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Revista
do professor de educação infantil
Entrevista
Manuel J. Sarmento
Reportagem
Proinfantil
Relato
Ser negro,
ser brasileiro
Educação no campo
D
ezembro 20
07
Minist
ériodaEdu
cação
45
expediente
Presidência
Ministério da Educação
Secretaria Executiva
Secretaria de Educação Básica
Departamento de Políticas da Educação Infantil e Ensino Fundamental
Coordenação de Educação Infantil
Consultora Editorial
Vitória Líbia Barreto de Faria
Jornalista Responsável
Adriana Maricato - MTB 024546/SP
Editor
Alex Criado
Reportagem
Bernardete Toneto, Iracema Nascimento, Sílvio Demétrio, Stela Rosa
Direção de Arte
TDA Comunicação
Criação e Projeto Gráfico
Letícia Neves Soares
Diagramação
Joana França
Fotografias
Douglas Mansur, Jarbas Vasconcelos, José Euripedes, Lidiney Campiol e Tatiana Cardeal
Revisão
Roberta Gomes
Foto Capa	
Douglas Mansur
Envie cartas para o endereço:
Ministério da Educação – Coordenação-Geral de Educação Infantil – DPE/SEB
Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede, 6o
andar – Sala 623
70047-900 Brasília (DF). Tel: (61) 2104 8645
E-mail: revistacrianca@mec.gov.br
Tiragem desta edição: 200 mil exemplares
Dezembro de 2007
Ministério
da Educação
revista criança 3
sumário
carta ao professor
entrevista
Culturas Infantis e direitos das crianças
caleidoscópio
A Educação Infantil a partir do Fundeb
Os impactos do Fundeb numa capital
Municípios de pequeno porte e a educação infantil:
a experiência de Castro
professor faz literatura
Encontro das águas
matéria de capa
Educação no campo: a experiência do Movimento Sem Terra
artigo	
Diálogos e interações com as crianças de 0 a 3 anos:
desafios para as instituições de educação infantil
relato	
Ser negro, ser brasileiro
reportagem	
Proinfantil valoriza professoras e professores e modifica
a educação das crianças
resenha
notas	
cartas
5 19 34
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5
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18
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30
34
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40
41
revista criança4
carta ao professor
	 Prezado (a) professor (a)
A criação e implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bá-
sica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) levanta várias questões: que
mudanças o Fundeb traz para a educação infantil? Até que ponto este Fundo vai solucionar
os problemas da área? Para ajudar esta reflexão, a seção Caleidoscópio traz um artigo de
Vital Didonet, especialista em política de educação infantil e membro ativo do movimento
em prol da inclusão das creches no Fundeb. A seção traz, ainda, dois artigos de secretários
municipais de educação, sensíveis à educação da criança de 0 a 6 anos.
Este número apresenta também uma Entrevista com Manuel Sarmento, professor da
Universidade do Minho, em Portugal, e estudioso da Sociologia da infância. O pesqui-
sador nos fala de culturas infantis e ressalta que a valorização das várias formas de
manifestação da criança está subjacente à garantia de seus direitos.
Tais direitos são tratados na Matéria sobre as Cirandas de Educação do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A matéria mostra como o MST faz valer o
direito à educação das crianças pequenas que vivem nos acampamentos.
Érika Pereira, no relato Ser negro, ser brasileiro, discute como é possível provocar,
em uma turma de educação infantil, a reflexão sobre idéias e comportamentos precon-
ceituosos em relação à raça negra.
O Proinfantil recebe uma atenção especial neste número, em uma Reportagem que evi-
dencia seu impacto no trabalho desenvolvido pelos professores e, mais ainda, na concepção
e valorização da educação infantil por parte das famílias e dos gestores municipais.
Partindo de uma demanda de professores e de formadores, Daniela Guimarães, con-
sultora da Coordenação Geral de Educação Infantil, nos fala em seu Artigo do desafio
de modificar as concepções tradicionais e atuar como mediador entre as crianças de 0 a
3 anos e o mundo que as rodeia.
Nessa perspectiva, lembramos do papel da Revista Criança como mediadora da rela-
ção da coordenação com todos os professores brasileiros de educação infantil, estejam
onde estiverem. Sendo assim, consideramos fundamental que continuem nos escrevendo
e enviando suas contribuições e questões, pois temos o maior prazer de publicá-las ou
respondê-las, fora ou dentro do espaço da Revista.
Boa leitura!
revista criança4
revista criança 5
entrevista
Manuel J. Sarmento
Culturas Infantis
e direitos das crianças
Iracema Nascimento | São Paulo/SP
Professor titular do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, em Portugal, Manuel J.
Sarmento também coordena o mestrado em Sociologia da Infância, programa de pós-graduação pioneiro
no mundo. É interlocutor permanente de pesquisas sobre infância e dos programas de educação infantil no
Brasil. Em visita ao nosso País para participar de uma banca de doutorado, Manuel J. Sarmento concedeu
uma entrevista exclusiva à Revista Criança.
Gostaria que o senhor fa-
lasse um pouco de como sur-
giu seu interesse pela área
da infância.
