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A DEUSA DO ORIENTE
Terror in the sun
Bárbara Cartland
A Índia, no começo do século passado, exótica e linda, mas também
lugar de bárbaros costumes, foi onde a doce e inocente Brucena encontrou o amor
nos braços
do major lain. Mas esse amor precisaria ser muito forte para afastar Brucena dos
perigos que corria na terra dos fanáticos estranguladores!
Digitalização: Nina
Revisão: Ana Cristina Costa
Tradução: Diogo Borges
TÃtulo original: Terror in the sun
Copyright: (c) 1979 by Barbara Cartland
Tradução: Luiza Roxo Pimentel
Tradução: Diogo Borges
Editor e Publishing: Janice Florido
Editor: Fernanda Cardoso Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair
Fernandes da Silva
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 - 10° andar
CEP 05424-010 - São Paulo - SP - Brasil
Copyright para lÃngua portuguesa: 2001 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Impressão e acabamento:
DONNELLEY COCHRANE GRÍFICA E EDITORA BRASIL LTDA. DIVISÍO CÍRCULO - FONE
(55 11) 4191-4633
CAPÍTULO I
1832
- Apraz ao sahib major conceder sua permissão para que o trem parta?
O indiano, chefe da estação, exprimia-se com respeito. Ao mesmo tempo em
que falava olhava por cima dos ombros para a confusão que se desenrolava
naquele momento
na plataforma.
Momentos de enorme excitação haviam precedido a chegada do trem, o qual,
recém-introduzido na Índia, era tido como um dragão terrÃvel, que expelia
fogo pelas
ventas.
Indianos revestidos de dhotis, sáris, trapos e panos que caÃam cintura
abaixo, encontravam-se em um estado muito próximo da histeria coletiva.
Vendedores que
apregoavam seus produtos com vozes superagudas espiavam através das janelas dos
vagões superlotados e, com uma expressão de súplica no olhar, ofereciam
chipattis,
doces coloridos, laranjas e bebidas avermelhadas.
Monges ostentando trajes amarelos, soldados em uniformes escarlate,
carregadores com pesadas bagagens acotovelavam-se em meio à confusão geral.
Havia os inevitáveis adeuses apaixonados e recomendações feitas, quase
aos berros, Ã queles que viajavam, por parte de quem ficava e acreditava que os
passageiros
iriam arriscar suas vidas no bojo daquele monstro perigoso.
O major Iain Huntley contemplava vários homens reunidos em torno de uma
pilha de bagagem, possuÃdo da firme convicção de que eles se encontravam ali
com o único
propósito de armar alguma confusão.
No momento em que o chefe da estação afastou-se dele, desdobrando sua
bandeirola vermelha, o pandemônio explodiu.
Os indianos começaram todos a correr, aos gritos e aos berros, abanando os
braços e sacudindo seus bastões. Quase como em um passe de mágica, numerosos
soldados
apareceram empunhando seus mosquete, deslocando-se rapidamente a fim de conter a
multidão ameaçadora.
Eles eram poucos, em comparação com os baderneiros que, dispostos a armar
a maior confusão, perturbavam e empurravam as famÃlias que não iriam viajar
naquele
trem e estavam sentadas ou dormindo na plataforma, ao lado de seus bens, os
quais, na maior parte, consistiam em frágeis pacotes amarrados com corda. Cada
famÃlia
possuÃa numerosas crianças, além das inevitáveis cabras.
Toda aquela confusão tomou-os de surpresa e puseram-se a gritar, em meio
ao choro generalizado das crianças e aos balidos dos animais, o que aumentou
consideravelmente
o tumulto.
Os chipattis voavam em todas as direções, os recipientes de vidro que
mantinham as bebidas coloridas estilhaçavam-se no chão e um bode livrou-se do
laço que
o prendia e saiu em carreira desabalada plataforma afora, perseguido de perto
por seu desesperado dono.
PossuÃdo de uma sensação de alÃvio, o major Huntley achou que os soldados
seriam perfeitamente capazes de controlar a situação assim que o trem partisse
e andou
sem pressa em direção à sua cabine, onde se encontrava seu criado ao lado da
porta aberta, esperando por ele.
As rodas começavam a girar e o vapor e o resfolegar da máquina superavam
qualquer outro barulho. A enorme locomotiva, fabricada na Inglaterra, parecia
sobrepor-se
a tudo e a todos.
Quando estava para chegar à cabine, notou, para sua grande surpresa, que a
porta do vagão se abria e uma mulher vestida de branco descia para a
plataforma.
Certificou-se imediatamente, com a rapidez de um homem habituado ao
inesperado, que ela pretendia socorrer uma criança que, empurrada por aqueles
que haviam
armado toda aquela confusão, estava caÃda na plataforma, sem ninguém que a
socorresse e na iminência de ser pisoteada pela pequena multidão. Apesar de
muito pequena,
chorava a plenos pulmões.
Um segundo antes que os braços da desconhecida pudessem pegá-la, o major
Huntley agarrou a mulher pela cintura e colocou-a à força no vagão.
O trem começava a deslocar-se com velocidade cada vez maior e como ele
não tinha tempo de entrar em seu próprio vagão, seguiu a desconhecida,
trancando imediatamente
a porta.
Olhou para a plataforma que ficava para trás e viu dezenas de punhos
levantados e gritos irados dos baderneiros, que pareciam um bando de chacais a
quem a presa
acabava de ser roubada.
A velocidade aumentava cada vez mais e a estação já se perdia de vista.
O major Huntley voltou-se para contemplar a mulher que ele tinha empurrado para
dentro
do vagão sem a menor cerimônia.
Para sua grande surpresa ela era jovem e excepcionalmente bela. Havia
retirado o chapéu e seus cabelos negros emolduravam um rosto muito alvo. Seus
olhos, grandes,
escuros, porém pontilhados de dourado, olhavam-no carregados de cólera.
- Graças à sua interferência - comentou com rispidez -, aquela criança,
sem a menor dúvida, será morta!
- Quem é a senhora e o que está fazendo aqui? - perguntou sem maiores
rodeios.
Sentou-se e olhou à sua volta, com uma expressão incrédula no olhar,
como se esperasse descobrir alguém na cabine, fazendo-lhe companhia. Notou,
porém, que
ela estava vazia. Voltou-se para a desconhecida e antes que ela pudesse
responder sua primeira pergunta, indagou:
- Quem foi que a colocou neste trem? Não tinham o menor direito de fazer
uma coisa destas!
- Parece-me que qualquer pessoa tem o direito de viajar de trem, contanto
que disponha de meios para comprar a passagem!
- Mas não especificamente neste trem, que se dirige para Saugar.
- Sim, eu sei e é para lá que quero ir.
- Para Saugar?
Ela, que era pouco mais do que uma garota, levantou-se.
- Será que o senhor tem alguma autoridade para me interrogar?
- Autoridade plena - retrucou o major Huntley com firmeza. - Dei ordens no
sentido de que nenhum europeu viajasse para Saugar que, no momento, é área
proibida.
- Por quê?
A pergunta exigia resposta, mas ele retrucou um tanto evasivamente:
- Por razões oficiais. A senhorita ainda não respondeu minha pergunta.
Enquanto falava, adivinhou que ela não tinha a menor intenção de fazê-
lo e, dominando o tom autoritário com que se exprimira até então, disse:
- Acho que devemos apresentar-nos. Sou Iain Huntley e, como pode notar por
meu uniforme, pertenço aos Lanceiros de Bengala. No momento, porém, exerço
tarefas
especiais nesta região.
O major Huntley acabou de falar e esperou por uma resposta. Enquanto se
exprimia, pensava que aquela garota era por demais bela e jovem para viajar
sozinha
em qualquer parte que fosse da Índia e sobretudo naquela região especÃfica e
naquele preciso momento.
Fez-se uma pausa estudada, como se ela se ressentisse com o fato de ter de
lhe dar informações. Então, como se tivesse chegado à conclusão que não
fazia o menor
sentido mostrar-se difÃcil, declarou, com óbvia relutância:
- Meu nome é Brucena Nairn.
- E está viajando para Saugar?
- Sim.
- Posso saber por quê?
- Vou ficar lá com meus amigos.
- Perdoe minha curiosidade, pois há uma explicação para ela, mas
gostaria de saber seus nomes.
Teve novamente a sensação de que ela gostaria de desafiá-lo e dizer-lhe
que não se metesse onde não era chamado.
Ainda estava zangada. Podia notar esse fato em seus olhos, que agora
reconhecia como expressivos e pareciam, apesar de escuros, estar irradiando
aquele sol
que dentro de algumas horas transformaria as planÃcies atravessadas pelo trem em
um inferno de calor.
- Vou ficar com o capitão e a sra. Sleeman.
O major Huntley olhou-a sem acreditar no que acabava de ouvir.
- Com os Sleeman? Mas como é possÃvel?
- Por quê? Parece-lhe tão pouco provável?
- Mal posso crer que William Sleeman esperaria uma hóspede como a
senhorita sem participar-me sua chegada e sem tomar as devidas providências
para recebê-la.
Brucena Nairn deu de ombros.
- Se é este o seu modo de pensar, não há razão para que eu lhe diga
mais nada.
Levantou o queixo, com ar de desafio, e olhou ostensivamente pela janela,
como se a conversa tivesse chegado ao fim.
Quase a despeito de si mesmo, Iain Huntley pôs-se a sorrir.
Havia qualquer coisa de divertido no antagonismo daquela criaturinha que
não tinha o menor direito de estar naquele trem e muito menos discutindo com
ele.
Achou que seria uma boa medida mostrar-se conciliatório.
- Devo pedir-lhe desculpas, srta. Nairn, mas, francamente, tomou-me de
surpresa. Desde a semana passada que Saugar está proibida para todos os
europeus. Como
acaba de ver na estação, tem havido alguma perturbação da ordem e se tivesse
ficado por lá poderia encontrar-se em uma situação muito desagradável.
- Mas qual foi a razão de toda aquela confusão?
- Estas coisas costumam acontecer nesta época do ano - respondeu o major,
um tanto evasivo -, mas ainda não consigo compreender por que o capitão
Sleeman não
me contou que estava à sua espera.
Enquanto falava notou, muito surpreendido, que um ligeiro rubor apoderava-
se do rosto da garota e durante alguns segundos ela mostrou-se ligeiramente
perturbada.
- Ele e a srta. Sleeman estão de fato à sua espera? - indagou,
exprimindo-se em um tom diferente.
Fez-se uma ligeira pausa antes que Brucena Nairn dissesse em voz baixa:
- Eu... espero que sim.
- Espera que sim! Pois ficaria muito grato se me contasse exatamente o que
aconteceu e por que está aqui.
- Não há a menor razão... - começou a dizer.
Nesse preciso momento seu olhar cruzou com o do major Huntley e quase
contra sua vontade ela capitulou.
- Bem... acontece que... acontece que o capitão Sleeman é meu primo.
- Então ele sugeriu que a senhorita deveria vir ficar com ele aqui na
Índia? - indagou o major Huntley, como se estivesse começando a compreender o
que havia
acontecido.
- Não... exatamente...
Ela se exprimia com hesitação e ele olhou para Brucena Nairn fixamente,
antes de prosseguir:
- O que quer dizer com isto?
- Sua mulher, a sra. Sleeman, escreveu-me pedindo que encontrasse uma babá
para sua criança. Está esperando... um nenê para o ano que vem.
Brucena ficou levemente ruborizada, como se sentisse constrangimento em
abordar assunto tão Ãntimo e o major Huntley apressou-se em dizer:
- Sim, tenho conhecimento deste fato. - Tentei de todos os modos encontrar
uma pessoa confiável que quisesse vir para a Índia, mas todas se recusaram.
Enquanto falavam, Brucena pensava que fora uma tarefa impossÃvel convencer
as moças escocesas de Invernessshire de que a Índia era um lugar interessante
para
se trabalhar.
A relutância não partia somente delas, mas também de suas mães.
- Não vou permitir que minha filha se case com algum pagão - diziam
repetidas vezes. - Vão ficar por aqui mesmo, onde eu possa ficar de olho nelas.
- Mas a senhora precisa levar em conta que seria uma aventura e tanto,
além de representar uma oportunidade de se educar - dissera Brucena, batalhando
por sua
causa tendo recebido de uma das mães, aliás uma senhora muito abespinhada, a
seguinte resposta:
- Minha filha não vai viver esse tipo de aventura na idade em que se
encontra. Se a coisa lhe parece tão atraente, srta. Brucena, por que então
não vai?
Foi a partir dessa sugestão que Brucena começou a acalentar a idéia. No
momento apenas rira, porém mais tarde, quando sua missão de encontrar uma
babá para
a prima Amelie revelava-se cada vez mais impossÃvel, começou a sentir que a
Índia lhe acenava e que seria tolice recusar o convite.
Não se sentia feliz em casa a partir do momento em que tivera idade
suficiente para compreender que fora um grande e irremediável desapontamento
para seu pai,
pois ele queria um filho.
O general Nairn tinha apenas dois interesses na vida: seu regimento e a
perpetuação de seu nome.
Sua maior alegria consistia em abrir os livros nos quais podia seguir a
história dos Nairn desde as épocas mais remotas e provar que todos eles tinham
sido
audazes guerreiros.
Brucena costumava pensar que ele havia sonhado desde criança com o dia em
que teria um ou mais filhos a seu lado, combatendo junto a ele, acrescentando
troféus
das guerras em que tomariam parte àqueles que já pendiam das paredes do
castelo de Nairn.
- Sou um desapontamento para papai - dizia a si mesma, antes mesmo de
completar nove anos.
Nos anos que se seguiram ela começou a se dar conta da extensão de seu
ressentimento em relação a ela, pois havia fraudado a maior de suas
ambições.
Se não houvesse outras maneiras de relembrar o fato, ela o evocaria toda
vez que ouvia seu nome ser pronunciado.
Bruce era um nome de famÃlia entre os Nairn e seu pai a batizara quase como
se estivesse desafiando os deuses que lhe tinham aplicado um golpe baixo, não
lhe
dando o filho que ele desejara tão ardentemente.
Há dois anos, logo após a morte de sua mãe; seu pai, com pressa quase
indecente, aproveitara a primeira oportunidade para voltar a se casar.
Escolhera uma jovem apenas três anos mais velha do que sua filha, mas que
era muito diferente na aparência e que poderia ser considerada como "uma boa
criadeira".
Desajeitada, pesadona, sem a menor pretensão a uma bela aparência, Jean
sentira-se orgulhosa e excitada por casar com o senhor do castelo de Nairn,
porém ficou
perturbada com a aparência de sua enteada a partir do momento em que a viu.
Era inevitável que a beleza de Brucena e a atração que os homens sentiam
por ela não contassem pontos a seu favor junto a uma madrasta, sobretudo em se
tratando
de alguém tão jovem.
A tensão que sempre existira entre ela e seu pai acentuou-se rápida e
violentamente, em tudo o que dizia respeito à sua nova esposa. Quando, há seis
meses,
Jean dera a luz àquele filho tão esperado, Brucena constatou que sua posição
no castelo tornara-se insustentável.
Seu pai a censurava por qualquer pretexto. Tentava ignorar o ódio
estampado no olhar de sua madrasta e tinha certeza de que assim que o herdeiro
mimado e adorado
pudesse ver e pensar acabaria por odiá-la também.
- Preciso ir embora daqui - pensou dezenas de vezes, mas não tinha a menor
idéia de para onde ir.
Seus parentes não somente não a queriam, como também se sentiriam muito
constrangidos em lhe oferecer um lar sem serem solicitados a tal pelo general.
Apesar de Brucena nunca ter abordado o assunto com ele, achava que o
orgulho de seu pai jamais lhe permitiria pedir ou aceitar favores de seus
parentes, a maior
parte dos quais achava aborrecidos, convidando-os raramente para ir ao castelo.
Tudo o que Brucena possuÃa eram trezentas libras, deixadas a ela em
testamento por sua avó.
Recebera orientação no sentido de não gastá-las e sabia que seu pai
considerava aquela quantia como parte de seu dote o que até certo ponto, o
dispensava de
maiores esforços, no sentido de completá-lo.
Compreendia agora que aquilo era uma dádiva dos deuses, que lhe permitiria
pagar sua viagem à Índia.
Debateu durante muito tempo consigo mesma se deveria contar a seu pai o que
pretendia fazer e decidiu pela negativa.
Sentia que, apesar de ele não gostar dela, apreciava no fundo ter alguém
que pudesse repreender e com quem pudesse brigar.
Brucena se encontrava sempre por lá e o general podia despejar sua cólera
sobre ela, sempre que alguma coisa o desagradava, e isso de um modo violento,
que
ele teria hesitado em empregar com qualquer outra pessoa.
Subitamente, pareceu a Brucena que tudo se harmonizava enquanto lhe passava
um plano pela cabeça e ela não encontrou a menor dificuldade em pô-lo em
prática.
Uma garota, sua única amiga depois que ela se tornara uma mocinha,
convidou-a para fazer companhia a ela e a seus pais, em uma viagem a Edimburgo.
- Papai e mamãe vão estar muito ocupados - disse a jovem para Brucena. -
Papai tem de receber todas as pessoas importantes que vêm do sul para a
inspeção das
tropas. Acharam que eu me sentiria muito só e sugeriram que eu a convidasse
para viajar conosco. Podemos visitar as lojas e quem sabe até mesmo sermos
convidadas
para ir a um baile! De qualquer modo, seria divertido viajarmos juntas.
- Muito divertido! - concordou Brucena.
Achou que seu pai criaria dificuldades, mas, para sua grande surpresa, ele
declarou que achava a idéia muito boa, contanto que ela não se ausentasse por
muito
tempo.
A seu modo de ver, ele estabelecera aquela condição porque, em princÃpio,
não lhe permitia nenhuma diversão, mas há um ano a recusa teria sido
peremptória.
Porque naquele momento ainda não lhe nascera o herdeiro, o filho que
perpetuaria seu nome.
Ao despedir-se do pai e da madrasta com forçada cordialidade de ambas as
partes, Brucena teve certeza de que eles, no fundo, sentiam-se alegres em
livrar-se
dela por algum tempo.
Achou que isto a eximia de quaisquer sentimentos de culpa em relação
àquilo que pretendia fazer.
Permaneceu durante uma semana em Edimburgo, comprando às escondidas tudo
aquilo que achava que iria necessitar na Índia.
Era suficientemente inteligente para não ir para um novo paÃs antes de
aprender algo a respeito e fora muito difÃcil localizar em casa livros que lhe
revelassem
o que queria saber.
Havia, entretanto, numerosas informações sobre a Índia nas livrarias de
Edimburgo e ela logo reuniu uma pequena biblioteca. Sabia que teria tempo de ler
e reler
aqueles livros durante a viagem.
Disse a seus amigos de Edimburgo que precisava voltar para casa, pois seu
pai estava à sua espera e quando eles, com relutância, despediram-se dela,
tomou um
trem para Londres.
"Era agora que a verdadeira aventura começava", pensou, enquanto viajava
para o sul.
Por mais estranho que parecesse, Brucena tinha plena confiança em que
saberia tomar conta de si mesma e que chegaria à Índia sem que nada de mal lhe
acontecesse.
A sra. Sleeman mandara-lhe instruções completas sobre as providências
que deveriam ser tomadas em relação à viagem da babá, se acaso encontrasse
uma que quisesse
ir.
Ao ler todas aquelas páginas preenchidas pela caligrafia elegante de prima
Amelie, Brucena pensou, com um sorriso, que suas recomendações mais se
assemelhavam
ao despacho de uma encomenda valiosa que não deveria ser danificada durante a
viagem.
Certificou-se de que a companhia P.&O. tomaria todas as providências e que
uma acompanhante para a jovem seria encontrada entre as passageiras que viajavam
na segunda classe.
Haverá missionárias ou senhoras cristãs pertencentes a alguma
organização e que estarão viajando para Bombaim.
Prima Amelie escrevera:
"Tenho certeza de que não aceitariam dinheiro por seu trabalho, pois o
considerariam um ato de caridade. Você deve dar à pessoa que escolheu um
presente adequado,
a fim de que ela recompense aquelas senhoras por sua bondade.
No escritório da companhia, P.O. Brucena relatou uma história um tanto
diferente.
- Tenho de viajar até a Índia para ficar com meus parentes, mas
infelizmente a senhora que deveria me acompanhar adoeceu. Os senhores não
fariam a gentileza
de encontrar alguém que pudesse tomar conta de mim durante a viagem?
O funcionário olhou para o rostinho bonito de Brucena e achou que era
absolutamente necessária a presença de uma acompanhante para uma garota tão
atraente.
Havia sempre oficiais de volta à pátria, de licença. Lidar com romances
nascidos a bordo era uma das tarefas menos árduas com que um comissário se via
a braços...
Algumas vezes, no entanto, a situação tornava-se traumatizante quando os
passageiros se envolviam demais e então surgiam dificuldades inesperadas...
Ele, entretanto, dispôs-se a colaborar no que pudesse, vindo portanto de
encontro às expectativas da sra. Sleeman.
- Acho que tenho precisamente a pessoa de que necessita, srta. Nairn. O
pastor Grant e sua mulher estão de regresso a Bombaim e tenho certeza de que a
sra.
Grant colaboraria de muito bom grado, quando eu lhe explicar as circunstâncias.
- Seria muita bondade de sua parte.
Notou pela expressão do funcionário que ele removeria céus e terras a
fim de ajudá-la.
A sra. Grant e o pastor revelaram-se pessoas extremamente prestimosas,
porém muito aborrecidas... Cercaram Brucena com uma aparência de
respeitabilidade, mas
não interferiram em sua vida e ela passou grande parte da viagem lendo.
Também apreciava os divertimentos a bordo e à noite transformava-se no
centro de atração dos homens que queriam todos dançar com ela, para grande
despeito das
outras passageiras.
Era a primeira vez na vida que se sentia livre e sem ser continuamente
censurada, como acontecia o tempo todo em casa.
Sentia uma grande alegria em poder exprimir uma opinião sem ser reprimida
e uma alegria ainda maior em saber que, quaisquer que fossem os sentimentos de
seu
pai em relação ao que ela acabara de fazer, não havia nenhuma atitude que ele
pudesse tomar.
Havia gasto uma quantia apreciável com as roupas e a passagem, mas ainda
lhe sobrava algum dinheiro.
Agora que havia tomado a decisão e deixado sua casa, sabia, no fundo do
coração, que jamais regressaria, e se os Sleeman não a quisessem, encontraria
alguma
outra casa onde pudesse trabalhar.
Havia telegrafado para eles antes da partida do navio, dizendo:
"Encontrei pessoa solicitada. Seguem detalhes. Afetuosamente, Brucena."
Omitiu deliberadamente a data da chegada e deixou de explicar que ela
própria iria, em lugar da babá que prima Amelie havia pedido.
Era uma precaução necessária, pois sentia que talvez eles não a
quisessem e não poupariam esforços para enviá-la de volta para casa, assim
que chegasse a Bombaim.
- Haverão de pensar que a babá chegará dentro de um mês e que na certa,
que aliás não tenho a menor intenção de escrever, explicarei quem é ela e
por que penso
que é uma pessoa recomendável.
Voltou a refletir profundamente sobre o assunto e certificou-se de que
quando chegasse disposta a fazer tudo aquilo que se esperava de uma babá, os
Sleeman
achariam extremamente difÃcil mandá-la embora.
- Vão ter de manter-me em sua companhia pelo menos durante alguns meses -
pensou Brucena.
Ao mesmo tempo, a despeito de ter certeza de que seria uma babá muito mais
competente do que aquelas rudes moças escocesas, não podia deixar de sentir
que estava
se impondo junto a pessoas que talvez não a quisessem.
O primo William tinha sido sempre muito gentil com ela. Lembrava-se de que
quando criança ele lhe inspirava um grande respeito e até mesmo um certo
receio,
pois lhe parecia um jovem muito inteligente.
