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Aromas 
Um conto de 
Immortales 
por Roxane Norris
Este conto é uma obra de ficção, em nada nomes, fatos e 
datas podem servir como embasamento histórico.
Dedicatórias 
A Ludmila Fukunaga, minha amiga, minha admiradora, 
minha linda. 
A Juliana Skwara, amiga, ativista de letras e sobrinha amada. 
A Julliana Monteiro por emprestar à minha caçadora, seus 
dons de ver a vida. 
Ao Jonathan Rhys Meyers por ter emprestado seu rosto e 
sua atuação em Drácula, para me fazer sonhar. 
E, por fim, a Abraham Bram Stoker pelo personagem criado 
com tanto esmero e que, até hoje, é um clássico e uma 
inspiração.
Eu luto. Luto contra mim mesmo e a provação de minha 
essência. 
Luto contra o desejo que corre em minhas veias e escorrega 
por meus lábios cada vez que elas pulsam... Próximas aos 
meus lábios. Saudáveis, convidativas... Lascivas e saborosas 
em outro corpo. 
Inebriantes. 
Tentadoras... 
Quentes. 
Eu fecho meus castanhos e inalo o doce bouquet férreo, 
com variações diversas. Tênues iguarias para aquilo que me 
tornei: caçador de mim. 
Algo que não devia existir... Contra qual sempre lutei. Mas, 
inesperadamente, onde a minha luta me levou. 
Eu me tornei parte da lenda que rasga a noite, por trás de 
sonhos e sombras, e afugenta as dores e as incertezas de 
corações perdidos. Que se aproveita da inocência... 
Posso lhe trazer a paz, ou apenas um suspiro de ilusão, feliz. 
Quase indolor... 
Eu parei de me importar com o que sentem, ou com o que 
lhes dou, quando a ausência de Elise se tornou minha maior 
fraqueza diante de meu inimigo. Achei que seria forte, mas 
sozinho não sou nada. 
Virei refém dos meus sentimentos, e passei a andar a 
margem do que sempre norteou meus atos. Apenas anseio 
me sentir vivo por alguns dias a mais, na espera de que minha 
luta a mantenha a salvo, quando a lembrança dela já não me 
mantém são como antes e consome a minha existência fútil. 
Condena minhas horas, minutos; entrega-me ao desejo de 
minha sede, me transforma nesse promíscuo dependente vil
de corpos embebidos em notas de bergamota, anis, 
calêndula, jasmim ou rosas. 
Eu não me reconheço mais... E, ainda que pareça inútil, me 
esforço cada vez que minhas presas penetram a carne tenra, 
para dar o meu melhor. Para que um sopro de felicidade 
minimize a dor da partida. 
Tão frágil é a existência humana, para que seja consumida 
pela tristeza num único e diminuto momento em que a 
plenitude é só minha. 
Invejo-os como Lise sempre o fez. 
Respeito-os e tento me impor o lamento por cada morte 
que deixo, a cada passo meu nessa cidade. Mas a ausência 
dela é, talvez, a minha luta maior. 
Estou longe de casa, mas não das minhas leis. 
Não das regras que jurei seguir. Elas podem me punir a 
qualquer momento. 
Em cada beco que piso, ou rua mal iluminada. 
Eu não descanso mais, não consigo mais fechar os olhos e 
não ver Lise. 
Vejo-a nas ruas, vielas... Praças. 
Em louras, morenas e ruivas. E eu imploro que não me 
abandone. 
Desde que a deixei, já fiz coisas que me desabonariam 
como um Ernöyi. E, Londres não será melhor que Paris ou 
Bélgica. O medo de que Napoleão marche sobre Londres, tem 
mantido uma constante tensão e receio na cidade, e se cria 
um cenário propício para minha ação. 
Eu os observo, estudo... e mato. 
Embora minha ação possa lhe parecer absurda diante do 
imortal que conheceu, asseguro-lhe que tudo o que vi em
Namur me fez crer que o mal ainda pode ser mais cruel do que 
eu... E não mata por alimento, mas por prazer. 
Quando deixei Lise, pensei que ela estava segura, porém 
quando olhei aqueles verdes eu soube que não... E, que, 
enquanto minhas mãos estivessem sujas de sangue, eu não 
poderia voltar. 
Estou postado à entrada de uma construção de tijolos, cuja 
higiene tem um cunho duvidoso. As paredes escuras respiram 
umidade, e transbordam pelos aposentos, alugados a bons 
xelins* ao mês, certo descaso e impaciência de sua 
administradora, a sra. Owen. 
Uma mulher de meia idade, baixa e roliça, que afasta seus 
interlocutores com o olhar severo e um avental amarelado. 
Cheira a peixe, na maioria das vezes, e não há vontade alguma 
em mudar isso. Então eu a vejo, com seu velho vestido verde, 
roto e amarfanhado. Seus lindos cachos louros não perdem o 
brilho, apesar da constante falta de alimento em sua mesa. 
O mesmo sorriso é dispensado ao leiteiro, ao padeiro e ao 
jovem que lhe cede uma rosa. Ela não percebe, mas ele a fita 
com interesse. Ele poderia fazê-la feliz, mas ela desce a rua 
com seus sapatos gastos, quase furados, em direção aos 
bairros abastados de Londres. 
Uma limpadora de chaminés. 
Não é um emprego que envolva sua reputação, ou que 
possa envergonhá-la, além da cobertura fina e cinza do pó 
diário. E que, em nada, afasta sua beleza. Eu poderia 
mencionar que é quase uma pintura. Sua pele tem a cor e a 
consistência de pêssegos. Seus lábios são vivos como cerejas,
e há algo em seus olhos azuis, que nos fazem temer sua 
profundidade. 
De todas as raparigas, com quem já travei conhecimento 
em Londres, essa foi a mais intrigante. E a que 
estranhamente tenho mantido longe de meu apetite. Devo 
dizer que travei um conhecimento mais próximo dela quando 
apostador em cavalos, trouxe-a até minha residência uma 
bela mansão na Picadilly um jovem franzino, que em minha 
opinião, não possuía mais que treze anos. Ao tentar arrebatar-lhe 
a carteira, Allan o interceptou e o trouxe consigo, na 
esperança de lhe dar um corretivo, coisa que o álcool e o 
láudano impediram, e que me fizeram ter a oportunidade de 
conhecer a moça dentro da veste de menino, a bela srta. 
Ludmila Sonieur, ou Milla, como pediu para ser chamada após 
cinco minutos de conversa. 
Seu olhar era de uma sinceridade crua e serena, como se a 
vida já a houvesse maltratado tanto, que expor suas angústias, 
era apenas mais um lado escuro da tristeza que a consumia. 
Não posso negar que minha primeira intenção, ao mantê-la 
em minha sala e revelar a farsa de seu sexo, fora tão somente a 
de sorvê-la até a última gota de sangue e fazer George meu 
valete e grande entusiasta se livrar do corpo. 
Todavia, ela me fascinou. De alguma forma diferente de 
Lise, de uma maneira humana e doce. Eu, que estava tão 
perdido e incerto sobre qual seria meu futuro, tinha diante de 
mim alguém com o coração mais frágil que o meu. Não 
saberia qualificar até que ponto a tristeza se instalara nele, 
porque a vida para Milla não era feita de esperança... Eram 
momentos que ela aproveitava. Simples momentos.
Se a mim, que possuo a eternidade, a esperança me inspira; 
o que dizer de um humano destituído dela? Milla me 
intrigava. Era como uma gema rara, que poucos conhecem o 
valor. Mesmo sem esperança seus olhos sorriam, havia cor em 
cada gesto seu... Seria isso, viver na miséria? 
Observava-a com renovado interesse quando o mordomo 
trouxe-lhe comida. O olhar dela, para cada iguaria a sua frente, 
fez-me, ainda que minimamente, sorrir. Como os humanos 
Cruzei os dedos sobre a boca e Milla respirou fundo, 
mordendo o lábio inferior, sem me dar a mínima atenção. O 
que será que pensava? Eu, certamente, não comeria nada. 
Exceto, talvez, frutas. 
Por onde quer começar? indaguei, não irei mentir, 
levemente divertido. 
Ahn... Bateu o indicador contra os lábios. Por onde 
começaria? Ela me pegou desprevenido, tanto que 
demorei a responder e, rapidamente, emendou: Tudo 
parece tão apetitoso! Fechou os olhos e aspirou o aroma 
que, a ela, deveria ser algo ímpar, como o cheiro de um 
sangue raro. 
A sopa disse após breves segundos. É geralmente o 
prato de abertura. Esse é um creme de aspargos. 
Ela enviesou o nariz. 
A sopa é tudo que sempre conseguimos... Entreabriu 
os lábios em dúvida do que alegara. Não poderia comer a 
ave? 
Perdizes corrigi, admirado com sua simplicidade cada 
vez mais. Era tão fácil ser o que quisesse na sua frente, sem 
falsos maneirismos. Sirva-a, por favor, Lyod dirigi-me ao 
mordomo.
Em silêncio, Lyod cumpriu seu papel e, com um mínimo 
gesto, nos deixou. Milla quase não respirava entre uma 
garfada e outra enquanto eu passeava o indicador pelos 
lábios sem ser visto analisando-a. 
Quer mais um? indaguei ainda divertido pela avidez 
dela. Não, que não conhecesse a pobreza de Whitechapel, por 
várias vezes havia frequentado o lugar, mas nada havia 
prendido minha atenção como a jovem. 
Por que está fazendo isso? cortou-me sincera. Os 
olhos ansiosos pela comida, mas o brilho, no fundo dos azuis, 
denotando receio. 
Bem... Medi-a com interesse. Foi trazida a minha 
casa, e não costumo ser um péssimo anfitrião. Não seria a 
coisa certa a se fazer. Se está aqui, é porque é minha 
convidada, e será tratada como tal. Depositei meus lábios 
suavemente na taça de vinho. Sim, era vinho, não estava 
querendo impressionar ninguém. 
Ela correu os olhos pela sala, apreciando cada detalhe da 
mobília e da decoração. 
Nunca estive num lugar assim... Mudou sua postura. 
Eu estaria ganhando terreno? Sua esposa deve ser uma 
mulher de bom gosto, como o senhor. 
As imagens de Elise e Sophie vieram a minha mente, uma 
realidade distante da que eu possuía naquele momento. 
Receio que não possa transmitir-lhe seus elogios, ainda 
que devessem ter um destino mais digno. Todavia, não há 
uma senhora nesse solar. 
Não? Ela me fitou séria, como se considerasse minha 
afirmação algum tipo de bravata. 
Isso a surpreende?
Em parte... Serviu-se de uma farta garfada. Não é 
um homem a ser ignorado, sir. 
Eu sorri. Minimamente, mas sorri. 
Então, eu presumo que deveria ter a casa repleta de 
filhos, correndo por entre as cadeiras... 
Não Milla retrucou enfática. Por segundos corou até 
obter o controle sobre suas emoções. Eu podia sentir. 
Não foi isso que quis dizer, sir... 
Tenho certeza que não. Admirei os azuis. Foi 
apenas uma brincadeira... Perdoe-me. Fitei-a sério. 
Não há nenhuma senhora, nem herdeiros dos Fendrich... 
Por pura falta de habilidade de minha parte. 
Ela sorriu. Um sorriso claro como sua pele. 
Deixe-me adivinhar algo sobre você, já que se permitiu 
me conhecer um pouco... Francesa de nascença? 
Por parte de pai, somente. 
Uhn... Mademoiselle Sonieur... prossegui com 
aguçado interesse: Acredito que possa ajudá-la. 
A mim? estranhou. Achei que seu amigo apenas 
quisesse me punir pelo furto da carteira. Não é algo que 
costume fazer, sir... Mas há dias não comia. 
Talvez tenha, de fato, sido esse o intuito de meu 
amigo. Não nego. Ergui-me da cadeira, sabendo-me 
observado. Não obstante que um olhar seja pouco para me 
intimidar, passeei calmamente atrás de onde ela 
encontrava-se sentada. Contudo, minha estadia em 
Londres requer descrição. 
Oh... Achei que vivesse a vida toda aqui. 
Sorri. Ah, como era doce, a inocência. 
Estou aqui apenas há alguns meses. Minha família é 
originária da Hungria.
O senhor está bem longe de casa. 
Talvez, algumas milhas mais distante que a senhorita. 
A distância muitas vezes é uma questão de ponto de vista. 
Milla calou-se de pronto e eu podia sentir o sangue subir-lhe 
à face diante de minha audácia em confrontá-la com sua 
posição. De fato, era necessário antes de meu pedido: 
Como deve ter imaginado, em algum momento... 
Devo? interrompeu-me e eu a admirei por isso, mas 
nada disse, apenas prossegui como se nada houvesse 
acontecido: 
Tenho inúmeros convites sociais a serem cumpridos, e 
há muita curiosidade em relação ao Conde de Várad, 
principalmente sobre a ausência de uma senhora Fendrich. 
Não quero ter que responder a isso constantemente, então, 
pensei numa ajuda mútua. Você será minha companhia 
enquanto eu estiver em Londres, e eu a tiro de Whitechapel 
para sempre e a devolvo à França, de forma que poderá se 
manter decentemente por toda sua vida. 
Esperei-a degustar não só uma grande colherada de purê 
de maçã quanto o que lhe dissera. 
Não é uma proposta feita para ser recusada. Vejo que 
ponderou, até mesmo, como ficaria minha reputação. Algo 
que muitos não fariam diante da posição em que me 
encontro determinou. Mas porque, me escolheu? 
Tenho certeza de que não é por falta de opção, em meio a 
tantas mulheres que devem estar suscetíveis ao seu charme, 
sir. 
Meu charme? ponderei instantaneamente sob um 
sorriso. 
Uhum assentiu, provando mais purê.
Tem razão concordei com sua linha de raciocínio. 
Não tinha a menor intenção de negar o que ele afirmava, 
pois estava certa. Se eu quisesse alguém de minha posição, 
eu a teria com facilidade. Contudo, há algo que não 
levou em consideração... A sobrancelha dela enviesou 
em alerta. Ter qualquer uma delas significaria problemas 
amorosos. 
Não quer se apaixonar... a ponderação refletia uma 
pergunta implícita. 
Aqueles grandes olhos azuis estavam em mim. De certa 
forma, sim. Ainda não tinha ideia de quanto tempo 
demoraria para voltar a ver Lise e, certamente, um 
relacionamento não era algo adequado à posição em que 
me encontrava: afastado de minha família e caçado por um 
humano. Não era propriamente a posição mais cômoda que 
eu poderia estar. Entretanto, admito que tenho gostado da 
distração que Van Helsing me proporciona. 
humanos criaram diante dos parcos conhecimentos de 
minha raça são de certa forma interessantes. Não, 
obviamente, pela racionalidade do pensamento, já que não 
sou de todo uma besta sanguinária, e porque no fundo, 
também os caço. Posso dizer que já matei muitos 
renegados utilizando-me do caçador como isca, mas não é 
algo que goste. Apenas me proporciona certa diversão, vê-lo 
falhar em determinar que sou um deles. 
Talvez seja este um dos motivos que me leva a não querer 
me misturar aos humanos, como Lise faria tão facilmente. 
Observo-os de longe enquanto o tempo passa tedioso, pela 
minha janela. Tempo, para alguém como eu, não significa 
nada.
Digamos que seja conveniente não me envolver. 
Então existe alguém que ama ela ponderou uma 
vez mais. 
Sim optei, novamente, por não mentir. Era certo 
que voltaria para Lise... Era uma questão de Luas e Sóis que 
se deitariam sob o céu. 
Os talheres foram deixados de lado e ela se pôs de pé. Um 
movimento que avaliei como péssima posição ao que eu 
dissera. 
Deveria chamá-la, sir disse firme, encarando-me 
numa altivez inesperada. Como mulher, não gostaria de 
outra assumindo meu papel. 
Madmoiselle Sonieur garanto-lhe que não há a menor 
possibilidade dela aceitar estar ao meu lado, nesse ou em 
qualquer outro momento próximo. 
Os azuis se estreitaram sobre mim curiosos. 
Você a ama em segredo? É uma mulher casada? 
Precisei de toda minha habilidade e concentração para 
não rir do espanto que fez sua pele empalidecer. 
Devo dizer que possui uma mente brilhante 
Madmoiselle Sonieur, e por isso mesmo gostaria de contar 
com sua discrição. Pois, o primeiro certamente é 
consequência do segundo, e isso me faz retomar minha 
oferta... Vai me ajudar? 
Seus azuis escureceram e ela baixou-os ao chão. Eu podia 
sentir seu batimento acelerar. 
Ela respirou fundo. 
Tenho a impressão que seu convite foi uma grande 
cortesia, se comparado ao que seu amigo tinha em mente 
determinou e um arrepio frio passou por sua espinha.
Desta forma, um não de minha parte também nunca foi 
cogitado. 
Vou pedir que lhe arrumem um quarto. 
Mas eu não trouxe nada além do que está comigo... 
Não vai precisar de nada do que possuía, eu lhe 
asseguro. Puxei a campainha próxima ao aparador. 
Tudo que for necessário para sua estadia aqui, será 
providenciado amanhã. Lyod entrou pela porta e eu 
determinei Precisamos de um quarto. Ele assentiu 
prontamente e me voltei a Milla, tomando-lhe a mão entre a 
minha e beijando seu dorso. Tenha uma boa noite, 
mademoiselle. 
Observei-a deixar a sala, seguindo Lyod, com suas roupas 
de menino, mas profundamente intrigado em como seu 
corpo assentaria num vestido que lhe fizesse jus às formas. 
Fazer compras em Londres não é algo que se mantenha 
em segredo, principalmente quando se é a sensação da 
temporada e quase todas as mulheres cogitam e cochicham 
a seu respeito. Sendo assim, ha 
atelier de Mrs. Du pont, incendiou 
a cidade mais do que um rastro de pólvora o faria. Embora a 
dona do atelier nada dissesse, apenas tomava as medidas 
de Milla, anotava os tecidos e os trajes que deveriam ser 
confeccionados... Os de dia e os de noite. E, certamente, não 
lhe escapou o detalhe de colher o nome de sua cliente: 
Ludmila Sonieur, minha sobrinha. 
Em nada Milla me contradisse, sorria e andava ao meu 
lado coquete. Mesmo assim, eu possuía a exata noção do 
que isso lhe custava. Havia olhares e bocas maliciosas em 
todo nosso percurso, e me era essencial que assim fosse. Eu
a salvara da prisão e sabe-se lá o que mais, promover-lhe-ia 
o futuro, mas ainda assim o presente lhe reservava 
infortúnios... Como a reprovação silenciosa de uma 
sociedade hipócrita. 
Ela não parecia se importar, contudo, por mais que isso 
não devesse me atingir e eu o encarasse como parte de um 
serviço adquirido, revoltava-me a natureza escusa dos 
humanos. Diletos ditadores dos eufemismos sociais. Os 
homens tão poucos escapavam dessa premissa, já que de 
tão distintos que eram, cumprimentavam-me, passeando 
olhos em suas curvas, dentro do vestuário de cetim róseo 
recém-adquirido em Mrs. Du Pont. Enojava-me a forma 
como a cobiçavam, era praticamente como se a exibisse 
desnuda, mas a falta de respeito jamais partiria de seus 
lábios enquanto ela estivesse comigo. Uma vez mais, 
hipócritas. 
Milla sustentava o olhar de cada um deles, fosse às ruas, 
ou no café em que paramos para evidenciar ainda mais 
nosso relacionamento. Todavia, ao por os pés no solar, eu a 
perdi. 
Perdi-a para as paredes de seu quarto, as colchas e os 
travesseiros. Observando-a subir em passos apressados, eu 
sabia que seu coração estava a um passo de fluir por seus 
olhos. E eu me calei, ciente de minha culpa e de que 
nenhuma palavra minha desfaria suas angústias. 
No silêncio, eu jantei; e, em minha constante solidão 
entre aquelas paredes, pedi que lhe fosse servida uma ceia. 
Eu precisava dela, e ela também precisava de mim, agora 
mais do que nunca.
A lua ia alta, iluminando fracamente as ruas de Londres. E, 
admiravelmente, lá estava eu, promovendo acrobacias nos 
telhados londrinos, procurando sorrateiro, a próxima vítima 
minha e de Van Helsing. Ele não era mais velho do que eu 
aparentava. Um pouco mais alto, talvez, e mais encorpado. 
Seus olhos eram verdes e os cabelos castanhos claros, ao 
contrário dos meus sempre curtos, oscilavam à altura de 
seus ombros. 
Devo admitir que ambos éramos almas da noite e nos 
escondíamos nas sombras, e da sociedade. A família de 
Abraham era originária dos Países Baixos, e seu pai se 
tornara uma celebridade médica na sociedade londrina em 
pouco tempo, demonstrando habilidade única em cirurgias 
de drenagens pericárdicas. O jovem Van Helsing seguia 
distintamente os passos do pai, e sua perícia com uma 
espada era quase tão aguçada como a com um bisturi. 
Apreciá-lo em combate era, em muitas vezes, melhor que 
intervir. Todavia, Isabella, sua irmã, não possuía tanto afinco 
em manter a salvo o bom nome da família. 
Desde a Revolução Francesa, muitos renegados foram 
para Londres, e anos depois, a cidade cheirava a eles. Minha 
atração por ela, foi justamente aproveitar essa eclosão para 
inocular qualquer ação de maior porte e deixar que ela se 
tornasse um problema para nossa sociedade. Infelizmente 
ou não, Abraham havia nos descoberto. Não era de Órion, 
nem um Protettori, mas era alguém a quem eu devia 
respeito. 
Nesse momento, ele interpelava o mesmo jovem que eu 
lâmina de Van Helsing refletia a luz e disparava em direção à 
garganta do renegado. Os olhos do jovem se tornaram
rubros e num único movimento, ele interrompeu o avanço 
da lâmina no ar enquanto erguia o corpo à calha do telhado 
e disparava em minha direção. 
Eu estava atrás das muitas chaminés que cobriam os 
telhados e não foi difícil cruzar sua rota de fuga, estirpando-lhe 
a cabeça. Bastou apenas alguns momentos, em que eu 
limpava a lâmina de minha espada no sobretudo, para que 
Abraham estivesse em minha frente. 
Está longe de casa, Edmund... 
Pensei que me agradeceria ponderei, guardando a 
espada. 
Ele me fitou sob a aba do chapéu de couro que usava. 
Já lhe avisei uma vez, está no meu caminho. 
E você no meu conclui. 
Os dentes dele cerraram e ele se aproximou rápido. 
Não sei como consegue andar de dia, mas eu sei que 
vai se trair mais cedo ou mais tarde. Encarou-me sério, 
com brilho nos verdes. Eu sei quem você realmente é... 
Sempre terei meus olhos sobre seus atos e quando você 
errar, eu vou estar lá. Rangeu os dentes e deu-me às 
costas. Eu apenas sorri. A propósito... deixou no ar 
quando desceu do telhado, habilmente. Aquela jovem é 
bela demais para alguém como você. 
Meu sorriso aumentou. 
Tem razão, talvez deva visitar Isabella... 
Ele era bom, eu tinha que admitir. Pois com a mesma 
destreza que demonstrara antes, estava com a espada 
contra minhas costas, sem que eu o houvesse percebido. 
Retire o que disse. 
Retirar o quê? sugeri irônico. 
Abraham se aproximou e deixou contra meu ouvido:
Se tocar em Isabella, eu juro que o mato sem precisar 
de qualquer alento para minha alma. 
A brisa da noite soprou e eu me vi sozinho no telhado. Eu 
não tencionava tocar em Isabella, mas não pelo pedido 
dele, ou porque ela não o quisesse. Era simplesmente 
porque eu não a queria. 
Vir para a Inglaterra me habilitou em outra arte de luta 
além de espadas, sabres e katanas. Meu estilo de luta 
corporal nunca foi bem trabalhado, unicamente pela minha 
falta de comprometimento com ele. Porém, estar em 
Londres significava adquirir hábitos de vida um tanto 
diferentes, como a famosa chávena à tarde, o que limitava 
bastante o horário de visitas apropriadas a um período de 
tempo não muito condizente com minhas atividades. 
Nós, imortais, ainda que possamos sair à luz do dia, a 
evitamos por motivos óbvios: queremos anonimato. 
Quanto menos vistos, menos conhecidos; embora, isso já 
não se aplique aos hábitos desenvolvidos pelos renegados, 
que o utilizam para caça de alimento. Facilitando, dessa 
forma, as versões fantasiosas e deturpadas dos humanos 
em relação a nós. 
O vampiro é uma degeneração de nossa raça. Seu 
metabolismo não possui uma maneira de sobreviver dentro 
de um corpo mal adaptado a ele. Viverá menos, se não 
houver um imortal que lhe ceda sangue e mantenha seu 
coração ativo. O sangue humano é um mero paliativo, a 
imortalidade está em nós, não em vocês. Ainda que um dia, 
fossem como nós... E Londres estava infestada deles, depois 
da morte de Carl e Victor não havia líderes, apenas 
caçadores. Tanto de nosso lado, quando dos humanos.
O boxe é uma arma fatal se bem doutrinada e utilizada. 
Com Abraham em meu encalce, eu raramente podia sair 
com a espada, e muitas vezes, a caçada envolvia uma 
proximidade cuja lâmina me colocava em desvantagem. 
Assim, passo boa parte do dia dedicando-me a aperfeiçoá-lo 
para o que necessito, já que o termo visitas não se aplica 
essencialmente a minha rotina. 
Contudo, a curiosidade é algo nato dos seres humanos e, 
creio, as refeições que passamos a dividir nos últimos dias 
não era o suficiente para aplacar a curiosidade de Milla. E, 
aquele dia em especial, Allan havia me trazido um convite 
para um baile... Um baile que eu não ousaria recusar. Um 
baile na residência dos Van Helsing. 
