por quê? Ela o desprezou antes de saber quão importante ele era. Depois que descobriu e tentou reconquistá-lo ele não quis mais saber, não se deixou levar. - Isso é bem próprio dela! Se quer saber minha opinião, Valient, quanto mais ouço falar de Niobe e do pai, mais me convenço de que você deveria agradecer o fato de ter se livrado deles e não procurar se vingar! - Nós vemos as coisas de modo diferente - disse ele, apenas, encerrando o assunto. O visconde acabou chegando tarde em casa porque não resistiu à tentação de parar um pouco no clube White só para ouvir o que tinham a dizer sobre seu casamento. Algumas pessoas ele já havia encontrado durante a luta, mas muitos tinham passado a tarde ali nas confortáveis poltronas do clube comentando sobre
  • 28. acontecimentos da sociedade e era a opinião desses que ele queria ouvir. Só quando Freddy percebeu que já era tarde e o chamou para ir embora é que o visconde saiu e dirigiu a carruagem a toda velocidade para Berkeley Square. - Só espero que o cozinheiro tenha feito um bom serviço, pelo menos dessa vez! - disse ele puxando as rédeas e fazendo os cavalos pararem diante da casa. - Você devia ter esperado até que Jemima se acostumasse a ser uma dona- de-casa. Ela mal acabou de chegar! - comentou Freddy. - Jemima? Ora, duvido que ela saiba como dirigir uma casa! E, dePois, agora é tarde demais. Os dois se olharam apreensivos. - É melhor servir bastante vinho. Isso sempre esconde possíveis falhas. O visconde desceu da carruagem, subiu correndo os degraus de entrada e quem o recebeu foi Hawkins e não Kingston. 45 - Está bem, Hawkins - disse ele -, sei que estou atrasado mas espero que tenha providenciado tudo para mim. Sem esperar resposta ele subiu a escada, de dois em dois degraus e encontrou, tal como esperava, seu banho preparado e suas roupas limpas estendidas sobre a cama. Ainda estava tão alvoroçado com os cumprimentos e imaginando o que os convidados iam achar de Jemima que não reparou em mais nada. Tomou banho e arrumou-se depressa e quando desceu as escadas, impecavelmente vestido, viu lorde Alvanley, lorde Worcester e sir Stafford Lumley entrando no saguão. Cumprimentou-os com grande efusão e conduziu-os até a sala descobrindo, surpreso, que Freddy já estava lá. Ele tinha ido até a casa dele, trocado de roupa, voltado, e ainda chegara antes do visconde. Não havia o menor sinal de Jemima e quando chegaram mais quatro convidados ele já estava pensando em mandar chamá-la, quando seu criado se aproximou e disse em voz baixa: - Mtlady manda pedir desculpas, milorde, mas diz que está atrasada e não pode vir já. Pediu que o senhor começasse o jantar sem ela. O visconde franziu a testa, mas sabia que era incorreto demonstrar aborrecimento em público, por isso disse apenas: - Diga à lady que venha o mais rápido possível! - E voltou-se para os convidados. Tudo estava em ordem e bem arrumado, as bebidas providenciadas com capricho e exatamente na hora marcada o jantar foi anunciado. O visconde desculpou-se pela ausência da esposa e conduziu as visitas para a sala de jantar. Assim que foi servido o prato de entrada o visconde percebeu de repente que quem estava servindo à mesa era seu criado de quarto e uma jovem que era arrumadeira da casa. Já ia perguntar o que acontecera a Kingston quando se lembrou que não seria de bom-tom, naquele momento. e como o jantar transcorria perfeito, sem a menor falha, ele não se preocupou mais com isso.