Tinha cabelos alourados, olhos azuis e uma fronte ampla. Quando ele os
visitou pela segunda vez, anos mais tarde, tinha domÃnio do árabe, do persa e
do indu.
Nascera na Cornualha, a exemplo de sua mãe, e suas famÃlias tinham sido
vizinhas durante anos a fio. Devido a sua inteligência, por volta dos trinta
anos foi
dispensado de seu regimento, ingressando na administração pública. O general
Nairn ficara impressionado com o fato de que ele havia se tornado um magistrado
e um
administrador regional na Índia Central muito antes dos homens de sua idade.
Há três anos, uma carta do capitão Sleeman dirigida ao general
comunicava que ele tinha sido nomeado pelo novo governador-geral, lorde William
Bentick, para
ocupar um cargo muito importante.
- Í o homem certo para o posto certo - dissera o general sentenciosamente
enquanto lia a carta durante o café da manhã.
- E de que cargo se trata, papai?
- O tÃtulo dele é superintendente para a Supressão da seita Thuggee, mas
você não entenderia se eu lhe dissesse do que se trata.
Ele se exprimia em tom peremptório, não somente como um homem que acha
que o intelecto de uma mulher não pode se expandir além dos limites da cozinha
ou do
quarto das crianças, mas também porque não apreciava a curiosidade de
Brucena, que a levava a formular perguntas que ele teria apreciado ouvir de um
rapaz e não
de uma menina.
- Já li a respeito dos thugs, papai - replicou Brucena. - Trata-se de uma
sociedade secreta que cultua Kali e acha que é um dever sagrado estrangular as
pessoas.
- Você não devia se informar a respeito dessas coisas - disse o general
com profundo desagrado -, mas, dentro em breve, William controlará essa gente
abominável.
- E como pretende agir?
- Deram-lhe cinqüenta soldados da Cavalaria e quarenta sipaios,
pertencentes à Infantaria. Í mais do que suficiente. Gostaria eu mesmo de
empreender esta tarefa,
se fosse mais jovem.
Havia dezenas de perguntas que Brucena queria fazer a seu pai, mas ele saiu
do quarto levando a carta de William Sleeman e ela sabia que sua curiosidade
não
seria satisfeita.
Assim sendo, tentou averiguar tudo o que pudesse a respeito dos thuggee,
mas sem grande sucesso. Mesmo em Edimburgo os livros que conseguiu comprar não
lhe
disseram muito mais do que aquilo que ela já sabia.
Enquanto o major Huntley a encarava com um brilho de suspeita no olhar, ela
disse:
- Meu primo pediu que arranjasse uma babá, mas como não consegui
encontrar a pessoa de que eles necessitavam... resolvi me apresentar.
O major Huntley sorriu.
- E sem lhes dar a oportunidade de rejeitá-la?
- Sim.
- Agora estou começando a entender. A senhorita não viajou desde a
Inglaterra sem ter a companhia de alguém, não é mesmo?
- Não. Fui assistida com muita dedicação pelo pastor Grant e sua
senhora, até Bombaim. Chegaram até mesmo a encontrar alguém que tomasse conta
de mim de lá
até a cidade de Bhopel, mas infelizmente minha acompanhante ficou doente no
último momento e em vez de esperar que eles providenciassem mais alguém decidi
vir sozinha.
- Vejo que é uma jovem cheia de iniciativa. Sabe, porém, que é fora de
todo e qualquer propósito uma mulher, seja ela casada ou solteira, viajar
sozinha na
Índia?
- Pensei que os ingleses tinham os indianos sob controle... - ela retrucou,
em tom de provocação.
- Fazemos o que podemos. Ao mesmo tempo, mal posso acreditar que a
senhorita viajaria pela Inglaterra sem uma governanta ou uma criada.
- Sei tomar conta de mim mesma.
- Não duvido, mas é algo que não deve tentar fazer neste paÃs.
Brucena lembrou-se dos revoltosos e da cena tumultuosa que eles haviam
aprontado na estação. Não daria ao major Huntley a satisfação de saber que
eles, na verdade,
haviam-na deixado terrivelmente assustada e não duvidava de que algo terrÃvel
havia acontecido com o bebê.
- Agora que se encontra aqui, posso cuidar da senhorita até o fim da
viagem, mas acho que o capitão ficará muito surpreendido.
- Está trabalhando com ele?
- Estou, sim.
- Então por que tem um posto mais alto do que o dele?
O major Huntley sorriu.
- Seu primo é um funcionário público nomeado diretamente pelo
governador-geral. Administra um território muito extenso, enquanto eu comando
os soldados.
Brucena haveria de descobrir mais tarde que ele estava subestimando suas
funções, mas naquele momento limitou-se a sorrir.
- Já que está trabalhando com primo William, não quer me falar a
respeito dos thuggee? Fiquei muito interessada no assunto desde que o primo
William foi nomeado
para este cargo, há três anos, mas é muito difÃcil saber o que quer que seja
a respeito deles.
- E por que está tão interessada?
- Tudo o que diz respeito à Índia me interessa. Na realidade, nasci aqui
e apesar de não me lembrar de nada sempre tive vontade de regressar.
O major Huntley pareceu ter ficado muito surpreendido.
- Meu pai serviu durante alguns anos na fronteira noroeste. Partimos da
Índia quando eu tinha um ano de idade e apesar de ele regressar mais tarde,
permanecendo
aqui durante alguns anos, minha mãe e eu ficamos na Escócia.
- E ainda assim o paÃs a atrai?
- Í estranho - disse Brucena, após uma pausa -, mas desde que cheguei a
Bombaim tenho a sensação de me encontrar em casa.
Ele a encarou com uma certa reserva, como se achasse que ela estava se
exprimindo daquele modo para conseguir um certo efeito.
Ela entretanto, não o olhava e sim para a paisagem, achando que aquelas
terras secas e quentes, as aldeiazinhas perdidas em meio às árvores e os
búfalos que
aravam a terra eram algo que ela já vira algum dia. Não tinha a menor idéia
dos motivos que a levavam a sentir-se daquele jeito.
- A senhorita me faz uma pergunta a respeito dos thuggee - disse o major
Huntley e imediatamente ela voltou-se para ele, repleta de interesse.
O major prosseguiu:
- Espero que durante sua permanência na Índia não venha a travar
conhecimento com eles. Na realidade, é muito importante que todas as pessoas
que vivem nesta
região estejam sempre de sobreaviso.
Enquanto falava lembrava-se do que havia visto no templo de Kali, em
Bindhaghel, Ã beira do rio Ganges.
Tratava-se de um santuário procurado no fim da estação chuvosa por todos
os peregrinos da Índia, que iam até lá a fim de fazer oferendas à deusa.
Os caminhos que conduziam ao templo estavam atulhados de carros de boi, de
mendigos e de peregrinos de. pés descalços.
Ao redor das muralhas do templo sentia-se o cheiro de incenso, de flores e
nuvens de pó turbilhonavam em torno da construção. No ar pairava também o
odor da
morte. Noite e dia sacrificavam-se bodes e seu sangue escorria pelos degraus do
templo. Seus balidos assustados misturavam-se aos gritos dos devotos fanáticos,
que
se flagelavam enquanto suplicavam a bênção dos deuses.
Para Iain Huntley aquela deusa sanguinária, a terrÃvel esposa de Shiva, o
Destruidor, negra, furiosa e nua, com sua clava adornada de crânios humanos,
era o
sÃmbolo de tudo contra o qual ele lutava.
A lÃngua que saÃa para fora, os olhos injetados de sangue daquele Ãdolo
grotesco, aquele chão fumegante onde a morte e o terror eram festejados, este
era o
quadro de abominação-a que se entregavam os thugs.
Aquele era o seu lugar sagrado e dali a irmandade de estranguladores partia
há centenas de anos para aterrorizar aqueles que viajavam pela Índia.
Os adeptos do culto tinham seus rituais próprios, bem como sua tradição
e hierarquia e acreditavam, ao estrangular alguém, que estavam matando em
defesa da
causa de Kali.
Imaginando como poderia falar sobre os thuggee para aquela garota inocente
sentada diante dele, Iain Huntley mergulhou novamente em seus pensamentos e
lembrou-se
de que a polÃtica tradicional da Companhia das Índias Orientais baseava-se na
não interferência nos costumes religiosos da Índia.
Na realidade, o governo fazia vista grossa sobre as lendas e os feitos
sanguinários dos thuggee, mas as autoridades inglesas, cuja presença na Índia
começava
a aumentar, possuÃdas de um zelo reformista, ficavam horrorizadas com os
costumes locais, que até então permaneciam inalteráveis.
Os ingleses estavam determinados a eliminar os costumes mais cruéis, por
mais antigos ou ligados à s divindades. O infanticÃdio e os sacrifÃcios humanos
foram
proibidos, bem como o suttee, a prática que consistia em se queimar as viúvas
nas fogueiras.
Era evidente que algo deveria ser feito em relação a Bindhaghal, sede da
sociedade secreta dos estranguladores.
O culto não tinha sido profundamente estudado e nem suas ramificações
observadas, até que o capitão William Sleeman, que fazia parte do Exército de
Bengala,
tornou-se interessado em seus tenebrosos mistérios.
Ficou sabendo que os thugs operavam dentro do mais absoluto segredo, de
acordo com rituais escrupulosamente obedecidos. Ficavam de tocaia, Ã beira das
estradas,
e todos eles eram treinados para matar, estrangulando suas vÃtimas por meio de
um lenço de seda amarelo.
Em seguida, faziam profundas incisões rituais nos cadáveres, enterravam-
nos ou jogavam-nos em poços profundos; queimavam os pertences desprovidos de
valor e
levavam o resto.
Nenhum traço dos infortunados viajantes era deixado no local do crime. A
exemplo do que acontecia com a maior parte das atividades na Índia, pertencer
aos thuggee
era algo hereditário. Os meninos eram iniciados gradualmente naquelas horrendas
práticas: primeiro, como aprendizes, em seguida cavavam as sepulturas, depois,
davam
assistência nos assassinatos e, finalmente, desde que demonstrassem grande
ferocidade, tornavam-se blurtote qualificados ou estranguladores, aristocratas
entre os
thugs.
Foi William Sleeman que identificou a sede e as enormes ramificações da
sociedade, que se espalhava como uma teia venenosa sobre a Índia inteira.
Estabelecendo seu quartel-general em Saugat, uma cidadezinha acanhada,
situada às margens de um lago no coração da região dos thuggee, ele pôs-se
a organizar
sua campanha.
Iain Huntley recordava-se agora de que alguns oficiais mais velhos, a
serviço dos prÃncipes indianos, eram estranguladores experientes, o mesmo
acontecendo
com um determinado sargento a serviço do marajá de Hockar.
Alguns eram criados de europeus, que neles depositavam cega confiança.
Outros haviam passado quase toda a vida a serviço das Forças Armadas da
Companhia das
Índias Orientais e um deles até recentemente fora informante da polÃcia no que
dizia respeito a outros campos do crime.
Era assustador pensar que o homem em quem se havia confiado durante anos a
fio, um soldado que obedecia suas ordens, seu próprio criado pudesse ter feito
um
juramento secreto e pertencesse à temÃvel seita thuggee.
Para os thugs seu trabalho era sagrado e eles acreditavam que seus poderes
eram sobrenaturais.
Tinham uma ligação oculta com seu parceiro do mundo animal, o tigre.
Um estrangulador famoso informou, ao ser interrogado:
- Aqueles que escapam dos tigres caem nas mãos dos thugs, e aqueles que
escapam dos thugs são devorados pelos tigres!
Pensando bem, talvez os tigres fossem menos assustadores!
O major Huntley ouvira um prisioneiro gabar-se de que tinha estrangulado
novecentos e trinta e uma pessoas.
Havia um bando de thugs composto por trezentos homens que se vangloriavam
de ter cometido mais crimes do que seria crÃvel admitir.
Iain Huntley sabia que aqueles dois últimos anos em que estivera
trabalhando ao lado de William Sleemen tinham sido os mais inacreditáveis, os
mais assustadores
e ao mesmo tempo os mais excitantes de toda a sua existência.
Como poderia explicar tudo aquilo para aquela jovem recém-chegada da
Inglaterra e que tudo desconhecia da Índia?
Como se tivesse consciência do que ele estava pensando, Brucena disse:
- Quero compreender tudo isto e sei perfeitamente que se trata de uma
idéia muito ambiciosa, mas mesmo assim tenho de começar por algum lugar.
- Sinto apenas que, tendo vindo à Índia, comece pelos thuggee - replicou
o major Huntley.
Ela sorriu.
- De certo modo a coisa fica mais interessante. Tem gente que vem aqui e
só sabe fazer elogios ao Taj Mahal o ao brilho da administração da Companhia
das Índias
Orientais...
Havia um certo sarcasmo no tom com que ela se exprimia, o que fez com que o
major Huntley a encarasse fixamente.
- Nossa administração é brilhante em certos aspectos, mas em um paÃs
tão grande e tão densamente povoado como a Índia, há inevitavelmente muitas
coisas que
ainda deverão ser feitas.
- Acredito, mas de certo modo acho uma grande presunção de nossa parte
tentar mudar um povo cuja civilização é muito anterior à nossa. Quem somos
nós para julgar
se suas crenças são certas ou erradas?
Iain Huntley olhou-a muito surpreendido.
Aquela não era a atitude convencional tomada pelas jovens que vinham Ã
Índia.
A maior parte delas preocupava-se apenas com as diversões que encontrariam
no Palácio do Governo, nos chás, nas partidas de pólo, nos bailes e nos
mexericos.
As demais eram missionárias dedicadas, firmemente resolvidas a pôr um
ponto final nas práticas dos indianos, pois divergiam frontalmente dos
conceitos de Bem
e de Mal, que lhes haviam sido inculcados em sua pátria.
Iain Huntley sentia profunda aversão por aquele imperialismo evangélico
combinado com um grande fervor moral. Considerava medÃocres e de mentalidade
estreita
aqueles que haviam feito daquelas teorias o objetivo de suas vidas.
Pensava com frequência que preferia a superstição e a selvageria da
Índia, o costume de queimar as viúvas, o infanticÃdio à carolice e ao zelo
estreito e mesquinho
daqueles que não apreciavam nem mesmo a beleza do paÃs, pois ele exercia um
efeito sedutor sobre suas pessoas.
- Acho que a primeira coisa que tem a fazer é compreender os indianos como
indivÃduos e não como um todo, pois cada um deles pertence a uma casta
diferente,
têm pontos de vista diversos e obedecem a regras que eles mesmos se impuseram e
que nenhum governo, por melhor administrado que seja, poderá alterar.
- E se agÃssemos assim nós os estragarÃamos - comentou Brucena, como se
estivesse falando consigo mesma. - Í por isso que quero compreender tudo o que
diz respeito
à Índia.
- Por quê?
A pergunta fora muito brusca e ela sabia que o homem que a formulara
suspeitava que suas motivações estivessem ligadas a uma mera curiosidade.
- A resposta a isto é o fato de eu sentir que tenho muito o que aprender
da Índia e que tenho muito a receber dela.
Iain Huntley ficou novamente surpreendido. Enquanto imaginava o que dizer,
Brucena prosseguiu:
- O senhor disse que na Índia todos são diferentes. Compreendo sua
afirmação, no que diz respeito às castas, mas, com certeza, todos eles
acreditam em algo.
- No quê?
- Em seu Karma pessoal. Todos os livros que li se referem ao Karma como
algo que impregna e abrange tudo, algo a que quase todos os indianos aderem não
somente
com sua mente mas também com seu coração.
O major Huntley contemplou-a durante alguns segundos e disse em seguida:
- Tem razão, srta. Nairn. Í claro que tem razão. Apenas fico
surpreendido que tenha chegado a esta conclusão ou que ela tenha sido dita pela
senhorita através
de uma fórmula tão simples.
- Já li a respeito, mas sinto que sempre levei isto dentro de mim, pois
trata-se de algo em que também acredito.
CAPÍTULO II
Fez-se um silêncio e Iain Huntley percebeu de repente que não conseguiria
suportar a perspectiva de destruir o idealismo e o apreço que a garota sentia
pela
Índia, revelando-lhe os detalhes sórdidos e revoltantes relativos aos thuggee.
Devido ao fato de sentir-se um tanto surpreendido pelas revelações que Brucena
havia
feito a respeito de si mesma, disse em um tom de voz mais enérgico do que
desejaria:
- Espero, srta. Nairn, que suas idéias a respeito da Índia não sejam
modificadas devido a sua estada em Saugar.
- Acho que o lugar me parecerá muito interessante, qualquer que seja sua
aparência, mas ainda estou à espera de que o senhor me fale sobre os thugs.
- Í algo que não tenho a menor intenção de fazer e penso que
verificará que seus primos sentem o mesmo que eu. Quanto menos se falar deste
assunto, melhor!
Talvez o modo como ele se exprimia fosse desagradável ou talvez ela
tivesse ficado desapontada por não ouvir o que queria saber, mas, Brucena
sentiu que se
encolerizava.
Desde que encontrara aquele homem, ele se mostrava decidido a colocar
obstáculos em tudo e ela ainda achava que deveria ter salvo o bebê. Só não o
fizera porque
ele a impedira, trazendo-a de volta para o trem. Era um homem bonito, para
aqueles que apreciavam uma aparência tão britânica, mas havia nele algo de
rude e decidido.
Quase chegou a sentir pena dos thugs, pois ele era uma daquelas pessoas que
os perseguiam e os entregavam à Justiça.
Disse em voz alta:
- Í óbvio, major Huntley, que no que lhe diz respeito, não sou bem-vinda
a Saugar.
- A senhorita não é minha hóspede e cabe ao capitão Sleeman e à sua
esposa dar-lhe as boas-vindas.
Brucena compreendeu de repente que se eles tomassem a mesma atitude do
major, teria de encontrar um outro lugar que a recebesse e isso poderia ser
muito difÃcil.
Olhou para fora da janela e certificou-se, ao contemplar a paisagem que
desfilava diante de seus olhos, que desejava, com intensidade quase apaixonada,
que
a Índia lhe proporcionasse sensações que a Escócia jamais conseguiria lhe
transmitir.
Havia nela algo caloroso, algo que não conseguia colocar em palavras. Por
isso sentira-se muito bem, quando partira de Bombaim. Tratava-se de qualquer
coisa
que se refletia na luminosidade dos dias e na escuridão das noites.
- Isto tudo me fala ao coração - disse para si mesma. Sentia, porém, que
já havia revelado muito de seus sentimentos mais Ãntimos ao major Huntley e que
ele
não os entenderia.
Permaneceram em silêncio e devido ao fato de que ela havia voltado o rosto
para outro lado, ele conseguiu distinguir seu perfil. Era impossÃvel deixar de
admirar
seu nariz pequeno e reto, as curvas delicadas de seus lábios e o queixo
voluntarioso.
"Ela deveria voltar para a Escócia, pois lá é o seu lugar", pensou,
preocupado.
Então disse a si mesmo que estava sendo desnecessariamente alarmista.
Dentro em pouco ela estaria com os Sleeman e a vida social tão restrita
que havia em Saugar a receberia de braços abertos.
A exemplo do que acontecia com as garotas na Índia, seria convidada para
partidas de tênis e jantares, nos quais, se houvesse homens em quantidade
suficiente,
ela poderia dançar.
- Não pode lhe acontecer nada de mal se ela se limitar a este tipo de vida
- disse Iain Huntley para si mesmo.
Tinha, porém, a sensação desagradável de que, em se tratando de
Brucena, aquilo não seria suficiente.
- Espero - disse após um momento de reflexão - que o capitão Sleeman
providencie para que a senhorita visite seus amigos em outras regiões da
Índia, onde apreciará
paisagens bem mais belas e templos magnÃficos, que em Saugar não existem.
- Está tentando livrar-se de mim? - indagou Brucena, com uma entonação
divertida. - Parece ter esquecido, major, de que preciso trabalhar.
- Como babá... Não consigo vê-la neste papel.
- No entanto, foi por esta razão que eu vim e tenho certeza de que não
acharei difÃcil aprender o que é esperado de mim.
Ao dizer essas palavras, pensava no que Amelie Sleeman tinha escrito em seu
francês tão elaborado.
Mais tarde Brucena ficou sabendo que devido ao fato de seu marido falar
francês muito bem, ela nunca chegou a dominar completamente o inglês.
"Não quero uma babá empertigada e rÃgida, que desprezaria a mim e a meus
métodos. Quero uma moça inglesa ou escocesa que me ajudará a cuidar de meu
bebê e em
quem eu confie a ponto de saber que ela não lhe dará ópio a fim de mantê-lo
em silêncio, ou qualquer dessas drogas infernais que os Ayahs empregam, quando
ninguém
os está olhando."
Naquele momento a colocação lhe parecera bastante simples, mas agora
Brucena imaginava que talvez a prima Amelie estivesse pensando em algo bem mais
sinistro
do que em um Ayah preguiçoso que desejasse fazer a criança ficar quieta.
Os thugs, sem sombra de dúvida, odiavam o primo William pelo modo como ele
os reprimia e os impedia de realizar aquilo que para eles era uma tarefa
sagrada.
Que melhor vingança haveria do que estrangular seu filho ou mesmo
sequestrá-lo a fim de educá-lo dentro do culto que ele estava destruindo? Lera
em um livro
que quando os thugs matavam viajantes e eliminavam seus traços, algumas vezes
levavam em sua companhia, além de tudo que tivesse valor, uma criança
especialmente
bonita.
Dizia-se que eles ensinavam-na a se tornar um thug ou então, o que era
muito mais assustador, sacrificavam-na à deusa Kali.
Brucena estremeceu ao pensar que pudesse acontecer uma coisa dessas ao
bebê da prima Amelie e disse a si mesma que sua imaginação seguia rumos
absurdos.
Talvez os thugs não fossem tão maus assim como pintavam.
O mistério que o major Huntley criava em torno deles apenas intensificava
a sensação de que ela deveria conhecer mais coisas a seu respeito e não
deveria ser
mantida na ignorância da verdade, como ele obviamente desejava.
- Tive o azar de encontrar no momento em que cheguei à Índia um homem que
não tem a menor vontade de me agradar e que não somente coloca obstáculos em
minhas
tentativas de descobrir o que desejo, como também gostaria de se ver livre de
mim.
Disse a si mesma que lutaria contra ele com todas as armas que estivessem a
seu alcance.
Tinha certeza de que ele tentaria convencer sua prima que ela não somente
era inadequada para a profissão que viera exercer, como também representaria
um perigo
a mais em um tipo de vida que, em si, encerrava todos os perigos possÃveis e
imagináveis.
"Se prima Amelie consegue enfrentá-la, eu também conseguirei", pensou
Brucena.
Ao mesmo tempo mostrava-se apreensiva e enquanto o trem deslizava sobre os
trilhos que os levaria a Saugar, ela constatou que gostava cada vez menos do
homem
que se sentava diante dela.
- C'est impossible! Não acredito que você esteja aqui de verdade - disse
Amelie Sleeman naquela mesma noite, depois de terminarem o jantar à luz de
velas.
Os abanadores acima de suas cabeças faziam com que as chamas se
inclinassem para cá e para lá, como se estivessem a bordo de um navio. Brucena
sorriu para ela
e em seguida para seu primo.
- Tive medo de que se zangassem comigo por eu ter vindo - respondeu.
- Não, claro que não estamos zangados - respondeu a sra. Sleemen em seu
inglês precário e encantador -, mas nunca sonhamos, mon mari et moi, ao
recebermos seu
telegrama, que você viria em pessoa, em vez de mandar uma jovem escocesa.
- Elas ficaram apavoradas com a idéia de viajar para uma terra tão pagã
e para dizer a verdade senti-me muito feliz de poder me afastar do castelo. As
coisas
não têm sido muito fáceis depois que papai voltou a se casar.
- Í exatamente o que eu disse para meu marido - comentou Amelie Sleemen,
com uma inflexão de triunfo na voz. - Disse-lhe: Cette pauvre petite com toda
certeza
vai passar um mau pedaço com uma madrasta que jamais poderá ser tão bonita
quanto ela!