Eu me encontrava no porão, alternando minhas técnicas 
ao mesmo tempo em que direcionava meu pensamento 
para determinar o que Abraham tinha em mente... Ou seria 
mera coincidência? Eu não me atreveria a contar com isso 
depois de nosso último encontro. 
Estava desfechando um gancho de esquerda no saco de 
areia enquanto minha perna direita acertava o 
sobressalente atrás de mim quando a voz de Milla surgiu 
sobre meus ombros: 
Você me surpreende... 
eu poderia ponderar. 
Desfiz minha posição e me afastei dela, buscando uma 
toalha para me secar. O porão era espaçoso e limpo, possuía 
uma mesa com cadeiras ao canto, rústicas aonde eu me 
encontrava naquele instante ; várias armas dispostas nas 
paredes de pedra, desde machados às sais, que tanto Elise 
gostava; e havia também a área de treinamento, um ringue 
improvisado. Não era um lugar em que eu trouxesse visitas,
era um refúgio da vida lá fora. Na verdade, ela estava mais 
para uma intrusa do que uma convidada, naquele 
momento. 
Apesar de acreditar ser uma pergunta desnecessária, 
gostaria de saber como me achou. 
Eu estava sem sono e... 
Aproveitou que os empregados dormiam para 
bisbilhotar cortei-a irritado. Ela chegara no momento 
errado e me privara de discernir o que Abraham queria, não 
deveria esperar por flores. 
Na verdade, eu percebi que não estava bem no jantar 
ela disse com cuidado. 
Seus olhos azuis presos às minhas costas, analisando cada 
pedaço de meu dorso nu. Há tempos eu não tinha aquela 
sensação quente sobre minha pele; a deliciosa sensação de 
ser admirado por uma mulher como algo além de uma 
diversão momentânea e fugaz. Cerrei meus castanhos e, 
uma vez mais, controlei a onda de frenesi que me atingiu. 
Uma tortura. 
Tecnicamente, essa foi apenas a desculpa que a fez me 
procurar. Ainda de olhos fechados, enxuguei as gotas de 
suor que rolavam por meu tórax; em minha mente a 
atmosfera estava tão quente que era quase sufocante... 
Amassei a toalha entre os dedos. Ela simplesmente não 
devia estar ali. Não me disse como me encontrou. Loyd 
não a traria aqui. 
Voltei-me para ela e, com os rubros sob controle, encarei-a 
sério sob um olhar castanho profundo. 
Confesso que andei bisbilhotando. Desviou os azuis 
de mim e as maçãs de seu rosto ficaram rubras, como as 
que haviam sido trazidas por Loyd horas antes e
repousavam sobre a mesa numa travessa de prata. O 
silêncio nos envolveu e eu cruzei os braços sobre o peito, 
esperando por algo que nem mesmo eu sabia o que era. 
Então aquelas orbes azuis brilharam sobre mim 
determinadas: Confesso que, deliberadamente, observei 
as atividades de seu mordomo antes dele ir se deitar. Segui-o 
pelos corredores e... 
Milla respirou fundo, incerta se deveria revelar tudo. 
E? Ela estava com sorte por eu não rosnar a 
pergunta, diante do estado em que me encontrava: 
possesso. 
E descobri a entrada do porão pausou, observando-me 
curiosa. Esperei até que todos dormissem e notei que 
você não estava em seu quarto, pois a porta costuma estar 
trancada... Ela agora me parecia febril. Toda sua pele 
emanava um aroma peculiar da caça. Deliciosa. Foi 
apenas juntar dois mais dois. Baixou rapidamente seu 
olhar ao chão. 
Diga-me... comecei a me aproximar dela devagar. 
As notas de jasmim se misturavam ao receio no ar e me 
seduziam, assim como o borbulhar do sangue em minhas 
veias me cegava. Em que momento passou a ter 
curiosidade sobre mim? 
Eu estava quase sobre seu corpo, ela recuara até próximo 
do saco de areia e me fitou em azuis aturdidos. 
Eu lhe fiz uma pergunta Madmoiselle... insisti. 
A veia em seu pescoço palpitava nervosismo e não havia 
para onde ela fugir. 
Desde que... engoliu em seco. Quase não come, 
quase não dorme... Quase não tem amigos. Que tipo de ser 
humano vive assim?
Eu sorri sobre seus lábios partidos em busca de ar. 
Você não iria gostar de saber como sou de verdade. 
Avancei o dorso de minha mão sobre suas bochechas. 
Em momento nenhum eu o julguei, sir ela 
balbuciou, não sei se por medo ou por pura apreensão, mas 
eu gostei de senti-la acuada. 
Não... afirmei convicto. Eu sei que não. E é 
justamente a sua falta de defesa contra mim que me faz 
conservá-la na ignorância da verdade. Corri meus olhos 
ávidos em cada linha de seu rosto, decorando-as. Deve 
conhecer apenas o homem que irá ajudá-la... É o bastante 
para nós dois. 
Ela respirou sob mim, pesadamente, cerrando os azuis. Só 
então percebi que a tinha nos braços e que, na cegueira de 
minha ira, não notara suas roupas íntimas. O decote do robe 
me permitia apreciar o arfar leve de seus seios contra o 
tecido fino da camisola, e sobre esta o robe de flanela. Os 
cabelos caíam levemente ondulados pelo pescoço e eu os 
afastei, delicadamente, até que meus lábios quase 
repousassem na linha de seu ombro... Sensual, sedutora, e 
que trouxe os rubros aos meus castanhos. Meu ser inteiro 
clamava por sangue. 
Ela arrepiou e eu a soltei, colocando alguns passos entre 
nós e fechando meus olhos. Eu não era uma besta, nunca 
seria. Milla me fitava sem jeito enquanto tentava fazer a 
cena parecer natural. Ajeitou seu robe e contrapôs: 
E não há como eu ajudá-lo? Eu o vi lutando deve haver 
um motivo para fazê-lo. Havia mais que habilidade em sua 
técnica. 
Ponderei meros minutos e encarei as maçãs, distantes, 
intocadas.
Você irá me ajudar amanhã, ao ir comigo à casa dos 
Van Helsing. 
Sim... sugeriu calma. Isso faz parte de nosso 
acordo. Mas e quanto ao que o aflige? 
Já lhe disse que basta conhecer apenas um lado da 
verdade. 
Você poderia ao menos fingir que sou sua amiga... 
Entre um homem e uma mulher raramente há traços 
de amizade. 
E o que poderia haver entre nós, além de um contrato? 
Foi a minha vez de respirar fundo e com uma das mãos 
tomar-lhe o pulso entre os dedos, colando-a mim. Meus 
dedos entre os cabelos soltos; o pulsar de seu coração 
descompassado, surpreso; o tecido flanelado e o delicioso 
cheiro de jasmim. Tudo era corruptível. 
Se quer tanto saber mais sobre mim... inclinei-a para 
trás propositalmente, permitindo-me acesso ao seu colo. 
Era alvo e cremoso, e ostentava uma mínima cruz de 
madeira. Sorri, pois muitos humanos achavam que tal 
artefato me manteria longe, mas ele só indicava com seu 
lado maior o lugar onde minha boca gostaria de repousar. 
Pura ironia. Deve saber se proteger como eu deixei 
contra seu ouvido enquanto voltava-a à posição inicial. 
Vou ensiná-la e, então, poderá saber mais. 
Ainda com sua mão atada a minha, depositei, suave, um 
beijo em seu dorso. 
Tenha uma boa noite, Madmoiselle. 
Milla... 
Edmund contrapus numa linha fina de sorriso. 
Obrigada e boa noite Edmund.
Ela novamente ajeitou o robe e me deixou sozinho no 
porão... Entre o doce perfume de jasmim eu me perguntei 
onde estava com a cabeça para querer ensiná-la a lutar. E a 
resposta era óbvia: o certo era fazer qualquer coisa para 
mantê-la longe de minha fome. 
Ela respirou fundo ao meu lado, no coche. Levando as 
mãos à borda do corpete. 
Tenho certeza de que não cabe mais nada aqui dentro 
murmurou para si mesma. 
O vestido de veludo verde lhe assentava muito bem, e eu 
apreciava a visão que tinha do decote, realçando as formas 
avantajadas dos seios, que se comprimiam contra o tecido, 
febrilmente. 
Lembre-se determinei o foco. Eu respondo as 
perguntas sobre nós. 
Sim... A mão trêmula deslizou pela pele clara e 
alcançou o colar de rubis e diamantes que eu havia 
depositado ali. Apalpou-o e completou: Acha mesmo 
seguro? 
Seguro e lindo, deixe-o em paz. Tomei sua mão na 
minha, roçando levemente sua pele. Eu estarei ao seu 
lado o tempo todo. 
Sorri-lhe de canto no exato momento em que o coche 
parou. 
Parece que estamos entregues... Pronta? 
Apesar do olhar curioso que me dirigiu, ela assentiu e foi 
questão de minutos para estarmos sendo introduzidos ao 
salão e a Sra. Van Helsing. 
Lorena Van Helsing não era uma mulher a ser ignorada, e 
certamente não admitiria isso em nenhuma hipótese.
Quando estávamos de frente para ela e Thomas, o pai de 
Abraham, seu olhar correu por Milla, avaliativo. 
Disse sua prima, milorde? fez questão de repetir. 
Ah, sim assenti, fazendo-me também de tolo. A 
sociedade, inglesa ou não, tem uma séria queda à hipocrisia 
e eu gosto de manter essa estranha arma ao meu alcance. 
Francesa completei, tornando o sorriso dela uma linha 
levemente dissonante. 
É um prazer recebê-los, de qualquer forma acudiu 
Thomas, sempre simpático. Eu tinha certeza de que 
Abraham puxara a mãe. 
Com uma leve curvatura tomei a mão de Milla na minha e 
adentramos definitivamente o salão. Não sei explicar como 
sobrevivemos aos primeiros dez minutos dentro daquela 
atmosfera. Eu tinha plena consciência de que estava 
expondo-nos a uma prova de fogo, e se ainda coubesse em 
minha razão, a prova estava lá, nos inúmeros murmúrios 
que correram o salão. 
Estão falando sobre nós... Milla sussurrou ao meu 
ouvido. 
Impressão sua sugeri-lhe ao pé do ouvido, fazendo 
uma onda de olhares reprovadores correr sobre nós. 
Ela sorriu de volta. Um sorriso tão limpo, que me fez 
esquecer onde estávamos. Apenas voltando à realidade ao 
ouvir: 
Se importaria de me ceder a próxima dança? 
Abraham estava diante de nós, encarando Milla. Os olhos 
azuis dela voltaram-se, preocupados, para mim. Eu deveria 
ensiná-la a não se expressar tão francamente. Embora, eu 
houvesse demorado um pouco a compreender o estranho 
brilho no olhar dos verdes.
Com um meio sorriso e um suave beijo no dorso de sua 
mão, deixei Milla aos cuidados de Abraham e busquei a 
varanda da casa. A noite estava quente e os olhares 
abrasivos me impeliam a manter uma distância 
considerável do salão, ainda que não a perdesse de vista. 
Não gostaria de uma bebida, monsieur le conté... 
A voz doce de Isabella ganhou o ar a minha volta com a 
leveza do aroma de camélias que seu corpo emanava, 
dentro de um vestido carmim de corpo justo e decote 
baixo, realçando as curvas perfeitas que ameaçavam 
escapulir dele, a qualquer instante. Seus cachos castanhos 
estavam presos ao alto da cabeça, evidenciando ainda mais 
as linhas sensuais de seu colo. 
Com um sorriso, ela me passou um dos dois copos de 
whisky que trazia consigo. 
Um brinde! disse em seguida enquanto eu a 
observava e um sorriso torto escapulia de meus lábios. 
Ao solteiro mais cobiçado de Londres! E molhou 
intensamente os lábios, fazendo seus olhos castanhos 
luzirem nos meus, maliciosos. 
Certamente fala de seu irmão, em breve será tão 
famoso quanto seu pai sugeri, vendo a expressão dela se 
tornar séria conforme se aproximava de mim e espalmava a 
mão livre, e enluvada, contra meu peito. Inclinando-se até 
alcançar minha orelha, contrapôs: 
Se me referisse a meu irmão, como diz, eu jamais 
poderia fazer isso... 
E, às palavras, uniu um movimento provocativo de seus 
lábios sobre a linha de meu maxilar até tomar minha boca 
na sua e mordê-la sensualmente. Correndo a língua contra
meus lábios e fazendo-me perder o controle de meu corpo. 
Sou homem, não uma pedra. 
Meu movimento não foi tão sútil quanto o dela. Ainda 
que não tivesse interesse em Isabella, ela era uma mulher 
bonita e desejável, e sabia usar isso a seu favor quando 
queria, mesmo que arriscasse a reputação de seu pai. A mim 
isso não importava, não tenho escrúpulos em admitir. Ela 
era macia, como a pele de um pêssego, e o cerne, entre suas 
coxas, transbordava todo ímpeto da mulher que era. 
Colei nossos corpos à parede externa da casa, sob uma 
frondosa sombra da varanda superior. Ela não mais falava, 
apenas sentia minhas mãos erguerem as saias enquanto 
deslizava minha língua ávida, e nenhum pouco delicada, 
contra seu pescoço e colo, buscando-lhe a borda do decote. 
Arranquei-lhe a liga com a mesma intensidade da 
explosão das imagens em minha cabeça: a de Milla em 
meus braços. Retirei um dos seios para fora, molhei-o 
vagarosamente, fazendo-a gemer e aceitar meus dedos 
dentro dela, massageando-a... Golpeando-a, punindo-a em 
olhos cerrados enquanto arranhava minhas presas no bico 
de seu seio. 
Meu sexo pinicava contra minhas calças, mas eu não 
poderia consumar nada ali, então, ela gemeu uma nota 
mais alta, se liquefazendo sob meu carinho. Agarrada aos 
meus cabelos, a boca arfando contra minha razão, que me 
fez abrir os castanhos num ímpeto e ter a visão mais 
aterradora que poderia provar: Milla nos observando. 
Pude sentir seu coração comprimido. Pude ver o bolo em 
sua garganta enquanto tentava absorver nós dois ali. Os 
lábios se separaram, parecendo que deixariam algo o ar. O
cenho franziu e os olhos azuis me tornaram uma aberração 
de fato. 
Eu não ousaria falar, e antes que Isabella pudesse se dar 
conta de sua presença, seus passos tornaram-se ecos na 
direção do salão. 
O que houve? a Van Helsing indagou conforme eu 
cerrava os punhos e me odiava. 
Vá para o salão rosnei. 
Mas... 
Apenas vá cortei-a severo, e ela ajeitou o vestido, 
deixando-me sozinho. 
Meu controle perdido. Os olhos em rubros, o sexo 
pulsando e nada além do vazio aniquilador que era minha 
vida. Ela jamais entenderia que eu a desejava ao ponto de 
corromper outra alma, para deixar a dela intacta. 
O jantar ainda seria servido, todavia, eu havia usufruído 
mais do que desejara, ao pôr meus pés ali, da hospitalidade 
dos Van Helsing. Até mesmo para meu senso de ironia. 
Dirigi-me discretamente à porta e pedi meu sobretudo ao 
mordomo, e estava para sair quando uma mão pesada se 
fechou sobre meu ombro direito, me detendo: 
Eu não sei o que fez a ela, Edmund... Mas irei descobrir. 
O olhar de Abraham era intenso, e também um aviso. Por 
segundos fiquei atônito, percebendo exatamente a 
mensagem oculta em seu brilho. O brilho que tanto me 
chamara atenção antes. Com um puxão no sobretudo, não 
voltei a olhá-lo e desci as escadarias num passo contido. 
Eu não daria a ele o gostinho de perceber minha emoção. 
Entrei no coche e bati com minha bengala no teto, 
avisando-o para partir. E, conforme ele se pôs em 
movimento, eu interrompi os pensamentos dela:
Aquilo era algo que você não deveria ter visto. 
O silêncio nos envolveu. 
Eu não deveria ter pensado obter mais respeito do que 
a mulher a quem ama... 
E o som dos cascos dos cavalos se misturou ao do meu 
coração, encobrindo-o por completo. 
Todos nós já ouvimos, alguma vez em nossa vida, a 
são o início de tudo, a fonte da 
e, acredite em quem já viveu muito mais que 
você, elas o são. O corpo de uma mulher é de uma 
harmonia ímpar. Curvas e retas desenhadas à mão livre, que 
se mesclam ora para o prazer, sua sensualidade explícita em 
cada pequeno movimento; ora para simplesmente mostrar 
sua essência, o poder e consciência ainda que oculta 
de ser única. 
Tocar uma mulher e compreendê-la, a cada sinal que 
envia sem sentir; a cada pedido feito por um olhar 
impensado; a cada murmúrio que não ousa deixar seus 
lábios, deveria fazer do homem que a observa, um 
companheiro apaixonado. A mulher é um ser feito de 
sentimentos e entrelinhas, e desvendá-los é o maior enigma 
imposto aos homens que se colocam em seu caminho. 
Por isso nos surpreendem. Por isso eu estou aqui, parado 
à entrada de meu porão, observando-a curioso, não o 
nego golpear freneticamente o saco de areia à sua 
frente. Passeio a mão pelo meu queixo tendo a exata noção 
de que era eu, o destino de cada um deles. E eles me 
acertam de formas diversas, sem que ela saiba, pois uma 
das piores armas que o homem possui é o cinismo.
Eu me aproximo silencioso e, quando me sinto seguro, 
até mesmo de meus sentimentos, eu a confronto: 
É alguma tática de defesa inovadora? 
Ela não me olha, ignora. E eu saboreio, entre o prazer e a 
desolação, o fato de eu estar certo diante da resposta 
silenciosa dela. Rodeio-a mais um pouco; ela se exaspera. 
Estamos quase lá... E paro em frente aos seus olhos azuis. 
Ele já foi judiado demais, conseguiu sua revanche... 
Retiro minha camisa branca. Sei que ela me observa e o 
calor do olhar dela, em minha pele, fecha as feridas que a ira 
dela despertou em mim. Encaro-a firme, aproximo-me 
lentamente, é necessário impor controle. Ela está linda na 
roupa de montaria, que não me parece confortável para um 
esporte. E também está atônita com minha proximidade, 
toco seu braço e ela arrepia. É um bálsamo saber que não 
está tão chateada ao ponto de refutar meu toque; é bom 
saber que ainda possuo poder sobre ela. Não é mesmo 
assim? Vamos ajustar esse uniforme e começar o treino. 
Em silêncio dessa vez sufocante eu roço sua pele, 
consciente de meu efeito sobre ela, dobrando-lhe as 
mangas da camisa até o cotovelo. Ela está sem ar, suas veias 
palpitam frenéticas e me chamam, imploram por mais. Que 
tipo de homem eu sou? 
Aquele que lhe dá mais... Então eu a viro de frente para 
mim, sem resistência, e a alicio. Toco-lhe o pescoço, deslizo 
os dedos pela clavícula, num martírio, até alcançar-lhe os 
primeiros botões da blusa, e abri-los. Ela fechou os azuis... 
Eu escorreguei meu indicador pela fenda entre os seios. O 
coração bombeia frenético, enlouquecedor, e eu me 
impeço de seguir, parto meus lábios e desejo tomar os dela
nos meus. Respiro, suspiro... Decoro traços. Afasto-me e o ar 
gelado me faz retesar. 
Assim está bom. Cerro os punhos, sei que me olha, 
e quer me socar de novo. Voilá... Eu soco primeiro o saco. 
Precisava daquilo. Um soco certeiro em meu queixo, 
cretino. Tem que ser debaixo para cima, ou não faz efeito 
sentencio. 
A manhã chegou como todas do outono, com um sol 
inexpressivo espreitando por entre as cortinas. E, tão logo 
se encerrou o dejejum, o convite para um chá, ainda aquele 
dia, foi deixado sobre a salva de prata à frente de Milla. 
Eu não me incomodaria que ela comparecesse a nenhum 
deles, e era certo que muitos viriam diante de nossa 
aparição em sociedade, mas começar justamente por um 
vindo dos Van Helsing, e em especial, de Isabella, não 
contribuía em quase nada para que a encorajasse a ir. 
Embora, claro, tivesse a noção exata de que uma recusa 
estava longe de poder ser nossa resposta. 
O olhar azul dela, escureceu, e posou sobre mim sem 
reservas, ainda que eu estivesse absorto pelas notícias do 
jornal. 
Então... Ela estava postada atrás de mim e, sem 
reservas, colocou a missiva entre meus castanhos e o 
impresso. O que quer que eu faça? 
Sem fitá-la, restitui-lhe o convite. 
Deve fazer o que acha certo ponderei. Não 
pretendo dispor de suas vontades, como está sugerindo. 
Ela sorriu, eu não precisava vê-la, para sabê-la esplêndida 
sob um sorriso.
Isso quer dizer que não gostaria que eu aceitasse, mas 
como é algo inevitável, e essencial para seu plano, vai deixar 
que eu tome a decisão de ir e aliviá-lo de me pedir o 
contrário... pausou. Pois, como salientou, é um 
cavalheiro, e jamais ousará se por entre mim e meus 
desejos. 
Milla agora estava a minha frente, sentada parcialmente 
sobre a mesa, numa atitude que definitivamente me fazia 
encará-la, como se qualquer notícia conseguisse fazê-lo 
depois que ela se erguera de sua cadeira. 
Diga-me... prosseguiu determinada: Vai mesmo 
deixar que eu a atinja com um golpe preciso de direita? 
Eu sorri. Apreciava o espírito combativo dela, isso me 
seria útil, mas era também meu ponto fraco, pois deveria 
deter a mim e a ela de expor tais sentimentos. Mesmo que, 
cada vez mais, me visse dependente deles. 
Não vou rebater o fato de que é conveniente que vá, 
nem tampouco que estou me valendo de seu senso de ética 
para que assim proceda. Contudo, estou curioso... Apoiei 
meu queixo sobre meus dedos e inclinei meu rosto até 
junto ao dela. Acredita que a srta. Van Helsing a esteja 
chamando para um embate desse porte? 
Sempre que ficávamos próximos era impossível não 
ouvir-lhe a palpitação em sintonia com a minha. As 
bochechas dela se tornaram rubras e ela sustentou seu 
olhar no meu, arriscando: 
Eu diria que ela é extremamente petulante por me 
convidar a sua casa, quando protagonizou tal cena com o 
meu... Milla focou meus lábios, mas mordeu os seus na 
incapacidade de prosseguir.
Todavia eu não a deixaria escapar tão facilmente. Então, 
quando corpo dela ameaçou abandonar a posição em que 
se encontrava e buscar uma mais segura, meus dedos se 
entrelaçaram aos dela sobre a toalha de renda. Havia um 
misto de surpresa e apreensão em seu olhar quando 
conduzi o dorso de sua mão aos meus lábios e o beijei 
suave. 
O que sou para você, Milla? Soprei sobre sua pele. 
Correu seus olhos azuis nos meus castanhos. 
Um amigo... balbuciou. 
E eu escorreguei novamente minha boca sobre sua mão. 
Confesso que não queria manter o controle, ou ser honesto, 
até obter uma confissão de seus lábios. 
E eu deveria estar agradecido pela sua amizade ser tão 
devotada ao ponto de se expor assim por mim. Beijei os 
nós de seus dedos. 
Eu... A pele dele exalou o delicioso perfume de 
jasmim. Não espero sua gratidão determinou entre a 
indignação e o receio. 
De um amigo não se espera gratidão... sugeri 
levemente rouco. Se espera cumplicidade e lealdade. 
Mas, intriga-me, não acha que sou leal a você ou qualquer 
outra mulher. Então, certamente, não sou seu amigo. O que 
sou para você, Milla? disse uma nota mais alta, estava 
ansioso como um menino. 
Ela me olhou lívida. 
Alguém especial ditou furiosa consigo mesma por 
não ter conseguido manter o controle. Não a culpo, eu 
raramente não consigo o que quero. Alguém com quem 
me importo! Droga!
Ela se ergueu da mesa e correu para porta, livrando-se 
meu toque e completando irritada: 
Eu odeio o modo como consegue essas coisas! 
A porta bateu estrondosa. Eu a fitei sério, cada pequeno 
detalhe do entalhe da madeira. Estava enganado se achava 
que ambos conseguiríamos levar esse jogo até o fim. 
O jornal ficou amassado sobre a mesa. 
A partir do desenrolar de certos acontecimentos, se faz 
necessário que Milla transmita suas impressões, pois nessas 
não estive presente, minimamente conjecturei o que 
ocorreu através de minha mente insana. 
Eram quatro e meia da tarde quando fui recebida na 
residência dos Van Helsing. Ainda estava aborrecida pela 
forma como Edmund tratara aquela visita, como insistia em 
nos manter próximos nos treinos, mas afastados no que tange 
nossas emoções; e o retorno aquele lugar, principalmente para 
encontrar Isabella, não colaborava para amenizar meu ânimo. 
Eu queria apenas que as horas se escoassem rápidas. Deixei 
minha sobrinha com o mordomo e o segui pelo corredor até 
uma porta dupla de nogueira, que me introduziu a uma saleta 
de chá. Com uma curta reverência, fui convidada a esperar 
minha anfitriã em silêncio, e mortificada. O que ela teria para 
me dizer? Não julgara audácia suficiente estar com meu 
acompanhante num jardim, ao alcance de todos? 
Retirei as luvas e brinquei de batê-las uma contra a outra, 
reproduzia um som compasso torturante dos minutos que me 
afastavam da entrevista nada apropriada com aquela 
mulher. Eu retesei e busquei novamente domesticar meu 
gênio, já que o tempo passado na carruagem, da residência do 
Conde até ali, não fora suficiente.
Inspirei, fechei meus olhos, andei e expirei. Quando os abri 
de novo, estava de frente para a cornija da lareira e encarava 
um par de olhos verdes intensos. Os mesmos olhos que 
bisbilhotaram minha alma enquanto valsávamos no dia festa. 
Eu me aproximei com cuidado, notando que não importava a 
distância, eles me encaravam. Isso era perturbador. 