Comecei fazendo licenciatura
em Estudos Portugueses, quan-
do não havia em Portugal nenhum
curso superior no âmbito das ci-
ênciais sociais, pois o regime
fascista que terminou em 1974
não permitia cursos nas áreas de
sociologia e de antropologia. Fui
professor no sistema público e,
assim, me aproximei do universo
das crianças. Fiz mestrado sobre
escola primária, com foco nos
professores. Meu doutorado foi
sobre as lógicas de ação na es-
cola. Assim me aproximei da si-
tuação das crianças, não apenas
como alunos, mas também como
membros da sociedade, atores
sociais, que têm formas próprias
de interpretação da cultura social
e da produção cultural. É nesse
momento que me deparo com
manifestação,quenemsempresão
valorizadas e que não decorrem
explicitamente de uma consciência
reflexiva, mas que se exprimem na
prática, sob modos de comporta-
mentos, e sob alguns elementos
da simbolização que não necessa-
riamente a linguagem verbal.
Eu mesmo tenho estudado de-
senhos de crianças como expres-
são simbólica, que configuram
não apenas registros individuais
da expressão de uma criatividade
singular, mas que exprimem tam-
bém formas de codificação, que
são necessariamente culturais, de
representação do mundo. E que
são claramente atravessados pela
dimensão geracional. O desenho
das crianças possui especificida-
des demarcadas e são normal-
mente os melhores desenhos que
os seres humanos fazem ao longo
de suas vidas. Mesmo com crian-
ças muito pequenas é possível,
por meio de formas que incitam
a imaginação, ouvir sua opinião.
o campo emergente da Socio-
logia da Infância, que estava em
fase de forte consolidação. Meu
trabalho é uma reflexão sobre os
modos de vida das crianças, suas
competências no plano cultural
e social e o modo como elas se
relacionam com os outros, com a
natureza e com a sociedade.
O senhor fala de partici-
pação da criança no espaço
educativo. Como é possível
facilitar essa participação
para as crianças pequenas
nas creches e pré-escolas?
Isso tem a ver basicamente com
a capacidade de entendimento
dessa voz como algo “cinestési-
co” e que se exprime não apenas
por palavras, mas simultânemente
também por gestos, por postu-
ras culturais, por desenhos etc.
Pesquisas com crianças têm bus-
cado olhar para essas formas de
©TatianaCardeal
revista criança 5
revista criança6
entrevista
Os educadores que mobilizam a
participação das crianças sabem
que elas são absolutamente inci-
sivas na configuração do espa-
ço-tempo do jardim da infância,
no modo de agir exatamente a
partir daquilo que é expressão
de sua vontade.
O senhor também fala em
cultura infantil. O que a carac-
teriza e como ela se relaciona
com a educação infantil?
Na última década, houve avan-
ços muito significativos na pesqui-
sa sobre culturas infantis a partir,
sobretudo, da abordagem da so-
ciologia, da antropologia e mais
recentemente da sociolingüística.
A tese fundamental é que, como
membros da sociedade, as crian-
ças herdam a cultura dos adultos
e são socializadas nesta cultura
a partir das interações com seus
pais e com outros familiares. Mas
elas próprias produzem cultura. O
modo de interpretação do mundo
pelas crianças é marcado pela al-
teridade em relação aos adultos.
Alguns trabalhos em que estou
envolvido têm contribuído para
configurar as culturas infantis em
torno de quatro eixos.
Em primeiro lugar, as culturas
infantis integram de forma espe-
cífica uma ludicidade que não é
exclusiva das crianças. Outro eixo
é a interatividade. À medida que
elas realizam seu processo cul-
tural interativa e continuamente,
imitam as outras crianças, o que
podemos observar nos jogos,
nas brincadeiras e em padrões
de desenho de meninos e meni-
nas de várias partes do mundo.
É um processo de transmissão
cultural intrageracional.
Um terceiro eixo é o da transpo-
sição fantástica do real, da ligação
entre imaginação e realidade, da
ficcionalização, que é própria, por
exemplo, da literatura, da poesia,
do cinema. Nas crianças, esse
processo é continuamente ativado
pelo jogo simbólico. Para elas, isso
representa a possibilidade de ex-
plorarem imaginariamente aspectos
da vida que as preparam para lidar
com situações reais no futuro.
Finalmente, a questão da inte-
ração temporal, pela idéia de que
tudo pode começar novamente,
em um tempo que não é linear, não
tem princípio nem fim, mas é cícli-
co e se desenvolve em espiral.
Acredito que, seja na educação
infantil, seja no ensino fundamental,
a educação pode fazer a tradução
entre a cultura escolar e as cultu-
ras infantis. Significa potencializar
esses modos de simbolização do
real no trabalho pedagógico. Há
uma tendência de que algo seja
construído nesse sentido, a partir
da educação infantil e das propos-
tas da pedagogia da infância.
Suponho que é possível fazer
um trabalho educativo que não
se centre apenas na dimensão
cognitiva do aluno, que não fe-
che a porta para a criança que
vive em cada aluno. É possível
fazer que essa dimensão cogni-
tiva aproveite as qualidades dos
pequenos e, portanto, apreenda
também sua forma de relação
com a cultura e seu modo de in-
teração com os outros.
A partir da abordagem das
culturas infantis, o senhor
acha que as crianças pode-
riam resistir à “colonização
do imaginário”, ou seja, re-
agir criticamente aos valores
dos adultos?
Do meu ponto de vista, as
crianças têm em si condições de
resistência a essa colonização.
É absolutamente essencial que
seja feito um trabalho de desven-
damento e desconstrução desse
processo de colonização, quer no
plano analítico da teoria, quer no
plano prático, das intervenções
educativas junto às crianças, de
modo a permitir que elas assu-
mam atitude crítica em relação
às diferentes formas que querem
induzi-las a consumidores com-
pulsivos.
O grande trabalho dos edu-
cadores é o da mediação. Isso
implica, portanto, incluir e excluir
dimensões culturais, permitindo
que a criança tenha a possibilida-
de de discernir e destruir critica-
mente o que é inaceitável, como,
por exemplo, o preconceito.