- Agora você está aqui e é só isso que importa - disse William Sleeman
antes que Brucena pudesse responder. - Fico contente por Amelie ter alguém que
lhe faça
companhia. Ela se sente muito só, pois tenho de ausentar-me com frequência.
- Í verdade, sinto uma falta imensa de você, mon cher, onde quer que
você vá, mas as coisas aqui se tornam piores, pois onde quer que eu vá tenho
atrás de mim
soldados me escoltando. Tenho certeza de que Brucena também achará isto muito
aborrecido.
- Ela acabará se acostumando - disse William Sleeman com um sorriso. -
Quero deixar desde já umas tantas coisas muito claras, Brucena: você não deve
sair do
jardim sem comunicar ao sargento dos sipaios que estiver de plantão onde é que
vai. Se se afastar muito de casa, ele mandará alguém lhe fazer companhia.
- Está vendo só! - exclamou Amelie, fazendo um gesto expressivo com as
mãos. - Í como se fôssemos prisioneiras suas e algumas vezes sinto que c'est
moi que
está presa e não os nativos.
- Penso que você acharia as masmorras de Jubbulpore e Saugar muito
diferentes do conforto de que goza aqui - disse William Sleeman com secura. - Eu
pelo menos
não a marco a ferro, querida.
Amelie sorriu.
- Imagino que devo lhe dizer obrigada! - exclamou.
Percebendo que Brucena não compreendia, explicou:
- Uma das punições reservadas a um thug é que ele é marcado a ferro nas
costas e nos ombros e até mesmo nas pálpebras. Í algo que eles não toleram.
- Não me surpreende - disse Brucena. - Este castigo me parece excessivo.
- Nada é excessivo, em se tratando de homens que matam por prazer -
sentenciou William Sleeman.
Ficaram em silêncio durante alguns instantes e então Brucena disse:
- Primo William, quando tiver tempo gostaria que me falasse a respeito dos
thuggee. Há muito pouca coisa relativa a eles nos livros sobre a Índia e pelo
que
sei trata-se de um dos segredos mais antigos deste paÃs.
- Í verdade, mas não sinto vontade de falar destas coisas na presença de
Amelie. No estado em que se encontra, não deve se preocupar com assuntos
desagradáveis,
seja no plano fÃsico, seja no plano mental.
- Sim, é claro. Compreendo...
Já lhe fora comunicado que a sra. Sleeman esperava a criança para o Ano-
Novo e com sete meses de gravidez ela já estava um tanto pesada e perdera
aquela graciosidade
que lhe era tão caracterÃstica.
Era filha do proprietário de um engenho de açúcar, em Mauritius e aquele
casamento entre duas pessoas de temperamentos tão opostos e com uma diferença
de vinte
anos entre eles parecia um tanto estranho. Bastava no entanto ver os Sleeman ao
lado um do outro para compreender que eram extremamente felizes.
Devido ao fato de que as francesas são muito adaptáveis, Amelie era na
realidade a esposa perfeita para William Sleemen.
- Serei muito feliz com eles - disse Brucena para si mesma, enquanto se
recolhia ao leito naquela noite, no pequenino quarto anexo ao berçário,
já pronto para
abrigar o bebê.
Lá fora ouvia-se o pio agourento de uma coruja, os grilos, o ruflar das
asas dos morcegos, cães que ladravam, animais noturnos que deslizavam no mato e
muito
ao longe um som que ela sabia ser caracterÃstico de toda a Índia: os uivos de
uma matilha de chacais.
Tudo aquilo era muito excitante. Tratava-se de um mundo novo e ao mesmo
tempo muito antigo. Sentia que tinha surgido dali, sabia que suas raÃzes se
encontravam
fincadas lá.
- Estou tão feliz de ter voltado para cá! - murmurou, antes de adormecer.
Só três dias mais tarde Brucena se deu conta de que enquanto começava a
adaptar-se à nova vida havia perdido de vista o major Huntley.
Ele a trouxera para o grande bangalô, todo pintado de branco e a entregara
a seus primos com o ar de um homem que não tinha a menor certeza se estava lhes
proporcionando
uma surpresa agradável ou desagradável.
Brucena sabia muito bem que havia trabalho à sua espera, pois no momento
em que chegaram à estação de Saugar, um sargento, comandando um destacamento
de sipaios
estava à sua espera a fim de lhe fazer a continência de estilo.
Como estava aborrecida com o major Huntley não se deu ao trabalho de
explicar-lhe que durante as longas semanas de viagem estudara hindu e passados
os primeiros
dias descobrira um professor na segunda classe, o qual, em troca de uma pequena
quantia de dinheiro, estava preparado para dar-lhe aulas.
O comissário de bordo que o havia descoberto garantiu-lhe que o homem era
muito bem qualificado para a tarefa e Brucena verificou que ele não só era um
professor
eficiente como também uma pessoa muito inteligente. Inicialmente aplicou-se
muitÃssimo em conhecer a lÃngua, decidida a não chegar à Índia incapaz de
falar qualquer
outra coisa que não fosse o inglês.
Í medida que o tempo avançava, descobriu com grande prazer que o
professor também poderia lhe contar muita coisa a respeito do paÃs e dos
costumes de seu povo.
Tentou até mesmo explicar-lhe o sistema de castas e, mais importante do
que tudo, as religiões, que variavam do budismo ao hinduÃsmo; dos jains aos
muçulmanos,
além de centenas de seitas estranhas e variadas, todas elas com seus rituais,
tabus e lugares sagrados, espalhados pelo vasto subcontinente.
Algo em Brucena, instintivamente, fez com que ela mantivesse silêncio em
relação aos thuggee e o seu projeto de ficar hospedada com o arqüiinimigo
deles, o
capitão William Sleeman.
Tinha a impressão de que se o professor ficasse a par de seu destino não
demonstraria tanta boa vontade em lhe ensinar as coisas que ela queria saber.
Não conseguia encontrar muitas explicações para o fato de se sentir
assim, mas ao longo dos anos aprendera a confiar em seu instinto, que naquele
momento lhe
dizia para manter silêncio em relação a si mesma.
Apesar de se dar conta de que havia muito mais coisas a aprender, no que
dizia respeito à s lÃnguas indianas, compreendeu o que o major Huntley disse ao
sargento
que viera a seu encontro na estação.
Dirigindo-se a ele em voz baixa e esperando não ser ouvido, indagou em
urdu:
- Algum problema?
- Sim, major. Acho que hoje à noite deverÃamos visitar...
Brucena não conseguiu entender a última palavra, mas compreendeu o resto
e divertiu-se bastante quando o major, voltando-se para ela com um sorriso
enganador,
comunicou-lhe:
- Disse ao sargento que providencie condução para a senhorita e eu a
acompanharei até o bangalô de seu primo. Ficará muito impressionada ao se ver
escoltada
por um regimento da Cavalaria!
Brucena não tivera uma impressão muito lisonjeira da cidadezinha de
Saugar, a não ser pelo fato de que tudo na Índia possuÃa uma beleza que ela
jamais presenciara
onde quer que fosse.
Estava debruçada sobre as margens de um grande lago e a seu lado havia uma
construção semelhante a um castelo pesadão e sombrio, que mais tarde
disseram-lhe
ser a prisão.
O bangalô dos Sleeman que se encontrava fora da cidade, era grande, porém
simples e encantador. O jardim estava repleto de flores cujas cores faziam
Brucena
sentir que elas lhe davam as boas-vindas de um modo todo especial.
Sentiu logo que não havia motivos para pensar que os Sleeman a mandariam
de volta ou que não sentissem sincera satisfação em recebê-la.
Achou que a inegável sinceridade com que Amelie a beijava, mesmo levando
em conta o fato de que ainda não se conheciam, era uma certa forma de esnobar o
major
Huntley.
"Talvez ele não queira minha presença aqui", pensou Brucena, "mas meus
primos querem e isto é a única coisa que conta".
Ao mesmo tempo sabia que havia levado a melhor e desejava que para o futuro
houvesse entre ambos duelos semelhantes, possuÃda de um sentimento que não
conseguia
compreender com clareza.
Devido ao fato de ser curiosa, fez à sra. Sleeman algumas perguntas
relativas ao major Huntley.
- Por que ele se ausenta? Deu-me a impressão de que era o braço direito
de primo William.
- Í é sim! William está muito satisfeito com ele. Capturou mais thugs do
que qualquer oficial que o regimento enviou para cá. Para falar a verdade,
alguns deles
são perfeitamente inúteis.
- Pareceu-me muito evidente que o major Huntley gosta de fazer
interrogatórios - comentou Brucena secamente.
- Í muito corajoso e apesar dos outros assistentes de meu marido não
ousarem admiti-lo, tenho certeza de que eles, no fundo, estão assustados. Os
thugs são
muito perigosos e graças a Deus seu número diminuiu.
- E tudo isto se deve ao primo William?
- Sim, é claro. Ele tem sido maravilhoso! - exclamou Amelie, entusiasmada.
- Seu principal objetivo na vida é não só destruir os thuggee, como também
desacreditá-los.
Suspirou ligeiramente.
- William sempre diz que quando os homens lutam por uma causa são
incomensuravelmente mais fortes e eficientes do que quando lutam por razões de
dever ou satisfação
pessoal.
- Já ouvi este conceito muitas vezes.
- E é verdade! Ele está começando a convencer os thugs de que nosso Deus
é maior do que sua deusa.
- Será que ele conseguirá levá-los a acreditar nisto? - perguntou
Brucena, cheia de curiosidade.
- Na semana passada, ele me contou que um thug disse-lhe: "O senhor declara
que Deus está de seu lado e que Kali retirou sua proteção devido às nossas
transgressões.
Devemos ter sido negligentes em seu culto".
Após essa conversa Brucena gostaria de ter dialogado mais com o primo
William, mas quando ele voltava para casa, Ã noite, estava exausto na maior
parte das
vezes.
Sabia que isso acontecia não só porque ele dava duro o dia inteiro
perseguindo os thugs como também porque discutia com eles, lutando contra eles
com palavras
e armas. Ao encontrar-se no recesso do lar, não queria conversar a respeito
daqueles assuntos.
Ela e Amelie estavam proibidas de aproximar-se da cidade nos próximos dias
e ele não lhes dera nenhuma explicação para o interdito. Prestando atenção
em tudo
o que se dizia e interrogando com muita habilidade o sargento dos sipaios, que
falava bem inglês, Brucena ficou sabendo que houvera problemas, pois seis thugs
haviam
sido executados e um deles era considerado herói nacional.
Um de seus simpatizantes, que ainda não podia ser preso sob a acusação
de pertencer aos thugs, por absoluta falta de provas, conseguiu levar os
indianos de
outras castas a fazer manifestações de protesto e a causar desordens.
Na Índia, a coisa mais comum era ganhar desafetos no plano polÃtico e
somente métodos muito fortes de repressão conseguiam terminar com os
distúrbios da ordem
pública.
Brucena ficou sabendo que o resultado daquelas manifestações foi que a
prisão do lago ficou lotada e muitos outros prisioneiros foram confinados em
Jubbulpore.
Quando menos esperava, ouviu o barulho dos cavalos que se aproximavam e de
repente o major Huntley estava a seu lado, na varanda deserta. Parecia acalorado
e um tanto cansado, mas saudou-a com muita polidez e perguntou:
- Ouvi dizer que o superintendente não está. Não saberia me dizer quando
vai voltar?
- Não tenho a menor idéia.
Antes de ir repousar, Amelie mostrava-se preocupada, pois ele não
comunicou quando esperava estar de volta.
Notou que o major Huntley franzia o cenho e perguntou:
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, não, claro que não - ele respondeu com tamanha solicitude que ela
percebeu que ele estava mentindo.
- Gostaria de beber algo?
- Sim, obrigado.
Bateu palmas, pois aprendera que era assim que se convocava um criado, e
quando ele se apresentou o major Huntley pediu um copo de laranjada.
Ao sentar-se na cadeira ao lado de Brucena o vinco em sua fronte
desapareceu e ele perguntou:
- Como tem passado? A Índia ainda não a desapontou?
- Acho cada dia mais excitante do que o anterior - replicou Brucena, - Mas
é uma pena que eu sofra tantas restrições em relação àquilo que posso ver
e quanto
aos lugares onde posso ir. Para dizer a verdade, sinto-me desapontada por seus
esforços em manter a paz não serem melhor sucedidos.
Pretendia espicaçá-lo, achando que ele reagiria às suas insinuações.
Ele, ao invés, simplesmente riu.
- Confiava em que sua sensatez, após uma viagem tão longa, a levaria a
repousar durante algum tempo. Permita-me informar-lhe que as coisas quase
voltaram Ã
normalidade. Dentro em breve poderá ir onde bem entender.
- Com uma escolta, é claro...
- Exatamente. Com uma escolta.
Brucena olhou em direção ao lago e para a planÃcie achatada que se
estendia em direção ao horizonte.
- Este lugar é assim tão perigoso como vocês pretendem? Pressinto que o
senhor gosta de me deixar arrepiada fazendo alusões a horrores sem nome, ao
mesmo tempo
que se recusa a apontá-los especificamente.
- A srta. Nairn com certeza não está interessada em horrores... Além do
que, na sua idade, deveria se interessar por coisas bem diferentes. Uma delas é
o romance...
Enquanto falava, contemplou o livro que estava pousado na cadeira, ao lado
dela.
- Pelo que sei, a leitura preferida das jovens que moram em Simla é O
Morro dos Ventos Uivantes. Í este o livro que está lendo?
Pegou o livro com displicência e notou que estava escrito em urdu.
- Não vá me dizer que isto a interessa...
Impelida por um motivo obscuro, que naquele momento não conseguiu
compreender, Brucena decidiu não lhe dizer a verdade.
- Não, claro que não. Acho que primo William deve ter deixado o livro aÃ.
Lamento dizer que nesta casa há uma escassez muito grande de livros.
- Terei muito prazer em mandar vir de Jubbulpore o que a senhorita desejar.
- Não gostaria de lhe dar trabalho. E se o senhor o fizesse, teria de
voltar aqui, em vez de me ignorar, como tem sido sua intenção, desde que
voltei.
- Vejo que está me considerando um inimigo - disse Iain Huntley, em tom
divertido.
- E por que não? Durante a viagem, o senhor expressou seus sentimentos de
uma maneira muito clara e desde que cheguei não se dignou em saber como eu
tenho passado.
Ele riu.
- Foi uma falta de consideração de minha parte, mas a senhorita tem de
aceitar minhas desculpas. Í que tenho estado extremamente ocupado.
- Sem dúvida, caçando os thugs, como se eles fossem raposas a serem
massacradas por um bando de caçadores excitados, auxiliados por uma matilha de
cães ferozes?
- ela indagou, com uma ponta de maldade.
- Exatamente! A imagem é muito feliz. Infelizmente, havia raposas demais e
cães de menos.
Brucena estava pensando em algo incisivo para lhe dizer quando William
Sleeman surgiu na varanda.
- Ah, você está aÃ! - exclamou. - Descobri o paradeiro daquele homem.
- Í mesmo? E para onde é que ele foi?
- Será preciso indagar? Para Gwalior, é claro.
- Imaginei que ele poderia esconder-se por lá - observou Iain Huntley.
- Como, aliás, seria de se esperar - comentou William Sleeman com
amargura. - Aquele lugar tornou-se o esconderijo dos thugs. Um assassino pode
refugiar-se
lá com a mesma segurança com que um inglês procura uma taberna.
Brucena acompanhava o diálogo prestando o máximo de atenção. Sabia que
Gwalior era uma provÃncia situada perto dali e que um residente inglês tinha
sido nomeado
pelo governador-geral a fim de aconselhar o marajá, a exemplo do que acontecia
em várias cortes de prÃncipes reinantes e independentes.
- Í intolerável, mas não tenho certeza do que posso fazer em relação
ao assunto - declarou William Sleeman, extremamente nervoso.
- Deve haver uma solução - insistiu o major Huntley.
- Gostaria que houvesse mesmo, mas o sr. Cavendish opôs-se decididamente a
mim desde que vim para cá e tornou meu trabalho mais árduo do que deveria ser.
- Í uma lástima! - exclamou Iain Huntley.
- Está querendo dizer que o residente é um inglês que aprova os atos dos
thugs? - indagou Brucena.
Sua voz pareceu assustar os dois homens e ela percebeu que eles haviam
ignorado completamente sua existência.
- Ele jamais admitiria uma coisa destas - respondeu William Sleeman, após
uma pausa -, mas ao bloquear minhas investigações e não permitir que meus
homens penetrassem
na provÃncia de Gwalior ele tornou aquela região um esconderijo onde todo thug
poderá refugiar-se, quando se vir perseguido.
- Que situação mais incrÃvel! - exclamou Brucena. - Sobretudo quando o
governador-geral nomeou-o para eliminar os thugs...
- Pois é - disse William Sleeman -, mas com ou sem Gwalior pretendo
destruir a seita mais temÃvel e extraordinária de toda a história da raça
humana.
Havia um tom apaixonado em sua voz e seus olhos azuis ostentavam um brilho
que lhe conferia naquele momento um ar de visionário.
Mais tarde, naquela mesma noite, sentaram-se em torno da mesa de jantar, em
companhia de meia dúzia de vizinhos.
"Era difÃcil acreditar", pensou Brucena, "que fora do conforto civilizado
da sala, repleta de vozes alegres e das risadas dos convidados, houvesse homens
de
tocaia, dispostos a matar viajantes inocentes, sem a menor idéia do que estava
para ocorrer e em seguida se vangloriassem de seus crimes".
Brucena se deu conta de que aquele assunto não deveria ser abordado em um
jantar e ouviu os mexericos locais e algumas histórias sobre os criados
indianos.
Mostraram-lhe algumas bijuterias adquiridas no bazar da região, além de
tecidos muito belos, que poderiam ser usados como lenços por uma senhora
inglesa ou então
como sáris.
Tudo aquilo era muito feminino e frÃvolo, mas sabia que os rapazes
presentes naquele momento olhavam-na com um brilho nos olhos. Os mais velhos
brincavam com
William Sleeman, por ele ter em sua casa uma hóspede tão atraente, não os
tendo prevenido de que se tratava de uma beldade.
Tudo aquilo era muito trivial e não apresentava grandes complicações,
mas quando Brucena se recolheu permaneceu durante algum tempo olhando pela
janela, sentindo
que a Índia era um enigma, um mistério e ao mesmo tempo um encantamento.
Tinha a sensação de que o conhecimento que buscava, tudo o que queria
saber estava lá fora, porém muito além de seu alcance.
Tudo se escondia por detrás de milhares de anos de tradição, oculto por
uma complexidade de rituais e costumes que os europeus jamais poderiam
compreender.
Acima de tudo havia um segredo tão profundamente arraigado na mente e no
coração do indiano, que ele preferia morrer a revelar aquilo que para ele era
sagrado.
Brucena passeava pelo jardim. Percebeu que somente uma irrigação
constante, feita quase de hora em hora, poderia impedir os pequenos canteiros
verdejantes de
murchar, devido ao calor, protegendo a muito custo as flores plantadas ao longo
dos anos por todos aqueles que haviam ocupado o bangalô. Era o único modo de
não
deixar que fossem subjugadas pelas ervas daninhas.
As flores eram maravilhosas. Primaveras escarlates e rosadas subiam por
todos os muros e os jardineiros empreendiam uma batalha interminável contra as
parasitas
que se enrolavam nos troncos das árvores, à semelhança de um polvo.
As palavras não conseguiam exprimir o quanto tudo aquilo era belo e
Brucena sentiu que era impelida por uma música oculta, que fazia parte da
beleza e da majestade
da alvorada indiana.
Apesar de já estarem quase no fim de outubro, ainda fazia muito calor por
volta do meio-dia e William Sleeman aconselhou Brucena a levantar-se o mais cedo
possÃvel,
quando o ar ainda estava fresco.
Algumas vezes ele a convidava para saÃrem a cavalo antes do café da
manhã, mas naquele dia teve de ir à cidade e ela resolveu andar pelo jardim
carregando uma
sombrinha debaixo do braço, que a protegeria assim que o sol se levantasse.
Tudo aquilo era profundamente mágico. Não se cansava de contemplar as
flores e a paisagem sem deixar de sentir que elas encerravam uma mensagem muito
especial,
que ela ainda não conseguia compreender inteiramente.
Chegou até o fim do jardim e ficou contemplando uma cerca de hibiscos ao
longo da qual corria uma estradinha comprida e poeirenta, dirigindo-se para as
terras
secas e arenosas, ponteadas à distância por uma ou outra árvore.
Teve a sensação de que se percorresse aquela estrada acabaria encontrando
o que procurava, mas não tinha certeza do que se tratava.
Ficou a contemplá-la sentindo que simbolizava algo que ela deveria
entender mas cuja significação no momento lhe escapava.
Ouviu então um barulho e olhando à sua direita viu algumas pessoas
acampadas à sombra de algumas árvores raquÃticas.
Os sáris das mulheres, de cores brilhantes, destacavam-se contra aquela
terra árida onde nada cresceria até que as chuvas chegassem. Notou que eles
embrulhavam
seus pertences, que haviam usado durante a noite. Suas muitas pulseiras
brilhavam à luz do sol que se levantava.
"As mulheres eram muito belas e possuÃam uma graciosidade que dava inveja",
pensou Brucena. Sabia que à força de carregarem cântaros de água na cabeça
haviam
adquirido aquele andar que as tornava semelhantes às deusas.
Os homens arreavam alguns cavalos de patas curtas e um burrico de aspecto
velho e cansado.
Eram numerosos e havia também crianças brincando felizes. Uma delas
brincava com um pedaço de pau e um menino divertia-se com um pano colorido,
tentando insuflar
nele um vento que naquele momento não existia.
Desde que chegara à Índia, Brucena desejara desenhar ou pintar a beleza
das crianças.
Jamais havia imaginado que aquelas criaturinhas pudessem ser tão magnÃ-
ficas em todos os aspectos.
Aqueles olhos enormes, emoldurando rostos delicados, possuÃam um apelo
imenso, que lhe atingia o coração e faziam-na recordar invariavelmente o bebê
que não
conseguira salvar na plataforma da estação.
Estava perdida em sua contemplação, quando viu um garotinho de uns cinco
anos de idade separar-se dos demais e caminhar em sua direção. Trazia uma flor
na mão
e ao chegar perto dela entregou-a com um sorriso nos lábios que a fez sentir
vontade de tomá-lo nos braços. Aceitou a flor que ele lhe oferecia.
- Obrigada! - disse em urdu. - Muito obrigada.
Ficou imaginando se tinha algo a lhe dar em troca e vasculhou
instintivamente o bolso da saia.
Achou que talvez tivesse guardado um lenço.
Ao sentir algo macio e sedoso compreendeu que se tratava de um novelo de
seda que encontrara na varanda, quando saÃra de casa.
Pertencia a Amelie, que estava bordando para o nenê uma roupa em tons de
azul e rosa.
- Azul e rosa? - indagou Brucena, admirada, ao ver sua prima entregue Ã
tarefa.
- Não me importo que seja menino ou menina e portanto estou aplacando os
deuses, fazendo-os acreditar que não tenho nenhuma preferência.
Brucena riu.
- Tenho certeza de que William deseja um filho. Isto acontece com todos os
homens.
Não conseguiu deixar de controlar um certo tom de amargura enquanto
falava, lembrando-se do quanto sofrera toda a vida por ter sido uma menina em
vez do menino
que seu pai desejara com tanto fervor.
- William disse que se for uma menina e se parecer comigo, ele ficará tão
maravilhado por ter mais uma francesa para amar, que não sentirá falta de mais
nada.
- Espero que ele esteja dizendo a verdade, mas rezo, prima Amelie, para que
sua primeira criança seja um menino.
- Pensando em William, eu deveria desejar um menino. Ao mesmo tempo, seria
divertido ter uma menina com quem eu pudesse conversar, como acontece com nós
duas.