Assustador não é? A voz me fez sobressaltar e voltar-me 
à porta, surpresa. 
Controlei-me. 
Foi essa a intenção do pintor? devolvi rápido, sem lhe 
dar chance de ver o quanto estava assustada de fato. 
Nunca soube disse sincero, estreitando a distância 
entre nós. Porém, todos que olham esse retrato, o criticam. 
E você? ponderei. Acredita que capturou sua 
essência? 
Os olhos verdes brilharam. 
Penso que há uma acusação implícita nessa pergunta, e 
eu não me considero um bisbilhoteiro. 
Nem mesmo no que diz respeito ao Conde? alfinetei-o. 
A porta se abriu e o mordomo entrou com uma salva de 
prata e chá. 
Permita transmitir-lhe as desculpas de minha irmã. 
Fez um gesto para que eu me sentasse no sofá castanho de 
veludo. Houve um compromisso inadiável... 
O mordomo nos serviu e se retirou a um aceno de Abraham. 
Então, talvez eu deva voltar numa hora em que ela se 
encontre rebati, devolvendo a porcelana à prata. 
Creio que isso não fará diferença, pois de certo sabe ou 
conjectura, que não foi ela que lhe enviou o convite, mas sim 
eu. Bebeu da porcelana calmamente. Jamais ousaria 
menosprezar sua inteligência.
Eu sorri, voltando a me entreter com o chá. 
Devo crer que tenho sido observada e que, mesmo não 
encontrando motivo para tal, dei-lhe provas de minha 
vigorosa capacidade mental. 
Está zombando de mim determinou. 
Não tanto quanto o senhor de mim ao me trazer aqui e 
me dizer esse monte de baboseiras revidei seca. O que 
deseja de mim, sr. Van helsing? 
Pode me chamar de Abraham... 
Não o tenho no meu circulo de amigos, por isso não acho 
esse um tratamento correto. 
Sempre é tão intransigente? 
Só quando me menosprezam. 
Ele sorriu e se ergueu do sofá. Os cabelos castanhos claros 
ondularam a altura do pescoço e ele se voltou ao quadro. 
Eu a achei atraente desde a primeira vez que a vi... 
Certamente essa não é mais uma conversa adequada. 
Abraham se virou tão rápido, que não deu dois passos e se 
pôs entre mim e a porta. 
Não só a achei bela como me questionei que tipo de 
mulher seria para estar ao lado de Edmund. 
Um sonoro tapa repercutiu no ar, e levei minhas mãos aos 
lábios. Céus, ele havia me tirado do sério. 
Me perdoe... 
Pedi quando o vi por sua mão na marca sobre a bochecha. 
Seus olhos verdes me fitaram atentamente. 
Não é mesmo a mulher que todos imaginaram ditou 
sob um sorriso de triunfo. 
Eu não tinha a intenção de machucá-lo, mas não me 
deixou outra alternativa prossegui sem lhe dar inicialmente 
atenção. O que disse?
Srta. Sonieur o que sabe sobre o Conde? ele não 
repetiu o que dissera, mas eu ouvira muito bem. Achavam-me 
uma leviana. 
Sei o que devo saber. 
E isso não deve ser muito ponderou astuto. 
Talvez sim, talvez não. 
Quantas refeições fazem juntos? 
Como? estranhei a pergunta. Que tipo de 
questionamento era aquele? 
Pode parecer inoportuno, mas eu tenho estudado os 
hábitos do Conde. 
Você é algum tipo de pervertido? 
Posso assegurá-la que tenho interesse em mulheres, não 
em homens, se é isso que sugere. 
Meu coração acelerou quando diminuiu a distância entre 
nós, quase nos colando. 
Eu creio que essa nossa conversa, há muito, passou do 
normal. 
Ora, ele havia mentido para me trazer até ali, desconfiava 
de Edmund e de forma alguma se portava como um 
cavalheiro! 
Acredite... Sua respiração pesou sobre meu rosto. Ele 
possuía um raro cheiro de anis. Nossa conversa é de 
extrema relevância. 
Relevância para quem? 
Para a senhorita sugeriu há centímetros de meu rosto. 
Não nego que, a mim, muito me alegra tê-la tão perto, mas 
posso assegurar-lhe que minha preocupação maior é a sua 
vida. 
Minha vida? Empurrei-o com toda força e me refugiei 
junto à lareira, bem próximo dos atiçadores.
A senhorita desconhece a natureza do homem que 
acoberta, e que muito pode lhe ser fatal. 
Certamente ele não se referia aos sentimentos de Edmund 
ou meus. Não tinha como conhecê-los, já que até cogitara que 
eu fosse uma leviana. 
Devo dizer que também desconheço a sua, ainda que 
muito se fale sobre sua conduta como médico. E que, de fato, 
sempre seja enaltecendo-a. Porém, a do cavalheiro que deveria 
ser, asseguro-lhe, está longe de ser a mais digna. 
É engraçado vê-la falar sobre dignidade quando está sob 
o teto de um homem que nem seu noivo é. 
Eu estava pronta para acertá-lo novamente, quando a 
minha mão foi detida. Meu pulso foi envolvido por dedos 
largos e grossos, e meu braço dobrado de forma que meu 
corpo definitivamente se colou ao dele. Seu olhar adquirira um 
brilho selvagem e seus cabelos estavam espalhados sobre meu 
rosto, escondendo-nos do mundo exterior. 
Ele me inspirava receio, mas seus músculos me impediam de 
raciocinar, imobilizavam não só meu corpo, mas minha alma. 
Como ele podia conseguir tal efeito? 
Eu tinha que lutar, me livrar dele. Fechei meus olhos e 
respirei fundo. Senti o calor do rosto dele junto ao meu, o hálito 
quente quebrando minhas defesas... Eu parti os lábios e agora 
esperava por algo que nem sabia o que seria. Ele não era 
confiável, poderia fazer o que quisesse de mim e ninguém 
saberia. 
O frio do mármore chocou-se com meu corpo no minuto 
seguinte e eu estava apoiada na cornija, com as mãos fixas em 
seus entalhes. 
De onde eu estava só conseguia ver-lhe as costas largas e o 
corte perfeito do casaco.
Por favor, srta. Sonieur, devo pedir que vá embora. 
Não cogitei refutar o pedido dele, aquela situação estava 
fugindo ao controle. Contudo, eu me sentia com mais de um 
motivo para odiar Abraham Van Helsing! 
Então? disse bebericando o chá. 
Aparentemente a visita aos Van Helsing não foi o que 
esperava concedi após o longo silêncio dela à mesa. 
Ela continuou entretida com seu dejejum. 
Pretende ficar silenciosa para sempre? 
Achei que estaria ansioso por minha volta. O som 
de talheres inundou o ar. Para saber o que Isabella 
queria. 
O tom era rascante, e eu estava longe de ser inocente do 
brilho escuro que aqueles olhos azuis emanavam no 
momento, ainda que não os visse. Certamente, me 
aguardara até tarde, mas eu não havia voltado aquela noite. 
Um casal de renegados que, há noites, havia fazendo uma 
limpa em bêbados em East End. Eu havia me descuidado 
deles ao dedicar meu tempo a Milla e à árdua tarefa de tirar 
Abraham de meu encalço. Felizmente, ontem à noite agi 
sozinho, ainda que a intervenção do Van Helsing teria sido 
bem vinda, pois tornaram-se um bando. Havia mais de vinte 
deles, porém, apenas a mulher fugiu. 
E apesar de tê-la procurado, não restava nenhum rastro 
no ar... Nenhum cheiro característico. Ela simplesmente 
desaparecera. Contudo... olho sobre os telhados de um 
Londres sonolenta em meio à névoa tenho certeza de 
que já encontrei aqueles olhos antes.
Não foi uma noite calma para mim. Lise me visitou em 
sonhos, seus lábios deitaram sobre os meus vorazes. Filetes 
de sangue guarneciam sua boca, que passeava por meu 
tórax, enlouquecendo-me. Não era apenas a pele dela 
contra a minha, que me queimava, mas o rubro do sangue 
que pulsava no meu. Numa batida cada vez mais intensa, 
insana. Entrelacei meus dedos a seus cabelos escuros e 
puxei-a para mim. 
Sua respiração espiralava no ar unida a minha, e eu 
observava, em êxtase, os veios escarlates que novamente se 
abriam para mim. Não era mais um convite, tão somente a 
ordem de que a tomasse, gota por gota... Nota por nota de 
lis. Fechei meus rubros e me entreguei a sensação quase 
dolorida de sorvê-la, sofregamente, entre os lábios. Líquido 
quente me preenchendo, chamando-me cada vez mais para 
me perder nela como homem. 
Tomei-lhe um dos seios nas mãos, provei-lhe o peso, a 
textura e os gemidos que ela despejava no ar para mim. 
Rolei a palma de minha mão contra o bico, segurei-o firme e 
deixei a outra mão passear por seu ventre até o encontro de 
suas pernas. Até que não houvesse mais nenhuma 
resistência dela a mim. 
O frio dos lençóis de linho era tão intenso quanto meu 
corpo desperto para o desejo e entregue a desilusão de um 
sonho arrebatador. Não havia nada quente naquele quarto, 
nem mesmo o fogo que insistia em se manter aceso, 
quando até mesmo a madeira lhe dispensava o último 
sopro de vida. 
Varri o lençol de mim, da cama. Desfiz, em finas tiras, com 
as unhas, um travesseiro inteiro. Minha dor não era só física 
e relegada ao meu sexo. Eu me sentia extremamente só, era
dor de uma alma incompleta. Meu sexo em riste era apenas 
a constatação evidente daquilo que não conseguia saciar... 
Minha sede de Lise. 
Encarei os olhos azuis a minha frente, chamando-me à 
realidade e alheios a pergunta que martelava em minha 
mente: ela tinha ideia de quanto eu estava pronto para 
atacá-la? Que mesmo que o seu cheio não fosse de Lis, eu 
poderia revelar-lhe o lado mais obscuro de minha espécie? 
Baixei minha mão esquerda e crispei-a contra minhas 
calças. Respirei fundo e passeei o dedo indicador pelo lábio 
inferior, buscando controle. Eu a sorveria até a última gota, 
sem me incomodar em confessar que adoraria fazê-lo. 
Precisava me sentir vivo, ter o doce líquido rubro 
revolvendo minhas entranhas, vibrando em minhas veias. 
Ainda que não a amasse como a Lise, era para mim 
incontestável que a atração entre nós dois era forte o 
suficiente para desejá-la. Sua pele contra a mim; meu corpo 
preenchendo o dela. 
A solidão é algo torturante, capaz de nos fazer perder a 
sanidade. 
Não foi um convite de Isabella ela ditou, 
interrompendo o fluxo de meus pensamentos. 
Não? retruquei ainda não tão concentrado como 
deveria. 
Abraham me esperava para o chá prosseguiu em 
falsa serenidade. No fundo, testava-me. 
E, por minha conturbação interna, estava longe de 
conseguir me manter sob controle diante de minha 
insatisfação em conhecer a verdade sobre seu encontro. 
E foi agradável? tentei me manter indiferente.
Talvez não tão agradável quanto se eu tivesse as 
respostas certas Milla retribuiu na mesma nota. 
Que tipo de respostas Abraham queria? indaguei 
para ganhar tempo. 
As do tipo pessoais. Havia um interesse particular 
sobre suas verdadeiras intenções... 
Meus olhos estreitaram sobre ela, entrelaçando meus 
dedos sob o queixo. 
Estou curioso para saber sua resposta ponderei 
sério. 
Não havia nada a ser dito. 
Foi tão simples assim? retruquei pensativo. Não 
acreditava que toda aquela encenação por parte do Van 
Helsing terminaria em algo tão insignificante. 
Acontece... Seus azuis brilharam e eu soube que 
estava encrencado. Que não tinha nada para dizer. 
Realmente eu não estava enganado, ele havia dado um 
passo. Um belo passo. Eu não sei absolutamente nada 
sobre você. 
Eu estava onde Abraham queria, contra a parede. 
Contudo, devo observar que certamente não havia como 
ele prever minha fragilidade emocional por conta de Lise. 
Esse não foi um passo dado por ele, mas por mim, quando 
deixei que Milla se tornasse importante em minha vida. 
Lentamente, permiti que meus rubros aflorassem e, com 
um movimento hábil, estava com meu rosto sobre o dela, 
encarando aquelas turquesas. 
Ele deveria ter sido melhor em seu alerta. Segurei-lhe 
o queixo e deixei os escarlates transbordarem nos azuis. 
Escorreguei meus dedos entre seus fios louros, 
desfazendo a trança que os cingia ao alto de sua cabeça. Ela
ofegou, cada músculo seu tencionado; cada veia sua 
trêmula, suspensa em ansiedade. 
Beijei-lhe a testa, ela ofegou uma vez mais. Meu corpo 
agora estava febril, toda a sede pelo rubro havia voltado. 
Intensa, dolorida, capaz de fazer minhas presas aflorarem e 
arranharem lentamente a base de seu pescoço, quando 
meus lábios pararam de molhar sua pele e seu corpo estava 
mole entre meus dedos. 
Milla não possuía um vestígio de receio. De medo de 
mim, e isso fazia minha alma ansiar por sorvê-la, cada vez 
mais. Ela partiu os lábios num convite e não tive como fugir 
da intensidade daqueles orbes azuis. Fitei-a com carinho e 
busquei por sua boca, arrancando-lhe um mínimo fio 
escarlate. 
Um pequeno deleite para uma alma atormentada como a 
minha; um despertar da fome que, a muito, eu temia. 
Eu lhe alertei que estava mais segura quando não 
sabia de nada sussurrei-lhe ao pé do ouvido, enquanto 
minha mão desatava-lhe os nós do corpete e corria livre 
dentro da chemise, tocando-lhe a ponta do seio. Ela 
arquejou, permitindo-me explorar mais o gosto de sua 
boca, calar-lhe os pensamentos. 
Quem é você? resfolegou quando a deixei respirar. 
Tomei-a nos braços e depositei-a sobre a mesa, varrendo 
metade do café da manhã com meu gesto. Ergui-lhe a barra 
da saia e debrucei-me sobre ela, sorvendo seu delicioso 
cheiro de jasmim. 
Sou alguém que precisa de você sugeri, beijando-a 
mais uma vez. Sem deixá-la pensar, envolvendo sua língua 
com paixão. Deixando o imortal em mim, vir à pele. 
Edmund...
Ela gemeu meu nome quando toquei-lhe as coxas. Eu 
estava a um passo de tê-la completamente. Inteira. Em pele 
e sangue. 
Então, o rosto de Lise permeou meus pensamentos. Sua 
boca tomou a minha e seu perfume se espalhou por tudo a 
minha volta. 
Lise eu murmurei, procurando por ela em meio à 
névoa de meus pensamentos. Lise! gritei, levando as 
mãos à cabeça, alucinado por sentir o gosto dela, e foram os 
olhos aturdidos de Milla que encontrei. 
Não havia mais presas ou o olhar escarlate em mim, 
apenas a frustração de mão poder cobrir o vazio de Lise. Eu 
não podia destruir Milla por um capricho. Não tinha o 
direito de roubar-lhe a vida em troca da minha efêmera 
felicidade. 
Sem olhar para trás, eu a deixei sozinha. Em meio à 
comida, talheres de prata e falta de respostas. 
Os dias seguiram cinzentos, Milla passou a adotar uma 
postura mais reservada, mesmo nos treinos, que 
mantivemos. E, eu, evitei invadir o seu refúgio. Os sonhos 
com Lise se tornaram mais frequentes e eu passei a ter a 
certeza de que qualquer coisa que vivesse ao lado de Milla; 
se me permitisse tal envolvimento, estaria deixando de lado 
minhas convicções, e o que me faz ser um pouco mais 
humano. Eu deixaria apenas o imortal agir... Cego, louco, 
sedutor. 
Aquela noite, eu deixei-lhe um bilhete sobre minha 
ausência. Havia recebido uma mensagem bem intrigante, e 
estava longe de ignorá-la. Com o cair da noite e o tilintar 
das horas mais obscuras, eu me dirigi à Brixton, lugar
curioso para o encontro que iria ter. Embora imaginasse o 
que me levava a seguir as recomendações severas de quem 
o premeditara. 
Brixton era o submundo de Londres. Você poderia 
encontrar qualquer tipo de estrangeiro em suas vielas; 
pouco desenvolvimento e uma facilidade grande de se 
movimentar sem ser percebido. Eu não poderia, de fato, 
pensar num lugar mais encantador para uma caçada. Ainda 
que aquele fosse apenas um encontro. Um interlúdio. 
Fui deixado a alguns quarteirões do local. Sabia que 
qualquer descuido meu, tornaria previsível a minha entrada. 
Todavia, sou um homem discreto, de hábito contrito. 
Escorreguei pelas sombras até alcançar o pequeno, e 
duvidoso, estabelecimento cujas paredes, mesas e cadeiras 
possuíam inúmeras manchas de bebidas e lascas de 
madeiras a menos. 
As janelas eram menos encardidas, que o avental da 
mulher que servia as bebidas. Senti o inusitado perfume de 
violetas e a cabeleira ruiva não deixou margem a duvidas de 
que o lugar era aquele mesmo. 
Aproximei-me sem disfarçar minha presença, e um par de 
olhos avelãs se fixou em mim. 
Truzzi... sibilei na direção dela. 
Alteza ela devolveu irônica. 
Achei que tínhamos um acordo. 
Julliana sorriu-me de canto. Começara, diante daquele 
mesmo sorriso, a minha caçada. Nunca gostei dos 
sortilégios usados pela Sociedade de Órion para conseguir 
seus intentos, contudo, o que ela me trouxe era algo que 
não podia ser ignorado.
Isso foi antes do Conselho se transformar num caos e a 
maioria dos vampiros estar fora de controle. E, deve 
imaginar, que com eles, os renegados também. Não há 
mais tempo para esperas. Voltou os olhos à bebida, e 
emendou: Seu irmão não costura alianças como você, e 
em breve, não será só Londres que estará infestada deles. 
Sentei-me a sua frente, deixando meus sentidos em 
alerta. 
E o que a Sociedade deseja que eu faça... agora? 
sentenciei sob um meio sorriso irônico. 
Na verdade, não vim pelos de Órion determinou 
séria. Já brincou muito com a jovem, devemos resolver 
logo a questão com Thryn pausou. Ele está cada vez 
mais alerta, e há um homem que anda se metendo em 
nossos assuntos. Encarou-me. O cheiro de fumo de 
cachimbo barato preencheu o ar. E, pelo que andei 
apurando nos últimos dias, não parece querê-lo fora de sua 
vista. Por quê? 
Bebi o resto da bebida num só gole. 
Ele nos será útil, da mesma forma que Milla. 
Suas avelãs me fitaram atentamente. 
Era para ser apenas uma mulher qualquer, alteza ela 
sibilava e, em parte, eu entendia o motivo. Não deveria 
se quer expô-la como alguém próxima a você. 
Achei que isso daria mais veracidade à história e nos 
acobertaria. Tenho certeza de que o olhar de Thryn está 
mais sobre Milla do que já esteve sobre Lise. 
E se acha capaz de abrir mão dela no momento certo? 
disparou sarcástica. 
Não é a única que possui uma carta na manga, Truzzi... 
sugeri baixo. É melhor deixar as coisas nos termos que
acordamos. Cumprirei com a minha parte, é isso que veio se 
certificar não é? 
Eu havia me inclinado à frente e sorria sob um rubro 
intenso, e sobre um tampo oleado, onde mais bebida foi 
depositada para nós. 
Ela, entretanto, recuou um pouco. 
Não ousaria menosprezá-lo, mas não posso fingir que 
não vejo o quanto está envolvido com aquela mulher. 
Julliana jogou os longos cabelos ruivos para trás e 
gargalhou, fazendo todos os olhares duvidosos, ao nosso 
redor, nos fitarem penetrantes, e, a mim, resguardar meus 
rubros. Devo lembrá-lo de quem é e o que esperamos de 
você? 
Meu sorriso era agora uma linha bem delineada de 
escárnio. 
Enquanto ele se preocupa comigo, você tem podido 
agir nos subúrbios londrinos com facilidade. Baixei mais 
ainda a voz para que somente ela me ouvisse: Acredite, o 
jovem médico também terá sua participação para 
colocarmos as mãos em Thryn. 
Eu não confio em humanos, e você também não 
deveria. 
Desviei meu olhar do dela mantive o sorriso, pensando 
em Lise. 
Eu aprendi a confiar, em alguns. Algum sinal de Thryn? 
Ele tem tomado suas precauções. Há muitas crias dele 
por aí, mas poucos que sirvam realmente de rastro ao seu 
mestre determinou em avelãs flamejantes. Quanto a 
confiança que deposta em seu entusiasta, minha missão 
estava sendo divertida até a noite passada, quando pegou 
um deles.
Abraham? Eu não poderia estar mais surpreso, fora 
o que sempre tentei evitar. 
Está com uma cria de Thryn. Ela sorriu deliciada, 
estava guardando o melhor para o final. Vim lhe avisar 
que farei uma visita a ele. 
Não a quero perto de Abraham sentenciei seco. 
Tinha certeza do passo que Van Helsing daria e o esperaria 
fazê-lo. Eu resolverei esse problema. 
Eu aceitei sua ajuda quando chegou aqui. Contei a 
você tudo que sabia sobre o retorno de Thryn e seu desejo 
de ocupar lugar de Carl. Truzzi enviesou a sobrancelha 
profundamente. Mas o doutor está fora do nosso acordo. 
É a inclusão de uma clausula mínima desafiei-a. 
O jogo que está jogando é perigoso, e eu não tenho 
certeza de que irá mesmo até o final... 
Eu não esqueço meus compromissos, e por mais que 
Milla seja uma bela mulher, meu coração seria incapaz de 
trair Elise. Ergui-me da mesa e me dirigi à saída. 
Não falo do coração ditou a Truzzi, detendo minha 
passada e atirando algumas moedas à mesa. Sei que a 
falta do sangue reclamado pode causar a dependência do 
corpo pelo contato físico. E, quando o corpo reclama sua 
recompensa, a mente falha. Colocou o capuz sobre o 
rosto e passou por mim. 
Eu não fui tão longe para por tudo a perder apenas 
pela vontade de possuir uma mulher! Cerrei meus 
punhos. Há algo muito maior em jogo, e eu não vou abrir 
mão de Elise novamente... arranhei a verdade. 
É bom ouvi-lo falar como o Edmund que sempre foi. 
Admitir fraquezas não é algo comum nos imortais que 
conheci ela contrapôs sem interromper seus passos.
Por isso eu vou lhe dar uma semana, alteza. Nenhum dia a 
mais. Não podemos correr o risco de perder Thryn. 
Fitei-a abrir porta e deixar o estabelecimento, sentindo 
apenas o ar gélido da noite que trouxe as lembranças de 
Pest a minha mente. 
por Milla 
A porta da saleta se abriu, permitindo que Lyod introduzisse 
o sr. Abraham. Seus olhos verdes procuraram os meus sem 
cerimônia enquanto eu dispensava o mordomo com um 
mínimo assentimento. 
Srta. Sonieur... Dispensou-me uma reverência. 
Tão somente por delicadeza retribui. 
Continua contribuindo, fervorosamente, para que não o 
leve muito a sério, sr. Van Helsing delimitei contrafeita, 
indicando-lhe um assento. Ambos sabíamos que, o que o 
houvesse trazido ali, não seria demovido facilmente. 
Confesso que não entendi seu intento. Sentou-se, 
encarando-me severo. Por certo, já que não me parece ter 
poderes fora do comum aos de uma bela mulher, ainda não 
sabe o que tenho a lhe dizer. 
Por certo, e jamais menosprezando sua inteligência, 
também não é coincidência anunciar sua visita quando sabe 
que Edmund não está em casa. 
Não o negarei. Ele sorriu minimamente. Mas insisto 
que não possui um mínimo motivo para temer minha 
presença. 
Não? Arqueei minha sobrancelha. Era muita 
petulância.
Excetuando, talvez, o risco que corro em ter meu coração 
inerte... 
Não está me adulando em excesso, sir? 
Num único e preciso gesto, capturou minha mão e beijou-lhe 
o dorso com carinho. Seus olhos nos meus. 
É um risco que vale a pena correr... Um frio cobriu 
levemente minha espinha sob o veludo da voz dele. Milla. 
Meu estômago revirou, gelando, e meu corpo foi impelido a 
ficar ereto. Minha mão deixou o calor da dele. 
Asseguro-lhe que é um risco eminente, e maior do que 
supõe ditei, retirando meus azuis do contato visual. 
Edmund pode chegar a qualquer momento. 
Então, seria melhor conversarmos em outro lugar. 
Imitou meu gesto. Permita-me que a convide para uma 
volta. 
Mas sir... 
Estaremos sob a vista de todos sentenciou. 
E por que deveria aceitar? disse rascante. Havia algo 
em Abraham que me irritava. Provou-me, mais de uma vez, 
não ser uma pessoa digna de minha confiança. E está 
determinado a destruir alguém que prezo demais... 
Não estou a favor de Edmund, é fato, mas jamais 
atentaria contra sua reputação, senhorita. Sua voz soou 
séria demais; o que me chamou a atenção, fazendo-me fitá-lo. 
Há algo que quero mostrar-lhe. 
A mim? 
Sim, algo que pode fazê-la acreditar em minhas boas 
intenções. 
Em relação a quem? 
A você. 
Em outras palavras, algo que compromete Edmund.
Gosta tanto dele assim ao ponto de negar qualquer 
evidência? Seu tom guardava algo além de incredulidade. 
Claro que não. Não há nada que possa mudar o fato de 
que possuo uma dívida com o Conde. 
Então não tem o que temer... Estendeu-me a mão. 
Ele continuará a salvo. 
Estreitei meu olhar sobre ele e deixei-me guiar para fora da 
casa. Será que um dia me perdoaria pelo passo que estava 
dando? 