Em seu doutorado, o senhor
buscou responder à questão
de como construir uma escola
assentada em uma visão crí-
tica de promoção dos direitos
da criança. Quais são as res-
postas para tal questão hoje?
Essas respostas podem ser
encontradas no plano teórico e no
plano prático. Interesso-me mui-
to pelas escolas democráticas e
revista criança6 revista criança6
revista criança 7
entrevista
pelo modo como elas constituem
contextos educativos, em que as
crianças não são despossuídas de
poder, mas envolvidas na constru-
ção do cotidiano escolar. A esco-
la lida com uma cultura que, em
larga medida, está previamente
construída. Mas as crianças não
são elementos meramente pas-
sivos na aquisição dessa cultura.
À medida que participam do pro-
cesso de assimilação da cultura,
trazem consigo as culturas comu-
nitárias em que foram enraizadas
e os elementos de suas culturas
infantis. Desse modo, a escola
passa a ser espaço de tradução
de múltiplos códigos entre a cul-
tura propriamente escolar e as
culturas de origem.
O respeito pela diferença de
cada criança, pela singularidade
de cada ser humano e pela alte-
ridade da condição geracional é
central na configuração de uma
escola democrática e de uma es-
cola dos direitos da criança. Não
é um espaço que visa estabele-
cer divisões. Ao contrário, inclui
essas diferenças, em contínuo
trabalho pela igualdade a par-
tir das diferenças. Algumas es-
colas vêm desenvolvendo esse
trabalho, as quais assumem as
crianças não como consumi-
dores, mas como sujeitos. Isso
contribui decisivamente para a
construção da utopia possível
de uma escola que não seja o
lugar institucional do desapos-
samento das crianças e de sua
alteridade, mas, ao contrário,
o lugar onde essa alteridade é
constitutiva do processo de co-
municação cultural.
Quais são os desafios que
as professoras da educação
infantil devem enfrentar para
tornar esta escola possível?
Eu costumo dizer que as profes-
soras e os professores vivem hoje
um dilema: a desprofissionalização
e a brutalização versus a huma-
nização do seu trabalho. Existem
elementos políticos que pressio-
nam fortemente no sentido da
desprofissionalização do trabalho
dos professores, como a redução
do seu estatuto social. Mas, prin-
cipalmente, os fatores reguladores
do trabalho docente: recomenda-
ções, regulações, fichas de traba-
lho, modos operativos que resul-
tam de um mercado educacional
bastante competitivo e que res-
tringem tanto sua capacidade de
criar os próprios instrumentos de
trabalho, quanto sua autonomia
de interação com os outros profis-
sionais, com as crianças e com as
comunidades.
Em contrapartida, os professo-
res podem se aproximar dos alu-
nos e desenvolver seu trabalho a
partir da análise da especificidade
das crianças e das comunidades.
O professor é alguém que tem o
privilégio de fazer a tradução entre
a cultura de que é portador e que
precisa comunicar e as culturas
que as crianças trazem das suas
comunidades e das interações in-
trageracionais das culturas infantis.
Esse é um trabalho profundamente
humanizador. Os professores pre-
cisam acreditar muito seriamente
na sua capacidade de utilizar a au-
tonomia relativa.
revista criança 7
©TatianaCardeal
revista criança 7
revista criança8
entrevista
A Sociologia da Infância
tem conseguido influenciar os
processos de formação inicial
dos educadores?
A Sociologia da Infância é hoje
uma área científica que tem tido
influência em vários programas de
formação dos profissionais que
lidam com crianças, não só na
Europa, mas também em vários
países do mundo.
A formação dos profissionais
da infância necessita da Socio-
logia da Infância, no quadro das
relações interdisciplinares que são
absolutamente essenciais, para
totalizar os estudos sobre a con-
dição biopsicossocial da criança,
que não mais pode ser isolada
como aconteceu na ciência no
século 20.
Como o senhor analisa os
projetos de educação infantil
no Brasil e, sobretudo, como
as experiências européias po-
dem inspirar as experiências
brasileiras e vice-versa?
A realidade brasileira é profun-
damente diversa e multifacetada,
o que a faz extraordinariamente
sedutora para um visitante es-
trangeiro, sobretudo para alguém
de um pequeno país como é Por-
tugal. No Brasil, há ligação muito
profunda entre a universidade e a
sociedade, o que não acontece na
Europa. A universidade européia é,
em geral, ainda uma estrutura de
marfim, que não se deixa contami-
nar pela sociedade à sua volta.
Sobre a infância, em particular
para um observador europeu, é
muito sensível o dualismo do sis-
tema educacional brasileiro, que
coloca as crianças das classes
médias em escolas privadas e as
crianças das classes populares
em escolas públicas. Essa não é
de fato a realidade portuguesa,
em que a escola é predominan-
temente interclassista, ainda que
haja desigualdades.
O segundo ponto é exatamen-
te o modo como os educadores
trabalham junto às classes popu-
lares, no sentido de garantir que
as crianças possam, de algum
modo, ser socialmente incluídas,
e que possam fazer da sua forma-
ção instrumento de ruptura contra
a desigualdade social. Esse é um
ponto fundamental e com o qual
podemos aprender muito.
Tenho tido o privilégio de acom-
panhar alguns projetos e interven-
ções junto a classes populares
no Brasil e essa perspectiva vem
crescendo no trabalho educativo
e suponho também que o mesmo
se passa com as políticas públi-
cas de alguns municípios.