- De tudo o que você acaba de dizer deduzo que nascerão gêmeos...
- Claro, e o azul será para o menino e o rosa para a menina.
Ela sorriu e seu rosto todo se iluminou.
- Seja quem for, pertencerá a mim e é só isso que importa.
Brucena retirou do bolso o pequeno novelo de seda cor-de-rosa.
Esperava que Amelie tivesse o suficiente para poder acabar a roupa, mas
não conseguia resistir ao encanto do garotinho que lhe dera a flor. Debruçou-
se sobre
a cerca e colocou o novelo em sua mão.
O menino parecia não acreditar no que via e tomando o novelo em suas mãos
soltou uma exclamação de alegria.
Apertou-o em seguida contra o peito, como se quisesse assegurar-se de que
aquilo era real e que ela o destinava para ele.
- Í para você, sim! - ela disse em urdu. - Í para você brincar.
Ele deu um grito de felicidade e saiu correndo em direção às demais
crianças, segurando o novelo acima da cabeça e gritando:
- Í meu! Í meu! Í meu!
"Era a alegria de se possuir alguma coisa", pensou Brucena "e em se
tratando de Amelie ou do garotinho, o que toda pessoa queria era algo que lhe
pertencesse
com exclusividade".
"Nada tenho! Nada me pertence verdadeiramente!", pensou, entregando-se
subitamente a um acesso de autopiedade.
Olhou para a estrada que se estendia horizonte afora e disse para si mesma
que possuÃa algo mais importante do que os bens materiais.
A sabedoria que ela reconhecia em tudo aquilo que a rodeava era mais
excitante do que uma jóia, mais valiosa do que qualquer fortuna.
- Isto me pertence! - ela exclamou com ar de desafio. - Trata-se de algo
que ninguém poderá roubar de mim!
Quando William Sleeman veio almoçar encontrava-se de muito bom humor.
- Hoje, de tardezinha, quando o calor diminuir, você e Brucena talvez
gostem de sair comigo a passeio - disse para sua mulher.
- William, querido, que idéia esplêndida! - respondeu sua mulher. - Você
está querendo dizer que agora não corremos mais perigo?
- Espero que não! Nossa última ação, que aliás só foi levada a cabo
mediante extraordinárias dificuldades, provou ser tão eficaz que tenho certeza
de que se
sobrou algum thug na vizinhança, ele neste momento está fugindo com toda a
rapidez que suas pernas lhe permitirem.
Brucena ouvia atentamente.
Tinha a impressão de que se fizesse perguntas o primo William mudaria
imediatamente de assunto.
- Você mal vai acreditar, mas um homem a quem vÃnhamos perseguindo
há seis meses revelou-se um espião e estava a serviço da Companhia das
Índias Orientais!
- Fantástico! - exclamou Amelie.
- Í verdade, e todos os que trabalhavam com ele juravam que confiavam nele
a tal ponto que seriam capazes de lhe entregar sua própria vida, que é,
aliás, o
que estavam fazendo!
- Como é possÃvel que eles atinjam postos tão altos sem despertar a
suspeita de quem quer que seja? - indagou Amelie.
- Í o que me pergunto, sempre que viramos uma pedra administrativa e
encontramos um thug escondido debaixo dela - respondeu seu marido. - Bem, o
indivÃduo está
na prisão, à espera do julgamento. Acho que o fato de tê-lo prendido é uma
ameaça extraordinariamente eficaz para aqueles que o julgavam invencÃvel.
Amelie suspirou.
- O que me deixa mais apavorada é que eles acreditam que seus poderes
mágicos os salvarão.
- Estão começando a compreender que somos mais fortes do que eles -
replicou William Sleeman. - Como me disse um deles: ao ouvir o som de seus
tambores, os
feiticeiros, as bruxas e os demônios fogem. Como poderiam, então, os thugs
sobreviver?
- Í mesmo! - concordou Amelie. - Mas, querido, você precisa se cuidar. Se
algo lhe acontecesse, esses demônios voltariam com força total.
- Claro que voltariam! Mas acredito que Deus me protege, pois até mesmo os
thugs admitem que estou a Seu serviço, e não a serviço do diabo.
Mais tarde, quando o sol havia perdido um bocado de sua força e começava
a refrescar, acomodaram-se em uma carruagem aberta e puseram-se a percorrer a
beira
do lago.
Apesar de se saber que não havia perigo em sair desacompanhados de
escolta, Brucena viu vários cavaleiros seguindo-os e chegou à conclusão de
que tudo aquilo
fazia parte da aura de importância que primo William considerava essencial para
seu cargo.
Não estava disposta a discutir o assunto, pois a perspectiva de visitar a
região pela primeira vez a deixava empolgada.
Os pequenos santuários à beira da água, as mulheres com seus saris
maravilhosamente coloridos, trazendo à cabeça pesadas cargas, menininhos
guiando búfalos
nos arrozais, um rebanho de cabras brancas e negras possuÃam uma atração
irresistÃvel.
O próprio lago era um encantamento, à medida que o sol que se punha
transformava-se em uma esfera de ouro e as crianças das aldeias mergulhavam
nuas e felizes
na água morna. Aquilo, sim, era a Índia que ela queria ver e até mesmo a
visão dos urubus batendo suas asas negras e pesadas, ao se verem perturbados
quando consumiam
carcaças devoradas pela metade, não conseguiam dissipar aquela sensação de
magia.
Percorreram vários quilômetros antes que William Sleeman ordenasse que a
carruagem voltasse e seguiram por outra estrada, que percorria uma região toda
ondulada,
cheia de árvores.
Como se aquilo fosse um pensamento constante, William Sleeman apontou para
as árvores e disse:
- Todos esses são lugares de abominação, onde infelizes viajantes que
acampam procurando refúgio durante a noite sentem a respiração de um thug por
detrás das
costas e logo em seguida o cordão de seda que se aperta em torno de suas
gargantas.
Amelie gritou, aterrorizada:
- William, você está me assustando!
Ele estendeu a mão e segurou as dela.
- Sinto muito, querida, não era minha intenção. Para dizer a verdade, eu
estava pensando em voz alta.
Brucena mostrou-se enormemente interessada em tudo o que ele dissera.
Ficara sabendo que o lugar onde ocorria um estrangulamento era denominado
bele, de que pola era o sinal secreto que um thug deixava para outro e que
kburak
era o barulho feito pelo instrumento com que cavavam uma sepultura.
Aos poucos compilava um vocabulário próprio, relativo a tudo aquilo que
dizia respeito aos thuggee.
Já ficara sabendo através de seu primo e do major Huntley que era um erro
solicitar abertamente informações. Era preferÃvel ouvir.
Prosseguiram seu trajeto e agora conseguiam ver à distância a cidade de
Saugar.
Havia muita gente saindo da cidade e Brucena contemplou-os interessada, ao
ver que voltavam para suas casas com suas cestas vazias, as quais sem dúvida
continham
legumes que haviam vendido no mercado.
Antes que eles se aproximassem, notou dois homens de aparência muito
distinta, que usavam turbantes e dhotis brancos, bem como pantalonas e
sandálias.
Pareciam mais prósperos e certamente muito mais bem vestidos do que os
demais indianos com quem cruzavam e ela ficou a imaginar se eram pessoas de
fora, talvez
até mesmo viajantes.
Estava para perguntar ao primo William o que ele pensava quando notou que
entre os dois homens havia um garotinho.
Assim que o notou, sentiu que já o tinha visto em algum outro lugar,
apesar das crianças indianas se parecerem muito umas com as outras. Aquele
menino, no entanto,
era diferente e ela teve certeza de que se tratava do garoto a quem havia dado o
novelo de seda aquela manhã, em troca da flor.
A carruagem aproximou-se e os homens afastaram-se, a fim de deixá-la
passar.
Notou então que o menino chorava.
As lágrimas escorriam-lhe rosto abaixo e no entanto ele não emitia o
menor som, dando apenas vazão à sua infelicidade.
Agora tinha certeza de que se tratava da mesma criança que encontrara pela
manhã.
No momento em que o homem que o segurava pela mão largou-o e juntou as
palmas, no antigo gesto do nameste, a fim de saudar os sakibs ingleses, Brucena
constatou
que o menino ainda segurava cuidadosamente o novelo cor-de-rosa que ela lhe
havia ofertado.
CAPÍTULO III
Brucena prendeu o fôlego. De repente, mil perguntas cruzavam-lhe o espÃ-
rito.
Sabia muito bem que temia algo, mas sentiu que não devia mencionar o fato
diante de Amelie.
Esta última já dissera que estava assustada e Brucena já constatara,
desde sua chegada a Saugar, que William Sleeman evitava falar dos thugs diante
de sua mulher.
Isto era devido não só ao fato de ela se encontrar grávida mas também
porque, como a maioria dos ingleses, acreditava que as mulheres deviam ser
protegidas
contra tudo que fosse desagradável ou violento.
Havia nele um cavalheirismo que ela sabia fazer parte de sua
ancestralidade. Seu avô, que também nascera na Cornualha, a exemplo dos
antepassados de Sleeman,
possuÃa igualmente os mesmos princÃpios.
Ela portanto manteve em suspenso as suspeitas que lhe vinham à mente e ao
mesmo tempo disse a si mesma que se entregava a um excesso de imaginação.
O primo William dissera que após a última batida os thugs haviam
abandonado a região e no entanto os tumultos que ela presenciara à sua
chegada, ocasionados
pelo fato de que seis thugs deviam ser enforcados, mostrou-lhe que muita gente
em Sauger simpatizava com eles ou então estavam por demais assustados para
tomar qualquer
outra atitude.
Alguns momentos mais tarde cruzaram o remanescente do grupo que parecia ter
alguma ligação com os dois homens distintos em cuja companhia se encontrava o
garotinho.
Havia alguns cavalos sobrecarregados de bagagem, conduzidos por homens de
barba e turbante, todos bem vestidos e ostentando um ar de prosperidade.
Não havia mulheres no grupo e Brucena ficou intrigada, querendo saber o
que tinha acontecido com aquelas a quem vira pela manhã usando sáris de cores
tão vivas,
bem como com as crianças que brincavam com o menino que lhe dera a flor.
Não conseguiu controlar a voz que tremia e perguntou:
- De onde vêm essas pessoas?
- Houve uma grande feira em Saugar, hoje - respondeu William Sleman. -
Agricultores vindos de toda a provÃncias trouxeram seus legumes e frutos para
vender.
Suas mulheres acompanharam-nos para comprar belos sáris e mais jóias para
pendurar em seus narizes e em torno do pescoço.
Tal explicação não respondia às perguntas que Brucena desejava formular
em voz alta.
Se havia tantos viajantes, não haveria também thugs que os espreitavam?
Thugs que, escondidos à sombra das árvores, aproveitariam a primeira
oportunidade a fim de cometer ágil e silenciosamente seus crimes terrÃveis,
adicionando
tudo o que a vÃtima possuÃa aos bens pilhados de outras pessoas por eles
estranguladas...
- Í impossÃvel que isto aconteça aqui, em plena luz do dia - disse para
si mesma.
O rosto do garotinho banhado em lágrimas preencheu seus pensamentos,
excluindo tudo o mais.
Prosseguiram e Brucena manteve-se em silêncio, enquanto Amelie conversava
banalidades.
Não imaginava o que o primo William diria quando ela lhe participasse suas
suspeitas e sentiu-se um tanto apreensiva, pois ele poderia zombar dela e dizer-
lhe
que esquecesse os thugs e tratasse de se divertir. Qualquer garota inglesa faria
o mesmo em seu lugar.
Sabia, porém, que se sentiria traindo a criança que lhe dera a flor se
não pedisse a seu primo para fazer uma investigação.
Os homens e os cavalos não se distanciariam tanto que os sipaios montados
não pudessem alcançá-los.
A carruagem chegou ao bangalô e, enquanto passavam por entre os canteiros
floridos, Brucena notou o major Huntley à espera deles, no último degrau da
varanda.
Assim que os cavalos pararam, ele veio apressadamente até a Porta da
carruagem e disse:
- Senhor, lorde Rawthorne me procurou, trazendo uma carta do residente de
Gwalior.
- E por que o sr. Cavendish haveria de lhe escrever, William? - perguntou
Amelie antes que ele pudesse falar. - Tenho certeza de que se trata de notÃcias
desagradáveis.
- Em relação a isto não há a menor dúvida - disse William Sleeman
sorrindo. - Mas quem é lorde Rawthorne?
- Pelo que soube, está viajando por toda a Índia e neste momento hospeda-
se com o residente. Í portador de cartas de apresentação dadas pelo
governador-geral.
- Devemos tratá-lo com atenção - comentou o capitão Sleeman.
- Ele chegou um pouco tarde, pois sua viagem sofreu um atraso - prosseguiu
Iain Huntley. - Em sua ausência, sugeri que o sr. e a sra. Sleeman teriam muito
prazer,
se ele passasse a noite aqui.
- Pois fez muito bem! - disse William Sleeman, em tom de aprovação.
- Mandei sua escolta para o quartel. Ele e seus criados pessoais ficarão
hospedados em sua casa.
William Sleeman fez um sinal com a cabeça, em tom de aprovação, descendo
da carruagem, enquanto o major Huntley ajudava Amelie a fazer o mesmo.
Não teve a oportunidade de ajudar Brucena.
Ela já havia descido antes que ele lhe estendesse a mão e ela ficou
hesitante durante alguns momentos, imaginando se devia transmitir-lhe suas
suspeitas.
Disse porém a si mesma que ele, com toda certeza, não levaria em conta o
que ela tivesse a lhe comunicar e voltaria a repetir que não deveria preocupar-
se com
os thugs. .
Seguiu, portanto, Amelie até a sala de visitas, onde deparou com um homem
alto e moreno, que aparentava uns trinta e seis anos e conversava com o primo
William.
- Sinto muito não estar presente quando o senhor chegou - disse o capitão
Sleeman, enquanto entrava na sala. - Não entendo por que o sr. Cavendish não
me participou
sua chegada, pois terÃamos nos preparado para recebê-lo devidamente.
- Não queria lhe causar nenhum incômodo - replicou lorde Rawthorne. -
Pretendia chegar bem mais cedo e após conhecê-lo prosseguiria viagem até
Bhopal, onde
tenho alguns amigos. Quando cheguei já era um pouco tarde para ir mais adiante.
- Sentimos um imenso prazer em tê-lo conosco. Permita agora que lhe
apresente minha mulher.
Amelie fez uma mesura enquanto lorde Rawthorne inclinava-se.
- E esta é minha prima, recém-chegada da Inglaterra. Srta. Brucena NaÃrn.
Lorde Rawthorne mal disfarçou o espanto ao contemplar Brucena. "Era
indubitável a admiração que se estampava em seu olhar enquanto ele a
estudava, um tanto
à maneira de um homem que apreciava uma bela montaria", pensou Brucena.
Havia naquele homem algo que ela não gostava. Talvez a arrogância de sua
postura e o fato de que não se importava absolutamente com o que estivessem
pensando
dele.
- Com que então está fora da Inglaterra, assim como eu? Temos, portanto,
algo em comum, srta. Nairn. O que pensa deste paÃs estranho, selvagem e pouco
comum?
- Acho-o fascinante.
- Eu também tenho visto muitas coisas fascinantes por aqui - replicou
lorde Rawthorne, com a clara intenção de fazer daquilo um elogio à sua
interlocutora.
Mais tarde, naquela mesma noite, quando sentaram-se à mesa do jantar, para
o qual o major Huntley tinha sido convidado, Brucena achou aquela cena por
demais
familiar. Com exceção dos criados indianos poderiam estar jantando
convencionalmente em qualquer paÃs do mundo.
A prima Amelie e ela usavam seus mais finos trajes de noite. O primo
William em sua túnica bordada a ouro e o major Huntley no uniforme vermelho e
azul dos
Lanceiros de Bengala tornavam a reunião muito colorida e também muito formal.
Lorde Rawthorne, em contraste, teria parecido um tanto desbotado se não
tivesse decorado o peitilho engomado de sua camisa com um enorme botão de
esmeraldas
e diamantes, que brilhava à luz das velas.
Era uma jóia tão bela que Brucena não conseguia despregar os olhos dela.
Como se tivesse percebido o fato, lorde Rawthorne disse:
- Srta. Nairn, acho que está admirando minha última aquisição, desde
que cheguei à Índia. Queria adquiri-lo do marajá de Gwalior, mas ele insistiu
em presenteá-lo.
Desde então, tenho feito muitas buscas, procurando algo com que possa retribuir
à altura.
William Sleeman ficou tenso enquanto seu hóspede falava. Disse, então,
lentamente, como se estivesse escolhendo as palavras:
- Parece-me, milorde, que deveria tomar as maiores precauções ao aceitar
presentes do jovem marajá.
- O que quer dizer com isto?
- Ele tem se tornado um tanto impertinente desde que teve idade suficiente
para se ocupar pessoalmente de determinados assuntos. Quando, há algum tempo,
falei
a seu respeito com o governador-geral, ele deixou bem claro que deverÃamos tomar
muito cuidado com as pessoas que nos fazem presentes.
O capitão Sleeman se exprimia com tamanho tato que era impossÃvel sentir-
se ofendido com suas palavras.
Lorde Rawthorne, no entanto, franziu o cenho e disse:
- Entendo muito bem o que está querendo me dizer, Sleeman. Ao mesmo tempo,
o residente britânico acha que houve uma série de mexericos injustos relativos
ao
marajá, afirmando que os ingleses talvez o tenham tratado com injustiça, em
mais de uma oportunidade.
Brucena sentiu que o primo William esforçava-se para não dizer as
palavras que lhe vinham aos lábios.
Teria muito a declarar a respeito do comportamento do jovem marajá, mas
sabia que suas palavras seriam, sem a menor dúvida, transmitidas ao residente e
isso
poderia acarretar sérias dificuldades.
O velho marajá havia morrido há seis anos, deixando uma viúva, Baza Bae,
mas nenhum herdeiro legÃtimo.
Após muitas consultas, ela escolheu como herdeiro um parente de seu
falecido esposo.
O menino recebeu o tÃtulo de marajá e cresceu na corte; mas logo revelou-
se um pequeno demônio, mal-humorado e de um temperamento insuportável.
O Exército de Gwalior sempre fora turbulento, rebelde, acostumado a tudo
pilhar. Era uma ameaça para o Estado e para a segurança de seus vizinhos.
O prÃncipe encorajava suas ações desavisadas e o residente britânico,
por mais estranho que parecesse, deixava o jovem prÃncipe agir como bem lhe
aprouvesse.
O marajá e seus soldados mais rebeldes encorajavam os thugs e o residente
britânico considerou um exagero o relatório que o capitão Sleeman fez de suas
atividades.
Disse para todos aqueles que queriam ouvir que tinha certeza de que muitos
dos enforcamentos e prisões não passavam de uma precipitação das
autoridades. Pior
ainda: recusou-se a permitir que William Sleeman perseguisse ou capturasse
qualquer thug no território de Gwelior.
A situação apresentava-se muito difÃcil para o capitão Sleeman e apesar
de o governador-geral lhe ter delegado plena autoridade para perseguir os thugs
e reprimi-los
o mais que pudesse, a proximidade de Gwalior tornava sua tarefa mais árdua.
Dizia frequentemente:
- A provÃncia é um abrigo seguro para os homens que persigo.
Agora que soubera da origem da esmeralda que brilhava no peitilho de lorde
Rawthorne, Brucena certificou-se de que ela não a atraÃa mais, achando até
mesmo
que dela se desprendia um fulgor perverso. Já que o assunto tinha sido deixado
de lado, William Sleeman voltou-se para falar com Iain Huntley e em um tom de
voz
que unicamente Brucena poderia ouvir, lorde Rawthorne disse:
- As esmeraldas combinariam muito com a srta. Nairn. Gostaria de vê-las
luzindo sobre sua pele tão alva.
Ela considerou aquele comentário um tanto impertinente e levantou o queixo
em atitude de desafio, enquanto replicava com evidente frieza:
- Que outras regiões da Índia pretende visitar, lorde Rawthorne?
Ele percebeu muito bem por que ela havia mudado de assunto e replicou com
um brilho matreiro e insolente no olhar:
- Ando por aÃ, sem direção ou finalidades, srta. Nairn. Pretendo me
divertir nos lugares para onde meus caprichos me impelirem.
Brucena não respondeu e Amelie disse:
- Precisa visitar Taj Mahal, lorde Rawthorne. Í um dos edifÃcios mais
belos que vi em toda minha vida e meu marido é da mesma opinião. Meu pai
sempre dizia
que era uma das grandes maravilhas do mundo.
- Perdoe-me - disse lorde Rawthorne - se perguntar o nome de seu pai. Acho
um tanto surpreendente encontrar uma francesa no centro da Índia.
- Meu pai pertence à antiga famÃlia dos condes Blondin de Chalain -
replicou Amelie - e ele, conde Auguste Blondin de Chalain, estabeleceu-se na lie
de France,
que os senhores denominam Mauritius. Enviou-me para a Índia, pois achava que
aqui haveria maiores oportunidades de aumentar sua fortuna.
Brucena percebeu que lorde Rawthorne não estava unicamente interessado no
que Amelie lhe contava, como também impressionado com o fato de que ela
procedia de
uma famÃlia francesa nobre. Desprezava-o, pois sua atitude tornara-se um tanto
mais respeitosa à medida que Amelie prosseguia em seu relato, contando-lhe que
tinha
apenas dezenove anos de idade quando veio para a Índia em 1828, a fim de ficar
com uma famÃlia inglesa em Jubbulpore.
Foi lá que conheceu WillÃam Sleeman e para grande aborrecimento de um
grande número de oficiais jovens da região, a maior parte deles bons partidos,
apaixonou-se
perdidamente por aquele militar de quarenta anos e desposou-o.
Não era de surpreender que lhe tivesse acontecido o mesmo em relação a
ela, pois Amelie de Chalain era alta, tinha a pele muito alva e os cabelos
castanho-escuros.
PossuÃa uma vivacidade natural, uma inteligência alerta e um encanto que levava
quase todos os homens a caÃrem a seus pés.
Naquele momento, no entanto, ela não estava em suas melhores fases e era
óbvio, à medida que o jantar se desenrolava, o interesse de lorde Rawthorne
por Brucena.
Sentou-se a seu lado, quando os cavalheiros vieram ao encontro das senhoras
e fez-lhe alguns elogios, que, se não a fizeram corar, levaram-na a encará-los
como
um tanto impertinentes.
Tinha a sensação de que ele esperava que ela ficasse encantada com suas
atenções. O fato de achá-lo tão pouco atraente deixou-a muito surpreendida,
ao ouvir
William Sleeman dizer para sua esposa:
- Minha querida, tenho aqui uma carta do sr. Cavendish, comunicando que é
imperioso nos vermos mais cedo ou mais tarde. Lorde Rawthorne concebeu uma
idéia e
espero que você concorde com ela.
- De que se trata? - perguntou Amelie.
- Ele gostaria imensamente que fôssemos assistir algumas competições
esportivas organizadas para que ele se divirta um pouco, durante sua
permanência em Gwalior.
Acho que você e Brucena, é claro, haveriam de gostar bastante se fôssemos
todos para Gwalior e ficássemos com lorde Rawthorne na casa que, segundo ele,
foi colocada
à sua inteira disposição.
A sra. Sleeman ficou por demais surpreendida ao ouvir a sugestão de seu
marido, sabendo o que ele pensava de Gwalior e sobretudo do comportamento do
residente
britânico.
Era porém suficientemente perspicaz para compreender que ele deveria ter
razões secretas para concordar com o convite de lorde Rawthorne e fazendo uma
ligeira
pausa respondeu com um sorriso:
- Acho que será muito interessante e tenho certeza de que Brucena
apreciará demais, pois ela tem se aborrecido um bocado desde que veio ficar
conosco.