O coche de Abraham traçou um caminho movimentado até 
a escola de Medicina, que eu conhecia de nome muito bem, 
pois não fora apenas um cadáver que eu vira ser vendido para 
os estudiosos. 
Curiosamente, não paramos na entrada principal, e sim, 
junto a uma pequena porta rodeada por heras, na lateral do 
edifício. Por segundos, enquanto Abraham se dirigia ao 
cocheiro, pensei em interpelá-lo sobre estarmos ali apenas os 
dois. Contudo, decidi deixar de lado minha exigência inicial e 
seguir meus instintos. 
Eu acreditava que ele havia descoberto algo que 
considerava muito importante para mudar minha opinião 
sobre o Conde. E, confesso, que estava curiosa em até aonde 
ele iria para isso. Ainda não estava convencida de que o súbito 
interesse de Abraham por mim não era fruto de algum plano 
para ficar mais perto de Edmund. Ainda assim, não atinava o 
motivo de tanto interesse de um pelo outro. 
Edmund já provara inúmeras vezes que possuía apenas 
certa tolerância a Abraham. Não compreendia muito Edmund, 
apenas o tanto que meu coração se deixava envolver por sua 
personalidade sedutora. Embora, esses momentos sempre 
esbarrassem na tristeza que toldava seus olhos castanhos. Não
era como se ele não quisesse estar comigo, mas como se parte 
dele fosse inatingível. 
Acredito que aquela mulher, Elise, seja única capaz de 
romper aquela tristeza. A única que, definitivamente, o 
completa. Quando o vi com Isabella tive a certeza de que 
deveria manter meu coração longe do dele, pois eu jamais 
conseguiria agir como ela... Ter um homem em meus braços, 
mas não fazer parte de sua alma, de seus pensamentos a cada 
batida de um relógio. 
O som do sapato de Abraham me chamou de volta à 
realidade. Atravessávamos um corredor cujas portas 
ostentavam nomes variados e paramos diante da placa que 
grafava Van Helsing no dourado. Abraham girou a maçaneta 
e um anfiteatro surgiu sob meus pés. As fileiras de cadeiras 
desciam em cinco camadas até o centro, onde havia uma 
mesa. 
Abraham passou a minha frente e me ajudou a descer a 
diminuta escada. Passeou os olhos em meu rosto todo tempo 
enquanto eu me preocupava em pisar no meio do degrau 
estreito e não causar nenhum dano a mim ou a ele. Afinal, um 
passo em falso e rolaríamos até lá embaixo, efetivamente. 
Diga-me... ele sentenciou, mantendo meus dedos 
unidos aos dele. Não está surpresa? 
Eu segurava minha saia e tomava conta da altura a ser 
vencida quando devolvi: 
Com o fato de romper sua promessa, não; por me trazer, 
certamente não... Chegamos a último obstáculo e fixei meu 
olhar em seus verdes. Vejamos se me surpreende no que 
pretende me mostrar. 
Ele sorriu e inclinou-se para beijar minha mão. Era um belo 
homem, como costas largas e quadris levemente estreitos. A
barba por fazer lhe dava um ar de desleixo momentâneo, 
negado pelo corte impecável de suas roupas. Os lábios 
roçaram levemente minha pele e me perdi na sensação 
poderosa de atrair dois homens tão diferentes... E ter a certeza 
de que, com um, certamente eu me perderia. 
Farei tudo ao meu alcance para não decepcioná-la ele 
ditou sob jades profundas. Por favor... Pediu ao abrir a 
porta ao fundo do anfiteatro. 
Fiz-lhe uma leve mesura e entrei na sala. Pilhas de livros 
travavam uma luta feroz com igual quantidade de vidros. 
Fosse alguém com estômago rebelde ou fraco, por natureza, se 
veria em maus lençóis ali dentro. Por um instante agradeci ter 
vivido em Whitechapel, jamais bancaria a tola diante de 
órgãos humanos ou animais conservados em formol. 
Havia uma escrivaninha ao canto sob pilhas de papéis, e um 
bancada ao fundo, próxima à janela, onde havia outros vidros 
menores com líquidos coloridos. Muitos vermelhos, numa 
textura aparente de sangue. 
Abraham se adiantou à mesa enquanto meus olhos se 
entretinham curiosos com tudo a minha volta. 
Eu gostaria que lesse isso... Estendeu-me um maço de 
papéis. Antes de qualquer coisa que eu venha a lhe mostrar. 
Corri meus azuis dele para os papéis, e novamente destes 
para seus verdes até tomar o maço para mim. Estreitei minhas 
sobrancelhas e procurei um acento, que prontamente ele 
arranjou. Eu não iria ler quase trinta páginas em pé. 
Ele, ao contrário, pôs-se junto à janela e cruzou os braços, 
olhando para fora. A lua ia alta, ainda que entre nuvens, e 
algo dentro de mim parara de questionar o que uma mulher 
solteira estaria fazendo com um homem como o doutor, 
dentro daquelas paredes escuras e silenciosas.
Todavia, a leitura havia me apreendido a atenção. A história 
sobre Vlad III cresceu diante dos meus olhos extremamente 
atrativa e misteriosa. Quando me permiti interromper 
brevemente a leitura, questionei-me o que de fato me trouxera 
ali... A possibilidade de desvendar Edmund ou as teorias de 
Abraham? 
As horas passaram sem que eu percebesse, havia detalhes 
desde a divisão da família Basarab até as formas aterradoras 
como Drakulya tratava seus inimigos. A história verdadeira do 
homem se fundia às lendas locais, relatadas pelo povo da 
época, que via em seu suserano um ser com poderes 
inimagináveis, devido a sua postura sempre imponente. Foi 
assim que sempre encarei qualquer lenda: um nome 
verdadeiro com vários feitos fantasiosos. 
Todavia, admito que certos relatos provincianos me fizeram 
querer aprofundar mais na história. Eu agora estava diante de 
uma foto de Vlad e ele não me parecia familiar em nenhum 
ponto. E, bom, se Abraham acreditava que seres assim 
existiam, eu não tinha nada a acrescentar. Muito pelo 
contrário, sentia muitíssimo que desperdiçasse seu tempo e 
dinheiro em meros clichês. 
Nunca encontraram um corpo na tumba ele cortou 
meu pensamento como uma faca. 
Perdão? interpelei-o, deixando de lado ainda metade 
dos escritos. Agora inúmeros relatos de assassinatos em vários 
países, com perfurações semelhantes no pescoço, possuíam 
datas cada vez mais atuais. 
O lugar onde supostamente ele foi enterrado... Não há 
relato de corpos encontrados no local, exceto animais.
Sei que isso talvez devesse tornar sua busca um pouco 
mais concreta, mas não pode descartar a possibilidade dele 
nunca ter sido enterrado ali? pausei, percebendo que os 
olhos dele escureceram. De certo, seu lado científico deve 
alertá-lo sobre os fatos mais reais. 
O que indica ser real também pode estar apoiado em 
outros fatos misteriosos ponderou Abraham. 
Eu o encarei séria. 
O que tanto quer provar a mim, sr. Van Helsing? Não 
quero concluir que me trouxe aqui apenas para ler essas 
histórias... 
Fatos corrigiu. 
Que seja. Era só isso? contrapus. Histórias de um 
suposto vampiro? 
Há relatos, como viu, de mortes com certas 
características... 
Sim, há cortei-o seca. Mas aonde quer chegar com 
isso? 
Conheço Edmund há anos iniciou, aproximando-se de 
mim Imagino que ele não tenha lhe contado isso. 
Não... Internamente me questionei o motivo de não 
saber daquele detalhe. Por hora, entretanto, apenas externei 
algo que não comprometesse Edmund: Nem havia motivo 
para isso. 
Ele me avaliou intensamente, deixando-me inquieta. 
Nos conhecemos há dez anos, na Bélgica prosseguiu 
com cuidado: Em um evento um tanto misterioso. 
Parece-me que mistério está se tornando a sua 
especialidade mais do que a ciência em si... Doutor sugeri 
irônica e ele me lançou um olhar penetrante, que atravessou 
como uma descarga elétrica o meu corpo.
Srta. Sonieur não sou um homem dado a invenções ou 
mentiras disse-me levemente irritado. Há, ainda, outra 
coisa que desejo lhe mostrar... 
Não eram somente os papéis? alfinetei-o. Ele parecia 
gostar de me ver acuada; eu, por outro lado, gostava de ter as 
coisas sob controle. 
Creio que já leu o suficiente para compreender aonde 
quero chegar, ainda que, conscientemente, lhe seja inteligível. 
Eu realmente devo me opor a sua menção de que meu 
intelecto possa... 
Jamais a traria aqui e revelaria meu maior segredo, se 
não concebesse que você fosse capaz de compreendê-lo. Ele 
cerrou os pulsos, contendo a frustração eminente que o 
atravessou diante de minhas palavras. Em olhos fechados, 
prosseguiu: Permite-me continuar? 
Nos encaramos e eu poderia dizer que não era indiferente a 
sua presença, e a minha curiosidade, como gostaria de ser. Eu 
consenti lentamente, Abraham se tornara tão intrigante 
quanto Edmund. 
Estávamos em um clube... Era tarde da noite e muitos 
frequentadores estavam bêbados. Não se discutia mais 
política além dos muitos goles de bebidas que eram vertidos 
pausou. Eu confesso que meus sentidos não estavam 
plenamente ativos, mas jamais poderia esquecer o rosto 
daquele homem... Ele olhou para mim, mas não estava me 
vendo. Era como se visse além de mim, como se voltasse à 
cena. Ele entrou pelas sombras, seus olhos não demoraram 
mais que segundos para encontrar seu alvo. Contudo, não 
pareceu ter a mesma pressa em enfrentá-lo. Estávamos 
anestesiados, e foi impotente, que assisti as mesas e o chão se 
preencherem de sangue. Deixando um rastro viscoso até a
mesa ao meu lado... Até... pausou. Nunca havia 
presenciado nada parecido. 
Um homem? estranhei, ainda que sua expressão de 
horror me mostrasse que não mentia. 
Sim... E ele não usou nada além de sua força e presas 
disse baixo, como se o terror daquela noite se espalhasse pela 
parede a nossa volta. 
Você disse, presas? 
E os olhos dele estavam nos meus, brilhantes. 
Eu só não tive o mesmo destino dos demais porque 
Edmund estava lá... 
Ele também é um sobrevivente? indaguei surpresa que 
alguém pudesse lidar com algo como aquilo facilmente. 
Os verdes escuros me fitaram em silêncio. 
Acho que chegou a hora de lhe mostrar algo mais, para 
que o que tenho a dizer sobre Edmund não lhe pareça um 
despautério... 
Sem nenhuma cerimônia, envolveu meu pulso com os dedos 
e me arrastou pela sala e, depois, pelo anfiteatro. Eu tropeçava 
em minha saia enquanto obrigava meu corpo a seguir o dele 
em passadas firmes pela escada e pelo corredor, até que 
alcançamos o ar livre e uma rajada de vento nos arrebatou. 
Aonde vamos? perguntei, tentando conter meus 
cabelos que se embolavam, impedindo-me de ver onde pisava. 
Precisa me prometer que não contará nada a ninguém, 
srta. Sonieur. 
Não contarei balbuciei, entrando numa pequena 
construção nos fundos da escola. Era térrea e lembrava um 
armazém. 
O vento parou de correr entre nós, mas ainda assobiava 
pelas frestas da madeira. Um cheiro fétido inundava o ar e
tudo estava escuro a nossa volta. A mão de Abraham 
abandonou meu pulso e levei ambas as mãos ao entorno de 
meus braços. O cheiro estava cada vez mais forte e começava 
a me enjoar, era como se algo estivesse decompondo. Um 
animal, ou quem sabe... Um arrepio correu minha espinha e 
Abraham acendeu um lampião, que trouxe até mim. 
Minhas pernas bambearam e o complemento da frase 
cobriu meus lábios, ainda que sem som: um corpo. Todavia, o 
que me estarreceu, foi o que o lampião iluminou quando 
Abraham o colocou a nossa frente. Havia algo oscilando a um 
metro do chão, amarrado com grossas correntes a duas 
colunas de madeira, que serviam de sustentação à estrutura 
do telhado. 
O-o que é isso? Eu não podia negar que estava 
assustada. 
Isso, srta. Sonieur, foi algo que cacei ontem à noite. 
Ele se afastou de mim e se colocou junto ao farnel de tecidos, 
removendo a sua parte superior, e para meu desespero total, 
revelando uma grande cascata de cabelos castanhos 
enquanto era retirado. E, depois, deixando a mostra uma 
cabeça de mulher muito pálida, que tombou para o lado. 
Ah meu Deus! grunhi, levando minhas mãos aos 
lábios e andando para trás. O que você fez a ela? 
Eu? Ele me fitou surpreso e deu um passo em minha 
direção. 
Não se aproxime retruquei. Não sou uma mulher 
qualquer afirmei convicta. Sou cheia de surpresas. 
Continuei recuando. 
Acha que a matei? 
Ela está mesmo morta? indaguei indignada pela 
audácia dele e analisando minha rota de fuga. Como eu
pudera ser tão tola? Várias moças haviam sido atacadas em 
Whitechapel, e não conseguiam pegar o homem que as 
mutilava. Quem sabe o segredo de tal falha era porque ele era 
um médico? 
Uma náusea profunda tomou conta de mim. Minha pele 
resfriou. Abraham Van Helsing era o assassino? 
Srta. Sonieur, sei o que está pensando... 
Eu duvido muito tentei desviar a atenção dele. 
Sabe, Edmund deve estar sentindo minha falta e... 
Droga! ele berrou e eu estremeci. Ele é um monstro! 
Deixá-lo raivoso não era uma boa tática. 
Não há monstros aqui. Tentei ser complacente. 
Sim há ele retrucou e apontou para a mulher. Este é 
um deles! 
Deus, como eu podia ter sido tão imprudente e ter confiado 
em Abraham? Conjecturei várias teorias, mas todas péssimas. 
A porta por onde entramos estava trancada, e as janelas eram 
estreitas e raras; e o pior, não trouxera meu punhal. 
Certo... Você acredita que ela seja um monstro. 
Ela é. E voltou-se para o corpo. E vou lhe provar. 
De dentro do sobretudo, ele sacou um punhal e avançou 
contra a mulher, eu gritei enquanto o imitava em passo largos: 
Abraham não! 
Então, ele fez algo absurdamente estranho, olhou para mim 
e cortou seu antebraço, fazendo o sangue pingar pela 
bochecha e lábios da mulher. Como num espasmo, o corpo 
abriu os olhos enquanto a língua passeava afoita pelas gotas 
do líquido. 
Horrorizada, eu recuei vários passos e vi a mulher se projetar 
na direção de Abraham, que voltou-se para mim, conforme 
fazia um torquinete em seu antebraço com o próprio lenço.
Eu ainda olhava dele para a mulher, aterrorizada. Ele 
preocupava-se em dar um nó ao lenço quando ela esticou o 
braço e o segurou pela lapela do casaco. Soltei um grito 
estridente enquanto ele livrava-se do aperto. 
Acredito... resfolegou que agora poderá me ouvir 
com mais atenção, srta. Sonieur. 
Eu assenti, em semblante aflito, enquanto a criatura me 
sorria. Abraham fitou-a com desprezo, puxando-me para 
longe dela. 
Foi exatamente isso, o que me atacou aquela noite no 
clube. 
Eu não conseguia deixar de olhar a mulher, sua pele pálida e 
macilenta, seus olhos sem brilho e parte da fronte ainda 
coberta de sangue, que sua língua tentava inutilmente 
alcançar. 
Não entendo... balbuciei. 
No mesmo instante em que Abraham se preparava para me 
responder, um estrondo fez tremer todo lugar. Não só o chão, 
como as paredes e o teto, e um vento frio e cheiro de chuva 
adentrou o lugar. Não havia brilho na noite, ainda que o céu 
estivesse sobre parte do galpão. 
Os verdes dele passearam por todo o lugar e, 
instintivamente, segurei em sua mão. A mulher gargalhou e 
uma voz poderosa preencheu todo lugar, sem que 
conseguíssemos designar de onde vinha. 
Talvez eu possa lhe esclarecer algumas dúvidas, minha 
jovem. 
Mestre... a mulher sibilou deliciada, fechando os olhos. 
Com a mesma presteza, Abraham se desvencilhou de mim e, 
para minha total surpresa, sacou uma pistola. 
Fique atrás de mim.
Parece que dessa vez não está com seu arsenal de caça, 
doutor a voz masculina prosseguiu. 
Vocês se conhecem? Não tive como não indagar. 
Digamos que eu e doutor temos assuntos inacabados 
a resposta veio de algum lugar a nossa frente. Deus sabe 
que tentei ignorá-lo... soou mais irônico do que deveria. 
Mas a curiosidade tende a meter os humanos em situações 
que não controlam. 
E, sem um mínimo ruído, um homem moreno se destacou 
da escuridão do galpão. 
Thryn... 
Você realmente o conhece? murmurei. 
Sim e não sentenciou o moreno, parando ao lado da 
mulher. Como ele mesmo disse, estávamos num mesmo 
clube, numa certa data especial. Sorriu. Todavia, tenho 
certeza de que não me apresentei a nenhuma das pessoas ali. 
E, devo admitir, que não cometerei o mesmo erro esta noite, 
srta. Sonieur. 
Oh... sabe meu nome estava surpresa. 
Não vai tocá-la. Abraham se colocou a minha frente. 
Ora, eu não era uma mulher indefesa! 
Interessante... Ele voltou a sorrir, e mesmo que fosse 
um belo homem com um porte austero, não gostei de vê-lo 
daquela forma. Não pensava que seria tão fácil. 
Pegue sua cria e vá embora determinou o Van Helsing. 
Mestre, por favor... a mulher sibilou novamente. E, 
com apenas uma mão, e os verdes sobre nós, ele quebrou-lhe o 
pescoço. 
Mudança de planos Abraham... Avançou para nós, 
devagar, enquanto retirava uma espada do sobretudo. 
Você está com algo que eu desejo.
Quando eu disser para correr, faça Abraham disse 
baixo. Há uma espada junto à porta, pegue-a. Será sua 
única chance de defesa. 
Algo que vai me trazer Edmund completou, andando 
mais rápido. 
Houve um estampido seguido da ordem: 
Corre. 
Eu não olhei para trás, apenas fiz o que Abraham 
sentenciou, ainda que meu coração falhasse ao ouvir o 
segundo estampido. Tateei a madeira e quando senti o metal, 
o empunhei. Voltei-me para Abraham e tudo que vi foram 
aqueles verdes sobre mim. 
Quer brincar, boneca? A espada dele desceu certeira, 
mas eu a impedi. Será que sabe mesmo o que está fazendo? 
Eu respirava rápido, a espada em riste enquanto via 
Abraham se erguer do chão e vir em nossa direção. O louro 
fechou os olhos, murmurando: 
Que tolo! Sorriu e os abriu em rubros para mim. 
Diga, princesa, o que prefere... Continuar fingindo que 
duelamos e eu o mato, sem nenhum remorso; ou prefere 
baixar essa espada e deixar o doutor vivo? 
Eu tremi, hesitei, olhado dele para Abraham que se 
aproximava claudicante, com sangue escorrendo da perna. 
Minha paciência é pequena, tem dois segundos... 
Eu vou disse, atirando a espada ao chão, na direção de 
Abraham, que parou ao som do barulho do metal colidindo 
com o chão. 
Boa menina. Ele se aproximou de mim e enlaçou-me a 
cintura, levando-me com ele, num salto preciso para cima do 
telhado. 
Milla! Abraham ainda tentou me segurar.
Dê um recado a Edmund, doutor... Se ele quiser a mulher 
de volta, que venha até mim. 
A chuva voltou a cair impunemente sobre Londres, e minha 
última lembrança foi Abraham com a mão estirada em minha 
direção. Depois disso, as sombras nos engoliram. 
*** 
Eu tamborilava os dedos no braço da poltrona, ouvindo o 
crepitar da lenha na lareira e tentando mensurar a falta de 
senso de Milla ao sair com o doutor. Cada nervo meu gritava 
absurdos, não o nego. Minha parte humana, infelizmente, é 
extremamente machista e não comporta outro macho em 
mesmo território; todavia, a parte racional de meu ser 
estava conformada em abrir mão da jovem e seguir meu 
caminho, sem deixar-me alquebrar como a Truzzi sugerira. 
Contudo, a sequencia de arremessos de uma mão contra 
a porta de entrada de minha casa, num ritmo frenético, 
aborreceu-me o suficiente para quase me fazer perder a 
compostura. Lyod deveria estar deitado a uma hora 
daquelas, não administra hábitos noturnos tão bem como 
eu. É um humano como outro qualquer. Atei firmemente o 
robe a minha cintura, irritado, e me ergui da poltrona, 
deixando a biblioteca no exato momento em que a porta foi 
aberta e um Van Helsing ensopado, gotejava sob o batente 
de minha porta. 
Deixe-o comigo, Lyod... sentenciei, avançando na 
direção de ambos. 
Como quiser milorde deferiu, olhando para mim e 
se curvando, para dar início a sua volta a ala dos 
empregados.
Aproximei-me dele, alisando o cavanhaque para me 
acalmar. Certamente gostaria de matá-lo. 
Onde está Milla? 
É o que você vai me dizer. Ele me encarou, 
passando por mim e entrando na casa. 
Usei de meu sorriso mais sardônico para introduzi-lo na 
biblioteca. 
Aparentemente, veio para conversar... Permita-me. 
Indiquei-lhe a porta e ele assim prosseguiu. 
Aproximou-se rápido do fogo e esfregou as mãos. Era 
certo que aquela chuva não lhe faria bem, encharcado 
como estava da cabeça aos pés. Havia uma casaca 
descansando sobre o espaldar da cadeira, junto à 
escrivaninha. Peguei-a e atirei-a a Abraham. 
Vista ordenei. Antes que não saiba dizer nada 
sobre o que aconteceu a srta. Sonieur. 
Ele se desfez de sua casaca e cobriu-se com a minha. 
Eu poderia dizer o mesmo a você rebateu irritado. 
Nunca entendi porque a escolheu entre tantas mulheres 
de Whitechapel. 
Eu sorri e me sentei na poltrona mais próxima, mordendo 
meu indicador. Era uma das perguntas que me fazia, desde 
que comecei a observá-la, mas apesar do início dessa 
história não ser muito claro em relação a isso, o que me 
levou a Whitechapel e, posteriormente, a Milla, foi 
exatamente o doutor. A conveniência de Sir Allan tê-la 
trazido até mim foi tão somente obra do destino. Uma 
daquelas armadilhas que você se pergunta se a sorte, que 
os humanos tanto clamam, existe. 
Milla, de fato, não me era desconhecida completamente. 
Não desde que começara a querer saber mais sobre o
doutor, já que ele resolvera se meter em meus negócios. 
Nada melhor do que conhecer os dele, porém, isso resultou 
em algo inusitado. Ainda que a jovem jamais tivesse 
travado qualquer diálogo com Abraham, como também 
não o fizera com inúmeros de seus admiradores secretos, 
este se demorava demasiado quando estava próximo a ela, 
quer fosse somente para sentir-lhe o perfume. 
Como observador externo, eu poderia dizer que ele fazia 
visitas a mais a seus pacientes, do que o estado deles 
necessitava. Pobre doutor, deveria viver com receio de que 
sua família jamais a aceitasse. Francesa e pobre, uma 
agressão completa à sociedade em que Abraham circulava, 
assim como ao seu futuro, que não tenho dúvidas, será 
esplêndido. 
Está posto, então, de forma devidamente clara que 
ainda que contando com a sorte ter Milla comigo não era 
só pela intensa fascinação que ela, como mulher, exercia em 
mim desde sempre, mas era um trunfo contra Abraham. 
Ela é uma mulher fascinante sentenciei sério. 
Não é só bela, como é inteligente e tem espírito. 
Não é só um jogo, não é? Desviou os verdes de 
mim. Achei que a queria para me afrontar. 
As chamas da lareira estavam refletidas em seus olhos e, 
ouso dizer, também em seu coração. 
Meu caro Abraham... prossegui, erguendo-me e 
pondo as mãos em seus ombros. Ela é encantadora 
sugeri ao pé de seu ouvido: Nenhum homem seria 
suficientemente idiota em negá-lo, ou mentir, dizendo não 
desejá-la. 
Ele voltou-se para mim tão rápido, que eu não recuei e 
deixei-o envolver meu pescoço com suas mãos.
Vá em frente... 
Ele apertou com força e eu realmente fiquei sem ar. Não 
funciono como os vampiros. Devo ter assustado-o com isso, 
pois ele me soltou e recuou. 
O que é você? 
Surpreso que não sou um vampiro...? Ajeitei meu 
robe. É, não sou. Mas também não sou humano como 
você. Eu me curo rápido, ando a luz do dia, respiro, como, 
faço sexo... Sou capaz de manipular seu pensamento, os 
elementos; tenho uma velocidade surpreendente também. 
E, claro, preciso de sangue. Não tanto que precise sorvê-lo 
até a morte, e nem com tanta frequência que justifique 
ataques a humanos. Eu sou algo que definitivamente não 
conhece, Abraham, mas convivo com vocês desde que o 
mundo é mundo. Eu sou um imortal, e sinto muito que a 
minha espécie seja responsável por pessoas como Thryn 
estarem a solta em sua sociedade. 
Como sente muito por Thryn estar a solta? 
Somos responsáveis por seres como Thryn. 
Vampiros? indagou. 
Mão necessariamente. Seus seguidores, sim, são o que 
vocês chamam de vampiros. Quanto a ele existem 
possibilidades... 
Como assim? esbravejou. 
É complicado explicar. 
Experimente. 
Ele foi adotado por um dos 7 Clãs Principais, porém, 
nunca soubemos a origem de Thryn. Ele age como um 
vampiro, cria renegados que os servem, mas eu não tenho 
tanta certeza de que seja igual a eles.