  • 29. Percebeu, satisfeito, que a comida estava melhor do que nunca. Jamais provara coisas tão deliciosas e até Alvanley, que era um conhecido gourmet, fizera elogios a pelo menos dois dos pratos. 46 fjawkins mantinha todas as taças cheias de vinho, com presteza e atenção, , havia um clima de jovialidade e bom humor e a conversa estava mais animada que de costume. A única coisa que aborrecia o visconde era aquela cadeira vazia na outra cabeceira da mesa. Não conseguia imaginar por que Jemima estava demorando tanto. Pensou que talvez os vestidos novos não tivessem sido entregues ou que talvez ela tivesse tido um súbito ataque de timidez, o que era mais improvável. Finalmente, quando serviram pêssegos, uvas moscatel e castanhas como sobremesa, a porta se abriu e Jemima entrou na sala. O visconde a viu primeiro, e se ergueu de imediato. Os convidados olharam para a porta e ao vê-la levantaram-se também. Ele não pôde deixar de sentir uma satisfação íntima ao constatar que ela estava linda e extremamente atraente. O vestido cor de carmim, ornamentado com tule e babados nos ombros e na barra, realçavam a pele alva e acetinada. Os cabelos negros bem penteados, de acordo com a última moda, por um cabeleireiro que Hawkins trouxera à tarde, estavam brilhantes e com reflexos azulados e deixavam à mostra o rosto delicado onde brilhavam os enormes olhos escuros. Ela se aproximou da mesa e quando o visconde percebeu os olhares de interrogação das visitas, disse: - Permita que lhe apresente meus amigos. Cavalheiros... minha esposa! Foi com grande satisfação que ele ouviu um ligeiro murmúrio antes que Jemima inclinasse a cabeça num gesto de cortesia e se sentasse à cabeceira da mesa, na cadeira que Hawkins puxou para ela. - Peço que me desculpem o atraso - disse ela, com voz suave e Musical, quebrando o silêncio que se seguira à apresentação. - Estava preocupado com a demora - retrucou o visconde. Creio que você perdeu um excelente jantar. Faço questão de elogiar Pessoalmente o cozinheiro amanhã cedo. Um brilho de malícia passou pelos olhos de Jemima, mas ele não entendeu. - Espero que faça isso mesmo, milorde. 47 Lorde Alvanley foi o primeiro que teve a coragem de formular a pergunta que estava formigando na língua de todos. - Deve ter havido um erro de imprensa na Gazette dessa manhã Ockley - disse ele -, pois do jeito que saiu a notícia entendi que você havia se casado com a senhorita Barrington. - A notícia estava certa - retrucou o visconde laconicamente - acontece apenas que minha esposa é sobrinha de sír Aylmer e não filha dele. Todos os presentes ficaram atónitos, com exceção de Freddy, é claro, e várias exclamações foram ouvidas. O visconde não pôde deixar de achar graça na maneira como todos se portavam para se adaptarem à novidade - Pois quero ser o primeiro a ter o privilégio - disse, afinal, lorde Chesham que estava sentado à direita de Jemima - de brindar à saúde da noiva e desejar a ela felicidades. E, é claro, cumprimentar Ockley pela escolha.
  • 30. Não havia dúvidas de que ele falava com sinceridade e Jemima olhou para ele com um sorriso que, como sempre, formava covinhas em suas faces. Estava mesmo tão bonita e encantadora que todos os brindes feitos e todos os elogios ditos foram sinceros. Lorde Worcester, que estava sentado perto do visconde, expressou o que todos deviam estar pensando. - Você, meu caro Valient - disse ele -, está sempre surpreendendo mesmo seus amigos mais íntimos! Hoje, sem dúvida, você nos nocauteou a todos, tal como o sargento Jenkins na luta. O visconde sorriu complacente e o lorde disse em voz baixa, só para ele escutar. - E o que houve com Niobe? Eu estava certo de que você e ela estavam apaixonados. - Meu caro, sempre achei mais prudente esconder minhas cartas num jogo - retrucou o visconde sem responder. - E neste jogo escondeu bem mesmo! Mas eu não o censuro por isso. Se os outros a tivessem visto antes, estou certo de que você teria de vencer vários rivais para conquistá-la. Ela é fascinante! E essa foi a palavra mais usada pelos convidados, quando mais tarde, depois de saírem da casa do visconde, queriam descrever Jemima. 