- Pois precisamos modificar tudo isto - comentou lorde Rawthorne. - Falarei
com o marajá, que parece ser um jovem muito conciliador, e providenciarei para
que
possamos assistir às danças regionais, além de tantas outras coisas que, na
corte de Gwalior, são executadas com o maior requinte.
Sabendo que se esperava aquele comentário de sua parte, Brucena declarou:
- Tudo isto me parece muito interessante.
- E será, palavra de honra.
Empregando novamente um tom que pretendia fosse ouvido unicamente por ela,
lorde Rawthorne acrescentou:
- Farei tudo o que estiver a meu alcance para tornar esta breve temporada
especialmente divertida para a senhorita.
Não se surpreendeu, quando chegou a hora da despedida, que lorde Rawthorne
segurasse sua mão mais do que o necessário e a encarasse de um modo que ela
considerou
particularmente constrangedor, pois teve certeza que o major Huntley não deixou
de notar.
Somente quando lorde Rawthorne retirou-se para seu aposento, escoltado pelo
major Huntley, e Brucena viu-se a sós com seus primos, perguntou em um tom de
voz
que era quase um sussurro:
- Por que quer ir até Gwalior, primo William? Achei que não sentia
simpatia pelo marajá!
- Fiquei sem saber o que pensar - declarou Amelie, antes que seu marido
respondesse. - Por um momento, achei que você devia estar brincando.
- Há algum tempo ando desejando esta oportunidade - replicou o capitão
Sleeman. - Sempre que estive em Gwalior, foi em caráter oficial, devido Ã
minha posição
como superintendente para a Supressão dos thugs. Se for lá como convidado de
um nobre inglês, posso iludir várias pessoas, que talvez nesse momento
abandonarão certas
cautelas...
- Desconfiava de que era por isto - disse sua mulher. - Mas, William, não
haverá perigo? Suponha que...
- Se isto vai deixá-la preocupada - interrompeu-a o capitão Sleeman -,
ficaremos em casa.
- Não, claro que não. Não sou tão tola assim... Í que temos ouvido
relatos terrÃveis sobre o comportamento do marajá, mesmo ele sendo tão jovem e
na minha opinião
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  • 1. A DEUSA DO ORIENTE Terror in the sun Bárbara Cartland A Índia, no começo do século passado, exótica e linda, mas também lugar de bárbaros costumes, foi onde a doce e inocente Brucena encontrou o amor nos braços do major lain. Mas esse amor precisaria ser muito forte para afastar Brucena dos perigos que corria na terra dos fanáticos estranguladores! Digitalização: Nina Revisão: Ana Cristina Costa Tradução: Diogo Borges TÃtulo original: Terror in the sun Copyright: (c) 1979 by Barbara Cartland Tradução: Luiza Roxo Pimentel Tradução: Diogo Borges Editor e Publishing: Janice Florido Editor: Fernanda Cardoso Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 - 10° andar CEP 05424-010 - São Paulo - SP - Brasil Copyright para lÃngua portuguesa: 2001 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Impressão e acabamento: DONNELLEY COCHRANE GRÍFICA E EDITORA BRASIL LTDA. DIVISÍO CÍRCULO - FONE (55 11) 4191-4633
  • 2. CAPÍTULO I 1832 - Apraz ao sahib major conceder sua permissão para que o trem parta? O indiano, chefe da estação, exprimia-se com respeito. Ao mesmo tempo em que falava olhava por cima dos ombros para a confusão que se desenrolava naquele momento na plataforma. Momentos de enorme excitação haviam precedido a chegada do trem, o qual, recém-introduzido na Índia, era tido como um dragão terrÃvel, que expelia fogo pelas ventas. Indianos revestidos de dhotis, sáris, trapos e panos que caÃam cintura abaixo, encontravam-se em um estado muito próximo da histeria coletiva. Vendedores que apregoavam seus produtos com vozes superagudas espiavam através das janelas dos vagões superlotados e, com uma expressão de súplica no olhar, ofereciam chipattis, doces coloridos, laranjas e bebidas avermelhadas. Monges ostentando trajes amarelos, soldados em uniformes escarlate, carregadores com pesadas bagagens acotovelavam-se em meio à confusão geral. Havia os inevitáveis adeuses apaixonados e recomendações feitas, quase aos berros, à queles que viajavam, por parte de quem ficava e acreditava que os passageiros iriam arriscar suas vidas no bojo daquele monstro perigoso. O major Iain Huntley contemplava vários homens reunidos em torno de uma pilha de bagagem, possuÃdo da firme convicção de que eles se encontravam ali com o único propósito de armar alguma confusão. No momento em que o chefe da estação afastou-se dele, desdobrando sua bandeirola vermelha, o pandemônio explodiu. Os indianos começaram todos a correr, aos gritos e aos berros, abanando os braços e sacudindo seus bastões. Quase como em um passe de mágica, numerosos soldados apareceram empunhando seus mosquete, deslocando-se rapidamente a fim de conter a multidão ameaçadora. Eles eram poucos, em comparação com os baderneiros que, dispostos a armar a maior confusão, perturbavam e empurravam as famÃlias que não iriam viajar naquele trem e estavam sentadas ou dormindo na plataforma, ao lado de seus bens, os quais, na maior parte, consistiam em frágeis pacotes amarrados com corda. Cada famÃlia possuÃa numerosas crianças, além das inevitáveis cabras. Toda aquela confusão tomou-os de surpresa e puseram-se a gritar, em meio ao choro generalizado das crianças e aos balidos dos animais, o que aumentou consideravelmente o tumulto. Os chipattis voavam em todas as direções, os recipientes de vidro que mantinham as bebidas coloridas estilhaçavam-se no chão e um bode livrou-se do laço que o prendia e saiu em carreira desabalada plataforma afora, perseguido de perto por seu desesperado dono. PossuÃdo de uma sensação de alÃvio, o major Huntley achou que os soldados seriam perfeitamente capazes de controlar a situação assim que o trem partisse e andou
  • 3. sem pressa em direção à sua cabine, onde se encontrava seu criado ao lado da porta aberta, esperando por ele. As rodas começavam a girar e o vapor e o resfolegar da máquina superavam qualquer outro barulho. A enorme locomotiva, fabricada na Inglaterra, parecia sobrepor-se a tudo e a todos. Quando estava para chegar à cabine, notou, para sua grande surpresa, que a porta do vagão se abria e uma mulher vestida de branco descia para a plataforma. Certificou-se imediatamente, com a rapidez de um homem habituado ao inesperado, que ela pretendia socorrer uma criança que, empurrada por aqueles que haviam armado toda aquela confusão, estava caÃda na plataforma, sem ninguém que a socorresse e na iminência de ser pisoteada pela pequena multidão. Apesar de muito pequena, chorava a plenos pulmões. Um segundo antes que os braços da desconhecida pudessem pegá-la, o major Huntley agarrou a mulher pela cintura e colocou-a à força no vagão. O trem começava a deslocar-se com velocidade cada vez maior e como ele não tinha tempo de entrar em seu próprio vagão, seguiu a desconhecida, trancando imediatamente a porta. Olhou para a plataforma que ficava para trás e viu dezenas de punhos levantados e gritos irados dos baderneiros, que pareciam um bando de chacais a quem a presa acabava de ser roubada. A velocidade aumentava cada vez mais e a estação já se perdia de vista. O major Huntley voltou-se para contemplar a mulher que ele tinha empurrado para dentro do vagão sem a menor cerimônia. Para sua grande surpresa ela era jovem e excepcionalmente bela. Havia retirado o chapéu e seus cabelos negros emolduravam um rosto muito alvo. Seus olhos, grandes, escuros, porém pontilhados de dourado, olhavam-no carregados de cólera. - Graças à sua interferência - comentou com rispidez -, aquela criança, sem a menor dúvida, será morta! - Quem é a senhora e o que está fazendo aqui? - perguntou sem maiores rodeios. Sentou-se e olhou à sua volta, com uma expressão incrédula no olhar, como se esperasse descobrir alguém na cabine, fazendo-lhe companhia. Notou, porém, que ela estava vazia. Voltou-se para a desconhecida e antes que ela pudesse responder sua primeira pergunta, indagou: - Quem foi que a colocou neste trem? Não tinham o menor direito de fazer uma coisa destas! - Parece-me que qualquer pessoa tem o direito de viajar de trem, contanto que disponha de meios para comprar a passagem! - Mas não especificamente neste trem, que se dirige para Saugar. - Sim, eu sei e é para lá que quero ir. - Para Saugar? Ela, que era pouco mais do que uma garota, levantou-se. - Será que o senhor tem alguma autoridade para me interrogar? - Autoridade plena - retrucou o major Huntley com firmeza. - Dei ordens no sentido de que nenhum europeu viajasse para Saugar que, no momento, é área proibida. - Por quê? A pergunta exigia resposta, mas ele retrucou um tanto evasivamente: - Por razões oficiais. A senhorita ainda não respondeu minha pergunta. Enquanto falava, adivinhou que ela não tinha a menor intenção de fazê- lo e, dominando o tom autoritário com que se exprimira até então, disse: - Acho que devemos apresentar-nos. Sou Iain Huntley e, como pode notar por meu uniforme, pertenço aos Lanceiros de Bengala. No momento, porém, exerço tarefas especiais nesta região.
  • 4. O major Huntley acabou de falar e esperou por uma resposta. Enquanto se exprimia, pensava que aquela garota era por demais bela e jovem para viajar sozinha em qualquer parte que fosse da Índia e sobretudo naquela região especÃfica e naquele preciso momento. Fez-se uma pausa estudada, como se ela se ressentisse com o fato de ter de lhe dar informações. Então, como se tivesse chegado à conclusão que não fazia o menor sentido mostrar-se difÃcil, declarou, com óbvia relutância: - Meu nome é Brucena Nairn. - E está viajando para Saugar? - Sim. - Posso saber por quê? - Vou ficar lá com meus amigos. - Perdoe minha curiosidade, pois há uma explicação para ela, mas gostaria de saber seus nomes. Teve novamente a sensação de que ela gostaria de desafiá-lo e dizer-lhe que não se metesse onde não era chamado. Ainda estava zangada. Podia notar esse fato em seus olhos, que agora reconhecia como expressivos e pareciam, apesar de escuros, estar irradiando aquele sol que dentro de algumas horas transformaria as planÃcies atravessadas pelo trem em um inferno de calor. - Vou ficar com o capitão e a sra. Sleeman. O major Huntley olhou-a sem acreditar no que acabava de ouvir. - Com os Sleeman? Mas como é possÃvel? - Por quê? Parece-lhe tão pouco provável? - Mal posso crer que William Sleeman esperaria uma hóspede como a senhorita sem participar-me sua chegada e sem tomar as devidas providências para recebê-la. Brucena Nairn deu de ombros. - Se é este o seu modo de pensar, não há razão para que eu lhe diga mais nada. Levantou o queixo, com ar de desafio, e olhou ostensivamente pela janela, como se a conversa tivesse chegado ao fim. Quase a despeito de si mesmo, Iain Huntley pôs-se a sorrir. Havia qualquer coisa de divertido no antagonismo daquela criaturinha que não tinha o menor direito de estar naquele trem e muito menos discutindo com ele. Achou que seria uma boa medida mostrar-se conciliatório. - Devo pedir-lhe desculpas, srta. Nairn, mas, francamente, tomou-me de surpresa. Desde a semana passada que Saugar está proibida para todos os europeus. Como acaba de ver na estação, tem havido alguma perturbação da ordem e se tivesse ficado por lá poderia encontrar-se em uma situação muito desagradável. - Mas qual foi a razão de toda aquela confusão? - Estas coisas costumam acontecer nesta época do ano - respondeu o major, um tanto evasivo -, mas ainda não consigo compreender por que o capitão Sleeman não me contou que estava à sua espera. Enquanto falava notou, muito surpreendido, que um ligeiro rubor apoderava- se do rosto da garota e durante alguns segundos ela mostrou-se ligeiramente perturbada. - Ele e a srta. Sleeman estão de fato à sua espera? - indagou, exprimindo-se em um tom diferente. Fez-se uma ligeira pausa antes que Brucena Nairn dissesse em voz baixa: - Eu... espero que sim. - Espera que sim! Pois ficaria muito grato se me contasse exatamente o que aconteceu e por que está aqui. - Não há a menor razão... - começou a dizer. Nesse preciso momento seu olhar cruzou com o do major Huntley e quase contra sua vontade ela capitulou. - Bem... acontece que... acontece que o capitão Sleeman é meu primo. - Então ele sugeriu que a senhorita deveria vir ficar com ele aqui na
  • 5. Índia? - indagou o major Huntley, como se estivesse começando a compreender o que havia acontecido. - Não... exatamente... Ela se exprimia com hesitação e ele olhou para Brucena Nairn fixamente, antes de prosseguir: - O que quer dizer com isto? - Sua mulher, a sra. Sleeman, escreveu-me pedindo que encontrasse uma babá para sua criança. Está esperando... um nenê para o ano que vem. Brucena ficou levemente ruborizada, como se sentisse constrangimento em abordar assunto tão Ãntimo e o major Huntley apressou-se em dizer: - Sim, tenho conhecimento deste fato. - Tentei de todos os modos encontrar uma pessoa confiável que quisesse vir para a Índia, mas todas se recusaram. Enquanto falavam, Brucena pensava que fora uma tarefa impossÃvel convencer as moças escocesas de Invernessshire de que a Índia era um lugar interessante para se trabalhar. A relutância não partia somente delas, mas também de suas mães. - Não vou permitir que minha filha se case com algum pagão - diziam repetidas vezes. - Vão ficar por aqui mesmo, onde eu possa ficar de olho nelas. - Mas a senhora precisa levar em conta que seria uma aventura e tanto, além de representar uma oportunidade de se educar - dissera Brucena, batalhando por sua causa tendo recebido de uma das mães, aliás uma senhora muito abespinhada, a seguinte resposta: - Minha filha não vai viver esse tipo de aventura na idade em que se encontra. Se a coisa lhe parece tão atraente, srta. Brucena, por que então não vai? Foi a partir dessa sugestão que Brucena começou a acalentar a idéia. No momento apenas rira, porém mais tarde, quando sua missão de encontrar uma babá para a prima Amelie revelava-se cada vez mais impossÃvel, começou a sentir que a Índia lhe acenava e que seria tolice recusar o convite. Não se sentia feliz em casa a partir do momento em que tivera idade suficiente para compreender que fora um grande e irremediável desapontamento para seu pai, pois ele queria um filho. O general Nairn tinha apenas dois interesses na vida: seu regimento e a perpetuação de seu nome. Sua maior alegria consistia em abrir os livros nos quais podia seguir a história dos Nairn desde as épocas mais remotas e provar que todos eles tinham sido audazes guerreiros. Brucena costumava pensar que ele havia sonhado desde criança com o dia em que teria um ou mais filhos a seu lado, combatendo junto a ele, acrescentando troféus das guerras em que tomariam parte à queles que já pendiam das paredes do castelo de Nairn. - Sou um desapontamento para papai - dizia a si mesma, antes mesmo de completar nove anos. Nos anos que se seguiram ela começou a se dar conta da extensão de seu ressentimento em relação a ela, pois havia fraudado a maior de suas ambições. Se não houvesse outras maneiras de relembrar o fato, ela o evocaria toda vez que ouvia seu nome ser pronunciado. Bruce era um nome de famÃlia entre os Nairn e seu pai a batizara quase como se estivesse desafiando os deuses que lhe tinham aplicado um golpe baixo, não lhe dando o filho que ele desejara tão ardentemente. Há dois anos, logo após a morte de sua mãe; seu pai, com pressa quase indecente, aproveitara a primeira oportunidade para voltar a se casar. Escolhera uma jovem apenas três anos mais velha do que sua filha, mas que era muito diferente na aparência e que poderia ser considerada como "uma boa criadeira".
  • 6. Desajeitada, pesadona, sem a menor pretensão a uma bela aparência, Jean sentira-se orgulhosa e excitada por casar com o senhor do castelo de Nairn, porém ficou perturbada com a aparência de sua enteada a partir do momento em que a viu. Era inevitável que a beleza de Brucena e a atração que os homens sentiam por ela não contassem pontos a seu favor junto a uma madrasta, sobretudo em se tratando de alguém tão jovem. A tensão que sempre existira entre ela e seu pai acentuou-se rápida e violentamente, em tudo o que dizia respeito à sua nova esposa. Quando, há seis meses, Jean dera a luz à quele filho tão esperado, Brucena constatou que sua posição no castelo tornara-se insustentável. Seu pai a censurava por qualquer pretexto. Tentava ignorar o ódio estampado no olhar de sua madrasta e tinha certeza de que assim que o herdeiro mimado e adorado pudesse ver e pensar acabaria por odiá-la também. - Preciso ir embora daqui - pensou dezenas de vezes, mas não tinha a menor idéia de para onde ir. Seus parentes não somente não a queriam, como também se sentiriam muito constrangidos em lhe oferecer um lar sem serem solicitados a tal pelo general. Apesar de Brucena nunca ter abordado o assunto com ele, achava que o orgulho de seu pai jamais lhe permitiria pedir ou aceitar favores de seus parentes, a maior parte dos quais achava aborrecidos, convidando-os raramente para ir ao castelo. Tudo o que Brucena possuÃa eram trezentas libras, deixadas a ela em testamento por sua avó. Recebera orientação no sentido de não gastá-las e sabia que seu pai considerava aquela quantia como parte de seu dote o que até certo ponto, o dispensava de maiores esforços, no sentido de completá-lo. Compreendia agora que aquilo era uma dádiva dos deuses, que lhe permitiria pagar sua viagem à Índia. Debateu durante muito tempo consigo mesma se deveria contar a seu pai o que pretendia fazer e decidiu pela negativa. Sentia que, apesar de ele não gostar dela, apreciava no fundo ter alguém que pudesse repreender e com quem pudesse brigar. Brucena se encontrava sempre por lá e o general podia despejar sua cólera sobre ela, sempre que alguma coisa o desagradava, e isso de um modo violento, que ele teria hesitado em empregar com qualquer outra pessoa. Subitamente, pareceu a Brucena que tudo se harmonizava enquanto lhe passava um plano pela cabeça e ela não encontrou a menor dificuldade em pô-lo em prática. Uma garota, sua única amiga depois que ela se tornara uma mocinha, convidou-a para fazer companhia a ela e a seus pais, em uma viagem a Edimburgo. - Papai e mamãe vão estar muito ocupados - disse a jovem para Brucena. - Papai tem de receber todas as pessoas importantes que vêm do sul para a inspeção das tropas. Acharam que eu me sentiria muito só e sugeriram que eu a convidasse para viajar conosco. Podemos visitar as lojas e quem sabe até mesmo sermos convidadas para ir a um baile! De qualquer modo, seria divertido viajarmos juntas. - Muito divertido! - concordou Brucena. Achou que seu pai criaria dificuldades, mas, para sua grande surpresa, ele declarou que achava a idéia muito boa, contanto que ela não se ausentasse por muito tempo. A seu modo de ver, ele estabelecera aquela condição porque, em princÃpio, não lhe permitia nenhuma diversão, mas há um ano a recusa teria sido peremptória. Porque naquele momento ainda não lhe nascera o herdeiro, o filho que perpetuaria seu nome. Ao despedir-se do pai e da madrasta com forçada cordialidade de ambas as
  • 7. partes, Brucena teve certeza de que eles, no fundo, sentiam-se alegres em livrar-se dela por algum tempo. Achou que isto a eximia de quaisquer sentimentos de culpa em relação à quilo que pretendia fazer. Permaneceu durante uma semana em Edimburgo, comprando à s escondidas tudo aquilo que achava que iria necessitar na Índia. Era suficientemente inteligente para não ir para um novo paÃs antes de aprender algo a respeito e fora muito difÃcil localizar em casa livros que lhe revelassem o que queria saber. Havia, entretanto, numerosas informações sobre a Índia nas livrarias de Edimburgo e ela logo reuniu uma pequena biblioteca. Sabia que teria tempo de ler e reler aqueles livros durante a viagem. Disse a seus amigos de Edimburgo que precisava voltar para casa, pois seu pai estava à sua espera e quando eles, com relutância, despediram-se dela, tomou um trem para Londres. "Era agora que a verdadeira aventura começava", pensou, enquanto viajava para o sul. Por mais estranho que parecesse, Brucena tinha plena confiança em que saberia tomar conta de si mesma e que chegaria à Índia sem que nada de mal lhe acontecesse. A sra. Sleeman mandara-lhe instruções completas sobre as providências que deveriam ser tomadas em relação à viagem da babá, se acaso encontrasse uma que quisesse ir. Ao ler todas aquelas páginas preenchidas pela caligrafia elegante de prima Amelie, Brucena pensou, com um sorriso, que suas recomendações mais se assemelhavam ao despacho de uma encomenda valiosa que não deveria ser danificada durante a viagem. Certificou-se de que a companhia P.&O. tomaria todas as providências e que uma acompanhante para a jovem seria encontrada entre as passageiras que viajavam na segunda classe. Haverá missionárias ou senhoras cristãs pertencentes a alguma organização e que estarão viajando para Bombaim. Prima Amelie escrevera: "Tenho certeza de que não aceitariam dinheiro por seu trabalho, pois o considerariam um ato de caridade. Você deve dar à pessoa que escolheu um presente adequado, a fim de que ela recompense aquelas senhoras por sua bondade. No escritório da companhia, P.O. Brucena relatou uma história um tanto diferente. - Tenho de viajar até a Índia para ficar com meus parentes, mas infelizmente a senhora que deveria me acompanhar adoeceu. Os senhores não fariam a gentileza de encontrar alguém que pudesse tomar conta de mim durante a viagem? O funcionário olhou para o rostinho bonito de Brucena e achou que era absolutamente necessária a presença de uma acompanhante para uma garota tão atraente. Havia sempre oficiais de volta à pátria, de licença. Lidar com romances nascidos a bordo era uma das tarefas menos árduas com que um comissário se via a braços... Algumas vezes, no entanto, a situação tornava-se traumatizante quando os passageiros se envolviam demais e então surgiam dificuldades inesperadas... Ele, entretanto, dispôs-se a colaborar no que pudesse, vindo portanto de encontro à s expectativas da sra. Sleeman. - Acho que tenho precisamente a pessoa de que necessita, srta. Nairn. O pastor Grant e sua mulher estão de regresso a Bombaim e tenho certeza de que a sra. Grant colaboraria de muito bom grado, quando eu lhe explicar as circunstâncias. - Seria muita bondade de sua parte.