Pois é bom que saiba como matá-lo rangeu 
Abraham, os olhos em fúria. Porque se Milla morrer, não 
me importa quem ou o que você é, eu te mato. 
Eu sorri. 
*** 
Não foi difícil, desta vez, seguir o rastro de Thryn. O que 
deixava explícito, claramente, aos meus sentidos, seu 
convite para uma visita. Porém, tão bem quanto eu, ele 
sabia que não iria só, e Van Helsing não era toda ajuda de 
que eu precisava para enfrentá-lo. 
O curioso, entretanto, foi o local peculiar que Thryn 
escolheu para utilizar de esconderijo: uma locomotiva, que 
sibilava sobre os trilhos na estação de King Cross. Ainda que 
Julliana me fitasse estranhamente, não havia um resquício 
de dúvida em mim que Thryn havia embarcado; e, 
muito provavelmente, não só ele. 
Eu diria que foi uma excelente escolha ela 
ponderou ao passar por mim e Abraham, que a fitou 
longamente. 
Ela também é uma de vocês? 
Estava pronto a responder, quando a Truzzi o fez, sob um 
sorriso: 
Não... prosseguiu com um olhar intenso. Mas já 
cheguei a cogitar ser um vampiro, e ter o prazer sublime de 
me livrar de pessoas inconvenientes. 
Isso foi uma ameaça? Abraham sugeriu, subindo 
atrás dela. 
Não, foi um aviso. Nesse exato momento, o trem e 
pôs em movimento.
O corpo dela oscilou, e Abraham que estava logo atrás 
, enlaçou-a pela cintura num reflexo. Os olhos dela 
flamejaram nos verdes, e pisou firme com a bota no último 
degrau, fazendo seu corpo inclinar para frente e deixar, 
bruscamente, os dedos do doutor. 
Ela é o que afinal? Voltou-se para mim, levemente 
irritado. 
Uma caçadora eu disse com cuidado. Desde que 
criamos o Conselho, e impomos regras a nossa sociedade, 
contamos com a ajuda da Sociedade de Órion. São 
humanos treinados por nós, para combater e caçar 
renegados, protegendo-nos. Deixando-nos no anonimato. 
Eu não confio nela ditou sem rodeios. 
Eu não o culpo por isso disse, tomando a frente no 
corredor. 
As sobrancelhas de Abraham arquearam. 
Então, por que a trouxe? 
Porque ela é uma das melhores, e, nessa questão em 
especial, temos um objetivo em comum. 
Passamos pelos corredores estreitos dos vagões leitos e, 
quando íamos em direção aos de carga, a cabeleira ruiva da 
Truzzi surgiu em nosso campo de visão. 
É pior do que eu imaginava... respirou rápido e o 
vagão chacoalhou, acelerando a locomotiva. Os olhos dela 
estavam nos meus, sérios. Não acredito que eles pensem 
deixar essas pessoas ilesas. ofegou. 
Mas há pelo menos uma centena de pessoas 
embarcadas agitou-se o Van Helsing. Como vamos 
salvá-las? 
Um sorriso torto brotou nos lábios da ruiva. 
Você é o doutor aqui...
E você, me disseram, o gênio devolveu com igual 
sarcasmo. 
Parem os dois intervi. Seus homens embarcaram 
antes de nós voltei-me para Julliana , estão 
posicionados? 
Sim... Mas sou obrigada a dizer que eles estão em 
grande vantagem numérica. 
Isso nunca foi um problema para você sentenciei 
irônico, fixando meus castanhos no doutor. Abraham, 
nós vamos avançar... Você vai descobrir um meio de 
descarrilar os outros vagões. 
Mas... Milla sentenciou atônito. 
Pus minha mão no ombro dele. 
Eu a manterei em segurança até que tenha feito o que 
lhe peço. E, num único movimento, retirei minha espada 
do sobretudo. 
Inusitado, entretanto, foi a expressão de Abraham 
quando a Truzzi rolou suas duas foices no ar. 
Você realmente sabe usar isso? 
Eu adoraria matar a sua curiosidade... Deu-lhe às 
costas. Qualquer dia desses. 
E sumiu na passagem escura que se formava com a porta 
do vagão aberta e o céu coberto de nuvens lá fora. A brisa 
soprou forte no corredor e eu a segui. 
*** 
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num pequeno apartamento, recém-decorado, à beira do 
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Aromas

  • 1.
  • 2. Aromas Um conto de Immortales por Roxane Norris
  • 3. Este conto é uma obra de ficção, em nada nomes, fatos e datas podem servir como embasamento histórico.
  • 4. Dedicatórias A Ludmila Fukunaga, minha amiga, minha admiradora, minha linda. A Juliana Skwara, amiga, ativista de letras e sobrinha amada. A Julliana Monteiro por emprestar à minha caçadora, seus dons de ver a vida. Ao Jonathan Rhys Meyers por ter emprestado seu rosto e sua atuação em Drácula, para me fazer sonhar. E, por fim, a Abraham Bram Stoker pelo personagem criado com tanto esmero e que, até hoje, é um clássico e uma inspiração.
  • 5. Eu luto. Luto contra mim mesmo e a provação de minha essência. Luto contra o desejo que corre em minhas veias e escorrega por meus lábios cada vez que elas pulsam... Próximas aos meus lábios. Saudáveis, convidativas... Lascivas e saborosas em outro corpo. Inebriantes. Tentadoras... Quentes. Eu fecho meus castanhos e inalo o doce bouquet férreo, com variações diversas. Tênues iguarias para aquilo que me tornei: caçador de mim. Algo que não devia existir... Contra qual sempre lutei. Mas, inesperadamente, onde a minha luta me levou. Eu me tornei parte da lenda que rasga a noite, por trás de sonhos e sombras, e afugenta as dores e as incertezas de corações perdidos. Que se aproveita da inocência... Posso lhe trazer a paz, ou apenas um suspiro de ilusão, feliz. Quase indolor... Eu parei de me importar com o que sentem, ou com o que lhes dou, quando a ausência de Elise se tornou minha maior fraqueza diante de meu inimigo. Achei que seria forte, mas sozinho não sou nada. Virei refém dos meus sentimentos, e passei a andar a margem do que sempre norteou meus atos. Apenas anseio me sentir vivo por alguns dias a mais, na espera de que minha luta a mantenha a salvo, quando a lembrança dela já não me mantém são como antes e consome a minha existência fútil. Condena minhas horas, minutos; entrega-me ao desejo de minha sede, me transforma nesse promíscuo dependente vil
  • 6. de corpos embebidos em notas de bergamota, anis, calêndula, jasmim ou rosas. Eu não me reconheço mais... E, ainda que pareça inútil, me esforço cada vez que minhas presas penetram a carne tenra, para dar o meu melhor. Para que um sopro de felicidade minimize a dor da partida. Tão frágil é a existência humana, para que seja consumida pela tristeza num único e diminuto momento em que a plenitude é só minha. Invejo-os como Lise sempre o fez. Respeito-os e tento me impor o lamento por cada morte que deixo, a cada passo meu nessa cidade. Mas a ausência dela é, talvez, a minha luta maior. Estou longe de casa, mas não das minhas leis. Não das regras que jurei seguir. Elas podem me punir a qualquer momento. Em cada beco que piso, ou rua mal iluminada. Eu não descanso mais, não consigo mais fechar os olhos e não ver Lise. Vejo-a nas ruas, vielas... Praças. Em louras, morenas e ruivas. E eu imploro que não me abandone. Desde que a deixei, já fiz coisas que me desabonariam como um Ernöyi. E, Londres não será melhor que Paris ou Bélgica. O medo de que Napoleão marche sobre Londres, tem mantido uma constante tensão e receio na cidade, e se cria um cenário propício para minha ação. Eu os observo, estudo... e mato. Embora minha ação possa lhe parecer absurda diante do imortal que conheceu, asseguro-lhe que tudo o que vi em
  • 7. Namur me fez crer que o mal ainda pode ser mais cruel do que eu... E não mata por alimento, mas por prazer. Quando deixei Lise, pensei que ela estava segura, porém quando olhei aqueles verdes eu soube que não... E, que, enquanto minhas mãos estivessem sujas de sangue, eu não poderia voltar. Estou postado à entrada de uma construção de tijolos, cuja higiene tem um cunho duvidoso. As paredes escuras respiram umidade, e transbordam pelos aposentos, alugados a bons xelins* ao mês, certo descaso e impaciência de sua administradora, a sra. Owen. Uma mulher de meia idade, baixa e roliça, que afasta seus interlocutores com o olhar severo e um avental amarelado. Cheira a peixe, na maioria das vezes, e não há vontade alguma em mudar isso. Então eu a vejo, com seu velho vestido verde, roto e amarfanhado. Seus lindos cachos louros não perdem o brilho, apesar da constante falta de alimento em sua mesa. O mesmo sorriso é dispensado ao leiteiro, ao padeiro e ao jovem que lhe cede uma rosa. Ela não percebe, mas ele a fita com interesse. Ele poderia fazê-la feliz, mas ela desce a rua com seus sapatos gastos, quase furados, em direção aos bairros abastados de Londres. Uma limpadora de chaminés. Não é um emprego que envolva sua reputação, ou que possa envergonhá-la, além da cobertura fina e cinza do pó diário. E que, em nada, afasta sua beleza. Eu poderia mencionar que é quase uma pintura. Sua pele tem a cor e a consistência de pêssegos. Seus lábios são vivos como cerejas,
  • 8. e há algo em seus olhos azuis, que nos fazem temer sua profundidade. De todas as raparigas, com quem já travei conhecimento em Londres, essa foi a mais intrigante. E a que estranhamente tenho mantido longe de meu apetite. Devo dizer que travei um conhecimento mais próximo dela quando apostador em cavalos, trouxe-a até minha residência uma bela mansão na Picadilly um jovem franzino, que em minha opinião, não possuía mais que treze anos. Ao tentar arrebatar-lhe a carteira, Allan o interceptou e o trouxe consigo, na esperança de lhe dar um corretivo, coisa que o álcool e o láudano impediram, e que me fizeram ter a oportunidade de conhecer a moça dentro da veste de menino, a bela srta. Ludmila Sonieur, ou Milla, como pediu para ser chamada após cinco minutos de conversa. Seu olhar era de uma sinceridade crua e serena, como se a vida já a houvesse maltratado tanto, que expor suas angústias, era apenas mais um lado escuro da tristeza que a consumia. Não posso negar que minha primeira intenção, ao mantê-la em minha sala e revelar a farsa de seu sexo, fora tão somente a de sorvê-la até a última gota de sangue e fazer George meu valete e grande entusiasta se livrar do corpo. Todavia, ela me fascinou. De alguma forma diferente de Lise, de uma maneira humana e doce. Eu, que estava tão perdido e incerto sobre qual seria meu futuro, tinha diante de mim alguém com o coração mais frágil que o meu. Não saberia qualificar até que ponto a tristeza se instalara nele, porque a vida para Milla não era feita de esperança... Eram momentos que ela aproveitava. Simples momentos.
  • 9. Se a mim, que possuo a eternidade, a esperança me inspira; o que dizer de um humano destituído dela? Milla me intrigava. Era como uma gema rara, que poucos conhecem o valor. Mesmo sem esperança seus olhos sorriam, havia cor em cada gesto seu... Seria isso, viver na miséria? Observava-a com renovado interesse quando o mordomo trouxe-lhe comida. O olhar dela, para cada iguaria a sua frente, fez-me, ainda que minimamente, sorrir. Como os humanos Cruzei os dedos sobre a boca e Milla respirou fundo, mordendo o lábio inferior, sem me dar a mínima atenção. O que será que pensava? Eu, certamente, não comeria nada. Exceto, talvez, frutas. Por onde quer começar? indaguei, não irei mentir, levemente divertido. Ahn... Bateu o indicador contra os lábios. Por onde começaria? Ela me pegou desprevenido, tanto que demorei a responder e, rapidamente, emendou: Tudo parece tão apetitoso! Fechou os olhos e aspirou o aroma que, a ela, deveria ser algo ímpar, como o cheiro de um sangue raro. A sopa disse após breves segundos. É geralmente o prato de abertura. Esse é um creme de aspargos. Ela enviesou o nariz. A sopa é tudo que sempre conseguimos... Entreabriu os lábios em dúvida do que alegara. Não poderia comer a ave? Perdizes corrigi, admirado com sua simplicidade cada vez mais. Era tão fácil ser o que quisesse na sua frente, sem falsos maneirismos. Sirva-a, por favor, Lyod dirigi-me ao mordomo.
  • 10. Em silêncio, Lyod cumpriu seu papel e, com um mínimo gesto, nos deixou. Milla quase não respirava entre uma garfada e outra enquanto eu passeava o indicador pelos lábios sem ser visto analisando-a. Quer mais um? indaguei ainda divertido pela avidez dela. Não, que não conhecesse a pobreza de Whitechapel, por várias vezes havia frequentado o lugar, mas nada havia prendido minha atenção como a jovem. Por que está fazendo isso? cortou-me sincera. Os olhos ansiosos pela comida, mas o brilho, no fundo dos azuis, denotando receio. Bem... Medi-a com interesse. Foi trazida a minha casa, e não costumo ser um péssimo anfitrião. Não seria a coisa certa a se fazer. Se está aqui, é porque é minha convidada, e será tratada como tal. Depositei meus lábios suavemente na taça de vinho. Sim, era vinho, não estava querendo impressionar ninguém. Ela correu os olhos pela sala, apreciando cada detalhe da mobília e da decoração. Nunca estive num lugar assim... Mudou sua postura. Eu estaria ganhando terreno? Sua esposa deve ser uma mulher de bom gosto, como o senhor. As imagens de Elise e Sophie vieram a minha mente, uma realidade distante da que eu possuía naquele momento. Receio que não possa transmitir-lhe seus elogios, ainda que devessem ter um destino mais digno. Todavia, não há uma senhora nesse solar. Não? Ela me fitou séria, como se considerasse minha afirmação algum tipo de bravata. Isso a surpreende?
  • 11. Em parte... Serviu-se de uma farta garfada. Não é um homem a ser ignorado, sir. Eu sorri. Minimamente, mas sorri. Então, eu presumo que deveria ter a casa repleta de filhos, correndo por entre as cadeiras... Não Milla retrucou enfática. Por segundos corou até obter o controle sobre suas emoções. Eu podia sentir. Não foi isso que quis dizer, sir... Tenho certeza que não. Admirei os azuis. Foi apenas uma brincadeira... Perdoe-me. Fitei-a sério. Não há nenhuma senhora, nem herdeiros dos Fendrich... Por pura falta de habilidade de minha parte. Ela sorriu. Um sorriso claro como sua pele. Deixe-me adivinhar algo sobre você, já que se permitiu me conhecer um pouco... Francesa de nascença? Por parte de pai, somente. Uhn... Mademoiselle Sonieur... prossegui com aguçado interesse: Acredito que possa ajudá-la. A mim? estranhou. Achei que seu amigo apenas quisesse me punir pelo furto da carteira. Não é algo que costume fazer, sir... Mas há dias não comia. Talvez tenha, de fato, sido esse o intuito de meu amigo. Não nego. Ergui-me da cadeira, sabendo-me observado. Não obstante que um olhar seja pouco para me intimidar, passeei calmamente atrás de onde ela encontrava-se sentada. Contudo, minha estadia em Londres requer descrição. Oh... Achei que vivesse a vida toda aqui. Sorri. Ah, como era doce, a inocência. Estou aqui apenas há alguns meses. Minha família é originária da Hungria.
  • 12. O senhor está bem longe de casa. Talvez, algumas milhas mais distante que a senhorita. A distância muitas vezes é uma questão de ponto de vista. Milla calou-se de pronto e eu podia sentir o sangue subir-lhe à face diante de minha audácia em confrontá-la com sua posição. De fato, era necessário antes de meu pedido: Como deve ter imaginado, em algum momento... Devo? interrompeu-me e eu a admirei por isso, mas nada disse, apenas prossegui como se nada houvesse acontecido: Tenho inúmeros convites sociais a serem cumpridos, e há muita curiosidade em relação ao Conde de Várad, principalmente sobre a ausência de uma senhora Fendrich. Não quero ter que responder a isso constantemente, então, pensei numa ajuda mútua. Você será minha companhia enquanto eu estiver em Londres, e eu a tiro de Whitechapel para sempre e a devolvo à França, de forma que poderá se manter decentemente por toda sua vida. Esperei-a degustar não só uma grande colherada de purê de maçã quanto o que lhe dissera. Não é uma proposta feita para ser recusada. Vejo que ponderou, até mesmo, como ficaria minha reputação. Algo que muitos não fariam diante da posição em que me encontro determinou. Mas porque, me escolheu? Tenho certeza de que não é por falta de opção, em meio a tantas mulheres que devem estar suscetíveis ao seu charme, sir. Meu charme? ponderei instantaneamente sob um sorriso. Uhum assentiu, provando mais purê.
  • 13. Tem razão concordei com sua linha de raciocínio. Não tinha a menor intenção de negar o que ele afirmava, pois estava certa. Se eu quisesse alguém de minha posição, eu a teria com facilidade. Contudo, há algo que não levou em consideração... A sobrancelha dela enviesou em alerta. Ter qualquer uma delas significaria problemas amorosos. Não quer se apaixonar... a ponderação refletia uma pergunta implícita. Aqueles grandes olhos azuis estavam em mim. De certa forma, sim. Ainda não tinha ideia de quanto tempo demoraria para voltar a ver Lise e, certamente, um relacionamento não era algo adequado à posição em que me encontrava: afastado de minha família e caçado por um humano. Não era propriamente a posição mais cômoda que eu poderia estar. Entretanto, admito que tenho gostado da distração que Van Helsing me proporciona. humanos criaram diante dos parcos conhecimentos de minha raça são de certa forma interessantes. Não, obviamente, pela racionalidade do pensamento, já que não sou de todo uma besta sanguinária, e porque no fundo, também os caço. Posso dizer que já matei muitos renegados utilizando-me do caçador como isca, mas não é algo que goste. Apenas me proporciona certa diversão, vê-lo falhar em determinar que sou um deles. Talvez seja este um dos motivos que me leva a não querer me misturar aos humanos, como Lise faria tão facilmente. Observo-os de longe enquanto o tempo passa tedioso, pela minha janela. Tempo, para alguém como eu, não significa nada.
  • 14. Digamos que seja conveniente não me envolver. Então existe alguém que ama ela ponderou uma vez mais. Sim optei, novamente, por não mentir. Era certo que voltaria para Lise... Era uma questão de Luas e Sóis que se deitariam sob o céu. Os talheres foram deixados de lado e ela se pôs de pé. Um movimento que avaliei como péssima posição ao que eu dissera. Deveria chamá-la, sir disse firme, encarando-me numa altivez inesperada. Como mulher, não gostaria de outra assumindo meu papel. Madmoiselle Sonieur garanto-lhe que não há a menor possibilidade dela aceitar estar ao meu lado, nesse ou em qualquer outro momento próximo. Os azuis se estreitaram sobre mim curiosos. Você a ama em segredo? É uma mulher casada? Precisei de toda minha habilidade e concentração para não rir do espanto que fez sua pele empalidecer. Devo dizer que possui uma mente brilhante Madmoiselle Sonieur, e por isso mesmo gostaria de contar com sua discrição. Pois, o primeiro certamente é consequência do segundo, e isso me faz retomar minha oferta... Vai me ajudar? Seus azuis escureceram e ela baixou-os ao chão. Eu podia sentir seu batimento acelerar. Ela respirou fundo. Tenho a impressão que seu convite foi uma grande cortesia, se comparado ao que seu amigo tinha em mente determinou e um arrepio frio passou por sua espinha.
  • 15. Desta forma, um não de minha parte também nunca foi cogitado. Vou pedir que lhe arrumem um quarto. Mas eu não trouxe nada além do que está comigo... Não vai precisar de nada do que possuía, eu lhe asseguro. Puxei a campainha próxima ao aparador. Tudo que for necessário para sua estadia aqui, será providenciado amanhã. Lyod entrou pela porta e eu determinei Precisamos de um quarto. Ele assentiu prontamente e me voltei a Milla, tomando-lhe a mão entre a minha e beijando seu dorso. Tenha uma boa noite, mademoiselle. Observei-a deixar a sala, seguindo Lyod, com suas roupas de menino, mas profundamente intrigado em como seu corpo assentaria num vestido que lhe fizesse jus às formas. Fazer compras em Londres não é algo que se mantenha em segredo, principalmente quando se é a sensação da temporada e quase todas as mulheres cogitam e cochicham a seu respeito. Sendo assim, ha atelier de Mrs. Du pont, incendiou a cidade mais do que um rastro de pólvora o faria. Embora a dona do atelier nada dissesse, apenas tomava as medidas de Milla, anotava os tecidos e os trajes que deveriam ser confeccionados... Os de dia e os de noite. E, certamente, não lhe escapou o detalhe de colher o nome de sua cliente: Ludmila Sonieur, minha sobrinha. Em nada Milla me contradisse, sorria e andava ao meu lado coquete. Mesmo assim, eu possuía a exata noção do que isso lhe custava. Havia olhares e bocas maliciosas em todo nosso percurso, e me era essencial que assim fosse. Eu
  • 16. a salvara da prisão e sabe-se lá o que mais, promover-lhe-ia o futuro, mas ainda assim o presente lhe reservava infortúnios... Como a reprovação silenciosa de uma sociedade hipócrita. Ela não parecia se importar, contudo, por mais que isso não devesse me atingir e eu o encarasse como parte de um serviço adquirido, revoltava-me a natureza escusa dos humanos. Diletos ditadores dos eufemismos sociais. Os homens tão poucos escapavam dessa premissa, já que de tão distintos que eram, cumprimentavam-me, passeando olhos em suas curvas, dentro do vestuário de cetim róseo recém-adquirido em Mrs. Du Pont. Enojava-me a forma como a cobiçavam, era praticamente como se a exibisse desnuda, mas a falta de respeito jamais partiria de seus lábios enquanto ela estivesse comigo. Uma vez mais, hipócritas. Milla sustentava o olhar de cada um deles, fosse às ruas, ou no café em que paramos para evidenciar ainda mais nosso relacionamento. Todavia, ao por os pés no solar, eu a perdi. Perdi-a para as paredes de seu quarto, as colchas e os travesseiros. Observando-a subir em passos apressados, eu sabia que seu coração estava a um passo de fluir por seus olhos. E eu me calei, ciente de minha culpa e de que nenhuma palavra minha desfaria suas angústias. No silêncio, eu jantei; e, em minha constante solidão entre aquelas paredes, pedi que lhe fosse servida uma ceia. Eu precisava dela, e ela também precisava de mim, agora mais do que nunca.
  • 17. A lua ia alta, iluminando fracamente as ruas de Londres. E, admiravelmente, lá estava eu, promovendo acrobacias nos telhados londrinos, procurando sorrateiro, a próxima vítima minha e de Van Helsing. Ele não era mais velho do que eu aparentava. Um pouco mais alto, talvez, e mais encorpado. Seus olhos eram verdes e os cabelos castanhos claros, ao contrário dos meus sempre curtos, oscilavam à altura de seus ombros. Devo admitir que ambos éramos almas da noite e nos escondíamos nas sombras, e da sociedade. A família de Abraham era originária dos Países Baixos, e seu pai se tornara uma celebridade médica na sociedade londrina em pouco tempo, demonstrando habilidade única em cirurgias de drenagens pericárdicas. O jovem Van Helsing seguia distintamente os passos do pai, e sua perícia com uma espada era quase tão aguçada como a com um bisturi. Apreciá-lo em combate era, em muitas vezes, melhor que intervir. Todavia, Isabella, sua irmã, não possuía tanto afinco em manter a salvo o bom nome da família. Desde a Revolução Francesa, muitos renegados foram para Londres, e anos depois, a cidade cheirava a eles. Minha atração por ela, foi justamente aproveitar essa eclosão para inocular qualquer ação de maior porte e deixar que ela se tornasse um problema para nossa sociedade. Infelizmente ou não, Abraham havia nos descoberto. Não era de Órion, nem um Protettori, mas era alguém a quem eu devia respeito. Nesse momento, ele interpelava o mesmo jovem que eu lâmina de Van Helsing refletia a luz e disparava em direção à garganta do renegado. Os olhos do jovem se tornaram
  • 18. rubros e num único movimento, ele interrompeu o avanço da lâmina no ar enquanto erguia o corpo à calha do telhado e disparava em minha direção. Eu estava atrás das muitas chaminés que cobriam os telhados e não foi difícil cruzar sua rota de fuga, estirpando-lhe a cabeça. Bastou apenas alguns momentos, em que eu limpava a lâmina de minha espada no sobretudo, para que Abraham estivesse em minha frente. Está longe de casa, Edmund... Pensei que me agradeceria ponderei, guardando a espada. Ele me fitou sob a aba do chapéu de couro que usava. Já lhe avisei uma vez, está no meu caminho. E você no meu conclui. Os dentes dele cerraram e ele se aproximou rápido. Não sei como consegue andar de dia, mas eu sei que vai se trair mais cedo ou mais tarde. Encarou-me sério, com brilho nos verdes. Eu sei quem você realmente é... Sempre terei meus olhos sobre seus atos e quando você errar, eu vou estar lá. Rangeu os dentes e deu-me às costas. Eu apenas sorri. A propósito... deixou no ar quando desceu do telhado, habilmente. Aquela jovem é bela demais para alguém como você. Meu sorriso aumentou. Tem razão, talvez deva visitar Isabella... Ele era bom, eu tinha que admitir. Pois com a mesma destreza que demonstrara antes, estava com a espada contra minhas costas, sem que eu o houvesse percebido. Retire o que disse. Retirar o quê? sugeri irônico. Abraham se aproximou e deixou contra meu ouvido:
  • 19. Se tocar em Isabella, eu juro que o mato sem precisar de qualquer alento para minha alma. A brisa da noite soprou e eu me vi sozinho no telhado. Eu não tencionava tocar em Isabella, mas não pelo pedido dele, ou porque ela não o quisesse. Era simplesmente porque eu não a queria. Vir para a Inglaterra me habilitou em outra arte de luta além de espadas, sabres e katanas. Meu estilo de luta corporal nunca foi bem trabalhado, unicamente pela minha falta de comprometimento com ele. Porém, estar em Londres significava adquirir hábitos de vida um tanto diferentes, como a famosa chávena à tarde, o que limitava bastante o horário de visitas apropriadas a um período de tempo não muito condizente com minhas atividades. Nós, imortais, ainda que possamos sair à luz do dia, a evitamos por motivos óbvios: queremos anonimato. Quanto menos vistos, menos conhecidos; embora, isso já não se aplique aos hábitos desenvolvidos pelos renegados, que o utilizam para caça de alimento. Facilitando, dessa forma, as versões fantasiosas e deturpadas dos humanos em relação a nós. O vampiro é uma degeneração de nossa raça. Seu metabolismo não possui uma maneira de sobreviver dentro de um corpo mal adaptado a ele. Viverá menos, se não houver um imortal que lhe ceda sangue e mantenha seu coração ativo. O sangue humano é um mero paliativo, a imortalidade está em nós, não em vocês. Ainda que um dia, fossem como nós... E Londres estava infestada deles, depois da morte de Carl e Victor não havia líderes, apenas caçadores. Tanto de nosso lado, quando dos humanos.