48 Todos, cada um por sua vez, fizeram elogios sinceros quando se despediram dela e muitos tentaram em vão fazê-la explicar por que não havia aparecido na sociedade até então. Era óbvio que todos os cavalheiros ali presentes acharam que havia algum mistério ou talvez até certa esperteza por parte do visconde por havê- la mantido escondida e só aparecer já como esposa dele. Estavam todos admirados por terem descoberto a existência dela só naquele momento. - Não posso imaginar por que nunca a encontrei na casa de seu tio - diziam todos eles, mais ou menos do mesmo jeito. - Ou será que não morava lá com ele, é isso? - Quando meus pais eram vivos eu morava em Kent com eles -, respondia ela de modo evasivo. Conseguia se esquivar de todas as perguntas sem mentir e evitando uma resposta direta de tal modo que quando as visitas se retiraram sabiam tão pouco sobre ela como quando chegaram. A única coisa que conseguiram saber era que o visconde tinha se casado e que a noiva não era quem estavam imaginando, mas sim uma jovem miúda e delicada, amável, encantadora e fascinante que ouvia com atenção tudo o que lhe diziam e corava graciosamente a cada elogio que ouvia Muitos dos cavalheiros ali presentes tinham sido tratados com arrogância e desdém por Niobe que, se deixara estragar pelo sucesso de sua beleza. Antes mesmo da festa terminar, tanto o visconde quando Freddy tinham certeza de que os comentários sobre a "esposa de Ockley" seriam os mais favoráveis. Quando todos se foram, e só Freddy ficou, o visconde disse a Jemima: - Por que diabos, afinal, demorou tanto para aparecer e não jantou conosco? Pensei que tivesse tido um ataque de nervos ou qualquer coisa
  • 31. assim. Ele não falava em tom de censura, pois estava com excelente humor devido ao sucesso do jantar. Estava até mais eufórico do que à tarde. Jemima contemplou-o por instantes, depois disse: 49 - Aposto um guinéu como você não adivinha o motivo. O visconde refletiu por um momento. - Creio que, como todas as mulheres, você demorou demais para se arrumar ou o cabeleireiro se atrasou. Lembra-se, Freddy, daquela bailarina que nunca cheg... - ele interrompeu bruscamente, lem brando-se que Jemima era uma senhora. - Pois bem, diga qual foi o motivo. - Você perdeu a aposta - disse Jemima e estendeu a mão aberta para ele. - Pode me pagar! - Ei, espere um pouco! Primeiro quero saber o motivo. - Bem, na verdade, foi por causa do jantar que me atrasei. - O jantar? Como assim? Você preferiu jantar sozinha? E por falar nisso... o que houve com Kingston? Por que Hawkins é que estava servindo à mesa? - É justamente isso o que eu ia explicar. - Jemima fez uma pausa - Sinto muito mas os Kingston foram embora. - Embora? - É. Hawkins e eu ainda conseguimos impedi-los de levar uns objetos de prata que estavam roubando - acrescentou ela depressa antes que ele dissesse algo. - Não é possível uma coisa dessas! Sabia que Kingston bebia mas sempre pensei que fosse honesto! - admirou-se o visconde. - Pode perguntar a Hawkins, se quiser. E eles foram embora porque acharam que não iam poder continuar roubando agora que você casou e tem uma esposa para tomar conta da casa. Os olhos do visconde se anuviaram ameaçadoramente e Freddy se apressou em dizer: - Sempre achei Kingston um imprestável e muito insolente, E bebia demais mesmo, aliás, da sua adega, meu caro. Tenho certeza de que Jemima irá encontrar criados bem melhores do que esses! - Não gosto que a rotina doméstica seja perturbada! - disse o visconde com petulância. - Em todo caso, pelo menos o cozinheiro saiu-se bem e mostrou grande competência! - Muito obrigada - disse Jemima. - Estou pronta para ouvir os elogios que você disse merecer o jantar 50 por instantes os dois homens se entreolharam e depois olharam fixo ara ela como se não acreditassem no que acabavam de ouvir. Freddy falou primeiro. Está nos dizendo que foi você quem fez o jantar? É. Não havia mais ninguém para fazer... e devemos agradecer a Hawkins também. Ele comprou todos os ingredientes necessários em tempo recorde. Depois eu fiz a comida e ele serviu. Foi isso. Houve um silêncio total, depois o visconde começou a rir alto e, como se