  • 8. Notou pela expressão do funcionário que ele removeria céus e terras a fim de ajudá-la. A sra. Grant e o pastor revelaram-se pessoas extremamente prestimosas, porém muito aborrecidas... Cercaram Brucena com uma aparência de respeitabilidade, mas não interferiram em sua vida e ela passou grande parte da viagem lendo. Também apreciava os divertimentos a bordo e à noite transformava-se no centro de atração dos homens que queriam todos dançar com ela, para grande despeito das outras passageiras. Era a primeira vez na vida que se sentia livre e sem ser continuamente censurada, como acontecia o tempo todo em casa. Sentia uma grande alegria em poder exprimir uma opinião sem ser reprimida e uma alegria ainda maior em saber que, quaisquer que fossem os sentimentos de seu pai em relação ao que ela acabara de fazer, não havia nenhuma atitude que ele pudesse tomar. Havia gasto uma quantia apreciável com as roupas e a passagem, mas ainda lhe sobrava algum dinheiro. Agora que havia tomado a decisão e deixado sua casa, sabia, no fundo do coração, que jamais regressaria, e se os Sleeman não a quisessem, encontraria alguma outra casa onde pudesse trabalhar. Havia telegrafado para eles antes da partida do navio, dizendo: "Encontrei pessoa solicitada. Seguem detalhes. Afetuosamente, Brucena." Omitiu deliberadamente a data da chegada e deixou de explicar que ela própria iria, em lugar da babá que prima Amelie havia pedido. Era uma precaução necessária, pois sentia que talvez eles não a quisessem e não poupariam esforços para enviá-la de volta para casa, assim que chegasse a Bombaim. - Haverão de pensar que a babá chegará dentro de um mês e que na certa, que aliás não tenho a menor intenção de escrever, explicarei quem é ela e por que penso que é uma pessoa recomendável. Voltou a refletir profundamente sobre o assunto e certificou-se de que quando chegasse disposta a fazer tudo aquilo que se esperava de uma babá, os Sleeman achariam extremamente difÃcil mandá-la embora. - Vão ter de manter-me em sua companhia pelo menos durante alguns meses - pensou Brucena. Ao mesmo tempo, a despeito de ter certeza de que seria uma babá muito mais competente do que aquelas rudes moças escocesas, não podia deixar de sentir que estava se impondo junto a pessoas que talvez não a quisessem. O primo William tinha sido sempre muito gentil com ela. Lembrava-se de que quando criança ele lhe inspirava um grande respeito e até mesmo um certo receio, pois lhe parecia um jovem muito inteligente. Tinha cabelos alourados, olhos azuis e uma fronte ampla. Quando ele os visitou pela segunda vez, anos mais tarde, tinha domÃnio do árabe, do persa e do indu. Nascera na Cornualha, a exemplo de sua mãe, e suas famÃlias tinham sido vizinhas durante anos a fio. Devido a sua inteligência, por volta dos trinta anos foi dispensado de seu regimento, ingressando na administração pública. O general Nairn ficara impressionado com o fato de que ele havia se tornado um magistrado e um administrador regional na Índia Central muito antes dos homens de sua idade. Há três anos, uma carta do capitão Sleeman dirigida ao general comunicava que ele tinha sido nomeado pelo novo governador-geral, lorde William Bentick, para ocupar um cargo muito importante. - Í o homem certo para o posto certo - dissera o general sentenciosamente enquanto lia a carta durante o café da manhã.
  • 9. - E de que cargo se trata, papai? - O tÃtulo dele é superintendente para a Supressão da seita Thuggee, mas você não entenderia se eu lhe dissesse do que se trata. Ele se exprimia em tom peremptório, não somente como um homem que acha que o intelecto de uma mulher não pode se expandir além dos limites da cozinha ou do quarto das crianças, mas também porque não apreciava a curiosidade de Brucena, que a levava a formular perguntas que ele teria apreciado ouvir de um rapaz e não de uma menina. - Já li a respeito dos thugs, papai - replicou Brucena. - Trata-se de uma sociedade secreta que cultua Kali e acha que é um dever sagrado estrangular as pessoas. - Você não devia se informar a respeito dessas coisas - disse o general com profundo desagrado -, mas, dentro em breve, William controlará essa gente abominável. - E como pretende agir? - Deram-lhe cinqüenta soldados da Cavalaria e quarenta sipaios, pertencentes à Infantaria. Í mais do que suficiente. Gostaria eu mesmo de empreender esta tarefa, se fosse mais jovem. Havia dezenas de perguntas que Brucena queria fazer a seu pai, mas ele saiu do quarto levando a carta de William Sleeman e ela sabia que sua curiosidade não seria satisfeita. Assim sendo, tentou averiguar tudo o que pudesse a respeito dos thuggee, mas sem grande sucesso. Mesmo em Edimburgo os livros que conseguiu comprar não lhe disseram muito mais do que aquilo que ela já sabia. Enquanto o major Huntley a encarava com um brilho de suspeita no olhar, ela disse: - Meu primo pediu que arranjasse uma babá, mas como não consegui encontrar a pessoa de que eles necessitavam... resolvi me apresentar. O major Huntley sorriu. - E sem lhes dar a oportunidade de rejeitá-la? - Sim. - Agora estou começando a entender. A senhorita não viajou desde a Inglaterra sem ter a companhia de alguém, não é mesmo? - Não. Fui assistida com muita dedicação pelo pastor Grant e sua senhora, até Bombaim. Chegaram até mesmo a encontrar alguém que tomasse conta de mim de lá até a cidade de Bhopel, mas infelizmente minha acompanhante ficou doente no último momento e em vez de esperar que eles providenciassem mais alguém decidi vir sozinha. - Vejo que é uma jovem cheia de iniciativa. Sabe, porém, que é fora de todo e qualquer propósito uma mulher, seja ela casada ou solteira, viajar sozinha na Índia? - Pensei que os ingleses tinham os indianos sob controle... - ela retrucou, em tom de provocação. - Fazemos o que podemos. Ao mesmo tempo, mal posso acreditar que a senhorita viajaria pela Inglaterra sem uma governanta ou uma criada. - Sei tomar conta de mim mesma. - Não duvido, mas é algo que não deve tentar fazer neste paÃs. Brucena lembrou-se dos revoltosos e da cena tumultuosa que eles haviam aprontado na estação. Não daria ao major Huntley a satisfação de saber que eles, na verdade, haviam-na deixado terrivelmente assustada e não duvidava de que algo terrÃvel havia acontecido com o bebê. - Agora que se encontra aqui, posso cuidar da senhorita até o fim da viagem, mas acho que o capitão ficará muito surpreendido. - Está trabalhando com ele? - Estou, sim. - Então por que tem um posto mais alto do que o dele?
  • 10. O major Huntley sorriu. - Seu primo é um funcionário público nomeado diretamente pelo governador-geral. Administra um território muito extenso, enquanto eu comando os soldados. Brucena haveria de descobrir mais tarde que ele estava subestimando suas funções, mas naquele momento limitou-se a sorrir. - Já que está trabalhando com primo William, não quer me falar a respeito dos thuggee? Fiquei muito interessada no assunto desde que o primo William foi nomeado para este cargo, há três anos, mas é muito difÃcil saber o que quer que seja a respeito deles. - E por que está tão interessada? - Tudo o que diz respeito à Índia me interessa. Na realidade, nasci aqui e apesar de não me lembrar de nada sempre tive vontade de regressar. O major Huntley pareceu ter ficado muito surpreendido. - Meu pai serviu durante alguns anos na fronteira noroeste. Partimos da Índia quando eu tinha um ano de idade e apesar de ele regressar mais tarde, permanecendo aqui durante alguns anos, minha mãe e eu ficamos na Escócia. - E ainda assim o paÃs a atrai? - Í estranho - disse Brucena, após uma pausa -, mas desde que cheguei a Bombaim tenho a sensação de me encontrar em casa. Ele a encarou com uma certa reserva, como se achasse que ela estava se exprimindo daquele modo para conseguir um certo efeito. Ela entretanto, não o olhava e sim para a paisagem, achando que aquelas terras secas e quentes, as aldeiazinhas perdidas em meio à s árvores e os búfalos que aravam a terra eram algo que ela já vira algum dia. Não tinha a menor idéia dos motivos que a levavam a sentir-se daquele jeito. - A senhorita me faz uma pergunta a respeito dos thuggee - disse o major Huntley e imediatamente ela voltou-se para ele, repleta de interesse. O major prosseguiu: - Espero que durante sua permanência na Índia não venha a travar conhecimento com eles. Na realidade, é muito importante que todas as pessoas que vivem nesta região estejam sempre de sobreaviso. Enquanto falava lembrava-se do que havia visto no templo de Kali, em Bindhaghel, à beira do rio Ganges. Tratava-se de um santuário procurado no fim da estação chuvosa por todos os peregrinos da Índia, que iam até lá a fim de fazer oferendas à deusa. Os caminhos que conduziam ao templo estavam atulhados de carros de boi, de mendigos e de peregrinos de. pés descalços. Ao redor das muralhas do templo sentia-se o cheiro de incenso, de flores e nuvens de pó turbilhonavam em torno da construção. No ar pairava também o odor da morte. Noite e dia sacrificavam-se bodes e seu sangue escorria pelos degraus do templo. Seus balidos assustados misturavam-se aos gritos dos devotos fanáticos, que se flagelavam enquanto suplicavam a bênção dos deuses. Para Iain Huntley aquela deusa sanguinária, a terrÃvel esposa de Shiva, o Destruidor, negra, furiosa e nua, com sua clava adornada de crânios humanos, era o sÃmbolo de tudo contra o qual ele lutava. A lÃngua que saÃa para fora, os olhos injetados de sangue daquele Ãdolo grotesco, aquele chão fumegante onde a morte e o terror eram festejados, este era o quadro de abominação-a que se entregavam os thugs. Aquele era o seu lugar sagrado e dali a irmandade de estranguladores partia há centenas de anos para aterrorizar aqueles que viajavam pela Índia. Os adeptos do culto tinham seus rituais próprios, bem como sua tradição e hierarquia e acreditavam, ao estrangular alguém, que estavam matando em defesa da causa de Kali. Imaginando como poderia falar sobre os thuggee para aquela garota inocente
  • 11. sentada diante dele, Iain Huntley mergulhou novamente em seus pensamentos e lembrou-se de que a polÃtica tradicional da Companhia das Índias Orientais baseava-se na não interferência nos costumes religiosos da Índia. Na realidade, o governo fazia vista grossa sobre as lendas e os feitos sanguinários dos thuggee, mas as autoridades inglesas, cuja presença na Índia começava a aumentar, possuÃdas de um zelo reformista, ficavam horrorizadas com os costumes locais, que até então permaneciam inalteráveis. Os ingleses estavam determinados a eliminar os costumes mais cruéis, por mais antigos ou ligados à s divindades. O infanticÃdio e os sacrifÃcios humanos foram proibidos, bem como o suttee, a prática que consistia em se queimar as viúvas nas fogueiras. Era evidente que algo deveria ser feito em relação a Bindhaghal, sede da sociedade secreta dos estranguladores. O culto não tinha sido profundamente estudado e nem suas ramificações observadas, até que o capitão William Sleeman, que fazia parte do Exército de Bengala, tornou-se interessado em seus tenebrosos mistérios. Ficou sabendo que os thugs operavam dentro do mais absoluto segredo, de acordo com rituais escrupulosamente obedecidos. Ficavam de tocaia, à beira das estradas, e todos eles eram treinados para matar, estrangulando suas vÃtimas por meio de um lenço de seda amarelo. Em seguida, faziam profundas incisões rituais nos cadáveres, enterravam- nos ou jogavam-nos em poços profundos; queimavam os pertences desprovidos de valor e levavam o resto. Nenhum traço dos infortunados viajantes era deixado no local do crime. A exemplo do que acontecia com a maior parte das atividades na Índia, pertencer aos thuggee era algo hereditário. Os meninos eram iniciados gradualmente naquelas horrendas práticas: primeiro, como aprendizes, em seguida cavavam as sepulturas, depois, davam assistência nos assassinatos e, finalmente, desde que demonstrassem grande ferocidade, tornavam-se blurtote qualificados ou estranguladores, aristocratas entre os thugs. Foi William Sleeman que identificou a sede e as enormes ramificações da sociedade, que se espalhava como uma teia venenosa sobre a Índia inteira. Estabelecendo seu quartel-general em Saugat, uma cidadezinha acanhada, situada à s margens de um lago no coração da região dos thuggee, ele pôs-se a organizar sua campanha. Iain Huntley recordava-se agora de que alguns oficiais mais velhos, a serviço dos prÃncipes indianos, eram estranguladores experientes, o mesmo acontecendo com um determinado sargento a serviço do marajá de Hockar. Alguns eram criados de europeus, que neles depositavam cega confiança. Outros haviam passado quase toda a vida a serviço das Forças Armadas da Companhia das Índias Orientais e um deles até recentemente fora informante da polÃcia no que dizia respeito a outros campos do crime. Era assustador pensar que o homem em quem se havia confiado durante anos a fio, um soldado que obedecia suas ordens, seu próprio criado pudesse ter feito um juramento secreto e pertencesse à temÃvel seita thuggee. Para os thugs seu trabalho era sagrado e eles acreditavam que seus poderes eram sobrenaturais. Tinham uma ligação oculta com seu parceiro do mundo animal, o tigre. Um estrangulador famoso informou, ao ser interrogado: - Aqueles que escapam dos tigres caem nas mãos dos thugs, e aqueles que escapam dos thugs são devorados pelos tigres!
  • 12. Pensando bem, talvez os tigres fossem menos assustadores! O major Huntley ouvira um prisioneiro gabar-se de que tinha estrangulado novecentos e trinta e uma pessoas. Havia um bando de thugs composto por trezentos homens que se vangloriavam de ter cometido mais crimes do que seria crÃvel admitir. Iain Huntley sabia que aqueles dois últimos anos em que estivera trabalhando ao lado de William Sleemen tinham sido os mais inacreditáveis, os mais assustadores e ao mesmo tempo os mais excitantes de toda a sua existência. Como poderia explicar tudo aquilo para aquela jovem recém-chegada da Inglaterra e que tudo desconhecia da Índia? Como se tivesse consciência do que ele estava pensando, Brucena disse: - Quero compreender tudo isto e sei perfeitamente que se trata de uma idéia muito ambiciosa, mas mesmo assim tenho de começar por algum lugar. - Sinto apenas que, tendo vindo à Índia, comece pelos thuggee - replicou o major Huntley. Ela sorriu. - De certo modo a coisa fica mais interessante. Tem gente que vem aqui e só sabe fazer elogios ao Taj Mahal o ao brilho da administração da Companhia das Índias Orientais... Havia um certo sarcasmo no tom com que ela se exprimia, o que fez com que o major Huntley a encarasse fixamente. - Nossa administração é brilhante em certos aspectos, mas em um paÃs tão grande e tão densamente povoado como a Índia, há inevitavelmente muitas coisas que ainda deverão ser feitas. - Acredito, mas de certo modo acho uma grande presunção de nossa parte tentar mudar um povo cuja civilização é muito anterior à nossa. Quem somos nós para julgar se suas crenças são certas ou erradas? Iain Huntley olhou-a muito surpreendido. Aquela não era a atitude convencional tomada pelas jovens que vinham à Índia. A maior parte delas preocupava-se apenas com as diversões que encontrariam no Palácio do Governo, nos chás, nas partidas de pólo, nos bailes e nos mexericos. As demais eram missionárias dedicadas, firmemente resolvidas a pôr um ponto final nas práticas dos indianos, pois divergiam frontalmente dos conceitos de Bem e de Mal, que lhes haviam sido inculcados em sua pátria. Iain Huntley sentia profunda aversão por aquele imperialismo evangélico combinado com um grande fervor moral. Considerava medÃocres e de mentalidade estreita aqueles que haviam feito daquelas teorias o objetivo de suas vidas. Pensava com frequência que preferia a superstição e a selvageria da Índia, o costume de queimar as viúvas, o infanticÃdio à carolice e ao zelo estreito e mesquinho daqueles que não apreciavam nem mesmo a beleza do paÃs, pois ele exercia um efeito sedutor sobre suas pessoas. - Acho que a primeira coisa que tem a fazer é compreender os indianos como indivÃduos e não como um todo, pois cada um deles pertence a uma casta diferente, têm pontos de vista diversos e obedecem a regras que eles mesmos se impuseram e que nenhum governo, por melhor administrado que seja, poderá alterar. - E se agÃssemos assim nós os estragarÃamos - comentou Brucena, como se estivesse falando consigo mesma. - Í por isso que quero compreender tudo o que diz respeito à Índia. - Por quê? A pergunta fora muito brusca e ela sabia que o homem que a formulara suspeitava que suas motivações estivessem ligadas a uma mera curiosidade. - A resposta a isto é o fato de eu sentir que tenho muito o que aprender da Índia e que tenho muito a receber dela.
  • 13. Iain Huntley ficou novamente surpreendido. Enquanto imaginava o que dizer, Brucena prosseguiu: - O senhor disse que na Índia todos são diferentes. Compreendo sua afirmação, no que diz respeito à s castas, mas, com certeza, todos eles acreditam em algo. - No quê? - Em seu Karma pessoal. Todos os livros que li se referem ao Karma como algo que impregna e abrange tudo, algo a que quase todos os indianos aderem não somente com sua mente mas também com seu coração. O major Huntley contemplou-a durante alguns segundos e disse em seguida: - Tem razão, srta. Nairn. Í claro que tem razão. Apenas fico surpreendido que tenha chegado a esta conclusão ou que ela tenha sido dita pela senhorita através de uma fórmula tão simples. - Já li a respeito, mas sinto que sempre levei isto dentro de mim, pois trata-se de algo em que também acredito. CAPÍTULO II Fez-se um silêncio e Iain Huntley percebeu de repente que não conseguiria suportar a perspectiva de destruir o idealismo e o apreço que a garota sentia pela Índia, revelando-lhe os detalhes sórdidos e revoltantes relativos aos thuggee. Devido ao fato de sentir-se um tanto surpreendido pelas revelações que Brucena havia feito a respeito de si mesma, disse em um tom de voz mais enérgico do que desejaria: - Espero, srta. Nairn, que suas idéias a respeito da Índia não sejam modificadas devido a sua estada em Saugar. - Acho que o lugar me parecerá muito interessante, qualquer que seja sua aparência, mas ainda estou à espera de que o senhor me fale sobre os thugs. - Í algo que não tenho a menor intenção de fazer e penso que verificará que seus primos sentem o mesmo que eu. Quanto menos se falar deste assunto, melhor! Talvez o modo como ele se exprimia fosse desagradável ou talvez ela tivesse ficado desapontada por não ouvir o que queria saber, mas, Brucena sentiu que se encolerizava. Desde que encontrara aquele homem, ele se mostrava decidido a colocar obstáculos em tudo e ela ainda achava que deveria ter salvo o bebê. Só não o fizera porque ele a impedira, trazendo-a de volta para o trem. Era um homem bonito, para aqueles que apreciavam uma aparência tão britânica, mas havia nele algo de rude e decidido. Quase chegou a sentir pena dos thugs, pois ele era uma daquelas pessoas que os perseguiam e os entregavam à Justiça. Disse em voz alta: - Í óbvio, major Huntley, que no que lhe diz respeito, não sou bem-vinda a Saugar.
  • 14. - A senhorita não é minha hóspede e cabe ao capitão Sleeman e à sua esposa dar-lhe as boas-vindas. Brucena compreendeu de repente que se eles tomassem a mesma atitude do major, teria de encontrar um outro lugar que a recebesse e isso poderia ser muito difÃcil. Olhou para fora da janela e certificou-se, ao contemplar a paisagem que desfilava diante de seus olhos, que desejava, com intensidade quase apaixonada, que a Índia lhe proporcionasse sensações que a Escócia jamais conseguiria lhe transmitir. Havia nela algo caloroso, algo que não conseguia colocar em palavras. Por isso sentira-se muito bem, quando partira de Bombaim. Tratava-se de qualquer coisa que se refletia na luminosidade dos dias e na escuridão das noites. - Isto tudo me fala ao coração - disse para si mesma. Sentia, porém, que já havia revelado muito de seus sentimentos mais Ãntimos ao major Huntley e que ele não os entenderia. Permaneceram em silêncio e devido ao fato de que ela havia voltado o rosto para outro lado, ele conseguiu distinguir seu perfil. Era impossÃvel deixar de admirar seu nariz pequeno e reto, as curvas delicadas de seus lábios e o queixo voluntarioso. "Ela deveria voltar para a Escócia, pois lá é o seu lugar", pensou, preocupado. Então disse a si mesmo que estava sendo desnecessariamente alarmista. Dentro em pouco ela estaria com os Sleeman e a vida social tão restrita que havia em Saugar a receberia de braços abertos. A exemplo do que acontecia com as garotas na Índia, seria convidada para partidas de tênis e jantares, nos quais, se houvesse homens em quantidade suficiente, ela poderia dançar. - Não pode lhe acontecer nada de mal se ela se limitar a este tipo de vida - disse Iain Huntley para si mesmo. Tinha, porém, a sensação desagradável de que, em se tratando de Brucena, aquilo não seria suficiente. - Espero - disse após um momento de reflexão - que o capitão Sleeman providencie para que a senhorita visite seus amigos em outras regiões da Índia, onde apreciará paisagens bem mais belas e templos magnÃficos, que em Saugar não existem. - Está tentando livrar-se de mim? - indagou Brucena, com uma entonação divertida. - Parece ter esquecido, major, de que preciso trabalhar. - Como babá... Não consigo vê-la neste papel. - No entanto, foi por esta razão que eu vim e tenho certeza de que não acharei difÃcil aprender o que é esperado de mim. Ao dizer essas palavras, pensava no que Amelie Sleeman tinha escrito em seu francês tão elaborado. Mais tarde Brucena ficou sabendo que devido ao fato de seu marido falar francês muito bem, ela nunca chegou a dominar completamente o inglês. "Não quero uma babá empertigada e rÃgida, que desprezaria a mim e a meus métodos. Quero uma moça inglesa ou escocesa que me ajudará a cuidar de meu bebê e em quem eu confie a ponto de saber que ela não lhe dará ópio a fim de mantê-lo em silêncio, ou qualquer dessas drogas infernais que os Ayahs empregam, quando ninguém os está olhando." Naquele momento a colocação lhe parecera bastante simples, mas agora Brucena imaginava que talvez a prima Amelie estivesse pensando em algo bem mais sinistro do que em um Ayah preguiçoso que desejasse fazer a criança ficar quieta. Os thugs, sem sombra de dúvida, odiavam o primo William pelo modo como ele os reprimia e os impedia de realizar aquilo que para eles era uma tarefa sagrada. Que melhor vingança haveria do que estrangular seu filho ou mesmo
  • 15. sequestrá-lo a fim de educá-lo dentro do culto que ele estava destruindo? Lera em um livro que quando os thugs matavam viajantes e eliminavam seus traços, algumas vezes levavam em sua companhia, além de tudo que tivesse valor, uma criança especialmente bonita. Dizia-se que eles ensinavam-na a se tornar um thug ou então, o que era muito mais assustador, sacrificavam-na à deusa Kali. Brucena estremeceu ao pensar que pudesse acontecer uma coisa dessas ao bebê da prima Amelie e disse a si mesma que sua imaginação seguia rumos absurdos. Talvez os thugs não fossem tão maus assim como pintavam. O mistério que o major Huntley criava em torno deles apenas intensificava a sensação de que ela deveria conhecer mais coisas a seu respeito e não deveria ser mantida na ignorância da verdade, como ele obviamente desejava. - Tive o azar de encontrar no momento em que cheguei à Índia um homem que não tem a menor vontade de me agradar e que não somente coloca obstáculos em minhas tentativas de descobrir o que desejo, como também gostaria de se ver livre de mim. Disse a si mesma que lutaria contra ele com todas as armas que estivessem a seu alcance. Tinha certeza de que ele tentaria convencer sua prima que ela não somente era inadequada para a profissão que viera exercer, como também representaria um perigo a mais em um tipo de vida que, em si, encerrava todos os perigos possÃveis e imagináveis. "Se prima Amelie consegue enfrentá-la, eu também conseguirei", pensou Brucena. Ao mesmo tempo mostrava-se apreensiva e enquanto o trem deslizava sobre os trilhos que os levaria a Saugar, ela constatou que gostava cada vez menos do homem que se sentava diante dela. - C'est impossible! Não acredito que você esteja aqui de verdade - disse Amelie Sleeman naquela mesma noite, depois de terminarem o jantar à luz de velas. Os abanadores acima de suas cabeças faziam com que as chamas se inclinassem para cá e para lá, como se estivessem a bordo de um navio. Brucena sorriu para ela e em seguida para seu primo. - Tive medo de que se zangassem comigo por eu ter vindo - respondeu. - Não, claro que não estamos zangados - respondeu a sra. Sleemen em seu inglês precário e encantador -, mas nunca sonhamos, mon mari et moi, ao recebermos seu telegrama, que você viria em pessoa, em vez de mandar uma jovem escocesa. - Elas ficaram apavoradas com a idéia de viajar para uma terra tão pagã e para dizer a verdade senti-me muito feliz de poder me afastar do castelo. As coisas não têm sido muito fáceis depois que papai voltou a se casar. - Í exatamente o que eu disse para meu marido - comentou Amelie Sleemen, com uma inflexão de triunfo na voz. - Disse-lhe: Cette pauvre petite com toda certeza vai passar um mau pedaço com uma madrasta que jamais poderá ser tão bonita quanto ela! - Agora você está aqui e é só isso que importa - disse William Sleeman antes que Brucena pudesse responder. - Fico contente por Amelie ter alguém que lhe faça companhia. Ela se sente muito só, pois tenho de ausentar-me com frequência. - Í verdade, sinto uma falta imensa de você, mon cher, onde quer que você vá, mas as coisas aqui se tornam piores, pois onde quer que eu vá tenho atrás de mim soldados me escoltando. Tenho certeza de que Brucena também achará isto muito aborrecido.