Como o senhor percebe a
atuação das educadoras bra-
sileiras na área da educação
infantil?
Eu sinto nas educadoras e pro-
fessoras brasileiras um enorme
desejo de alargar e ampliar sua
formação, de continuamente se
atualizarem e serem capazes de
compreender o que está se pas-
sando à sua volta e encontrar ins-
trumentos para seu trabalho, algo
que não encontro na Europa. Isso
é extremamente positivo.
Também vejo uma consciência
social alargada das educadoras,
genuinamente preocupadas, não
apenas quanto ao sofrimento in-
dividual de algumas crianças,
mas também com as dimensões
sociais. Nas minhas experiências
de visitas a creches e pré-escolas,
observo enorme coragem pessoal
das educadoras. Essas são con-
dições absolutamente necessá-
rias, embora não suficientes, para
que as instituições se renovem e
para que uma educação apoiada
na visão crítica e nos direitos das
crianças possa ter lugar.•
revista criança8 revista criança8
©TatianaCardeal
caleidoscópio
O que muda na educação infantil com
a implantação do Fundeb?
A última edição da Revista Criança apresentou
uma reportagem sobre a aprovação do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – Fundeb. Como sabemos, as coisas
não se modificarão imediatamente e nem tudo
está resolvido: ganhamos apenas mais uma ba-
talha. A grande pergunta que se coloca agora,
para todas as pessoas comprometidas com a
infância nos municípios é: como fica a educação
infantil, após a aprovação do fundo? É esse o
tema do nosso Caleidoscópio desta edição.
Para tratar da temática convidamos Vital Di-
donet, militante histórico da causas da educação
infantil no Brasil, especialmente do Fundeb, que
apresenta de forma clara e objetiva o que muda na
educação infantil com a implantação desse fundo.
Convidamos também dois secretários mu-
nicipais de educação: Raimundo Moacir Men-
des Feitosa, de uma capital- São Luís; e Carlos
Eduardo Sanches, de um município de peque-
no porte - Castro. Eles abordam os desafios da
educação Infantil de suas cidades, no contexto
do novo fundo.
revista criança10
caleidoscópio
A educação infantil
a partir do Fundeb
Vital Didonet*
* Mestre em Educação e trabalha há 25 anos em políticas públicas de educação, especialmente de educação infantil, no Brasil e em diversos países.
Protagonizamos um acontecimento histórico de grande conseqüência para o desenvolvimento da educa-
ção infantil no Brasil: a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valo-
rização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Instituído por emenda constitucional, o Fundo vai financiar,
por 14 anos, as três etapas da educação básica, nas suas diferentes modalidades.
O que muda para a
educação infantil?
A garantia de recursos. Teori-
camente, recursos sempre hou-
ve, porque no âmbito municipal, a
educação infantil e o ensino funda-
mental devem ser financiados com
os 25% da receita de impostos,
inclusive das transferências (de
FPM, ICMS, entre outras). A práti-
ca, entretanto, era outra. A creche
e a pré-escola sempre foram os
“primos pobres” da educação.
A penúria foi responsável pelo in-
suficiente atendimento da deman-
da, especialmente nas classes de
renda mais baixa e pela qualidade
deplorável de muitas instituições.
A proliferação de “escolinhas de
fundo de quintal” ocorreu porque
os pais, desesperadamente, pro-
curavam onde deixar seus filhos
pequenos enquanto iam para o
trabalho. Paralelamente, iniciativas
comunitárias, familiares e organi-
zações da sociedade civil também
foram ocupando um espaço dei-
xado vazio pela omissão ou pela
fraca presença do poder público.
A meta de atendimento do Plano
Nacional de Educação (PNE) para
a creche – 30% até 2004 e 50%
até 2010 – está muito longe de ser
alcançada. Está em 13% e isso
significa milhões de crianças preci-
sando de atendimento educacional
sem conseguir! O esforço muni-
cipal foi expressivo na pré-escola,
cujo atendimento chega a 67% das
crianças da faixa etária correspon-
dente, contudo enfrenta problemas
de qualidade e dificuldades de ex-
pansão das matrículas. Listas enor-
mes de espera por vagas, pressão
do Ministério Público, desejo dos
gestores municipais de educação
de atender a demanda, reconheci-
mento do direito da criança à edu-
cação infantil. Tudo isso gerava ten-
sões sociais cada vez mais fortes.
Agora, o panorama é outro. Há
um fundo estável, com garantia
constitucional, repassando re-
cursos para a secretaria de edu-
cação, de acordo com o número
de matrículas em cada uma das
etapas e modalidades da educa-
ção básica. Cada criança aten-
dida na creche e na pré-escola,
assim como no ensino fundamen-
tal e médio, entra na partilha dos
recursos do fundo. Dessa forma,
quanto maior o atendimento, mais
dinheiro para a secretaria munici-
pal de educação.
Embora a garantia de recursos
seja a característica de impacto
mais visível e imediato, o Fundeb
traz outros valores fundamentais
para a educação infantil, que lhe
darão um novo patamar de pres-
tígio e respeito no conjunto do
sistema de ensino. Entre eles,
destaco:
revista criança10 revista criança10
revista criança 11
caleidoscópio
1Ao incluir a creche, o Fundo ga-
rantiu a integridade e a integralidade
da educação infantil, do nascimento à
entrada obrigatória na escola. Se ela
tivesse ficado de fora, grande seria o
risco de retrocesso na finalidade pe-
dagógica. Não foram poucos os argu-
mentos, durante os debates legislati-
vos, para justificar seu financiamento
com recursos da assistência social em
vez da educação. Os argumentos pela
sua inclusão trouxeram ao âmbito po-
lítico a compreensão da relevância so-
cial, educacional e política da creche
como instituição que garante o direito
da criança de até 3 anos à educação.