  • 32. fosse contagioso, Freddy riu também e depois Jemima. - Meu Deus!... Se eles soubessem! - disse o visconde sacudido pelo riso. - A noiva que eles pensavam ser a mais rica herdeira, preparando a refeição que eles comeram e depois aparecendo linda, com o frescor de quem repousou o dia todo! Você merece um prémio, Jemima! Se eu sou um bom jogador, que gosta de surpreender, você também é! Ah, eles engoliram tudo direitinho!... Isca, anzol e linha... ha, ha ha ha... - Como é que você sabe cozinhar tão bem assim? - perguntou Freddy quando o riso diminuiu um pouco e ele conseguiu falar. - Meu pai gostava de comer bem e mamãe e eu gostávamos de agradá-lo porque o amávamos. Por isso, tínhamos vários livros de receitas e vivíamos preparando coisas diferentes. - Céus! A comida de hoje foi a melhor que já provei em toda a vida! - exclamou Freddy. - Mal posso crer! - disse o visconde. - Pena que não possamos contar aos outros porque ficaria mal para Jemima. - Você quer dizer que não ficaria bem para a esposa do visconde Ockley - corrigiu Jemima. - Agora sei que poderia ter arranjado emPrego de cozinheira se você não tivesse feito de mim uma lady. - Aliás, acho que as duas coisas são perfeitamente compatíveis disse o visconde. - com você cozinhando desse jeito para que vou Querer contratar um cozinheiro? - No momento, o que precisamos é de alguém para arrumar a cozinha - disse Jemima. - Hawkins levou a louça lá para baixo, mas ainda é preciso lavar tudo aquilo. Freddy riu de novo. 51 - Creio que amanhã, em vez de ir às lojas fazer compras para o seu enxoval, você vai a uma agência de empregados domésticos. - É justamente o que pretendo fazer. Só há uma dificuldade. - E qual é? - perguntou o visconde. - É que Hawkins me disse que uma das razões do descontentar de todos criados, além da minha chegada, é o fato de não estarem recebendo salários há algum tempo. O visconde ficou embaraçado. - Confesso que tenho sido um tanto descuidado em relação a isso mas a verdade é que meus bolsos estão vazios. - Mas vamos ter que dar um jeito nisso, não é? - disse ela. - Concordo plenamente, só que no momento não sei o que poderemos fazer para sair dessa situação. Então os três se lembraram que ele tinha pensado em resolver as dificuldades financeiras casando-se com Niobe. Freddy ergueu-se de súbito. - Bem, eu vou indo. Está na hora de eu me deitar. Foi uma noite maravilhosa, Jemima, graças a você! E, Valient, meu caro, pode estar certo de que você riu por último e se vingou de todos, principalmente de quem mais merecia!
  • 33. O visconde acompanhou-o até a porta e quando voltou para a sala Jemima ergueu-se da poltrona onde estava. - Bem, creio que está na hora de dizer boa noite. Foi tudo muito engraçado e excitante mas também me cansei bastante. - disse Jemima. - Quero agradecê-la pelo magnífico desempenho desta noite. - Não é preciso. E, depois, se vamos começar a trocar agradecimentos, eu nem sei por onde começar de tão grata que estou a você. Ela tocou de leve o vestido novo como se mal pudesse acreditar que o estivesse usando. - Você está tão diferente da meninínha esfarrapada que se escondeu sob uma manta, na minha carruagem! - sorriu o visconde. - Espero que não tenha desperdiçado seu dinheiro comigo, milorde. O visconde ergueu o cálice de licor que estava pela metade, fazendo um brinde a ela. 52 - A noite hoje foi um sucesso, Jemima... foi sua consagração definitiva! Ela se afastou com graça. Boa noite, milorde. Estou feliz por compartilhar da sua vingança, ou melhor, do seu triunfo. O café da manhã só será servido depois das nove horas. Hawkins vai ter de sair cedo para comprar ovos. Nós hoje comemos tudo o que havia na casa! Antes que o visconde pudesse dizer qualquer coisa, ouviu os passos dela se afastando no saguão em direção à escada. - Um triunfo! - repetiu ele para si e bebeu o resto do licor, satisfeito. Mas, lá no fundo da consciência, uma voz desagradável lembrou-o de que havia um futuro