  • 16. - Ela acabará se acostumando - disse William Sleeman com um sorriso. - Quero deixar desde já umas tantas coisas muito claras, Brucena: você não deve sair do jardim sem comunicar ao sargento dos sipaios que estiver de plantão onde é que vai. Se se afastar muito de casa, ele mandará alguém lhe fazer companhia. - Está vendo só! - exclamou Amelie, fazendo um gesto expressivo com as mãos. - Í como se fôssemos prisioneiras suas e algumas vezes sinto que c'est moi que está presa e não os nativos. - Penso que você acharia as masmorras de Jubbulpore e Saugar muito diferentes do conforto de que goza aqui - disse William Sleeman com secura. - Eu pelo menos não a marco a ferro, querida. Amelie sorriu. - Imagino que devo lhe dizer obrigada! - exclamou. Percebendo que Brucena não compreendia, explicou: - Uma das punições reservadas a um thug é que ele é marcado a ferro nas costas e nos ombros e até mesmo nas pálpebras. Í algo que eles não toleram. - Não me surpreende - disse Brucena. - Este castigo me parece excessivo. - Nada é excessivo, em se tratando de homens que matam por prazer - sentenciou William Sleeman. Ficaram em silêncio durante alguns instantes e então Brucena disse: - Primo William, quando tiver tempo gostaria que me falasse a respeito dos thuggee. Há muito pouca coisa relativa a eles nos livros sobre a Índia e pelo que sei trata-se de um dos segredos mais antigos deste paÃs. - Í verdade, mas não sinto vontade de falar destas coisas na presença de Amelie. No estado em que se encontra, não deve se preocupar com assuntos desagradáveis, seja no plano fÃsico, seja no plano mental. - Sim, é claro. Compreendo... Já lhe fora comunicado que a sra. Sleeman esperava a criança para o Ano- Novo e com sete meses de gravidez ela já estava um tanto pesada e perdera aquela graciosidade que lhe era tão caracterÃstica. Era filha do proprietário de um engenho de açúcar, em Mauritius e aquele casamento entre duas pessoas de temperamentos tão opostos e com uma diferença de vinte anos entre eles parecia um tanto estranho. Bastava no entanto ver os Sleeman ao lado um do outro para compreender que eram extremamente felizes. Devido ao fato de que as francesas são muito adaptáveis, Amelie era na realidade a esposa perfeita para William Sleemen. - Serei muito feliz com eles - disse Brucena para si mesma, enquanto se recolhia ao leito naquela noite, no pequenino quarto anexo ao berçário, já pronto para abrigar o bebê. Lá fora ouvia-se o pio agourento de uma coruja, os grilos, o ruflar das asas dos morcegos, cães que ladravam, animais noturnos que deslizavam no mato e muito ao longe um som que ela sabia ser caracterÃstico de toda a Índia: os uivos de uma matilha de chacais. Tudo aquilo era muito excitante. Tratava-se de um mundo novo e ao mesmo tempo muito antigo. Sentia que tinha surgido dali, sabia que suas raÃzes se encontravam fincadas lá. - Estou tão feliz de ter voltado para cá! - murmurou, antes de adormecer. Só três dias mais tarde Brucena se deu conta de que enquanto começava a adaptar-se à nova vida havia perdido de vista o major Huntley. Ele a trouxera para o grande bangalô, todo pintado de branco e a entregara a seus primos com o ar de um homem que não tinha a menor certeza se estava lhes proporcionando uma surpresa agradável ou desagradável. Brucena sabia muito bem que havia trabalho à sua espera, pois no momento em que chegaram à estação de Saugar, um sargento, comandando um destacamento
  • 17. de sipaios estava à sua espera a fim de lhe fazer a continência de estilo. Como estava aborrecida com o major Huntley não se deu ao trabalho de explicar-lhe que durante as longas semanas de viagem estudara hindu e passados os primeiros dias descobrira um professor na segunda classe, o qual, em troca de uma pequena quantia de dinheiro, estava preparado para dar-lhe aulas. O comissário de bordo que o havia descoberto garantiu-lhe que o homem era muito bem qualificado para a tarefa e Brucena verificou que ele não só era um professor eficiente como também uma pessoa muito inteligente. Inicialmente aplicou-se muitÃssimo em conhecer a lÃngua, decidida a não chegar à Índia incapaz de falar qualquer outra coisa que não fosse o inglês. Í medida que o tempo avançava, descobriu com grande prazer que o professor também poderia lhe contar muita coisa a respeito do paÃs e dos costumes de seu povo. Tentou até mesmo explicar-lhe o sistema de castas e, mais importante do que tudo, as religiões, que variavam do budismo ao hinduÃsmo; dos jains aos muçulmanos, além de centenas de seitas estranhas e variadas, todas elas com seus rituais, tabus e lugares sagrados, espalhados pelo vasto subcontinente. Algo em Brucena, instintivamente, fez com que ela mantivesse silêncio em relação aos thuggee e o seu projeto de ficar hospedada com o arqüiinimigo deles, o capitão William Sleeman. Tinha a impressão de que se o professor ficasse a par de seu destino não demonstraria tanta boa vontade em lhe ensinar as coisas que ela queria saber. Não conseguia encontrar muitas explicações para o fato de se sentir assim, mas ao longo dos anos aprendera a confiar em seu instinto, que naquele momento lhe dizia para manter silêncio em relação a si mesma. Apesar de se dar conta de que havia muito mais coisas a aprender, no que dizia respeito à s lÃnguas indianas, compreendeu o que o major Huntley disse ao sargento que viera a seu encontro na estação. Dirigindo-se a ele em voz baixa e esperando não ser ouvido, indagou em urdu: - Algum problema? - Sim, major. Acho que hoje à noite deverÃamos visitar... Brucena não conseguiu entender a última palavra, mas compreendeu o resto e divertiu-se bastante quando o major, voltando-se para ela com um sorriso enganador, comunicou-lhe: - Disse ao sargento que providencie condução para a senhorita e eu a acompanharei até o bangalô de seu primo. Ficará muito impressionada ao se ver escoltada por um regimento da Cavalaria! Brucena não tivera uma impressão muito lisonjeira da cidadezinha de Saugar, a não ser pelo fato de que tudo na Índia possuÃa uma beleza que ela jamais presenciara onde quer que fosse. Estava debruçada sobre as margens de um grande lago e a seu lado havia uma construção semelhante a um castelo pesadão e sombrio, que mais tarde disseram-lhe ser a prisão. O bangalô dos Sleeman que se encontrava fora da cidade, era grande, porém simples e encantador. O jardim estava repleto de flores cujas cores faziam Brucena sentir que elas lhe davam as boas-vindas de um modo todo especial. Sentiu logo que não havia motivos para pensar que os Sleeman a mandariam de volta ou que não sentissem sincera satisfação em recebê-la. Achou que a inegável sinceridade com que Amelie a beijava, mesmo levando em conta o fato de que ainda não se conheciam, era uma certa forma de esnobar o
  • 18. major Huntley. "Talvez ele não queira minha presença aqui", pensou Brucena, "mas meus primos querem e isto é a única coisa que conta". Ao mesmo tempo sabia que havia levado a melhor e desejava que para o futuro houvesse entre ambos duelos semelhantes, possuÃda de um sentimento que não conseguia compreender com clareza. Devido ao fato de ser curiosa, fez à sra. Sleeman algumas perguntas relativas ao major Huntley. - Por que ele se ausenta? Deu-me a impressão de que era o braço direito de primo William. - Í é sim! William está muito satisfeito com ele. Capturou mais thugs do que qualquer oficial que o regimento enviou para cá. Para falar a verdade, alguns deles são perfeitamente inúteis. - Pareceu-me muito evidente que o major Huntley gosta de fazer interrogatórios - comentou Brucena secamente. - Í muito corajoso e apesar dos outros assistentes de meu marido não ousarem admiti-lo, tenho certeza de que eles, no fundo, estão assustados. Os thugs são muito perigosos e graças a Deus seu número diminuiu. - E tudo isto se deve ao primo William? - Sim, é claro. Ele tem sido maravilhoso! - exclamou Amelie, entusiasmada. - Seu principal objetivo na vida é não só destruir os thuggee, como também desacreditá-los. Suspirou ligeiramente. - William sempre diz que quando os homens lutam por uma causa são incomensuravelmente mais fortes e eficientes do que quando lutam por razões de dever ou satisfação pessoal. - Já ouvi este conceito muitas vezes. - E é verdade! Ele está começando a convencer os thugs de que nosso Deus é maior do que sua deusa. - Será que ele conseguirá levá-los a acreditar nisto? - perguntou Brucena, cheia de curiosidade. - Na semana passada, ele me contou que um thug disse-lhe: "O senhor declara que Deus está de seu lado e que Kali retirou sua proteção devido à s nossas transgressões. Devemos ter sido negligentes em seu culto". Após essa conversa Brucena gostaria de ter dialogado mais com o primo William, mas quando ele voltava para casa, à noite, estava exausto na maior parte das vezes. Sabia que isso acontecia não só porque ele dava duro o dia inteiro perseguindo os thugs como também porque discutia com eles, lutando contra eles com palavras e armas. Ao encontrar-se no recesso do lar, não queria conversar a respeito daqueles assuntos. Ela e Amelie estavam proibidas de aproximar-se da cidade nos próximos dias e ele não lhes dera nenhuma explicação para o interdito. Prestando atenção em tudo o que se dizia e interrogando com muita habilidade o sargento dos sipaios, que falava bem inglês, Brucena ficou sabendo que houvera problemas, pois seis thugs haviam sido executados e um deles era considerado herói nacional. Um de seus simpatizantes, que ainda não podia ser preso sob a acusação de pertencer aos thugs, por absoluta falta de provas, conseguiu levar os indianos de outras castas a fazer manifestações de protesto e a causar desordens. Na Índia, a coisa mais comum era ganhar desafetos no plano polÃtico e somente métodos muito fortes de repressão conseguiam terminar com os distúrbios da ordem pública.
  • 19. Brucena ficou sabendo que o resultado daquelas manifestações foi que a prisão do lago ficou lotada e muitos outros prisioneiros foram confinados em Jubbulpore. Quando menos esperava, ouviu o barulho dos cavalos que se aproximavam e de repente o major Huntley estava a seu lado, na varanda deserta. Parecia acalorado e um tanto cansado, mas saudou-a com muita polidez e perguntou: - Ouvi dizer que o superintendente não está. Não saberia me dizer quando vai voltar? - Não tenho a menor idéia. Antes de ir repousar, Amelie mostrava-se preocupada, pois ele não comunicou quando esperava estar de volta. Notou que o major Huntley franzia o cenho e perguntou: - Aconteceu alguma coisa? - Não, não, claro que não - ele respondeu com tamanha solicitude que ela percebeu que ele estava mentindo. - Gostaria de beber algo? - Sim, obrigado. Bateu palmas, pois aprendera que era assim que se convocava um criado, e quando ele se apresentou o major Huntley pediu um copo de laranjada. Ao sentar-se na cadeira ao lado de Brucena o vinco em sua fronte desapareceu e ele perguntou: - Como tem passado? A Índia ainda não a desapontou? - Acho cada dia mais excitante do que o anterior - replicou Brucena, - Mas é uma pena que eu sofra tantas restrições em relação à quilo que posso ver e quanto aos lugares onde posso ir. Para dizer a verdade, sinto-me desapontada por seus esforços em manter a paz não serem melhor sucedidos. Pretendia espicaçá-lo, achando que ele reagiria à s suas insinuações. Ele, ao invés, simplesmente riu. - Confiava em que sua sensatez, após uma viagem tão longa, a levaria a repousar durante algum tempo. Permita-me informar-lhe que as coisas quase voltaram à normalidade. Dentro em breve poderá ir onde bem entender. - Com uma escolta, é claro... - Exatamente. Com uma escolta. Brucena olhou em direção ao lago e para a planÃcie achatada que se estendia em direção ao horizonte. - Este lugar é assim tão perigoso como vocês pretendem? Pressinto que o senhor gosta de me deixar arrepiada fazendo alusões a horrores sem nome, ao mesmo tempo que se recusa a apontá-los especificamente. - A srta. Nairn com certeza não está interessada em horrores... Além do que, na sua idade, deveria se interessar por coisas bem diferentes. Uma delas é o romance... Enquanto falava, contemplou o livro que estava pousado na cadeira, ao lado dela. - Pelo que sei, a leitura preferida das jovens que moram em Simla é O Morro dos Ventos Uivantes. Í este o livro que está lendo? Pegou o livro com displicência e notou que estava escrito em urdu. - Não vá me dizer que isto a interessa... Impelida por um motivo obscuro, que naquele momento não conseguiu compreender, Brucena decidiu não lhe dizer a verdade. - Não, claro que não. Acho que primo William deve ter deixado o livro aÃ. Lamento dizer que nesta casa há uma escassez muito grande de livros. - Terei muito prazer em mandar vir de Jubbulpore o que a senhorita desejar. - Não gostaria de lhe dar trabalho. E se o senhor o fizesse, teria de voltar aqui, em vez de me ignorar, como tem sido sua intenção, desde que voltei. - Vejo que está me considerando um inimigo - disse Iain Huntley, em tom divertido. - E por que não? Durante a viagem, o senhor expressou seus sentimentos de uma maneira muito clara e desde que cheguei não se dignou em saber como eu tenho passado. Ele riu.
  • 20. - Foi uma falta de consideração de minha parte, mas a senhorita tem de aceitar minhas desculpas. Í que tenho estado extremamente ocupado. - Sem dúvida, caçando os thugs, como se eles fossem raposas a serem massacradas por um bando de caçadores excitados, auxiliados por uma matilha de cães ferozes? - ela indagou, com uma ponta de maldade. - Exatamente! A imagem é muito feliz. Infelizmente, havia raposas demais e cães de menos. Brucena estava pensando em algo incisivo para lhe dizer quando William Sleeman surgiu na varanda. - Ah, você está aÃ! - exclamou. - Descobri o paradeiro daquele homem. - Í mesmo? E para onde é que ele foi? - Será preciso indagar? Para Gwalior, é claro. - Imaginei que ele poderia esconder-se por lá - observou Iain Huntley. - Como, aliás, seria de se esperar - comentou William Sleeman com amargura. - Aquele lugar tornou-se o esconderijo dos thugs. Um assassino pode refugiar-se lá com a mesma segurança com que um inglês procura uma taberna. Brucena acompanhava o diálogo prestando o máximo de atenção. Sabia que Gwalior era uma provÃncia situada perto dali e que um residente inglês tinha sido nomeado pelo governador-geral a fim de aconselhar o marajá, a exemplo do que acontecia em várias cortes de prÃncipes reinantes e independentes. - Í intolerável, mas não tenho certeza do que posso fazer em relação ao assunto - declarou William Sleeman, extremamente nervoso. - Deve haver uma solução - insistiu o major Huntley. - Gostaria que houvesse mesmo, mas o sr. Cavendish opôs-se decididamente a mim desde que vim para cá e tornou meu trabalho mais árduo do que deveria ser. - Í uma lástima! - exclamou Iain Huntley. - Está querendo dizer que o residente é um inglês que aprova os atos dos thugs? - indagou Brucena. Sua voz pareceu assustar os dois homens e ela percebeu que eles haviam ignorado completamente sua existência. - Ele jamais admitiria uma coisa destas - respondeu William Sleeman, após uma pausa -, mas ao bloquear minhas investigações e não permitir que meus homens penetrassem na provÃncia de Gwalior ele tornou aquela região um esconderijo onde todo thug poderá refugiar-se, quando se vir perseguido. - Que situação mais incrÃvel! - exclamou Brucena. - Sobretudo quando o governador-geral nomeou-o para eliminar os thugs... - Pois é - disse William Sleeman -, mas com ou sem Gwalior pretendo destruir a seita mais temÃvel e extraordinária de toda a história da raça humana. Havia um tom apaixonado em sua voz e seus olhos azuis ostentavam um brilho que lhe conferia naquele momento um ar de visionário. Mais tarde, naquela mesma noite, sentaram-se em torno da mesa de jantar, em companhia de meia dúzia de vizinhos. "Era difÃcil acreditar", pensou Brucena, "que fora do conforto civilizado da sala, repleta de vozes alegres e das risadas dos convidados, houvesse homens de tocaia, dispostos a matar viajantes inocentes, sem a menor idéia do que estava para ocorrer e em seguida se vangloriassem de seus crimes". Brucena se deu conta de que aquele assunto não deveria ser abordado em um jantar e ouviu os mexericos locais e algumas histórias sobre os criados indianos. Mostraram-lhe algumas bijuterias adquiridas no bazar da região, além de tecidos muito belos, que poderiam ser usados como lenços por uma senhora inglesa ou então como sáris. Tudo aquilo era muito feminino e frÃvolo, mas sabia que os rapazes presentes naquele momento olhavam-na com um brilho nos olhos. Os mais velhos brincavam com William Sleeman, por ele ter em sua casa uma hóspede tão atraente, não os tendo prevenido de que se tratava de uma beldade.
  • 21. Tudo aquilo era muito trivial e não apresentava grandes complicações, mas quando Brucena se recolheu permaneceu durante algum tempo olhando pela janela, sentindo que a Índia era um enigma, um mistério e ao mesmo tempo um encantamento. Tinha a sensação de que o conhecimento que buscava, tudo o que queria saber estava lá fora, porém muito além de seu alcance. Tudo se escondia por detrás de milhares de anos de tradição, oculto por uma complexidade de rituais e costumes que os europeus jamais poderiam compreender. Acima de tudo havia um segredo tão profundamente arraigado na mente e no coração do indiano, que ele preferia morrer a revelar aquilo que para ele era sagrado. Brucena passeava pelo jardim. Percebeu que somente uma irrigação constante, feita quase de hora em hora, poderia impedir os pequenos canteiros verdejantes de murchar, devido ao calor, protegendo a muito custo as flores plantadas ao longo dos anos por todos aqueles que haviam ocupado o bangalô. Era o único modo de não deixar que fossem subjugadas pelas ervas daninhas. As flores eram maravilhosas. Primaveras escarlates e rosadas subiam por todos os muros e os jardineiros empreendiam uma batalha interminável contra as parasitas que se enrolavam nos troncos das árvores, à semelhança de um polvo. As palavras não conseguiam exprimir o quanto tudo aquilo era belo e Brucena sentiu que era impelida por uma música oculta, que fazia parte da beleza e da majestade da alvorada indiana. Apesar de já estarem quase no fim de outubro, ainda fazia muito calor por volta do meio-dia e William Sleeman aconselhou Brucena a levantar-se o mais cedo possÃvel, quando o ar ainda estava fresco. Algumas vezes ele a convidava para saÃrem a cavalo antes do café da manhã, mas naquele dia teve de ir à cidade e ela resolveu andar pelo jardim carregando uma sombrinha debaixo do braço, que a protegeria assim que o sol se levantasse. Tudo aquilo era profundamente mágico. Não se cansava de contemplar as flores e a paisagem sem deixar de sentir que elas encerravam uma mensagem muito especial, que ela ainda não conseguia compreender inteiramente. Chegou até o fim do jardim e ficou contemplando uma cerca de hibiscos ao longo da qual corria uma estradinha comprida e poeirenta, dirigindo-se para as terras secas e arenosas, ponteadas à distância por uma ou outra árvore. Teve a sensação de que se percorresse aquela estrada acabaria encontrando o que procurava, mas não tinha certeza do que se tratava. Ficou a contemplá-la sentindo que simbolizava algo que ela deveria entender mas cuja significação no momento lhe escapava. Ouviu então um barulho e olhando à sua direita viu algumas pessoas acampadas à sombra de algumas árvores raquÃticas. Os sáris das mulheres, de cores brilhantes, destacavam-se contra aquela terra árida onde nada cresceria até que as chuvas chegassem. Notou que eles embrulhavam seus pertences, que haviam usado durante a noite. Suas muitas pulseiras brilhavam à luz do sol que se levantava. "As mulheres eram muito belas e possuÃam uma graciosidade que dava inveja", pensou Brucena. Sabia que à força de carregarem cântaros de água na cabeça haviam adquirido aquele andar que as tornava semelhantes à s deusas. Os homens arreavam alguns cavalos de patas curtas e um burrico de aspecto velho e cansado. Eram numerosos e havia também crianças brincando felizes. Uma delas brincava com um pedaço de pau e um menino divertia-se com um pano colorido, tentando insuflar nele um vento que naquele momento não existia.