  • 20. O boxe é uma arma fatal se bem doutrinada e utilizada. Com Abraham em meu encalce, eu raramente podia sair com a espada, e muitas vezes, a caçada envolvia uma proximidade cuja lâmina me colocava em desvantagem. Assim, passo boa parte do dia dedicando-me a aperfeiçoá-lo para o que necessito, já que o termo visitas não se aplica essencialmente a minha rotina. Contudo, a curiosidade é algo nato dos seres humanos e, creio, as refeições que passamos a dividir nos últimos dias não era o suficiente para aplacar a curiosidade de Milla. E, aquele dia em especial, Allan havia me trazido um convite para um baile... Um baile que eu não ousaria recusar. Um baile na residência dos Van Helsing. Eu me encontrava no porão, alternando minhas técnicas ao mesmo tempo em que direcionava meu pensamento para determinar o que Abraham tinha em mente... Ou seria mera coincidência? Eu não me atreveria a contar com isso depois de nosso último encontro. Estava desfechando um gancho de esquerda no saco de areia enquanto minha perna direita acertava o sobressalente atrás de mim quando a voz de Milla surgiu sobre meus ombros: Você me surpreende... eu poderia ponderar. Desfiz minha posição e me afastei dela, buscando uma toalha para me secar. O porão era espaçoso e limpo, possuía uma mesa com cadeiras ao canto, rústicas aonde eu me encontrava naquele instante ; várias armas dispostas nas paredes de pedra, desde machados às sais, que tanto Elise gostava; e havia também a área de treinamento, um ringue improvisado. Não era um lugar em que eu trouxesse visitas,
  • 21. era um refúgio da vida lá fora. Na verdade, ela estava mais para uma intrusa do que uma convidada, naquele momento. Apesar de acreditar ser uma pergunta desnecessária, gostaria de saber como me achou. Eu estava sem sono e... Aproveitou que os empregados dormiam para bisbilhotar cortei-a irritado. Ela chegara no momento errado e me privara de discernir o que Abraham queria, não deveria esperar por flores. Na verdade, eu percebi que não estava bem no jantar ela disse com cuidado. Seus olhos azuis presos às minhas costas, analisando cada pedaço de meu dorso nu. Há tempos eu não tinha aquela sensação quente sobre minha pele; a deliciosa sensação de ser admirado por uma mulher como algo além de uma diversão momentânea e fugaz. Cerrei meus castanhos e, uma vez mais, controlei a onda de frenesi que me atingiu. Uma tortura. Tecnicamente, essa foi apenas a desculpa que a fez me procurar. Ainda de olhos fechados, enxuguei as gotas de suor que rolavam por meu tórax; em minha mente a atmosfera estava tão quente que era quase sufocante... Amassei a toalha entre os dedos. Ela simplesmente não devia estar ali. Não me disse como me encontrou. Loyd não a traria aqui. Voltei-me para ela e, com os rubros sob controle, encarei-a sério sob um olhar castanho profundo. Confesso que andei bisbilhotando. Desviou os azuis de mim e as maçãs de seu rosto ficaram rubras, como as que haviam sido trazidas por Loyd horas antes e
  • 22. repousavam sobre a mesa numa travessa de prata. O silêncio nos envolveu e eu cruzei os braços sobre o peito, esperando por algo que nem mesmo eu sabia o que era. Então aquelas orbes azuis brilharam sobre mim determinadas: Confesso que, deliberadamente, observei as atividades de seu mordomo antes dele ir se deitar. Segui-o pelos corredores e... Milla respirou fundo, incerta se deveria revelar tudo. E? Ela estava com sorte por eu não rosnar a pergunta, diante do estado em que me encontrava: possesso. E descobri a entrada do porão pausou, observando-me curiosa. Esperei até que todos dormissem e notei que você não estava em seu quarto, pois a porta costuma estar trancada... Ela agora me parecia febril. Toda sua pele emanava um aroma peculiar da caça. Deliciosa. Foi apenas juntar dois mais dois. Baixou rapidamente seu olhar ao chão. Diga-me... comecei a me aproximar dela devagar. As notas de jasmim se misturavam ao receio no ar e me seduziam, assim como o borbulhar do sangue em minhas veias me cegava. Em que momento passou a ter curiosidade sobre mim? Eu estava quase sobre seu corpo, ela recuara até próximo do saco de areia e me fitou em azuis aturdidos. Eu lhe fiz uma pergunta Madmoiselle... insisti. A veia em seu pescoço palpitava nervosismo e não havia para onde ela fugir. Desde que... engoliu em seco. Quase não come, quase não dorme... Quase não tem amigos. Que tipo de ser humano vive assim?
  • 23. Eu sorri sobre seus lábios partidos em busca de ar. Você não iria gostar de saber como sou de verdade. Avancei o dorso de minha mão sobre suas bochechas. Em momento nenhum eu o julguei, sir ela balbuciou, não sei se por medo ou por pura apreensão, mas eu gostei de senti-la acuada. Não... afirmei convicto. Eu sei que não. E é justamente a sua falta de defesa contra mim que me faz conservá-la na ignorância da verdade. Corri meus olhos ávidos em cada linha de seu rosto, decorando-as. Deve conhecer apenas o homem que irá ajudá-la... É o bastante para nós dois. Ela respirou sob mim, pesadamente, cerrando os azuis. Só então percebi que a tinha nos braços e que, na cegueira de minha ira, não notara suas roupas íntimas. O decote do robe me permitia apreciar o arfar leve de seus seios contra o tecido fino da camisola, e sobre esta o robe de flanela. Os cabelos caíam levemente ondulados pelo pescoço e eu os afastei, delicadamente, até que meus lábios quase repousassem na linha de seu ombro... Sensual, sedutora, e que trouxe os rubros aos meus castanhos. Meu ser inteiro clamava por sangue. Ela arrepiou e eu a soltei, colocando alguns passos entre nós e fechando meus olhos. Eu não era uma besta, nunca seria. Milla me fitava sem jeito enquanto tentava fazer a cena parecer natural. Ajeitou seu robe e contrapôs: E não há como eu ajudá-lo? Eu o vi lutando deve haver um motivo para fazê-lo. Havia mais que habilidade em sua técnica. Ponderei meros minutos e encarei as maçãs, distantes, intocadas.
  • 24. Você irá me ajudar amanhã, ao ir comigo à casa dos Van Helsing. Sim... sugeriu calma. Isso faz parte de nosso acordo. Mas e quanto ao que o aflige? Já lhe disse que basta conhecer apenas um lado da verdade. Você poderia ao menos fingir que sou sua amiga... Entre um homem e uma mulher raramente há traços de amizade. E o que poderia haver entre nós, além de um contrato? Foi a minha vez de respirar fundo e com uma das mãos tomar-lhe o pulso entre os dedos, colando-a mim. Meus dedos entre os cabelos soltos; o pulsar de seu coração descompassado, surpreso; o tecido flanelado e o delicioso cheiro de jasmim. Tudo era corruptível. Se quer tanto saber mais sobre mim... inclinei-a para trás propositalmente, permitindo-me acesso ao seu colo. Era alvo e cremoso, e ostentava uma mínima cruz de madeira. Sorri, pois muitos humanos achavam que tal artefato me manteria longe, mas ele só indicava com seu lado maior o lugar onde minha boca gostaria de repousar. Pura ironia. Deve saber se proteger como eu deixei contra seu ouvido enquanto voltava-a à posição inicial. Vou ensiná-la e, então, poderá saber mais. Ainda com sua mão atada a minha, depositei, suave, um beijo em seu dorso. Tenha uma boa noite, Madmoiselle. Milla... Edmund contrapus numa linha fina de sorriso. Obrigada e boa noite Edmund.
  • 25. Ela novamente ajeitou o robe e me deixou sozinho no porão... Entre o doce perfume de jasmim eu me perguntei onde estava com a cabeça para querer ensiná-la a lutar. E a resposta era óbvia: o certo era fazer qualquer coisa para mantê-la longe de minha fome. Ela respirou fundo ao meu lado, no coche. Levando as mãos à borda do corpete. Tenho certeza de que não cabe mais nada aqui dentro murmurou para si mesma. O vestido de veludo verde lhe assentava muito bem, e eu apreciava a visão que tinha do decote, realçando as formas avantajadas dos seios, que se comprimiam contra o tecido, febrilmente. Lembre-se determinei o foco. Eu respondo as perguntas sobre nós. Sim... A mão trêmula deslizou pela pele clara e alcançou o colar de rubis e diamantes que eu havia depositado ali. Apalpou-o e completou: Acha mesmo seguro? Seguro e lindo, deixe-o em paz. Tomei sua mão na minha, roçando levemente sua pele. Eu estarei ao seu lado o tempo todo. Sorri-lhe de canto no exato momento em que o coche parou. Parece que estamos entregues... Pronta? Apesar do olhar curioso que me dirigiu, ela assentiu e foi questão de minutos para estarmos sendo introduzidos ao salão e a Sra. Van Helsing. Lorena Van Helsing não era uma mulher a ser ignorada, e certamente não admitiria isso em nenhuma hipótese.
  • 26. Quando estávamos de frente para ela e Thomas, o pai de Abraham, seu olhar correu por Milla, avaliativo. Disse sua prima, milorde? fez questão de repetir. Ah, sim assenti, fazendo-me também de tolo. A sociedade, inglesa ou não, tem uma séria queda à hipocrisia e eu gosto de manter essa estranha arma ao meu alcance. Francesa completei, tornando o sorriso dela uma linha levemente dissonante. É um prazer recebê-los, de qualquer forma acudiu Thomas, sempre simpático. Eu tinha certeza de que Abraham puxara a mãe. Com uma leve curvatura tomei a mão de Milla na minha e adentramos definitivamente o salão. Não sei explicar como sobrevivemos aos primeiros dez minutos dentro daquela atmosfera. Eu tinha plena consciência de que estava expondo-nos a uma prova de fogo, e se ainda coubesse em minha razão, a prova estava lá, nos inúmeros murmúrios que correram o salão. Estão falando sobre nós... Milla sussurrou ao meu ouvido. Impressão sua sugeri-lhe ao pé do ouvido, fazendo uma onda de olhares reprovadores correr sobre nós. Ela sorriu de volta. Um sorriso tão limpo, que me fez esquecer onde estávamos. Apenas voltando à realidade ao ouvir: Se importaria de me ceder a próxima dança? Abraham estava diante de nós, encarando Milla. Os olhos azuis dela voltaram-se, preocupados, para mim. Eu deveria ensiná-la a não se expressar tão francamente. Embora, eu houvesse demorado um pouco a compreender o estranho brilho no olhar dos verdes.
  • 27. Com um meio sorriso e um suave beijo no dorso de sua mão, deixei Milla aos cuidados de Abraham e busquei a varanda da casa. A noite estava quente e os olhares abrasivos me impeliam a manter uma distância considerável do salão, ainda que não a perdesse de vista. Não gostaria de uma bebida, monsieur le conté... A voz doce de Isabella ganhou o ar a minha volta com a leveza do aroma de camélias que seu corpo emanava, dentro de um vestido carmim de corpo justo e decote baixo, realçando as curvas perfeitas que ameaçavam escapulir dele, a qualquer instante. Seus cachos castanhos estavam presos ao alto da cabeça, evidenciando ainda mais as linhas sensuais de seu colo. Com um sorriso, ela me passou um dos dois copos de whisky que trazia consigo. Um brinde! disse em seguida enquanto eu a observava e um sorriso torto escapulia de meus lábios. Ao solteiro mais cobiçado de Londres! E molhou intensamente os lábios, fazendo seus olhos castanhos luzirem nos meus, maliciosos. Certamente fala de seu irmão, em breve será tão famoso quanto seu pai sugeri, vendo a expressão dela se tornar séria conforme se aproximava de mim e espalmava a mão livre, e enluvada, contra meu peito. Inclinando-se até alcançar minha orelha, contrapôs: Se me referisse a meu irmão, como diz, eu jamais poderia fazer isso... E, às palavras, uniu um movimento provocativo de seus lábios sobre a linha de meu maxilar até tomar minha boca na sua e mordê-la sensualmente. Correndo a língua contra
  • 28. meus lábios e fazendo-me perder o controle de meu corpo. Sou homem, não uma pedra. Meu movimento não foi tão sútil quanto o dela. Ainda que não tivesse interesse em Isabella, ela era uma mulher bonita e desejável, e sabia usar isso a seu favor quando queria, mesmo que arriscasse a reputação de seu pai. A mim isso não importava, não tenho escrúpulos em admitir. Ela era macia, como a pele de um pêssego, e o cerne, entre suas coxas, transbordava todo ímpeto da mulher que era. Colei nossos corpos à parede externa da casa, sob uma frondosa sombra da varanda superior. Ela não mais falava, apenas sentia minhas mãos erguerem as saias enquanto deslizava minha língua ávida, e nenhum pouco delicada, contra seu pescoço e colo, buscando-lhe a borda do decote. Arranquei-lhe a liga com a mesma intensidade da explosão das imagens em minha cabeça: a de Milla em meus braços. Retirei um dos seios para fora, molhei-o vagarosamente, fazendo-a gemer e aceitar meus dedos dentro dela, massageando-a... Golpeando-a, punindo-a em olhos cerrados enquanto arranhava minhas presas no bico de seu seio. Meu sexo pinicava contra minhas calças, mas eu não poderia consumar nada ali, então, ela gemeu uma nota mais alta, se liquefazendo sob meu carinho. Agarrada aos meus cabelos, a boca arfando contra minha razão, que me fez abrir os castanhos num ímpeto e ter a visão mais aterradora que poderia provar: Milla nos observando. Pude sentir seu coração comprimido. Pude ver o bolo em sua garganta enquanto tentava absorver nós dois ali. Os lábios se separaram, parecendo que deixariam algo o ar. O
  • 29. cenho franziu e os olhos azuis me tornaram uma aberração de fato. Eu não ousaria falar, e antes que Isabella pudesse se dar conta de sua presença, seus passos tornaram-se ecos na direção do salão. O que houve? a Van Helsing indagou conforme eu cerrava os punhos e me odiava. Vá para o salão rosnei. Mas... Apenas vá cortei-a severo, e ela ajeitou o vestido, deixando-me sozinho. Meu controle perdido. Os olhos em rubros, o sexo pulsando e nada além do vazio aniquilador que era minha vida. Ela jamais entenderia que eu a desejava ao ponto de corromper outra alma, para deixar a dela intacta. O jantar ainda seria servido, todavia, eu havia usufruído mais do que desejara, ao pôr meus pés ali, da hospitalidade dos Van Helsing. Até mesmo para meu senso de ironia. Dirigi-me discretamente à porta e pedi meu sobretudo ao mordomo, e estava para sair quando uma mão pesada se fechou sobre meu ombro direito, me detendo: Eu não sei o que fez a ela, Edmund... Mas irei descobrir. O olhar de Abraham era intenso, e também um aviso. Por segundos fiquei atônito, percebendo exatamente a mensagem oculta em seu brilho. O brilho que tanto me chamara atenção antes. Com um puxão no sobretudo, não voltei a olhá-lo e desci as escadarias num passo contido. Eu não daria a ele o gostinho de perceber minha emoção. Entrei no coche e bati com minha bengala no teto, avisando-o para partir. E, conforme ele se pôs em movimento, eu interrompi os pensamentos dela:
  • 30. Aquilo era algo que você não deveria ter visto. O silêncio nos envolveu. Eu não deveria ter pensado obter mais respeito do que a mulher a quem ama... E o som dos cascos dos cavalos se misturou ao do meu coração, encobrindo-o por completo. Todos nós já ouvimos, alguma vez em nossa vida, a são o início de tudo, a fonte da e, acredite em quem já viveu muito mais que você, elas o são. O corpo de uma mulher é de uma harmonia ímpar. Curvas e retas desenhadas à mão livre, que se mesclam ora para o prazer, sua sensualidade explícita em cada pequeno movimento; ora para simplesmente mostrar sua essência, o poder e consciência ainda que oculta de ser única. Tocar uma mulher e compreendê-la, a cada sinal que envia sem sentir; a cada pedido feito por um olhar impensado; a cada murmúrio que não ousa deixar seus lábios, deveria fazer do homem que a observa, um companheiro apaixonado. A mulher é um ser feito de sentimentos e entrelinhas, e desvendá-los é o maior enigma imposto aos homens que se colocam em seu caminho. Por isso nos surpreendem. Por isso eu estou aqui, parado à entrada de meu porão, observando-a curioso, não o nego golpear freneticamente o saco de areia à sua frente. Passeio a mão pelo meu queixo tendo a exata noção de que era eu, o destino de cada um deles. E eles me acertam de formas diversas, sem que ela saiba, pois uma das piores armas que o homem possui é o cinismo.
  • 31. Eu me aproximo silencioso e, quando me sinto seguro, até mesmo de meus sentimentos, eu a confronto: É alguma tática de defesa inovadora? Ela não me olha, ignora. E eu saboreio, entre o prazer e a desolação, o fato de eu estar certo diante da resposta silenciosa dela. Rodeio-a mais um pouco; ela se exaspera. Estamos quase lá... E paro em frente aos seus olhos azuis. Ele já foi judiado demais, conseguiu sua revanche... Retiro minha camisa branca. Sei que ela me observa e o calor do olhar dela, em minha pele, fecha as feridas que a ira dela despertou em mim. Encaro-a firme, aproximo-me lentamente, é necessário impor controle. Ela está linda na roupa de montaria, que não me parece confortável para um esporte. E também está atônita com minha proximidade, toco seu braço e ela arrepia. É um bálsamo saber que não está tão chateada ao ponto de refutar meu toque; é bom saber que ainda possuo poder sobre ela. Não é mesmo assim? Vamos ajustar esse uniforme e começar o treino. Em silêncio dessa vez sufocante eu roço sua pele, consciente de meu efeito sobre ela, dobrando-lhe as mangas da camisa até o cotovelo. Ela está sem ar, suas veias palpitam frenéticas e me chamam, imploram por mais. Que tipo de homem eu sou? Aquele que lhe dá mais... Então eu a viro de frente para mim, sem resistência, e a alicio. Toco-lhe o pescoço, deslizo os dedos pela clavícula, num martírio, até alcançar-lhe os primeiros botões da blusa, e abri-los. Ela fechou os azuis... Eu escorreguei meu indicador pela fenda entre os seios. O coração bombeia frenético, enlouquecedor, e eu me impeço de seguir, parto meus lábios e desejo tomar os dela
  • 32. nos meus. Respiro, suspiro... Decoro traços. Afasto-me e o ar gelado me faz retesar. Assim está bom. Cerro os punhos, sei que me olha, e quer me socar de novo. Voilá... Eu soco primeiro o saco. Precisava daquilo. Um soco certeiro em meu queixo, cretino. Tem que ser debaixo para cima, ou não faz efeito sentencio. A manhã chegou como todas do outono, com um sol inexpressivo espreitando por entre as cortinas. E, tão logo se encerrou o dejejum, o convite para um chá, ainda aquele dia, foi deixado sobre a salva de prata à frente de Milla. Eu não me incomodaria que ela comparecesse a nenhum deles, e era certo que muitos viriam diante de nossa aparição em sociedade, mas começar justamente por um vindo dos Van Helsing, e em especial, de Isabella, não contribuía em quase nada para que a encorajasse a ir. Embora, claro, tivesse a noção exata de que uma recusa estava longe de poder ser nossa resposta. O olhar azul dela, escureceu, e posou sobre mim sem reservas, ainda que eu estivesse absorto pelas notícias do jornal. Então... Ela estava postada atrás de mim e, sem reservas, colocou a missiva entre meus castanhos e o impresso. O que quer que eu faça? Sem fitá-la, restitui-lhe o convite. Deve fazer o que acha certo ponderei. Não pretendo dispor de suas vontades, como está sugerindo. Ela sorriu, eu não precisava vê-la, para sabê-la esplêndida sob um sorriso.
  • 33. Isso quer dizer que não gostaria que eu aceitasse, mas como é algo inevitável, e essencial para seu plano, vai deixar que eu tome a decisão de ir e aliviá-lo de me pedir o contrário... pausou. Pois, como salientou, é um cavalheiro, e jamais ousará se por entre mim e meus desejos. Milla agora estava a minha frente, sentada parcialmente sobre a mesa, numa atitude que definitivamente me fazia encará-la, como se qualquer notícia conseguisse fazê-lo depois que ela se erguera de sua cadeira. Diga-me... prosseguiu determinada: Vai mesmo deixar que eu a atinja com um golpe preciso de direita? Eu sorri. Apreciava o espírito combativo dela, isso me seria útil, mas era também meu ponto fraco, pois deveria deter a mim e a ela de expor tais sentimentos. Mesmo que, cada vez mais, me visse dependente deles. Não vou rebater o fato de que é conveniente que vá, nem tampouco que estou me valendo de seu senso de ética para que assim proceda. Contudo, estou curioso... Apoiei meu queixo sobre meus dedos e inclinei meu rosto até junto ao dela. Acredita que a srta. Van Helsing a esteja chamando para um embate desse porte? Sempre que ficávamos próximos era impossível não ouvir-lhe a palpitação em sintonia com a minha. As bochechas dela se tornaram rubras e ela sustentou seu olhar no meu, arriscando: Eu diria que ela é extremamente petulante por me convidar a sua casa, quando protagonizou tal cena com o meu... Milla focou meus lábios, mas mordeu os seus na incapacidade de prosseguir.
  • 34. Todavia eu não a deixaria escapar tão facilmente. Então, quando corpo dela ameaçou abandonar a posição em que se encontrava e buscar uma mais segura, meus dedos se entrelaçaram aos dela sobre a toalha de renda. Havia um misto de surpresa e apreensão em seu olhar quando conduzi o dorso de sua mão aos meus lábios e o beijei suave. O que sou para você, Milla? Soprei sobre sua pele. Correu seus olhos azuis nos meus castanhos. Um amigo... balbuciou. E eu escorreguei novamente minha boca sobre sua mão. Confesso que não queria manter o controle, ou ser honesto, até obter uma confissão de seus lábios. E eu deveria estar agradecido pela sua amizade ser tão devotada ao ponto de se expor assim por mim. Beijei os nós de seus dedos. Eu... A pele dele exalou o delicioso perfume de jasmim. Não espero sua gratidão determinou entre a indignação e o receio. De um amigo não se espera gratidão... sugeri levemente rouco. Se espera cumplicidade e lealdade. Mas, intriga-me, não acha que sou leal a você ou qualquer outra mulher. Então, certamente, não sou seu amigo. O que sou para você, Milla? disse uma nota mais alta, estava ansioso como um menino. Ela me olhou lívida. Alguém especial ditou furiosa consigo mesma por não ter conseguido manter o controle. Não a culpo, eu raramente não consigo o que quero. Alguém com quem me importo! Droga!
  • 35. Ela se ergueu da mesa e correu para porta, livrando-se meu toque e completando irritada: Eu odeio o modo como consegue essas coisas! A porta bateu estrondosa. Eu a fitei sério, cada pequeno detalhe do entalhe da madeira. Estava enganado se achava que ambos conseguiríamos levar esse jogo até o fim. O jornal ficou amassado sobre a mesa. A partir do desenrolar de certos acontecimentos, se faz necessário que Milla transmita suas impressões, pois nessas não estive presente, minimamente conjecturei o que ocorreu através de minha mente insana. Eram quatro e meia da tarde quando fui recebida na residência dos Van Helsing. Ainda estava aborrecida pela forma como Edmund tratara aquela visita, como insistia em nos manter próximos nos treinos, mas afastados no que tange nossas emoções; e o retorno aquele lugar, principalmente para encontrar Isabella, não colaborava para amenizar meu ânimo. Eu queria apenas que as horas se escoassem rápidas. Deixei minha sobrinha com o mordomo e o segui pelo corredor até uma porta dupla de nogueira, que me introduziu a uma saleta de chá. Com uma curta reverência, fui convidada a esperar minha anfitriã em silêncio, e mortificada. O que ela teria para me dizer? Não julgara audácia suficiente estar com meu acompanhante num jardim, ao alcance de todos? Retirei as luvas e brinquei de batê-las uma contra a outra, reproduzia um som compasso torturante dos minutos que me afastavam da entrevista nada apropriada com aquela mulher. Eu retesei e busquei novamente domesticar meu gênio, já que o tempo passado na carruagem, da residência do Conde até ali, não fora suficiente.