para se preocupar e que, além, de tudo, agora ainda tinha que manter uma esposa. com que dinheiro? Jemima e Emily voltavam para casa depois de uma visita infrutífera à agência de empregados domésticos. Ela ia pensando se Hawkins tinha ou não providenciado as coisas que ela queria para o almoço. Ele passara um tempo enorme lavando a louça, limpando a cozinha e a copa. Jemima sabia que era uma concessão da parte dele pois não era esse seu serviço, mas ele estava sempre disposto a fazer qualquer coisa em benefício do visconde. Jemima refletiu que era fácil julgar o caráter das pessoas, principalmente dos homens, a partir da lealdade que inspiravam a seus empregados. Na casa de seu tio, todos os empregados dele o odiavam e detestavam Niobe pela maneira como ela os tratava e falava com eles. Se algum dos empregados não a agradasse, ela pedia ao pai que o despedisse, sem motivo, e não o deixava dar cartas de referências. Por isso, ficara surpresa logo que conhecera os Kingston e não entendia como o visconde os tinha contratado. Eles não eram em absoluto O tipo de criados que ela esperava encontrar na casa de um nobre. Mas logo Emily forneceu a explicação, enquanto conversavam na carruagem de aluguel, a caminho de casa. Eu acho, Emily - disse Jemima -, que nós vamos ter dificuldades 53 em encontrar, nesta época do ano, um casal que sirva. Vi muita
  • 34. gente do campo passar a temporada em Londres e a procura de empregados é muito grande. - Isso é verdade, milady, ainda mais que milorde não pode pagar os preços altos que esses empregados treinados pedem... Jemima olhou para ela de olhos arregalados. - Quer dizer que o lorde empregou os Kingston porque eles cobravam barato? - Emily ficou embaraçada e Jemima insistiu - Diga-a verdade, por favor, só vai me ajudar. - Está bem, milady, eu vou dizer. Assim que cheguei a Londrdres eu fui à agência da sra. Dawson para conseguir um emprego de domestica. Lá me disseram que havia pedido de três casas para eu escolher e uma delas era a do visconde. - Ela fez uma pausa e continuou meio sem jeito. - Meus pais vivem na propriedade de campo dos Ockley eu ouvia falar do sucesso do visconde com as corridas de cavalo desde que era pequena... por isso, disse à sra. Dawson que era na casa do visconde Ockley que eu queria trabalhar. Ela me respondeu que fiz uma má escolha porque o visconde pagava mal e que depois eu não fosse reclamar que ela não tinha avisado. Eu fiquei admirada, pois pensava que gente com esses títulos era sempre rica. Mas logo descobri que a sra. Dawson tinha razão. Às vezes, eu recebo meu pagamento mas às vezes não recebo e mesmo assim é sempre menos do que eu ganharia em outras casas. - E apesar disso você continua com o visconde? - Bem, ele é sempre tão generoso e bonito... achávamos que ele ia sair logo dessa situação. Todos nós pensávamos isso quando... Emily parou bruscamente mas Jemima sabia muito bem o que ela ia dizer. E pela primeira vez pensou que se até os empregados estavam contando com um casamento vantajoso para resolver a situação financeira do visconde, o que aconteceria agora? A carruagem de aluguel chegou a Berkeley Square e Jemima pagou o cocheiro, com um pouco do dinheiro que pedira ao visconde de manhã para as despesas, e ficou imaginando se haveria mais dinheiro e onde ele poderia consegui-lo. Entrou no saguão, tirando o chapéu novo e elegante, pensando que 54 era melhor tirar aquele vestido chique para preparar o almoço. Nesse momento, Hawkins aproximou-se dela e ela sentiu que havia algo errado. O que houve? - perguntou ela. Há um cavalheiro que deseja vê-la, milady. É sir Aylmer Barrington! Jemima ficou petrificada. Seu primeiro impulso foi fugir, mas logo o orgulho e a coragem voltaram e ela resolveu enfrentá-lo, fossem quais fossem as consequências. - Onde está o cavalheiro? - Na sala, milady. Jemima olhou-se no espelho do saguão por um instante e ao ajeitar os cabelos deu-se conta de que estava com os olhos maiores e cheios de medo. Sentiu um nó na garganta e os lábios secos. Era assim que se sentia, sempre que tinha que enfrentar o tio, porque já sabia que acabaria levando uma surra de chicote. Em seguida, recusando-se a ser covarde, respirou fundo, caminhou