  • 22. Desde que chegara à Índia, Brucena desejara desenhar ou pintar a beleza das crianças. Jamais havia imaginado que aquelas criaturinhas pudessem ser tão magnÃ- ficas em todos os aspectos. Aqueles olhos enormes, emoldurando rostos delicados, possuÃam um apelo imenso, que lhe atingia o coração e faziam-na recordar invariavelmente o bebê que não conseguira salvar na plataforma da estação. Estava perdida em sua contemplação, quando viu um garotinho de uns cinco anos de idade separar-se dos demais e caminhar em sua direção. Trazia uma flor na mão e ao chegar perto dela entregou-a com um sorriso nos lábios que a fez sentir vontade de tomá-lo nos braços. Aceitou a flor que ele lhe oferecia. - Obrigada! - disse em urdu. - Muito obrigada. Ficou imaginando se tinha algo a lhe dar em troca e vasculhou instintivamente o bolso da saia. Achou que talvez tivesse guardado um lenço. Ao sentir algo macio e sedoso compreendeu que se tratava de um novelo de seda que encontrara na varanda, quando saÃra de casa. Pertencia a Amelie, que estava bordando para o nenê uma roupa em tons de azul e rosa. - Azul e rosa? - indagou Brucena, admirada, ao ver sua prima entregue à tarefa. - Não me importo que seja menino ou menina e portanto estou aplacando os deuses, fazendo-os acreditar que não tenho nenhuma preferência. Brucena riu. - Tenho certeza de que William deseja um filho. Isto acontece com todos os homens. Não conseguiu deixar de controlar um certo tom de amargura enquanto falava, lembrando-se do quanto sofrera toda a vida por ter sido uma menina em vez do menino que seu pai desejara com tanto fervor. - William disse que se for uma menina e se parecer comigo, ele ficará tão maravilhado por ter mais uma francesa para amar, que não sentirá falta de mais nada. - Espero que ele esteja dizendo a verdade, mas rezo, prima Amelie, para que sua primeira criança seja um menino. - Pensando em William, eu deveria desejar um menino. Ao mesmo tempo, seria divertido ter uma menina com quem eu pudesse conversar, como acontece com nós duas. - De tudo o que você acaba de dizer deduzo que nascerão gêmeos... - Claro, e o azul será para o menino e o rosa para a menina. Ela sorriu e seu rosto todo se iluminou. - Seja quem for, pertencerá a mim e é só isso que importa. Brucena retirou do bolso o pequeno novelo de seda cor-de-rosa. Esperava que Amelie tivesse o suficiente para poder acabar a roupa, mas não conseguia resistir ao encanto do garotinho que lhe dera a flor. Debruçou- se sobre a cerca e colocou o novelo em sua mão. O menino parecia não acreditar no que via e tomando o novelo em suas mãos soltou uma exclamação de alegria. Apertou-o em seguida contra o peito, como se quisesse assegurar-se de que aquilo era real e que ela o destinava para ele. - Í para você, sim! - ela disse em urdu. - Í para você brincar. Ele deu um grito de felicidade e saiu correndo em direção à s demais crianças, segurando o novelo acima da cabeça e gritando: - Í meu! Í meu! Í meu! "Era a alegria de se possuir alguma coisa", pensou Brucena "e em se tratando de Amelie ou do garotinho, o que toda pessoa queria era algo que lhe pertencesse com exclusividade". "Nada tenho! Nada me pertence verdadeiramente!", pensou, entregando-se subitamente a um acesso de autopiedade. Olhou para a estrada que se estendia horizonte afora e disse para si mesma
  • 23. que possuÃa algo mais importante do que os bens materiais. A sabedoria que ela reconhecia em tudo aquilo que a rodeava era mais excitante do que uma jóia, mais valiosa do que qualquer fortuna. - Isto me pertence! - ela exclamou com ar de desafio. - Trata-se de algo que ninguém poderá roubar de mim! Quando William Sleeman veio almoçar encontrava-se de muito bom humor. - Hoje, de tardezinha, quando o calor diminuir, você e Brucena talvez gostem de sair comigo a passeio - disse para sua mulher. - William, querido, que idéia esplêndida! - respondeu sua mulher. - Você está querendo dizer que agora não corremos mais perigo? - Espero que não! Nossa última ação, que aliás só foi levada a cabo mediante extraordinárias dificuldades, provou ser tão eficaz que tenho certeza de que se sobrou algum thug na vizinhança, ele neste momento está fugindo com toda a rapidez que suas pernas lhe permitirem. Brucena ouvia atentamente. Tinha a impressão de que se fizesse perguntas o primo William mudaria imediatamente de assunto. - Você mal vai acreditar, mas um homem a quem vÃnhamos perseguindo há seis meses revelou-se um espião e estava a serviço da Companhia das Índias Orientais! - Fantástico! - exclamou Amelie. - Í verdade, e todos os que trabalhavam com ele juravam que confiavam nele a tal ponto que seriam capazes de lhe entregar sua própria vida, que é, aliás, o que estavam fazendo! - Como é possÃvel que eles atinjam postos tão altos sem despertar a suspeita de quem quer que seja? - indagou Amelie. - Í o que me pergunto, sempre que viramos uma pedra administrativa e encontramos um thug escondido debaixo dela - respondeu seu marido. - Bem, o indivÃduo está na prisão, à espera do julgamento. Acho que o fato de tê-lo prendido é uma ameaça extraordinariamente eficaz para aqueles que o julgavam invencÃvel. Amelie suspirou. - O que me deixa mais apavorada é que eles acreditam que seus poderes mágicos os salvarão. - Estão começando a compreender que somos mais fortes do que eles - replicou William Sleeman. - Como me disse um deles: ao ouvir o som de seus tambores, os feiticeiros, as bruxas e os demônios fogem. Como poderiam, então, os thugs sobreviver? - Í mesmo! - concordou Amelie. - Mas, querido, você precisa se cuidar. Se algo lhe acontecesse, esses demônios voltariam com força total. - Claro que voltariam! Mas acredito que Deus me protege, pois até mesmo os thugs admitem que estou a Seu serviço, e não a serviço do diabo. Mais tarde, quando o sol havia perdido um bocado de sua força e começava a refrescar, acomodaram-se em uma carruagem aberta e puseram-se a percorrer a beira do lago. Apesar de se saber que não havia perigo em sair desacompanhados de escolta, Brucena viu vários cavaleiros seguindo-os e chegou à conclusão de que tudo aquilo fazia parte da aura de importância que primo William considerava essencial para seu cargo. Não estava disposta a discutir o assunto, pois a perspectiva de visitar a região pela primeira vez a deixava empolgada. Os pequenos santuários à beira da água, as mulheres com seus saris maravilhosamente coloridos, trazendo à cabeça pesadas cargas, menininhos guiando búfalos nos arrozais, um rebanho de cabras brancas e negras possuÃam uma atração irresistÃvel. O próprio lago era um encantamento, à medida que o sol que se punha transformava-se em uma esfera de ouro e as crianças das aldeias mergulhavam nuas e felizes
  • 24. na água morna. Aquilo, sim, era a Índia que ela queria ver e até mesmo a visão dos urubus batendo suas asas negras e pesadas, ao se verem perturbados quando consumiam carcaças devoradas pela metade, não conseguiam dissipar aquela sensação de magia. Percorreram vários quilômetros antes que William Sleeman ordenasse que a carruagem voltasse e seguiram por outra estrada, que percorria uma região toda ondulada, cheia de árvores. Como se aquilo fosse um pensamento constante, William Sleeman apontou para as árvores e disse: - Todos esses são lugares de abominação, onde infelizes viajantes que acampam procurando refúgio durante a noite sentem a respiração de um thug por detrás das costas e logo em seguida o cordão de seda que se aperta em torno de suas gargantas. Amelie gritou, aterrorizada: - William, você está me assustando! Ele estendeu a mão e segurou as dela. - Sinto muito, querida, não era minha intenção. Para dizer a verdade, eu estava pensando em voz alta. Brucena mostrou-se enormemente interessada em tudo o que ele dissera. Ficara sabendo que o lugar onde ocorria um estrangulamento era denominado bele, de que pola era o sinal secreto que um thug deixava para outro e que kburak era o barulho feito pelo instrumento com que cavavam uma sepultura. Aos poucos compilava um vocabulário próprio, relativo a tudo aquilo que dizia respeito aos thuggee. Já ficara sabendo através de seu primo e do major Huntley que era um erro solicitar abertamente informações. Era preferÃvel ouvir. Prosseguiram seu trajeto e agora conseguiam ver à distância a cidade de Saugar. Havia muita gente saindo da cidade e Brucena contemplou-os interessada, ao ver que voltavam para suas casas com suas cestas vazias, as quais sem dúvida continham legumes que haviam vendido no mercado. Antes que eles se aproximassem, notou dois homens de aparência muito distinta, que usavam turbantes e dhotis brancos, bem como pantalonas e sandálias. Pareciam mais prósperos e certamente muito mais bem vestidos do que os demais indianos com quem cruzavam e ela ficou a imaginar se eram pessoas de fora, talvez até mesmo viajantes. Estava para perguntar ao primo William o que ele pensava quando notou que entre os dois homens havia um garotinho. Assim que o notou, sentiu que já o tinha visto em algum outro lugar, apesar das crianças indianas se parecerem muito umas com as outras. Aquele menino, no entanto, era diferente e ela teve certeza de que se tratava do garoto a quem havia dado o novelo de seda aquela manhã, em troca da flor. A carruagem aproximou-se e os homens afastaram-se, a fim de deixá-la passar. Notou então que o menino chorava. As lágrimas escorriam-lhe rosto abaixo e no entanto ele não emitia o menor som, dando apenas vazão à sua infelicidade. Agora tinha certeza de que se tratava da mesma criança que encontrara pela manhã. No momento em que o homem que o segurava pela mão largou-o e juntou as palmas, no antigo gesto do nameste, a fim de saudar os sakibs ingleses, Brucena constatou que o menino ainda segurava cuidadosamente o novelo cor-de-rosa que ela lhe havia ofertado.
  • 25. CAPÍTULO III Brucena prendeu o fôlego. De repente, mil perguntas cruzavam-lhe o espÃ- rito. Sabia muito bem que temia algo, mas sentiu que não devia mencionar o fato diante de Amelie. Esta última já dissera que estava assustada e Brucena já constatara, desde sua chegada a Saugar, que William Sleeman evitava falar dos thugs diante de sua mulher. Isto era devido não só ao fato de ela se encontrar grávida mas também porque, como a maioria dos ingleses, acreditava que as mulheres deviam ser protegidas contra tudo que fosse desagradável ou violento. Havia nele um cavalheirismo que ela sabia fazer parte de sua ancestralidade. Seu avô, que também nascera na Cornualha, a exemplo dos antepassados de Sleeman, possuÃa igualmente os mesmos princÃpios. Ela portanto manteve em suspenso as suspeitas que lhe vinham à mente e ao mesmo tempo disse a si mesma que se entregava a um excesso de imaginação. O primo William dissera que após a última batida os thugs haviam abandonado a região e no entanto os tumultos que ela presenciara à sua chegada, ocasionados pelo fato de que seis thugs deviam ser enforcados, mostrou-lhe que muita gente em Sauger simpatizava com eles ou então estavam por demais assustados para tomar qualquer outra atitude. Alguns momentos mais tarde cruzaram o remanescente do grupo que parecia ter alguma ligação com os dois homens distintos em cuja companhia se encontrava o garotinho. Havia alguns cavalos sobrecarregados de bagagem, conduzidos por homens de barba e turbante, todos bem vestidos e ostentando um ar de prosperidade. Não havia mulheres no grupo e Brucena ficou intrigada, querendo saber o que tinha acontecido com aquelas a quem vira pela manhã usando sáris de cores tão vivas, bem como com as crianças que brincavam com o menino que lhe dera a flor. Não conseguiu controlar a voz que tremia e perguntou: - De onde vêm essas pessoas? - Houve uma grande feira em Saugar, hoje - respondeu William Sleman. - Agricultores vindos de toda a provÃncias trouxeram seus legumes e frutos para vender. Suas mulheres acompanharam-nos para comprar belos sáris e mais jóias para pendurar em seus narizes e em torno do pescoço. Tal explicação não respondia à s perguntas que Brucena desejava formular em voz alta. Se havia tantos viajantes, não haveria também thugs que os espreitavam? Thugs que, escondidos à sombra das árvores, aproveitariam a primeira oportunidade a fim de cometer ágil e silenciosamente seus crimes terrÃveis, adicionando tudo o que a vÃtima possuÃa aos bens pilhados de outras pessoas por eles estranguladas... - Í impossÃvel que isto aconteça aqui, em plena luz do dia - disse para si mesma. O rosto do garotinho banhado em lágrimas preencheu seus pensamentos, excluindo tudo o mais. Prosseguiram e Brucena manteve-se em silêncio, enquanto Amelie conversava banalidades. Não imaginava o que o primo William diria quando ela lhe participasse suas suspeitas e sentiu-se um tanto apreensiva, pois ele poderia zombar dela e dizer- lhe
  • 26. que esquecesse os thugs e tratasse de se divertir. Qualquer garota inglesa faria o mesmo em seu lugar. Sabia, porém, que se sentiria traindo a criança que lhe dera a flor se não pedisse a seu primo para fazer uma investigação. Os homens e os cavalos não se distanciariam tanto que os sipaios montados não pudessem alcançá-los. A carruagem chegou ao bangalô e, enquanto passavam por entre os canteiros floridos, Brucena notou o major Huntley à espera deles, no último degrau da varanda. Assim que os cavalos pararam, ele veio apressadamente até a Porta da carruagem e disse: - Senhor, lorde Rawthorne me procurou, trazendo uma carta do residente de Gwalior. - E por que o sr. Cavendish haveria de lhe escrever, William? - perguntou Amelie antes que ele pudesse falar. - Tenho certeza de que se trata de notÃcias desagradáveis. - Em relação a isto não há a menor dúvida - disse William Sleeman sorrindo. - Mas quem é lorde Rawthorne? - Pelo que soube, está viajando por toda a Índia e neste momento hospeda- se com o residente. Í portador de cartas de apresentação dadas pelo governador-geral. - Devemos tratá-lo com atenção - comentou o capitão Sleeman. - Ele chegou um pouco tarde, pois sua viagem sofreu um atraso - prosseguiu Iain Huntley. - Em sua ausência, sugeri que o sr. e a sra. Sleeman teriam muito prazer, se ele passasse a noite aqui. - Pois fez muito bem! - disse William Sleeman, em tom de aprovação. - Mandei sua escolta para o quartel. Ele e seus criados pessoais ficarão hospedados em sua casa. William Sleeman fez um sinal com a cabeça, em tom de aprovação, descendo da carruagem, enquanto o major Huntley ajudava Amelie a fazer o mesmo. Não teve a oportunidade de ajudar Brucena. Ela já havia descido antes que ele lhe estendesse a mão e ela ficou hesitante durante alguns momentos, imaginando se devia transmitir-lhe suas suspeitas. Disse porém a si mesma que ele, com toda certeza, não levaria em conta o que ela tivesse a lhe comunicar e voltaria a repetir que não deveria preocupar- se com os thugs. . Seguiu, portanto, Amelie até a sala de visitas, onde deparou com um homem alto e moreno, que aparentava uns trinta e seis anos e conversava com o primo William. - Sinto muito não estar presente quando o senhor chegou - disse o capitão Sleeman, enquanto entrava na sala. - Não entendo por que o sr. Cavendish não me participou sua chegada, pois terÃamos nos preparado para recebê-lo devidamente. - Não queria lhe causar nenhum incômodo - replicou lorde Rawthorne. - Pretendia chegar bem mais cedo e após conhecê-lo prosseguiria viagem até Bhopal, onde tenho alguns amigos. Quando cheguei já era um pouco tarde para ir mais adiante. - Sentimos um imenso prazer em tê-lo conosco. Permita agora que lhe apresente minha mulher. Amelie fez uma mesura enquanto lorde Rawthorne inclinava-se. - E esta é minha prima, recém-chegada da Inglaterra. Srta. Brucena NaÃrn. Lorde Rawthorne mal disfarçou o espanto ao contemplar Brucena. "Era indubitável a admiração que se estampava em seu olhar enquanto ele a estudava, um tanto à maneira de um homem que apreciava uma bela montaria", pensou Brucena. Havia naquele homem algo que ela não gostava. Talvez a arrogância de sua postura e o fato de que não se importava absolutamente com o que estivessem pensando dele. - Com que então está fora da Inglaterra, assim como eu? Temos, portanto, algo em comum, srta. Nairn. O que pensa deste paÃs estranho, selvagem e pouco
  • 27. comum? - Acho-o fascinante. - Eu também tenho visto muitas coisas fascinantes por aqui - replicou lorde Rawthorne, com a clara intenção de fazer daquilo um elogio à sua interlocutora. Mais tarde, naquela mesma noite, quando sentaram-se à mesa do jantar, para o qual o major Huntley tinha sido convidado, Brucena achou aquela cena por demais familiar. Com exceção dos criados indianos poderiam estar jantando convencionalmente em qualquer paÃs do mundo. A prima Amelie e ela usavam seus mais finos trajes de noite. O primo William em sua túnica bordada a ouro e o major Huntley no uniforme vermelho e azul dos Lanceiros de Bengala tornavam a reunião muito colorida e também muito formal. Lorde Rawthorne, em contraste, teria parecido um tanto desbotado se não tivesse decorado o peitilho engomado de sua camisa com um enorme botão de esmeraldas e diamantes, que brilhava à luz das velas. Era uma jóia tão bela que Brucena não conseguia despregar os olhos dela. Como se tivesse percebido o fato, lorde Rawthorne disse: - Srta. Nairn, acho que está admirando minha última aquisição, desde que cheguei à Índia. Queria adquiri-lo do marajá de Gwalior, mas ele insistiu em presenteá-lo. Desde então, tenho feito muitas buscas, procurando algo com que possa retribuir à altura. William Sleeman ficou tenso enquanto seu hóspede falava. Disse, então, lentamente, como se estivesse escolhendo as palavras: - Parece-me, milorde, que deveria tomar as maiores precauções ao aceitar presentes do jovem marajá. - O que quer dizer com isto? - Ele tem se tornado um tanto impertinente desde que teve idade suficiente para se ocupar pessoalmente de determinados assuntos. Quando, há algum tempo, falei a seu respeito com o governador-geral, ele deixou bem claro que deverÃamos tomar muito cuidado com as pessoas que nos fazem presentes. O capitão Sleeman se exprimia com tamanho tato que era impossÃvel sentir- se ofendido com suas palavras. Lorde Rawthorne, no entanto, franziu o cenho e disse: - Entendo muito bem o que está querendo me dizer, Sleeman. Ao mesmo tempo, o residente britânico acha que houve uma série de mexericos injustos relativos ao marajá, afirmando que os ingleses talvez o tenham tratado com injustiça, em mais de uma oportunidade. Brucena sentiu que o primo William esforçava-se para não dizer as palavras que lhe vinham aos lábios. Teria muito a declarar a respeito do comportamento do jovem marajá, mas sabia que suas palavras seriam, sem a menor dúvida, transmitidas ao residente e isso poderia acarretar sérias dificuldades. O velho marajá havia morrido há seis anos, deixando uma viúva, Baza Bae, mas nenhum herdeiro legÃtimo. Após muitas consultas, ela escolheu como herdeiro um parente de seu falecido esposo. O menino recebeu o tÃtulo de marajá e cresceu na corte; mas logo revelou- se um pequeno demônio, mal-humorado e de um temperamento insuportável. O Exército de Gwalior sempre fora turbulento, rebelde, acostumado a tudo pilhar. Era uma ameaça para o Estado e para a segurança de seus vizinhos. O prÃncipe encorajava suas ações desavisadas e o residente britânico, por mais estranho que parecesse, deixava o jovem prÃncipe agir como bem lhe aprouvesse. O marajá e seus soldados mais rebeldes encorajavam os thugs e o residente britânico considerou um exagero o relatório que o capitão Sleeman fez de suas atividades. Disse para todos aqueles que queriam ouvir que tinha certeza de que muitos
  • 28. dos enforcamentos e prisões não passavam de uma precipitação das autoridades. Pior ainda: recusou-se a permitir que William Sleeman perseguisse ou capturasse qualquer thug no território de Gwelior. A situação apresentava-se muito difÃcil para o capitão Sleeman e apesar de o governador-geral lhe ter delegado plena autoridade para perseguir os thugs e reprimi-los o mais que pudesse, a proximidade de Gwalior tornava sua tarefa mais árdua. Dizia frequentemente: - A provÃncia é um abrigo seguro para os homens que persigo. Agora que soubera da origem da esmeralda que brilhava no peitilho de lorde Rawthorne, Brucena certificou-se de que ela não a atraÃa mais, achando até mesmo que dela se desprendia um fulgor perverso. Já que o assunto tinha sido deixado de lado, William Sleeman voltou-se para falar com Iain Huntley e em um tom de voz que unicamente Brucena poderia ouvir, lorde Rawthorne disse: - As esmeraldas combinariam muito com a srta. Nairn. Gostaria de vê-las luzindo sobre sua pele tão alva. Ela considerou aquele comentário um tanto impertinente e levantou o queixo em atitude de desafio, enquanto replicava com evidente frieza: - Que outras regiões da Índia pretende visitar, lorde Rawthorne? Ele percebeu muito bem por que ela havia mudado de assunto e replicou com um brilho matreiro e insolente no olhar: - Ando por aÃ, sem direção ou finalidades, srta. Nairn. Pretendo me divertir nos lugares para onde meus caprichos me impelirem. Brucena não respondeu e Amelie disse: - Precisa visitar Taj Mahal, lorde Rawthorne. Í um dos edifÃcios mais belos que vi em toda minha vida e meu marido é da mesma opinião. Meu pai sempre dizia que era uma das grandes maravilhas do mundo. - Perdoe-me - disse lorde Rawthorne - se perguntar o nome de seu pai. Acho um tanto surpreendente encontrar uma francesa no centro da Índia. - Meu pai pertence à antiga famÃlia dos condes Blondin de Chalain - replicou Amelie - e ele, conde Auguste Blondin de Chalain, estabeleceu-se na lie de France, que os senhores denominam Mauritius. Enviou-me para a Índia, pois achava que aqui haveria maiores oportunidades de aumentar sua fortuna. Brucena percebeu que lorde Rawthorne não estava unicamente interessado no que Amelie lhe contava, como também impressionado com o fato de que ela procedia de uma famÃlia francesa nobre. Desprezava-o, pois sua atitude tornara-se um tanto mais respeitosa à medida que Amelie prosseguia em seu relato, contando-lhe que tinha apenas dezenove anos de idade quando veio para a Índia em 1828, a fim de ficar com uma famÃlia inglesa em Jubbulpore. Foi lá que conheceu WillÃam Sleeman e para grande aborrecimento de um grande número de oficiais jovens da região, a maior parte deles bons partidos, apaixonou-se perdidamente por aquele militar de quarenta anos e desposou-o. Não era de surpreender que lhe tivesse acontecido o mesmo em relação a ela, pois Amelie de Chalain era alta, tinha a pele muito alva e os cabelos castanho-escuros. PossuÃa uma vivacidade natural, uma inteligência alerta e um encanto que levava quase todos os homens a caÃrem a seus pés. Naquele momento, no entanto, ela não estava em suas melhores fases e era óbvio, à medida que o jantar se desenrolava, o interesse de lorde Rawthorne por Brucena. Sentou-se a seu lado, quando os cavalheiros vieram ao encontro das senhoras e fez-lhe alguns elogios, que, se não a fizeram corar, levaram-na a encará-los como um tanto impertinentes. Tinha a sensação de que ele esperava que ela ficasse encantada com suas atenções. O fato de achá-lo tão pouco atraente deixou-a muito surpreendida,
  • 29. ao ouvir William Sleeman dizer para sua esposa: - Minha querida, tenho aqui uma carta do sr. Cavendish, comunicando que é imperioso nos vermos mais cedo ou mais tarde. Lorde Rawthorne concebeu uma idéia e espero que você concorde com ela. - De que se trata? - perguntou Amelie. - Ele gostaria imensamente que fôssemos assistir algumas competições esportivas organizadas para que ele se divirta um pouco, durante sua permanência em Gwalior. Acho que você e Brucena, é claro, haveriam de gostar bastante se fôssemos todos para Gwalior e ficássemos com lorde Rawthorne na casa que, segundo ele, foi colocada à sua inteira disposição. A sra. Sleeman ficou por demais surpreendida ao ouvir a sugestão de seu marido, sabendo o que ele pensava de Gwalior e sobretudo do comportamento do residente britânico. Era porém suficientemente perspicaz para compreender que ele deveria ter razões secretas para concordar com o convite de lorde Rawthorne e fazendo uma ligeira pausa respondeu com um sorriso: - Acho que será muito interessante e tenho certeza de que Brucena apreciará demais, pois ela tem se aborrecido um bocado desde que veio ficar conosco. - Pois precisamos modificar tudo isto - comentou lorde Rawthorne. - Falarei com o marajá, que parece ser um jovem muito conciliador, e providenciarei para que possamos assistir à s danças regionais, além de tantas outras coisas que, na corte de Gwalior, são executadas com o maior requinte. Sabendo que se esperava aquele comentário de sua parte, Brucena declarou: - Tudo isto me parece muito interessante. - E será, palavra de honra. Empregando novamente um tom que pretendia fosse ouvido unicamente por ela, lorde Rawthorne acrescentou: - Farei tudo o que estiver a meu alcance para tornar esta breve temporada especialmente divertida para a senhorita. Não se surpreendeu, quando chegou a hora da despedida, que lorde Rawthorne segurasse sua mão mais do que o necessário e a encarasse de um modo que ela considerou particularmente constrangedor, pois teve certeza que o major Huntley não deixou de notar. Somente quando lorde Rawthorne retirou-se para seu aposento, escoltado pelo major Huntley, e Brucena viu-se a sós com seus primos, perguntou em um tom de voz que era quase um sussurro: - Por que quer ir até Gwalior, primo William? Achei que não sentia simpatia pelo marajá! - Fiquei sem saber o que pensar - declarou Amelie, antes que seu marido respondesse. - Por um momento, achei que você devia estar brincando. - Há algum tempo ando desejando esta oportunidade - replicou o capitão Sleeman. - Sempre que estive em Gwalior, foi em caráter oficial, devido à minha posição como superintendente para a Supressão dos thugs. Se for lá como convidado de um nobre inglês, posso iludir várias pessoas, que talvez nesse momento abandonarão certas cautelas... - Desconfiava de que era por isto - disse sua mulher. - Mas, William, não haverá perigo? Suponha que... - Se isto vai deixá-la preocupada - interrompeu-a o capitão Sleeman -, ficaremos em casa. - Não, claro que não. Não sou tão tola assim... Í que temos ouvido relatos terrÃveis sobre o comportamento do marajá, mesmo ele sendo tão jovem e na minha opinião