2A presença da educação infantil no Fundeb vai contribuir
para concretizar o conceito de educação básica como formação
mínima, necessária e integral de todo cidadão brasileiro. Tal con-
cepção foi formulada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), mas sua implantação encontrava dificuldade por causa das
diferenças de tratamento entre as três etapas. Agora, o significa-
do educacional dos anos iniciais da vida terá muito mais força de
expressão perante as etapas seguintes. O acolhimento da reivin-
dicação da sociedade civil, conduzida por uma expressiva e bem
articulada defesa da inclusão da creche no Fundeb, impediu que
se cometesse um erro histórico e de sérias conseqüências para o
conceito e a prática da educação básica. A base não se inicia aos
4 anos, na pré-escola, assim como há um século deixou de ser en-
tendido que seu começo de daria aos sete, no ensino fundamen-
tal. É no nascimento que começam a se organizar as estruturas
neurológicas e psíquicas que dão sustentação a todo o edifício
educacional da pessoa.
revista criança 11revista criança 11
revista criança12
caleidoscópio
4A Emenda Constitucional 53 (EC 53), que institui o
Fundeb, determina que seja estabelecido o piso salarial
nacional profissional para o magistério da educação bá-
sica, sem distinção entre os níveis de ensino. Portanto, o
professor de educação infantil será tratado com o mesmo
critério que os do ensino fundamental e médio. Ele não
tem sentimento de inferioridade em relação aos professo-
res dos outros níveis, mas é constatado que não recebem
o mesmo tratamento salarial que eles. Portanto, mudan-
ças à vista para os professores da educação infantil!
3 Na partilha de recursos doFundeb, a educação infantil figura empé de igualdade com o ensino funda-mental e o médio. É verdade que oensino fundamental, por ser o únicoobrigatório e ser declarado direito pú-blico subjetivo, tem algumas garan-tias a mais nessa partilha. Fora isso,nenhuma inferioridade, nenhum baixoconceito perante os níveis posterio-res. É a conquista da igualdade quecontribui para a auto-estima e o pres-tígio social da educação infantil.
revista criança12 revista criança12
revista criança 13
caleidoscópio
Por isso tudo, o Fundeb vai se tornar instrumento da implan-
tação do verdadeiro conceito de educação básica. Nesse con-
junto, a educação infantil é a que mais ganhará, porque, das
três etapas, ela foi desde o início relegada ao segundo plano e
discriminada no planejamento e no orçamento público da edu-
cação. Ao redimi-la desse descaso histórico, o Fundeb a eleva
ao mesmo nível do ensino fundamental e médio.
Mas nem tudo está resolvido. Há pontos cruciais para que
a educação infantil consiga guindar-se ao posto que lhe cabe
no conjunto da educação básica. Um deles é o fator de dife-
renciação entre as etapas, modalidades e tipos de estabele-
cimento de ensino para o cálculo do valor aluno/ano. A Lei no
11.494/2007, que regulamenta a EC 53, estabeleceu, no art.
9º, um critério objetivo para definir os fatores: a correspondên-
cia ao custo real, indicado por estudos de custo, realizados e
publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP).
Se os fatores para a creche e para a pré-escola forem infe-
riorizados em relação às outras etapas, elas serão menos atra-
tivas para o sistema de ensino, no momento de decidir onde
fazer a expansão do atendimento. Se o fator para atendimento
em tempo integral for pouco significativo, poderá haver prefe-
rência para dois atendimentos de tempo parcial, prejudicando
as crianças que precisam estar na creche o dia inteiro.
Outro ponto decisivo é a participação de representantes da
educação infantil no Conselho Municipal de Acompanhamento
e Controle Social do Fundeb. Tal conselho tem, entre outras,
a função de verificar a aplicação dos recursos do fundo. Para
expansão e melhoria da educação infantil, tão decisivo quanto
ter mais recursos financeiros é sua aplicação criteriosa, na fina-
lidade a que se destina. E, para isso, os futuros membros do
conselho deverão estar atentos e zelosos.•
revista criança 13revista criança 13
revista criança14
caleidoscópio
Os impactos do Fundeb
numa capital
Raimundo Moacir Mendes Feitosa*
O Fundeb representa um avan-
ço importante em relação ao
Fundef. Isso é inquestionável.
Também é inquestionável que, ao
analisarmos a inclusão da edu-
cação infantil no fundo, em es-
pecial das creches, tivemos uma
nova conquista. Mais uma batalha
vencida. Longe, porém, da uni-
versalização do atendimento das
crianças de 0 até 6 anos de idade
e, em especial, das crianças em
idade de creche, isto é, de 0 a 3
anos de idade.
Quando se trata de oferecer
atendimento socioeducativo de
qualidade, respeitando as de-
terminações da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional
(LDB) e demais diretrizes e nor-
mas que regulamentam a educa-
ção infantil, o custo per capita nas
creches é superior ao de qualquer
outro segmento ou modalidade
da educação básica.
A aprovação do Fundeb traz,
como era de se esperar, uma
pressão imediata sobre as admi-
nistrações municipais por aumen-
to de vagas, já que, na maior par-
te dos municípios, a cobertura é
muito baixa.
Segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domi-
cílios (PNAD/IBGE), de 2004, as
crianças de 0 a 3 anos somavam
cerca de 11,5 milhões. Destas,
apenas 13,4% freqüentavam cre-
ches, sendo que as matriculadas
em instituições públicas represen-
tavam 7,6%.