  • 35. resoluta para a porta da sala e abriu-a. Sir Aylmer estava em pé diante da lareira, sinistro e ameaçador como sempre parecia aos olhos de Jemima mesmo quando não estava bravo. Pela expressão do olhar e os lábios apertados ela sabia que ele estava furioso. Sentiu o coração palpitar agitado e começou a tremer de medo. - Ah, então você está aqui mesmo, Jemima! - disse sir Aylmer, com a voz ríspida que sempre usava com a sobrinha e que seria uma surpresa para muitas pessoas da sociedade. - É... tio Aylmer - disse ela, aproximando-se dele hesitante. - Você deve estar pensando que foi muito esperta, não é? Casar, se é que se casou mesmo, com um homem que está profundamente apaixonado por Niobe! Ora, essa é boa! Pois vou lhe dizer uma coisa, mocinha, não pretendo deixar que me façam de tolo e já que seu casamento não tem valor legal vou levá-la de volta comigo e vou castiga-la, por essa atitude leviana, de um jeito que você não vai esquecer tão cedo! Quero ver se vai ter coragem de fugir de novo! Sir Aylmer não estava gritando, falava baixo mas com severidade e energia o que tornava as palavras ainda mais assustadoras. 55 - Sinto muito... tio Aylmer se eu... aborreci o senhor, mas o senhor dizia tanto que eu era um fardo... um estorvo... que ni pensei que fosse sentir minha falta. - Não se trata de sentir sua falta! É simplesmente que não vou admitir que desafiem minha autoridade, nem vou permitir que uma sobrinha minha se porte como uma vagabunda qualquer, indo deitar-se com o primeiro homem que encontre! Vamos! Vá buscar suas coisa já a não ser que queira apanhar aqui mesmo. Você bem que merece. - Mas... eu acho, tio Aylmer, que devíamos... esperar meu marido, para saber o que ele acha disso... A resposta de Jemima enfureceu sir Aylmer a ponto de fazê-lo per der o controle e ele começou a gritar com a sobrinha. - Faça o que eu lhe disse! Não discuta! Ele ergueu o braço e se aproximou como se fosse bater nela. Jemima instintivamente encolheu-se, incapaz de disfarçar seu terror. Nesse momento a porta se abriu e o visconde entrou na sala. Sir Aylmer baixou o braço e Jemima, num gesto impensado, correu para o marido. Teve vontade de se atirar em seus braços e agarrar-se a ele, mas refreou o impulso a tempo. Parou bem perto e ele percebeu que ela estava tremendo. - Posso lhe perguntar, sir Aylmer - disse o visconde em tom sarcástico -, por que está gritando com minha esposa? - Sua esposa! - retrucou ele com escárnio. - Você acredita mêsmo que ela é sua esposa? Ora, vamos, você não é nenhum tolo, Ockley! Sabe tão bem quanto eu que neste país casamento com menor de idade só é válido legalmente com o consentimento do tutor. - Nós casamos com uma licença especial - disse o visconde -, o vigário
  • 36. que realizou a cerimónia não fez perguntas. Portanto, se preferir, estou disposto a levar a questão aos tribunais e vou alegar compaixão, diante dos juizes, como motivo que me levou ao casamento- Compaixão? Você pode ameaçar e fazer barulho, Ockley, mas eu vou levar minha sobrinha comigo imediatamente e dar a ela o castigo que merece por fugir de casa e se atirar nos seus braços. Sir Aylmer estava falando aos gritos e ficou surpreso de ver um sorriso nos lábios do visconde. 56 Espero que repita o que acabou de dizer, exatamente com essas alavras, diante dos juizes. Como já disse, fossem quais fossem meus sentimentos em relação a sua sobrinha, não posso permitir que uma garota delicada, que é pouco mais do que uma criança, seja tratada com essa brutalidade e desumanidade que arrancaria lágrimas aos jurados mais insensíveis! Fez-se silêncio por algum tempo, depois sir Aylmer falou já sem gritar. - Não sei de que está falando. - Estou dizendo - disse o visconde, ríspido -, que se decidir recorrer à Justiça para anular nosso casamento, eu pretendo levar minha mulher ao tribunal e mostrar a todos o modo como tem sido tratada. O senhor deixou suas marcas bem nítidas nas costas dela e isto, sir