  • 36. Inspirei, fechei meus olhos, andei e expirei. Quando os abri de novo, estava de frente para a cornija da lareira e encarava um par de olhos verdes intensos. Os mesmos olhos que bisbilhotaram minha alma enquanto valsávamos no dia festa. Eu me aproximei com cuidado, notando que não importava a distância, eles me encaravam. Isso era perturbador. Assustador não é? A voz me fez sobressaltar e voltar-me à porta, surpresa. Controlei-me. Foi essa a intenção do pintor? devolvi rápido, sem lhe dar chance de ver o quanto estava assustada de fato. Nunca soube disse sincero, estreitando a distância entre nós. Porém, todos que olham esse retrato, o criticam. E você? ponderei. Acredita que capturou sua essência? Os olhos verdes brilharam. Penso que há uma acusação implícita nessa pergunta, e eu não me considero um bisbilhoteiro. Nem mesmo no que diz respeito ao Conde? alfinetei-o. A porta se abriu e o mordomo entrou com uma salva de prata e chá. Permita transmitir-lhe as desculpas de minha irmã. Fez um gesto para que eu me sentasse no sofá castanho de veludo. Houve um compromisso inadiável... O mordomo nos serviu e se retirou a um aceno de Abraham. Então, talvez eu deva voltar numa hora em que ela se encontre rebati, devolvendo a porcelana à prata. Creio que isso não fará diferença, pois de certo sabe ou conjectura, que não foi ela que lhe enviou o convite, mas sim eu. Bebeu da porcelana calmamente. Jamais ousaria menosprezar sua inteligência.
  • 37. Eu sorri, voltando a me entreter com o chá. Devo crer que tenho sido observada e que, mesmo não encontrando motivo para tal, dei-lhe provas de minha vigorosa capacidade mental. Está zombando de mim determinou. Não tanto quanto o senhor de mim ao me trazer aqui e me dizer esse monte de baboseiras revidei seca. O que deseja de mim, sr. Van helsing? Pode me chamar de Abraham... Não o tenho no meu circulo de amigos, por isso não acho esse um tratamento correto. Sempre é tão intransigente? Só quando me menosprezam. Ele sorriu e se ergueu do sofá. Os cabelos castanhos claros ondularam a altura do pescoço e ele se voltou ao quadro. Eu a achei atraente desde a primeira vez que a vi... Certamente essa não é mais uma conversa adequada. Abraham se virou tão rápido, que não deu dois passos e se pôs entre mim e a porta. Não só a achei bela como me questionei que tipo de mulher seria para estar ao lado de Edmund. Um sonoro tapa repercutiu no ar, e levei minhas mãos aos lábios. Céus, ele havia me tirado do sério. Me perdoe... Pedi quando o vi por sua mão na marca sobre a bochecha. Seus olhos verdes me fitaram atentamente. Não é mesmo a mulher que todos imaginaram ditou sob um sorriso de triunfo. Eu não tinha a intenção de machucá-lo, mas não me deixou outra alternativa prossegui sem lhe dar inicialmente atenção. O que disse?
  • 38. Srta. Sonieur o que sabe sobre o Conde? ele não repetiu o que dissera, mas eu ouvira muito bem. Achavam-me uma leviana. Sei o que devo saber. E isso não deve ser muito ponderou astuto. Talvez sim, talvez não. Quantas refeições fazem juntos? Como? estranhei a pergunta. Que tipo de questionamento era aquele? Pode parecer inoportuno, mas eu tenho estudado os hábitos do Conde. Você é algum tipo de pervertido? Posso assegurá-la que tenho interesse em mulheres, não em homens, se é isso que sugere. Meu coração acelerou quando diminuiu a distância entre nós, quase nos colando. Eu creio que essa nossa conversa, há muito, passou do normal. Ora, ele havia mentido para me trazer até ali, desconfiava de Edmund e de forma alguma se portava como um cavalheiro! Acredite... Sua respiração pesou sobre meu rosto. Ele possuía um raro cheiro de anis. Nossa conversa é de extrema relevância. Relevância para quem? Para a senhorita sugeriu há centímetros de meu rosto. Não nego que, a mim, muito me alegra tê-la tão perto, mas posso assegurar-lhe que minha preocupação maior é a sua vida. Minha vida? Empurrei-o com toda força e me refugiei junto à lareira, bem próximo dos atiçadores.
  • 39. A senhorita desconhece a natureza do homem que acoberta, e que muito pode lhe ser fatal. Certamente ele não se referia aos sentimentos de Edmund ou meus. Não tinha como conhecê-los, já que até cogitara que eu fosse uma leviana. Devo dizer que também desconheço a sua, ainda que muito se fale sobre sua conduta como médico. E que, de fato, sempre seja enaltecendo-a. Porém, a do cavalheiro que deveria ser, asseguro-lhe, está longe de ser a mais digna. É engraçado vê-la falar sobre dignidade quando está sob o teto de um homem que nem seu noivo é. Eu estava pronta para acertá-lo novamente, quando a minha mão foi detida. Meu pulso foi envolvido por dedos largos e grossos, e meu braço dobrado de forma que meu corpo definitivamente se colou ao dele. Seu olhar adquirira um brilho selvagem e seus cabelos estavam espalhados sobre meu rosto, escondendo-nos do mundo exterior. Ele me inspirava receio, mas seus músculos me impediam de raciocinar, imobilizavam não só meu corpo, mas minha alma. Como ele podia conseguir tal efeito? Eu tinha que lutar, me livrar dele. Fechei meus olhos e respirei fundo. Senti o calor do rosto dele junto ao meu, o hálito quente quebrando minhas defesas... Eu parti os lábios e agora esperava por algo que nem sabia o que seria. Ele não era confiável, poderia fazer o que quisesse de mim e ninguém saberia. O frio do mármore chocou-se com meu corpo no minuto seguinte e eu estava apoiada na cornija, com as mãos fixas em seus entalhes. De onde eu estava só conseguia ver-lhe as costas largas e o corte perfeito do casaco.
  • 40. Por favor, srta. Sonieur, devo pedir que vá embora. Não cogitei refutar o pedido dele, aquela situação estava fugindo ao controle. Contudo, eu me sentia com mais de um motivo para odiar Abraham Van Helsing! Então? disse bebericando o chá. Aparentemente a visita aos Van Helsing não foi o que esperava concedi após o longo silêncio dela à mesa. Ela continuou entretida com seu dejejum. Pretende ficar silenciosa para sempre? Achei que estaria ansioso por minha volta. O som de talheres inundou o ar. Para saber o que Isabella queria. O tom era rascante, e eu estava longe de ser inocente do brilho escuro que aqueles olhos azuis emanavam no momento, ainda que não os visse. Certamente, me aguardara até tarde, mas eu não havia voltado aquela noite. Um casal de renegados que, há noites, havia fazendo uma limpa em bêbados em East End. Eu havia me descuidado deles ao dedicar meu tempo a Milla e à árdua tarefa de tirar Abraham de meu encalço. Felizmente, ontem à noite agi sozinho, ainda que a intervenção do Van Helsing teria sido bem vinda, pois tornaram-se um bando. Havia mais de vinte deles, porém, apenas a mulher fugiu. E apesar de tê-la procurado, não restava nenhum rastro no ar... Nenhum cheiro característico. Ela simplesmente desaparecera. Contudo... olho sobre os telhados de um Londres sonolenta em meio à névoa tenho certeza de que já encontrei aqueles olhos antes.
  • 41. Não foi uma noite calma para mim. Lise me visitou em sonhos, seus lábios deitaram sobre os meus vorazes. Filetes de sangue guarneciam sua boca, que passeava por meu tórax, enlouquecendo-me. Não era apenas a pele dela contra a minha, que me queimava, mas o rubro do sangue que pulsava no meu. Numa batida cada vez mais intensa, insana. Entrelacei meus dedos a seus cabelos escuros e puxei-a para mim. Sua respiração espiralava no ar unida a minha, e eu observava, em êxtase, os veios escarlates que novamente se abriam para mim. Não era mais um convite, tão somente a ordem de que a tomasse, gota por gota... Nota por nota de lis. Fechei meus rubros e me entreguei a sensação quase dolorida de sorvê-la, sofregamente, entre os lábios. Líquido quente me preenchendo, chamando-me cada vez mais para me perder nela como homem. Tomei-lhe um dos seios nas mãos, provei-lhe o peso, a textura e os gemidos que ela despejava no ar para mim. Rolei a palma de minha mão contra o bico, segurei-o firme e deixei a outra mão passear por seu ventre até o encontro de suas pernas. Até que não houvesse mais nenhuma resistência dela a mim. O frio dos lençóis de linho era tão intenso quanto meu corpo desperto para o desejo e entregue a desilusão de um sonho arrebatador. Não havia nada quente naquele quarto, nem mesmo o fogo que insistia em se manter aceso, quando até mesmo a madeira lhe dispensava o último sopro de vida. Varri o lençol de mim, da cama. Desfiz, em finas tiras, com as unhas, um travesseiro inteiro. Minha dor não era só física e relegada ao meu sexo. Eu me sentia extremamente só, era
  • 42. dor de uma alma incompleta. Meu sexo em riste era apenas a constatação evidente daquilo que não conseguia saciar... Minha sede de Lise. Encarei os olhos azuis a minha frente, chamando-me à realidade e alheios a pergunta que martelava em minha mente: ela tinha ideia de quanto eu estava pronto para atacá-la? Que mesmo que o seu cheio não fosse de Lis, eu poderia revelar-lhe o lado mais obscuro de minha espécie? Baixei minha mão esquerda e crispei-a contra minhas calças. Respirei fundo e passeei o dedo indicador pelo lábio inferior, buscando controle. Eu a sorveria até a última gota, sem me incomodar em confessar que adoraria fazê-lo. Precisava me sentir vivo, ter o doce líquido rubro revolvendo minhas entranhas, vibrando em minhas veias. Ainda que não a amasse como a Lise, era para mim incontestável que a atração entre nós dois era forte o suficiente para desejá-la. Sua pele contra a mim; meu corpo preenchendo o dela. A solidão é algo torturante, capaz de nos fazer perder a sanidade. Não foi um convite de Isabella ela ditou, interrompendo o fluxo de meus pensamentos. Não? retruquei ainda não tão concentrado como deveria. Abraham me esperava para o chá prosseguiu em falsa serenidade. No fundo, testava-me. E, por minha conturbação interna, estava longe de conseguir me manter sob controle diante de minha insatisfação em conhecer a verdade sobre seu encontro. E foi agradável? tentei me manter indiferente.
  • 43. Talvez não tão agradável quanto se eu tivesse as respostas certas Milla retribuiu na mesma nota. Que tipo de respostas Abraham queria? indaguei para ganhar tempo. As do tipo pessoais. Havia um interesse particular sobre suas verdadeiras intenções... Meus olhos estreitaram sobre ela, entrelaçando meus dedos sob o queixo. Estou curioso para saber sua resposta ponderei sério. Não havia nada a ser dito. Foi tão simples assim? retruquei pensativo. Não acreditava que toda aquela encenação por parte do Van Helsing terminaria em algo tão insignificante. Acontece... Seus azuis brilharam e eu soube que estava encrencado. Que não tinha nada para dizer. Realmente eu não estava enganado, ele havia dado um passo. Um belo passo. Eu não sei absolutamente nada sobre você. Eu estava onde Abraham queria, contra a parede. Contudo, devo observar que certamente não havia como ele prever minha fragilidade emocional por conta de Lise. Esse não foi um passo dado por ele, mas por mim, quando deixei que Milla se tornasse importante em minha vida. Lentamente, permiti que meus rubros aflorassem e, com um movimento hábil, estava com meu rosto sobre o dela, encarando aquelas turquesas. Ele deveria ter sido melhor em seu alerta. Segurei-lhe o queixo e deixei os escarlates transbordarem nos azuis. Escorreguei meus dedos entre seus fios louros, desfazendo a trança que os cingia ao alto de sua cabeça. Ela
  • 44. ofegou, cada músculo seu tencionado; cada veia sua trêmula, suspensa em ansiedade. Beijei-lhe a testa, ela ofegou uma vez mais. Meu corpo agora estava febril, toda a sede pelo rubro havia voltado. Intensa, dolorida, capaz de fazer minhas presas aflorarem e arranharem lentamente a base de seu pescoço, quando meus lábios pararam de molhar sua pele e seu corpo estava mole entre meus dedos. Milla não possuía um vestígio de receio. De medo de mim, e isso fazia minha alma ansiar por sorvê-la, cada vez mais. Ela partiu os lábios num convite e não tive como fugir da intensidade daqueles orbes azuis. Fitei-a com carinho e busquei por sua boca, arrancando-lhe um mínimo fio escarlate. Um pequeno deleite para uma alma atormentada como a minha; um despertar da fome que, a muito, eu temia. Eu lhe alertei que estava mais segura quando não sabia de nada sussurrei-lhe ao pé do ouvido, enquanto minha mão desatava-lhe os nós do corpete e corria livre dentro da chemise, tocando-lhe a ponta do seio. Ela arquejou, permitindo-me explorar mais o gosto de sua boca, calar-lhe os pensamentos. Quem é você? resfolegou quando a deixei respirar. Tomei-a nos braços e depositei-a sobre a mesa, varrendo metade do café da manhã com meu gesto. Ergui-lhe a barra da saia e debrucei-me sobre ela, sorvendo seu delicioso cheiro de jasmim. Sou alguém que precisa de você sugeri, beijando-a mais uma vez. Sem deixá-la pensar, envolvendo sua língua com paixão. Deixando o imortal em mim, vir à pele. Edmund...
  • 45. Ela gemeu meu nome quando toquei-lhe as coxas. Eu estava a um passo de tê-la completamente. Inteira. Em pele e sangue. Então, o rosto de Lise permeou meus pensamentos. Sua boca tomou a minha e seu perfume se espalhou por tudo a minha volta. Lise eu murmurei, procurando por ela em meio à névoa de meus pensamentos. Lise! gritei, levando as mãos à cabeça, alucinado por sentir o gosto dela, e foram os olhos aturdidos de Milla que encontrei. Não havia mais presas ou o olhar escarlate em mim, apenas a frustração de mão poder cobrir o vazio de Lise. Eu não podia destruir Milla por um capricho. Não tinha o direito de roubar-lhe a vida em troca da minha efêmera felicidade. Sem olhar para trás, eu a deixei sozinha. Em meio à comida, talheres de prata e falta de respostas. Os dias seguiram cinzentos, Milla passou a adotar uma postura mais reservada, mesmo nos treinos, que mantivemos. E, eu, evitei invadir o seu refúgio. Os sonhos com Lise se tornaram mais frequentes e eu passei a ter a certeza de que qualquer coisa que vivesse ao lado de Milla; se me permitisse tal envolvimento, estaria deixando de lado minhas convicções, e o que me faz ser um pouco mais humano. Eu deixaria apenas o imortal agir... Cego, louco, sedutor. Aquela noite, eu deixei-lhe um bilhete sobre minha ausência. Havia recebido uma mensagem bem intrigante, e estava longe de ignorá-la. Com o cair da noite e o tilintar das horas mais obscuras, eu me dirigi à Brixton, lugar
  • 46. curioso para o encontro que iria ter. Embora imaginasse o que me levava a seguir as recomendações severas de quem o premeditara. Brixton era o submundo de Londres. Você poderia encontrar qualquer tipo de estrangeiro em suas vielas; pouco desenvolvimento e uma facilidade grande de se movimentar sem ser percebido. Eu não poderia, de fato, pensar num lugar mais encantador para uma caçada. Ainda que aquele fosse apenas um encontro. Um interlúdio. Fui deixado a alguns quarteirões do local. Sabia que qualquer descuido meu, tornaria previsível a minha entrada. Todavia, sou um homem discreto, de hábito contrito. Escorreguei pelas sombras até alcançar o pequeno, e duvidoso, estabelecimento cujas paredes, mesas e cadeiras possuíam inúmeras manchas de bebidas e lascas de madeiras a menos. As janelas eram menos encardidas, que o avental da mulher que servia as bebidas. Senti o inusitado perfume de violetas e a cabeleira ruiva não deixou margem a duvidas de que o lugar era aquele mesmo. Aproximei-me sem disfarçar minha presença, e um par de olhos avelãs se fixou em mim. Truzzi... sibilei na direção dela. Alteza ela devolveu irônica. Achei que tínhamos um acordo. Julliana sorriu-me de canto. Começara, diante daquele mesmo sorriso, a minha caçada. Nunca gostei dos sortilégios usados pela Sociedade de Órion para conseguir seus intentos, contudo, o que ela me trouxe era algo que não podia ser ignorado.
  • 47. Isso foi antes do Conselho se transformar num caos e a maioria dos vampiros estar fora de controle. E, deve imaginar, que com eles, os renegados também. Não há mais tempo para esperas. Voltou os olhos à bebida, e emendou: Seu irmão não costura alianças como você, e em breve, não será só Londres que estará infestada deles. Sentei-me a sua frente, deixando meus sentidos em alerta. E o que a Sociedade deseja que eu faça... agora? sentenciei sob um meio sorriso irônico. Na verdade, não vim pelos de Órion determinou séria. Já brincou muito com a jovem, devemos resolver logo a questão com Thryn pausou. Ele está cada vez mais alerta, e há um homem que anda se metendo em nossos assuntos. Encarou-me. O cheiro de fumo de cachimbo barato preencheu o ar. E, pelo que andei apurando nos últimos dias, não parece querê-lo fora de sua vista. Por quê? Bebi o resto da bebida num só gole. Ele nos será útil, da mesma forma que Milla. Suas avelãs me fitaram atentamente. Era para ser apenas uma mulher qualquer, alteza ela sibilava e, em parte, eu entendia o motivo. Não deveria se quer expô-la como alguém próxima a você. Achei que isso daria mais veracidade à história e nos acobertaria. Tenho certeza de que o olhar de Thryn está mais sobre Milla do que já esteve sobre Lise. E se acha capaz de abrir mão dela no momento certo? disparou sarcástica. Não é a única que possui uma carta na manga, Truzzi... sugeri baixo. É melhor deixar as coisas nos termos que
  • 48. acordamos. Cumprirei com a minha parte, é isso que veio se certificar não é? Eu havia me inclinado à frente e sorria sob um rubro intenso, e sobre um tampo oleado, onde mais bebida foi depositada para nós. Ela, entretanto, recuou um pouco. Não ousaria menosprezá-lo, mas não posso fingir que não vejo o quanto está envolvido com aquela mulher. Julliana jogou os longos cabelos ruivos para trás e gargalhou, fazendo todos os olhares duvidosos, ao nosso redor, nos fitarem penetrantes, e, a mim, resguardar meus rubros. Devo lembrá-lo de quem é e o que esperamos de você? Meu sorriso era agora uma linha bem delineada de escárnio. Enquanto ele se preocupa comigo, você tem podido agir nos subúrbios londrinos com facilidade. Baixei mais ainda a voz para que somente ela me ouvisse: Acredite, o jovem médico também terá sua participação para colocarmos as mãos em Thryn. Eu não confio em humanos, e você também não deveria. Desviei meu olhar do dela mantive o sorriso, pensando em Lise. Eu aprendi a confiar, em alguns. Algum sinal de Thryn? Ele tem tomado suas precauções. Há muitas crias dele por aí, mas poucos que sirvam realmente de rastro ao seu mestre determinou em avelãs flamejantes. Quanto a confiança que deposta em seu entusiasta, minha missão estava sendo divertida até a noite passada, quando pegou um deles.
  • 49. Abraham? Eu não poderia estar mais surpreso, fora o que sempre tentei evitar. Está com uma cria de Thryn. Ela sorriu deliciada, estava guardando o melhor para o final. Vim lhe avisar que farei uma visita a ele. Não a quero perto de Abraham sentenciei seco. Tinha certeza do passo que Van Helsing daria e o esperaria fazê-lo. Eu resolverei esse problema. Eu aceitei sua ajuda quando chegou aqui. Contei a você tudo que sabia sobre o retorno de Thryn e seu desejo de ocupar lugar de Carl. Truzzi enviesou a sobrancelha profundamente. Mas o doutor está fora do nosso acordo. É a inclusão de uma clausula mínima desafiei-a. O jogo que está jogando é perigoso, e eu não tenho certeza de que irá mesmo até o final... Eu não esqueço meus compromissos, e por mais que Milla seja uma bela mulher, meu coração seria incapaz de trair Elise. Ergui-me da mesa e me dirigi à saída. Não falo do coração ditou a Truzzi, detendo minha passada e atirando algumas moedas à mesa. Sei que a falta do sangue reclamado pode causar a dependência do corpo pelo contato físico. E, quando o corpo reclama sua recompensa, a mente falha. Colocou o capuz sobre o rosto e passou por mim. Eu não fui tão longe para por tudo a perder apenas pela vontade de possuir uma mulher! Cerrei meus punhos. Há algo muito maior em jogo, e eu não vou abrir mão de Elise novamente... arranhei a verdade. É bom ouvi-lo falar como o Edmund que sempre foi. Admitir fraquezas não é algo comum nos imortais que conheci ela contrapôs sem interromper seus passos.
  • 50. Por isso eu vou lhe dar uma semana, alteza. Nenhum dia a mais. Não podemos correr o risco de perder Thryn. Fitei-a abrir porta e deixar o estabelecimento, sentindo apenas o ar gélido da noite que trouxe as lembranças de Pest a minha mente. por Milla A porta da saleta se abriu, permitindo que Lyod introduzisse o sr. Abraham. Seus olhos verdes procuraram os meus sem cerimônia enquanto eu dispensava o mordomo com um mínimo assentimento. Srta. Sonieur... Dispensou-me uma reverência. Tão somente por delicadeza retribui. Continua contribuindo, fervorosamente, para que não o leve muito a sério, sr. Van Helsing delimitei contrafeita, indicando-lhe um assento. Ambos sabíamos que, o que o houvesse trazido ali, não seria demovido facilmente. Confesso que não entendi seu intento. Sentou-se, encarando-me severo. Por certo, já que não me parece ter poderes fora do comum aos de uma bela mulher, ainda não sabe o que tenho a lhe dizer. Por certo, e jamais menosprezando sua inteligência, também não é coincidência anunciar sua visita quando sabe que Edmund não está em casa. Não o negarei. Ele sorriu minimamente. Mas insisto que não possui um mínimo motivo para temer minha presença. Não? Arqueei minha sobrancelha. Era muita petulância.
  • 51. Excetuando, talvez, o risco que corro em ter meu coração inerte... Não está me adulando em excesso, sir? Num único e preciso gesto, capturou minha mão e beijou-lhe o dorso com carinho. Seus olhos nos meus. É um risco que vale a pena correr... Um frio cobriu levemente minha espinha sob o veludo da voz dele. Milla. Meu estômago revirou, gelando, e meu corpo foi impelido a ficar ereto. Minha mão deixou o calor da dele. Asseguro-lhe que é um risco eminente, e maior do que supõe ditei, retirando meus azuis do contato visual. Edmund pode chegar a qualquer momento. Então, seria melhor conversarmos em outro lugar. Imitou meu gesto. Permita-me que a convide para uma volta. Mas sir... Estaremos sob a vista de todos sentenciou. E por que deveria aceitar? disse rascante. Havia algo em Abraham que me irritava. Provou-me, mais de uma vez, não ser uma pessoa digna de minha confiança. E está determinado a destruir alguém que prezo demais... Não estou a favor de Edmund, é fato, mas jamais atentaria contra sua reputação, senhorita. Sua voz soou séria demais; o que me chamou a atenção, fazendo-me fitá-lo. Há algo que quero mostrar-lhe. A mim? Sim, algo que pode fazê-la acreditar em minhas boas intenções. Em relação a quem? A você. Em outras palavras, algo que compromete Edmund.