Esses dados revelam a exis-
tência de uma grande deman-
da nacional não atendida com o
agravante em relação à qualidade
que, em muitas instituições, é bai-
xíssima. Enfrentamos, portanto, o
desafio de ampliar a cobertura e
melhorar o atendimento, por ser
direito das crianças, dos pais e
dever do Estado.
Tal obrigação, que recai sobre
os municípios, depara-se com um
obstáculo quase intransponível:
poucossãoosmunicípios,atémes-
mo capitais, que possuem recur-
sos próprios que permitam investi-
mentos imediatos na ampliação da
rede física e, conseqüentemente,
na aquisição de equipamentos, re-
cursos pedagógicos e contratação
de profissionais.
Se os estudos e pesquisas
que apontam a importância da
educação infantil para o desenvol-
vimento integral e o sucesso esco-
lar do futuro das crianças fossem
verdadeiramente considerados,
hoje existiria um pacto efetivo de
todos os entes federados, que
garantisse os recursos necessá-
rios, para oferecer atendimento
em creche ou pré-escola a todas
as crianças.
Sem a efetiva participação dos
governos federal e estadual, os
municípios não terão condições
de ampliar a cobertura na educa-
ção infantil, de melhorar o aten-
dimento atualmente prestado, de
forma direta ou por meio de ins-
tituições conveniadas. Tampouco
terão condições de implementar o
ensino fundamental de nove anos
e alcançar os resultados de quali-
dade esperados na aprendizagem
dos alunos do ensino fundamen-
tal, anseio da sociedade e direito
de todas as crianças, adolescen-
tes, jovens e adultos.
Ao convocar os Estados e mu-
nicípios a aderirem ao Plano de
Metas Compromisso Todos Pela
Educação, o Governo Federal es-
tabelece 28 diretrizes (realizadas
diretamente pelo MEC ou que
* Secretário municipal de educação de São Luís (MA), presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) do Maranhão e
secretário de finanças da Undime Nacional.
revista criança14 revista criança14
revista criança 15
receberão apoio e incentivo ao
serem executadas por estados
e municípios). Dentre essas, uma
se refere diretamente à educação
infantil, a 10ª diretriz, que se ex-
prime em “promover a educação
infantil”. Ou seja, de forma genéri-
ca apresenta como meta manter
o atendimento às crianças.
As metas estabelecidas devem
ser implementadas desde já para
que o País alcance no prazo de
15 anos nota seis no Índice de
Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB). Isso significa que
uma criança com 1 ano de idade,
que ingresse hoje na creche, ao
término do tempo estabelecido
para o alcance dessa meta, estará
concluindo o ensino fundamental
de nove anos. Ou seja, se de fato
queremos uma transformação es-
trutural na qualidade da educação
do nosso país e, portanto, na for-
mação das nossas crianças, tor-
na-se imprescindível que a educa-
ção infantil receba investimentos
proporcionais à sua importância.
Para inaugurarmos efetivamen-
te um novo tempo na educação
infantil no Brasil, é preciso esforço
conjunto entre o governo federal,
estados e municípios, para garan-
tir uma rede básica de aten-
dimento às crianças de 0
a 3 anos, com equipa-
mentos e recursos pe-
dagógicos necessários.
Existindo uma rede
física equipada, os re-
cursos oriundos do Fun-
deb, do Plano de Desenvol-
vimento da Educação (PDE), de
outros programas federais e esta-
duais e daqueles provenientes do
orçamento próprio serão suficien-
tes para a manutenção e amplia-
ção gradativa do atendimento.
Nas condições atuais, mes-
mo com os recursos do Fundeb
destinados à educação infantil,
no caso das creches, continuare-
mos a encontrar, em grande parte
dos municípios do Brasil, crianças
atendidas em locais inadequados,
para não dizer inaceitáveis.
É preciso colocar um fim na lógi-
ca que justifica atendimento precá-
rio para quem é filho de pobre. Os
que não aceitam a naturalização
da pobreza e do fracasso escolar
deveriam ser os primeiros a con-
denar aqueles que consideram su-
pérfluo investir em creches.
Ao finalizar, considero impor-
tante relembrar que o atendimento
na educação infantil, em especial
nas creches, foi uma conquista do
movimento social, das mulheres
reunidas em torno do Movimento
de Luta por Creches e de outras
instituições. A evolução dessas
conquistas, como demonstrou a
inclusão das creches e
das instituições
sociais e
filantrópicas no Fundeb, também
dependerá da continuidade da
mobilização e das lutas sociais. Se
é fundamental que os prefeitos e
secretários municipais de educa-
ção busquem a negociação com
os governos estaduais e federal,
é mais determinante ainda que se
criem nos municípios fóruns (comi-
tês propostos para a implantação
dos Planos de Ações Articuladas)
para articular ou integrar a comu-
nidade na luta por uma educação
pública de qualidade para todos,
da creche ao ensino superior.
Temos de continuar lutando
para ampliar o atendimento das
crianças de 0 a 6 anos de idade.
E, vigilantes, entendermos que
com as novas medidas adotadas
no âmbito da Política Nacional
de Educação esta etapa da vida
das crianças, com certeza, abriu
um novo processo de estímulo ao
aumento do número de matrículas
que deverá vir acompanhado de
qualidade social.•
caleidoscópio
revista criança 15revista criança 15
revista criança16 revista criança16
Municípios de pequeno porte
e a educação infantil:
a experiência de Castro
Carlos Eduardo Sanches*
Quando algumas mudanças acontecem, no mínimo renovamos a esperança. Po-
rém, poucos meses depois da efetiva implantação do novo modelo de financiamento
da educação pública incluindo a etapa infantil, observamos um grande receio, por
parte das administrações municipais, em relação à efetiva expansão das matrículas
na educação infantil.