Aylmer, servirá para mostrar ao mundo, principalmente, ao mundo social no qual gosta tanto de brilhar, exatamente o tipo grosseiro e bruto que é e sempre foi! Houve um total silêncio. Em seguida sir Aylmer falou, em tom conciliador. - Bem... talvez eu tenha sido um pouco precipitado... é claro que se está satisfeito com esse casamento esquisito, não tem sentido eu querer anulá- lo. - Seria absolutamente inútil! E agora, sir Aylmer, tenho certeza de que seus cavalos estão impacientes para irem embora -, disse o visconte, abrindo a porta da sala. Sir Aylmer arregalou os olhos para ele, incrédulo. - Está me expulsando de sua casa, Ockley? - Estou apenas deixando claro que prefiro o senhor lá fora e não aqui dentro. bom dia, sir Aylmer! Não havia mais nada a fazer e sir Aylmer atravessou o saguão e saiu. O rosto estava contorcido de raiva e ele resmungava baixinho. Assim que saiu, Hawkins bateu a porta estrondosamente. Da sala, o visconde ouviu e Jemima não pode reprimir um gritinho de entusiasmo. - Ah... você foi maravilhoso! Obrigada... muito obrigada mesmo! Ela disse isso e cobriu o rosto com as mãos como se quisesse impedir as lágrimas que queriam rolar de seus olhos. 57 CAPÍTULO IV O visconde e Jemima estavam voltando para casa depois de terem ido almoçar fora. No caminho, os dois riam divertidos.
  • 37. A notícia de que o visconde se casara com uma Barrington, mas não com a que o mundo social chamava de "a certa", já chegara aos ouvidos de vários amigos e conhecidos. Quando saíram para almoçar com a condessa de Lincoln, Jemima tinha certeza de que o convite tinha sido motivado por curiosidade pura. Fato que foi confirmado quando viu a expressão do olhar dos outros convidados. Ela e o visconde tinham chegado mais tarde, depois da maioria das pessoas, e quando foram anunciados e entraram fez-se um silêncio repentino, o que indicava que estavam falando deles. Todos os olhares se concentraram nos dois enquanto a anfitriã os recebia e em seguida levava Jemima para ser apresentada primeiro às damas depois aos cavalheiros. Jemima sabia que estava elegante e bem-arrumada no seu vestido verde- folha com chapéu combinando e isso lhe dava segurança. Tinha custado caríssimo, mas, à medida que cumprimentava as pessoas e ouvia elogios, certificava-se de que valera a pena. 58 Durante todo o almoço, e mesmo depois, ela foi bombardeada por perguntas. Todos queriam saber por que nunca a tinham visto em Lodres antes de se casar ou, pior ainda, por que nunca a tinham encontrado na casa do tio, nas festas que costumava dar. com muita esperteza ela conseguiu evitar as respostas diretas e não tinha dúvidas de que assim que ela e o visconde saíssem dali, os outros iriam comentar tudo o que dissera e iriam concluir que havia algum mistério em torno dela. O visconde, entretanto, estava encantado com o burburinho e agitação que tinha provocado na sociedade. Enquanto almoçavam, ele observou que Jemima se portava muito bem e estava a altura das outras damas e que os homens estavam fascinados por ela, cuja beleza era um contraste total com a da prima. O visconde percebeu com satisfação que havia pelo menos quatro pessoas naquela sala que eram amigas íntimas de sir Aylmer e Niobe e tinha certeza de que tudo o que fosse dito ali seria repetido para os parentes de Jemima antes do fim do dia. Ainda estava exultante pela maneira como tinha subjugado sir Aylmer. Ele o vencera de tal modo que tinha certeza de que o tio de Jemima jamais voltaria a importuná-los. E tal atitude tinha provocado elogios de Freddy. - Você foi muito esperto, Valient - dissera ele. - Teve presença de espírito. Não sei como lhe ocorreu tão rápido que a reputação social dele era a única coisa que defenderia a qualquer preço! - Está se esquecendo - retrucara o visconde -, que ele só ia casar a filha comigo porque tenho um título e que preferiu outro mais importante? O tom amargo fez com que o amigo percebesse que seu orgulho ferido ainda não cicatrizara e com muito tato procurou mudar o rumo da conversa. - Só acho uma pena não podermos contar a façanha a nossos amigos, mas