  • 52. Gosta tanto dele assim ao ponto de negar qualquer evidência? Seu tom guardava algo além de incredulidade. Claro que não. Não há nada que possa mudar o fato de que possuo uma dívida com o Conde. Então não tem o que temer... Estendeu-me a mão. Ele continuará a salvo. Estreitei meu olhar sobre ele e deixei-me guiar para fora da casa. Será que um dia me perdoaria pelo passo que estava dando? O coche de Abraham traçou um caminho movimentado até a escola de Medicina, que eu conhecia de nome muito bem, pois não fora apenas um cadáver que eu vira ser vendido para os estudiosos. Curiosamente, não paramos na entrada principal, e sim, junto a uma pequena porta rodeada por heras, na lateral do edifício. Por segundos, enquanto Abraham se dirigia ao cocheiro, pensei em interpelá-lo sobre estarmos ali apenas os dois. Contudo, decidi deixar de lado minha exigência inicial e seguir meus instintos. Eu acreditava que ele havia descoberto algo que considerava muito importante para mudar minha opinião sobre o Conde. E, confesso, que estava curiosa em até aonde ele iria para isso. Ainda não estava convencida de que o súbito interesse de Abraham por mim não era fruto de algum plano para ficar mais perto de Edmund. Ainda assim, não atinava o motivo de tanto interesse de um pelo outro. Edmund já provara inúmeras vezes que possuía apenas certa tolerância a Abraham. Não compreendia muito Edmund, apenas o tanto que meu coração se deixava envolver por sua personalidade sedutora. Embora, esses momentos sempre esbarrassem na tristeza que toldava seus olhos castanhos. Não
  • 53. era como se ele não quisesse estar comigo, mas como se parte dele fosse inatingível. Acredito que aquela mulher, Elise, seja única capaz de romper aquela tristeza. A única que, definitivamente, o completa. Quando o vi com Isabella tive a certeza de que deveria manter meu coração longe do dele, pois eu jamais conseguiria agir como ela... Ter um homem em meus braços, mas não fazer parte de sua alma, de seus pensamentos a cada batida de um relógio. O som do sapato de Abraham me chamou de volta à realidade. Atravessávamos um corredor cujas portas ostentavam nomes variados e paramos diante da placa que grafava Van Helsing no dourado. Abraham girou a maçaneta e um anfiteatro surgiu sob meus pés. As fileiras de cadeiras desciam em cinco camadas até o centro, onde havia uma mesa. Abraham passou a minha frente e me ajudou a descer a diminuta escada. Passeou os olhos em meu rosto todo tempo enquanto eu me preocupava em pisar no meio do degrau estreito e não causar nenhum dano a mim ou a ele. Afinal, um passo em falso e rolaríamos até lá embaixo, efetivamente. Diga-me... ele sentenciou, mantendo meus dedos unidos aos dele. Não está surpresa? Eu segurava minha saia e tomava conta da altura a ser vencida quando devolvi: Com o fato de romper sua promessa, não; por me trazer, certamente não... Chegamos a último obstáculo e fixei meu olhar em seus verdes. Vejamos se me surpreende no que pretende me mostrar. Ele sorriu e inclinou-se para beijar minha mão. Era um belo homem, como costas largas e quadris levemente estreitos. A
  • 54. barba por fazer lhe dava um ar de desleixo momentâneo, negado pelo corte impecável de suas roupas. Os lábios roçaram levemente minha pele e me perdi na sensação poderosa de atrair dois homens tão diferentes... E ter a certeza de que, com um, certamente eu me perderia. Farei tudo ao meu alcance para não decepcioná-la ele ditou sob jades profundas. Por favor... Pediu ao abrir a porta ao fundo do anfiteatro. Fiz-lhe uma leve mesura e entrei na sala. Pilhas de livros travavam uma luta feroz com igual quantidade de vidros. Fosse alguém com estômago rebelde ou fraco, por natureza, se veria em maus lençóis ali dentro. Por um instante agradeci ter vivido em Whitechapel, jamais bancaria a tola diante de órgãos humanos ou animais conservados em formol. Havia uma escrivaninha ao canto sob pilhas de papéis, e um bancada ao fundo, próxima à janela, onde havia outros vidros menores com líquidos coloridos. Muitos vermelhos, numa textura aparente de sangue. Abraham se adiantou à mesa enquanto meus olhos se entretinham curiosos com tudo a minha volta. Eu gostaria que lesse isso... Estendeu-me um maço de papéis. Antes de qualquer coisa que eu venha a lhe mostrar. Corri meus azuis dele para os papéis, e novamente destes para seus verdes até tomar o maço para mim. Estreitei minhas sobrancelhas e procurei um acento, que prontamente ele arranjou. Eu não iria ler quase trinta páginas em pé. Ele, ao contrário, pôs-se junto à janela e cruzou os braços, olhando para fora. A lua ia alta, ainda que entre nuvens, e algo dentro de mim parara de questionar o que uma mulher solteira estaria fazendo com um homem como o doutor, dentro daquelas paredes escuras e silenciosas.
  • 55. Todavia, a leitura havia me apreendido a atenção. A história sobre Vlad III cresceu diante dos meus olhos extremamente atrativa e misteriosa. Quando me permiti interromper brevemente a leitura, questionei-me o que de fato me trouxera ali... A possibilidade de desvendar Edmund ou as teorias de Abraham? As horas passaram sem que eu percebesse, havia detalhes desde a divisão da família Basarab até as formas aterradoras como Drakulya tratava seus inimigos. A história verdadeira do homem se fundia às lendas locais, relatadas pelo povo da época, que via em seu suserano um ser com poderes inimagináveis, devido a sua postura sempre imponente. Foi assim que sempre encarei qualquer lenda: um nome verdadeiro com vários feitos fantasiosos. Todavia, admito que certos relatos provincianos me fizeram querer aprofundar mais na história. Eu agora estava diante de uma foto de Vlad e ele não me parecia familiar em nenhum ponto. E, bom, se Abraham acreditava que seres assim existiam, eu não tinha nada a acrescentar. Muito pelo contrário, sentia muitíssimo que desperdiçasse seu tempo e dinheiro em meros clichês. Nunca encontraram um corpo na tumba ele cortou meu pensamento como uma faca. Perdão? interpelei-o, deixando de lado ainda metade dos escritos. Agora inúmeros relatos de assassinatos em vários países, com perfurações semelhantes no pescoço, possuíam datas cada vez mais atuais. O lugar onde supostamente ele foi enterrado... Não há relato de corpos encontrados no local, exceto animais.
  • 56. Sei que isso talvez devesse tornar sua busca um pouco mais concreta, mas não pode descartar a possibilidade dele nunca ter sido enterrado ali? pausei, percebendo que os olhos dele escureceram. De certo, seu lado científico deve alertá-lo sobre os fatos mais reais. O que indica ser real também pode estar apoiado em outros fatos misteriosos ponderou Abraham. Eu o encarei séria. O que tanto quer provar a mim, sr. Van Helsing? Não quero concluir que me trouxe aqui apenas para ler essas histórias... Fatos corrigiu. Que seja. Era só isso? contrapus. Histórias de um suposto vampiro? Há relatos, como viu, de mortes com certas características... Sim, há cortei-o seca. Mas aonde quer chegar com isso? Conheço Edmund há anos iniciou, aproximando-se de mim Imagino que ele não tenha lhe contado isso. Não... Internamente me questionei o motivo de não saber daquele detalhe. Por hora, entretanto, apenas externei algo que não comprometesse Edmund: Nem havia motivo para isso. Ele me avaliou intensamente, deixando-me inquieta. Nos conhecemos há dez anos, na Bélgica prosseguiu com cuidado: Em um evento um tanto misterioso. Parece-me que mistério está se tornando a sua especialidade mais do que a ciência em si... Doutor sugeri irônica e ele me lançou um olhar penetrante, que atravessou como uma descarga elétrica o meu corpo.
  • 57. Srta. Sonieur não sou um homem dado a invenções ou mentiras disse-me levemente irritado. Há, ainda, outra coisa que desejo lhe mostrar... Não eram somente os papéis? alfinetei-o. Ele parecia gostar de me ver acuada; eu, por outro lado, gostava de ter as coisas sob controle. Creio que já leu o suficiente para compreender aonde quero chegar, ainda que, conscientemente, lhe seja inteligível. Eu realmente devo me opor a sua menção de que meu intelecto possa... Jamais a traria aqui e revelaria meu maior segredo, se não concebesse que você fosse capaz de compreendê-lo. Ele cerrou os pulsos, contendo a frustração eminente que o atravessou diante de minhas palavras. Em olhos fechados, prosseguiu: Permite-me continuar? Nos encaramos e eu poderia dizer que não era indiferente a sua presença, e a minha curiosidade, como gostaria de ser. Eu consenti lentamente, Abraham se tornara tão intrigante quanto Edmund. Estávamos em um clube... Era tarde da noite e muitos frequentadores estavam bêbados. Não se discutia mais política além dos muitos goles de bebidas que eram vertidos pausou. Eu confesso que meus sentidos não estavam plenamente ativos, mas jamais poderia esquecer o rosto daquele homem... Ele olhou para mim, mas não estava me vendo. Era como se visse além de mim, como se voltasse à cena. Ele entrou pelas sombras, seus olhos não demoraram mais que segundos para encontrar seu alvo. Contudo, não pareceu ter a mesma pressa em enfrentá-lo. Estávamos anestesiados, e foi impotente, que assisti as mesas e o chão se preencherem de sangue. Deixando um rastro viscoso até a
  • 58. mesa ao meu lado... Até... pausou. Nunca havia presenciado nada parecido. Um homem? estranhei, ainda que sua expressão de horror me mostrasse que não mentia. Sim... E ele não usou nada além de sua força e presas disse baixo, como se o terror daquela noite se espalhasse pela parede a nossa volta. Você disse, presas? E os olhos dele estavam nos meus, brilhantes. Eu só não tive o mesmo destino dos demais porque Edmund estava lá... Ele também é um sobrevivente? indaguei surpresa que alguém pudesse lidar com algo como aquilo facilmente. Os verdes escuros me fitaram em silêncio. Acho que chegou a hora de lhe mostrar algo mais, para que o que tenho a dizer sobre Edmund não lhe pareça um despautério... Sem nenhuma cerimônia, envolveu meu pulso com os dedos e me arrastou pela sala e, depois, pelo anfiteatro. Eu tropeçava em minha saia enquanto obrigava meu corpo a seguir o dele em passadas firmes pela escada e pelo corredor, até que alcançamos o ar livre e uma rajada de vento nos arrebatou. Aonde vamos? perguntei, tentando conter meus cabelos que se embolavam, impedindo-me de ver onde pisava. Precisa me prometer que não contará nada a ninguém, srta. Sonieur. Não contarei balbuciei, entrando numa pequena construção nos fundos da escola. Era térrea e lembrava um armazém. O vento parou de correr entre nós, mas ainda assobiava pelas frestas da madeira. Um cheiro fétido inundava o ar e
  • 59. tudo estava escuro a nossa volta. A mão de Abraham abandonou meu pulso e levei ambas as mãos ao entorno de meus braços. O cheiro estava cada vez mais forte e começava a me enjoar, era como se algo estivesse decompondo. Um animal, ou quem sabe... Um arrepio correu minha espinha e Abraham acendeu um lampião, que trouxe até mim. Minhas pernas bambearam e o complemento da frase cobriu meus lábios, ainda que sem som: um corpo. Todavia, o que me estarreceu, foi o que o lampião iluminou quando Abraham o colocou a nossa frente. Havia algo oscilando a um metro do chão, amarrado com grossas correntes a duas colunas de madeira, que serviam de sustentação à estrutura do telhado. O-o que é isso? Eu não podia negar que estava assustada. Isso, srta. Sonieur, foi algo que cacei ontem à noite. Ele se afastou de mim e se colocou junto ao farnel de tecidos, removendo a sua parte superior, e para meu desespero total, revelando uma grande cascata de cabelos castanhos enquanto era retirado. E, depois, deixando a mostra uma cabeça de mulher muito pálida, que tombou para o lado. Ah meu Deus! grunhi, levando minhas mãos aos lábios e andando para trás. O que você fez a ela? Eu? Ele me fitou surpreso e deu um passo em minha direção. Não se aproxime retruquei. Não sou uma mulher qualquer afirmei convicta. Sou cheia de surpresas. Continuei recuando. Acha que a matei? Ela está mesmo morta? indaguei indignada pela audácia dele e analisando minha rota de fuga. Como eu
  • 60. pudera ser tão tola? Várias moças haviam sido atacadas em Whitechapel, e não conseguiam pegar o homem que as mutilava. Quem sabe o segredo de tal falha era porque ele era um médico? Uma náusea profunda tomou conta de mim. Minha pele resfriou. Abraham Van Helsing era o assassino? Srta. Sonieur, sei o que está pensando... Eu duvido muito tentei desviar a atenção dele. Sabe, Edmund deve estar sentindo minha falta e... Droga! ele berrou e eu estremeci. Ele é um monstro! Deixá-lo raivoso não era uma boa tática. Não há monstros aqui. Tentei ser complacente. Sim há ele retrucou e apontou para a mulher. Este é um deles! Deus, como eu podia ter sido tão imprudente e ter confiado em Abraham? Conjecturei várias teorias, mas todas péssimas. A porta por onde entramos estava trancada, e as janelas eram estreitas e raras; e o pior, não trouxera meu punhal. Certo... Você acredita que ela seja um monstro. Ela é. E voltou-se para o corpo. E vou lhe provar. De dentro do sobretudo, ele sacou um punhal e avançou contra a mulher, eu gritei enquanto o imitava em passo largos: Abraham não! Então, ele fez algo absurdamente estranho, olhou para mim e cortou seu antebraço, fazendo o sangue pingar pela bochecha e lábios da mulher. Como num espasmo, o corpo abriu os olhos enquanto a língua passeava afoita pelas gotas do líquido. Horrorizada, eu recuei vários passos e vi a mulher se projetar na direção de Abraham, que voltou-se para mim, conforme fazia um torquinete em seu antebraço com o próprio lenço.
  • 61. Eu ainda olhava dele para a mulher, aterrorizada. Ele preocupava-se em dar um nó ao lenço quando ela esticou o braço e o segurou pela lapela do casaco. Soltei um grito estridente enquanto ele livrava-se do aperto. Acredito... resfolegou que agora poderá me ouvir com mais atenção, srta. Sonieur. Eu assenti, em semblante aflito, enquanto a criatura me sorria. Abraham fitou-a com desprezo, puxando-me para longe dela. Foi exatamente isso, o que me atacou aquela noite no clube. Eu não conseguia deixar de olhar a mulher, sua pele pálida e macilenta, seus olhos sem brilho e parte da fronte ainda coberta de sangue, que sua língua tentava inutilmente alcançar. Não entendo... balbuciei. No mesmo instante em que Abraham se preparava para me responder, um estrondo fez tremer todo lugar. Não só o chão, como as paredes e o teto, e um vento frio e cheiro de chuva adentrou o lugar. Não havia brilho na noite, ainda que o céu estivesse sobre parte do galpão. Os verdes dele passearam por todo o lugar e, instintivamente, segurei em sua mão. A mulher gargalhou e uma voz poderosa preencheu todo lugar, sem que conseguíssemos designar de onde vinha. Talvez eu possa lhe esclarecer algumas dúvidas, minha jovem. Mestre... a mulher sibilou deliciada, fechando os olhos. Com a mesma presteza, Abraham se desvencilhou de mim e, para minha total surpresa, sacou uma pistola. Fique atrás de mim.
  • 62. Parece que dessa vez não está com seu arsenal de caça, doutor a voz masculina prosseguiu. Vocês se conhecem? Não tive como não indagar. Digamos que eu e doutor temos assuntos inacabados a resposta veio de algum lugar a nossa frente. Deus sabe que tentei ignorá-lo... soou mais irônico do que deveria. Mas a curiosidade tende a meter os humanos em situações que não controlam. E, sem um mínimo ruído, um homem moreno se destacou da escuridão do galpão. Thryn... Você realmente o conhece? murmurei. Sim e não sentenciou o moreno, parando ao lado da mulher. Como ele mesmo disse, estávamos num mesmo clube, numa certa data especial. Sorriu. Todavia, tenho certeza de que não me apresentei a nenhuma das pessoas ali. E, devo admitir, que não cometerei o mesmo erro esta noite, srta. Sonieur. Oh... sabe meu nome estava surpresa. Não vai tocá-la. Abraham se colocou a minha frente. Ora, eu não era uma mulher indefesa! Interessante... Ele voltou a sorrir, e mesmo que fosse um belo homem com um porte austero, não gostei de vê-lo daquela forma. Não pensava que seria tão fácil. Pegue sua cria e vá embora determinou o Van Helsing. Mestre, por favor... a mulher sibilou novamente. E, com apenas uma mão, e os verdes sobre nós, ele quebrou-lhe o pescoço. Mudança de planos Abraham... Avançou para nós, devagar, enquanto retirava uma espada do sobretudo. Você está com algo que eu desejo.
  • 63. Quando eu disser para correr, faça Abraham disse baixo. Há uma espada junto à porta, pegue-a. Será sua única chance de defesa. Algo que vai me trazer Edmund completou, andando mais rápido. Houve um estampido seguido da ordem: Corre. Eu não olhei para trás, apenas fiz o que Abraham sentenciou, ainda que meu coração falhasse ao ouvir o segundo estampido. Tateei a madeira e quando senti o metal, o empunhei. Voltei-me para Abraham e tudo que vi foram aqueles verdes sobre mim. Quer brincar, boneca? A espada dele desceu certeira, mas eu a impedi. Será que sabe mesmo o que está fazendo? Eu respirava rápido, a espada em riste enquanto via Abraham se erguer do chão e vir em nossa direção. O louro fechou os olhos, murmurando: Que tolo! Sorriu e os abriu em rubros para mim. Diga, princesa, o que prefere... Continuar fingindo que duelamos e eu o mato, sem nenhum remorso; ou prefere baixar essa espada e deixar o doutor vivo? Eu tremi, hesitei, olhado dele para Abraham que se aproximava claudicante, com sangue escorrendo da perna. Minha paciência é pequena, tem dois segundos... Eu vou disse, atirando a espada ao chão, na direção de Abraham, que parou ao som do barulho do metal colidindo com o chão. Boa menina. Ele se aproximou de mim e enlaçou-me a cintura, levando-me com ele, num salto preciso para cima do telhado. Milla! Abraham ainda tentou me segurar.
  • 64. Dê um recado a Edmund, doutor... Se ele quiser a mulher de volta, que venha até mim. A chuva voltou a cair impunemente sobre Londres, e minha última lembrança foi Abraham com a mão estirada em minha direção. Depois disso, as sombras nos engoliram. *** Eu tamborilava os dedos no braço da poltrona, ouvindo o crepitar da lenha na lareira e tentando mensurar a falta de senso de Milla ao sair com o doutor. Cada nervo meu gritava absurdos, não o nego. Minha parte humana, infelizmente, é extremamente machista e não comporta outro macho em mesmo território; todavia, a parte racional de meu ser estava conformada em abrir mão da jovem e seguir meu caminho, sem deixar-me alquebrar como a Truzzi sugerira. Contudo, a sequencia de arremessos de uma mão contra a porta de entrada de minha casa, num ritmo frenético, aborreceu-me o suficiente para quase me fazer perder a compostura. Lyod deveria estar deitado a uma hora daquelas, não administra hábitos noturnos tão bem como eu. É um humano como outro qualquer. Atei firmemente o robe a minha cintura, irritado, e me ergui da poltrona, deixando a biblioteca no exato momento em que a porta foi aberta e um Van Helsing ensopado, gotejava sob o batente de minha porta. Deixe-o comigo, Lyod... sentenciei, avançando na direção de ambos. Como quiser milorde deferiu, olhando para mim e se curvando, para dar início a sua volta a ala dos empregados.
  • 65. Aproximei-me dele, alisando o cavanhaque para me acalmar. Certamente gostaria de matá-lo. Onde está Milla? É o que você vai me dizer. Ele me encarou, passando por mim e entrando na casa. Usei de meu sorriso mais sardônico para introduzi-lo na biblioteca. Aparentemente, veio para conversar... Permita-me. Indiquei-lhe a porta e ele assim prosseguiu. Aproximou-se rápido do fogo e esfregou as mãos. Era certo que aquela chuva não lhe faria bem, encharcado como estava da cabeça aos pés. Havia uma casaca descansando sobre o espaldar da cadeira, junto à escrivaninha. Peguei-a e atirei-a a Abraham. Vista ordenei. Antes que não saiba dizer nada sobre o que aconteceu a srta. Sonieur. Ele se desfez de sua casaca e cobriu-se com a minha. Eu poderia dizer o mesmo a você rebateu irritado. Nunca entendi porque a escolheu entre tantas mulheres de Whitechapel. Eu sorri e me sentei na poltrona mais próxima, mordendo meu indicador. Era uma das perguntas que me fazia, desde que comecei a observá-la, mas apesar do início dessa história não ser muito claro em relação a isso, o que me levou a Whitechapel e, posteriormente, a Milla, foi exatamente o doutor. A conveniência de Sir Allan tê-la trazido até mim foi tão somente obra do destino. Uma daquelas armadilhas que você se pergunta se a sorte, que os humanos tanto clamam, existe. Milla, de fato, não me era desconhecida completamente. Não desde que começara a querer saber mais sobre o
  • 66. doutor, já que ele resolvera se meter em meus negócios. Nada melhor do que conhecer os dele, porém, isso resultou em algo inusitado. Ainda que a jovem jamais tivesse travado qualquer diálogo com Abraham, como também não o fizera com inúmeros de seus admiradores secretos, este se demorava demasiado quando estava próximo a ela, quer fosse somente para sentir-lhe o perfume. Como observador externo, eu poderia dizer que ele fazia visitas a mais a seus pacientes, do que o estado deles necessitava. Pobre doutor, deveria viver com receio de que sua família jamais a aceitasse. Francesa e pobre, uma agressão completa à sociedade em que Abraham circulava, assim como ao seu futuro, que não tenho dúvidas, será esplêndido. Está posto, então, de forma devidamente clara que ainda que contando com a sorte ter Milla comigo não era só pela intensa fascinação que ela, como mulher, exercia em mim desde sempre, mas era um trunfo contra Abraham. Ela é uma mulher fascinante sentenciei sério. Não é só bela, como é inteligente e tem espírito. Não é só um jogo, não é? Desviou os verdes de mim. Achei que a queria para me afrontar. As chamas da lareira estavam refletidas em seus olhos e, ouso dizer, também em seu coração. Meu caro Abraham... prossegui, erguendo-me e pondo as mãos em seus ombros. Ela é encantadora sugeri ao pé de seu ouvido: Nenhum homem seria suficientemente idiota em negá-lo, ou mentir, dizendo não desejá-la. Ele voltou-se para mim tão rápido, que eu não recuei e deixei-o envolver meu pescoço com suas mãos.
  • 67. Vá em frente... Ele apertou com força e eu realmente fiquei sem ar. Não funciono como os vampiros. Devo ter assustado-o com isso, pois ele me soltou e recuou. O que é você? Surpreso que não sou um vampiro...? Ajeitei meu robe. É, não sou. Mas também não sou humano como você. Eu me curo rápido, ando a luz do dia, respiro, como, faço sexo... Sou capaz de manipular seu pensamento, os elementos; tenho uma velocidade surpreendente também. E, claro, preciso de sangue. Não tanto que precise sorvê-lo até a morte, e nem com tanta frequência que justifique ataques a humanos. Eu sou algo que definitivamente não conhece, Abraham, mas convivo com vocês desde que o mundo é mundo. Eu sou um imortal, e sinto muito que a minha espécie seja responsável por pessoas como Thryn estarem a solta em sua sociedade. Como sente muito por Thryn estar a solta? Somos responsáveis por seres como Thryn. Vampiros? indagou. Mão necessariamente. Seus seguidores, sim, são o que vocês chamam de vampiros. Quanto a ele existem possibilidades... Como assim? esbravejou. É complicado explicar. Experimente. Ele foi adotado por um dos 7 Clãs Principais, porém, nunca soubemos a origem de Thryn. Ele age como um vampiro, cria renegados que os servem, mas eu não tenho tanta certeza de que seja igual a eles.
  • 68. Pois é bom que saiba como matá-lo rangeu Abraham, os olhos em fúria. Porque se Milla morrer, não me importa quem ou o que você é, eu te mato. Eu sorri. *** Não foi difícil, desta vez, seguir o rastro de Thryn. O que deixava explícito, claramente, aos meus sentidos, seu convite para uma visita. Porém, tão bem quanto eu, ele sabia que não iria só, e Van Helsing não era toda ajuda de que eu precisava para enfrentá-lo. O curioso, entretanto, foi o local peculiar que Thryn escolheu para utilizar de esconderijo: uma locomotiva, que sibilava sobre os trilhos na estação de King Cross. Ainda que Julliana me fitasse estranhamente, não havia um resquício de dúvida em mim que Thryn havia embarcado; e, muito provavelmente, não só ele. Eu diria que foi uma excelente escolha ela ponderou ao passar por mim e Abraham, que a fitou longamente. Ela também é uma de vocês? Estava pronto a responder, quando a Truzzi o fez, sob um sorriso: Não... prosseguiu com um olhar intenso. Mas já cheguei a cogitar ser um vampiro, e ter o prazer sublime de me livrar de pessoas inconvenientes. Isso foi uma ameaça? Abraham sugeriu, subindo atrás dela. Não, foi um aviso. Nesse exato momento, o trem e pôs em movimento.
  • 69. O corpo dela oscilou, e Abraham que estava logo atrás , enlaçou-a pela cintura num reflexo. Os olhos dela flamejaram nos verdes, e pisou firme com a bota no último degrau, fazendo seu corpo inclinar para frente e deixar, bruscamente, os dedos do doutor. Ela é o que afinal? Voltou-se para mim, levemente irritado. Uma caçadora eu disse com cuidado. Desde que criamos o Conselho, e impomos regras a nossa sociedade, contamos com a ajuda da Sociedade de Órion. São humanos treinados por nós, para combater e caçar renegados, protegendo-nos. Deixando-nos no anonimato. Eu não confio nela ditou sem rodeios. Eu não o culpo por isso disse, tomando a frente no corredor. As sobrancelhas de Abraham arquearam. Então, por que a trouxe? Porque ela é uma das melhores, e, nessa questão em especial, temos um objetivo em comum. Passamos pelos corredores estreitos dos vagões leitos e, quando íamos em direção aos de carga, a cabeleira ruiva da Truzzi surgiu em nosso campo de visão. É pior do que eu imaginava... respirou rápido e o vagão chacoalhou, acelerando a locomotiva. Os olhos dela estavam nos meus, sérios. Não acredito que eles pensem deixar essas pessoas ilesas. ofegou. Mas há pelo menos uma centena de pessoas embarcadas agitou-se o Van Helsing. Como vamos salvá-las? Um sorriso torto brotou nos lábios da ruiva. Você é o doutor aqui...
  • 70. E você, me disseram, o gênio devolveu com igual sarcasmo. Parem os dois intervi. Seus homens embarcaram antes de nós voltei-me para Julliana , estão posicionados? Sim... Mas sou obrigada a dizer que eles estão em grande vantagem numérica. Isso nunca foi um problema para você sentenciei irônico, fixando meus castanhos no doutor. Abraham, nós vamos avançar... Você vai descobrir um meio de descarrilar os outros vagões. Mas... Milla sentenciou atônito. Pus minha mão no ombro dele. Eu a manterei em segurança até que tenha feito o que lhe peço. E, num único movimento, retirei minha espada do sobretudo. Inusitado, entretanto, foi a expressão de Abraham quando a Truzzi rolou suas duas foices no ar. Você realmente sabe usar isso? Eu adoraria matar a sua curiosidade... Deu-lhe às costas. Qualquer dia desses. E sumiu na passagem escura que se formava com a porta do vagão aberta e o céu coberto de nuvens lá fora. A brisa soprou forte no corredor e eu a segui. *** Relato de Abraham, ouvido após uma deliciosa chávena num pequeno apartamento, recém-decorado, à beira do Tâmisa.