Podemos dizer que hoje estamos dividindo os mesmos recursos de antes, agora de
maneira diferente. Neste momento, o volume de novos recursos federais novos ainda é
insuficiente, o que impede o crescimento da oferta de matrículas na educação infantil.
Prefeitos e secretários de educação mostram-se receosos diante da questão. E,
sobretudo nos municípios de pequeno porte, encontramos dificuldades para ampliar
o número de matrículas. A construção de novas unidades ou adequação de espaços
para receber outras crianças assusta os gestores, principalmente em função da gra-
datividade na remuneração das matrículas. Todos sabem que a história seria outra se
junto com o Fundeb fosse discutida a implantação de um custo-aluno-qualidade.
A construção política – e não técnica – dos fatores de diferenciação na remune-
ração das matrículas entre as etapas da educação básica é cruel para a educação
brasileira. Enquanto o país não discutir essa questão, não conseguiremos avançar
na melhoria da qualidade da educação e na expansão das matrículas para além do
ensino fundamental.
Castro e a educação infantil
Em Castro (PR), município com 70 mil habitantes a 150 Km da capital do Paraná,
priorizamos a educação infantil para pagar uma grande dívida com a sociedade local.
Era imprescindível repensar a primeira infância como estratégia para a melhoria da
qualidade no ensino fundamental e tornar a educação pública local mais democrática
do ponto de vista do acesso e da permanência.
Em 2005, iniciamos esse processo, dando atenção especial ao planejamento, à ação
pedagógica, à formação dos profissionais e à estruturação das unidades. Implantamos
uma coordenadoria de educação infantil dentro do departamento de educação para o
acompanhamento pedagógico das equipes e professores nas unidades escolares.
* Secretário de educação de Castro (PR). É presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) – PR e secretário de articulação da Undime Nacional.
caleidoscópio
revista criança16
revista criança 17revista criança 17
Definimos que os professores de educação infantil deveriam ter jornada es-
tendida para 40 horas semanais e não poderiam mais atuar paralelamente no
ensino fundamental ou na educação de jovens e adultos. Ofertamos formações
específicas para a educação infantil e apoiamos financeiramente os professores
que cursaram nível superior e especializações na área. Hoje, apenas 16 profes-
sores ainda não concluíram o nível superior, 18 já terminaram e outros 72 irão
concluir especialização ainda este ano. De 412 matrículas, saltamos para as
atuais 842 crianças de 0 até 3 anos matriculadas na educação infantil.
Depois, asseguramos a oferta de educação infantil exclusivamente nos
centros, reservando as escolas para o ensino fundamental. Essa decisão foi
importante e ajudou a superar o problema surgido no ano passado, com a
implantação do ensino fundamental de 9 anos. A polêmica começou quando
o Conselho Estadual de Educação decidiu antecipar para 2007 a ampliação
do ensino fundamental, embora a legislação federal estipule 2010 como pra-
zo máximo. Em mais de 100 municípios, como Castro, uma medida judicial
obrigou a matrícula de todas as crianças de 6 anos no 1º ano, independente
da data de aniversário.
Já construímos um centro de educação infantil, estamos atualmente refor-
mando e ampliando outros três. No próximo ano, deveremos realizar obras em
mais três. Ao mesmo tempo, implantamos um novo conceito de escola pública,
valorizando os espaços, resgatando a dignidade da educação pública.
Mas a maior iniciativa surgida em Castro, na educação infantil, foi a implanta-
ção da Bebeteca. Destinar um espaço para literatura, com professor específico,
e atrelar a ação pedagógica a esse projeto tem dado excelentes resultados.
Certamente, quando estas crianças chegarem ao ensino fundamental, levarão
com elas a alegria das histórias que, antes ouvidas, poderão ser lidas.
O Fundeb trouxe para Castro a discussão do estabelecimento de priorida-
de de investimento na educação infantil. Realizamos muito, diante do pequeno
aumento orçamentário provocado pelo novo modelo de financiamento. Se a
opção fosse esperar a remuneração da integralidade das matrículas, iríamos au-
mentar ainda mais a dívida com a sociedade de Castro. Mas entendemos, junto
com a comunidade, que esse deveria ser o caminho para melhorar a qualidade
da educação no município.•
caleidoscópio
revista criança 17
revista criança18
professor faz literatura
* Mestre em Educação pela Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e trabalha desde 1992 com a formação
de professores da educação infantil.
Excepcionalmente nesta edição, publicamos a produção literária de
uma formadora do Proinfantil. Optamos por sua publicação, não só pela
singeleza e qualidade do texto, mas também pela circunstância em que
foi escrito. A professora Sílvia, em um dos eventos de formação em
Manaus, inspirada pelo encontro das águas e refletindo sobre a riqueza
da diversidade e das diferenças entre os seres humanos, nos presenteou
com este poema.
Encontro das águas
Sílvia Barbosa*
No encontro das águas…
...a negritude densa, morna, mansa,
aceita o toque arisco, frio e claro,
de uma água outra,
que só se percebe outra
porque também se deixa tocar.
Identificadas pela diferença,
caminham juntas, lado a lado,
respeitando temperaturas, nuances, limites.
A vida diversa,
que não precisa anular
a essência do outro,
antes, dela se nutre, para se fazer belo!
Que cada um de nós,
na descoberta da sua essência,
se faça belo, ético,
no encontro da diferença que nos constitui
como sujeitos no mundo.
revista criança18 revista criança18
revista criança 19
matéria de capa
Educação no campo:
a experiência do
Movimento Sem Terra
Bernardete Toneto | São Paulo (SP)
Para atender a suas crianças, o Movimento Sem-Terra (MST) criou as Cirandas da Educação, escolas fixas
ou itinerantes montadas em acampamentos, assentamentos e reuniões. Os sem-terrinha são educados nas
cirandas. A experiência provoca, em vários estados, a implantação de políticas públicas específicas para a
educação no campo
O vento sopra forte. A bandei-
ra, improvisada em um mastro de
bambu, tremula. Lênin Cauã, de
cinco anos, interrompe a brincadei-
ra no balanço. Olha a cena e diz:
– Esta é a nossa bandeira. E
bandeira é um símbolo, sabia?
– O que é símbolo?
– É aquilo que mostra alguma
coisa. Aprendi aqui na escola, res-
ponde o menino.
– O que essa bandeira está
mostrando?
Pego de surpresa, ele vacila.
– O branco quer dizer paz.
Pega um galho de árvore e co-
meça a rabiscar o chão. Com os
olhos baixos, prossegue:
– O verde é a roça onde o meu
pai trabalha, é onde planta a co-
mida da gente.
De repente, dispara a falar:
– O vermelho quer dizer luta,
sangue. Tem muita gente que já
morreu. Na bandeira também tem
um homem e uma mulher. É uma
família.
– Mas não há crianças!
O garoto levanta os olhos do
chão e, com segurança, contes-
ta:
- É lógico que tem. Olha eu
aqui. O pai e a mãe são sem-
terra. Eu sou criança, eu sou um
sem-terrinha.
©DouglasMansur
Filhos de sem-terra lêem na Ciranda Escola Itinerante Paulo Freire, em Brasília, durante o 5o
Encontro Nacional do MST
revista criança20
matéria de capa
Assim como Lênin Cauã, mais
de 160 mil crianças em todo o
Brasil entram no mundo da edu-
cação pelas portas do Movimen-
to dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). Na terra prometida
e na terra conquistada, as Ciran-
das de Educação constituem um
grande palco onde a cidadania
infantil é exercida. Em espaços
fixos ou improvisados, crianças
de 0 a 10 anos – com ênfase
no atendimentos de meninos e
meninas em fase pré-escolar –
brincam, aprendem e partilham a
realidade de filhos de sem-terra –
ou sem-terrinha, como são mais
conhecidos.
Vitrine para o
movimento
O apelido surgiu por iniciativa
das crianças que participaram do
1º Encontro Estadual das Crian-
ças Sem Terra de São Paulo, em
1997. A expressão ganhou o país.
O Movimento reconhece que os
sem-terrinha são uma vitrine impor-
tante para sua ação, pois revelam
o trabalho pedagógica que mobiliza
educadores, institutos de educação
e pesquisa, órgãos públicos e o Es-
tado. “Eles têm despertado a curio-
sidade dos que pensam e refletem
a situação da infância no Brasil”,
afirma o documento Crianças em
movimento e as mobilizações in-
fantis no MST, de 1999.
Essa vitrine composta por me-
ninos e meninas tem provocado a
implantação de políticas públicas
específicas para a educação no
campo. Em 23 anos de existên-
cia, o MST despertou um debate
sobre os direitos à educação de
crianças que não têm terra – e
casa – e que muitas vezes, pe-
rambulam pelo país com as famí-
lias. A resistência inicial de escolas
em atender filhos de sem-terra di-
minuiu substancialmente, à medi-
da que são implantados espaços
educacionais nos assentamentos
e acampamentos.
©LidineyCampiol
Nicole, 2 anos, assistida por escola do movimento no Paraná
revista criança 21
matéria de capa
Educação humanizada
O MST nasceu no final dos
anos de 1970 e tem grande pre-
ocupação com a educação. “Há
um conceito errado de que a
criança é o cidadão do futuro.
Para o MST, a criança é o cida-
dão do presente, é sujeito de sua
história”, defende a filha de sem-
terra Márcia Mara Ramos, hoje
educadora do movimento.
O educador Miguel G. Arroyo
salienta que no MST a preocupa-
ção com a política de educação
da infância não surge por caridade
e afetividade, e sim pela consciên-
cia da obrigação pública frente à
formação do cidadão. Isso, con-
tudo, não implica desumanização
da educação. Muito pelo contrá-
rio. “Na educação popular, educar
é antes de tudo um processo de
humanização. E humanizar é situ-
ar os processos e práticas educa-
tivas no cerne, nos anseios e nas
lutas dos setores populares”, diz
o professor do Instituto Superior
de Estudos Pedagógicos da Pon-
tifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
Ciranda:
brincadeira e união
Com 1,8 mil escolas em as-
sentamentos e acampamentos,
o MST coordena a educação de
cerca de 160 mil crianças nos Es-
tados onde está presente. Desse
total, pelo menos 10% são crian-
ças de 0 a 6 anos, atendidas nas
“Cirandas”, espaços de educação
e de convivência implantados em
escolas, galpões de madeira e até
em barracas de plástico preto em
beiras de estradas.
O nome Ciranda surgiu de
uma consulta nacional, em 1996.
A idéia era romper com a idéia de
creches e instituir a noção de es-
paços lúdicos comunitários. “Re-
cuperamos a idéia da Ciranda,
que lembra dança, brincadeira,
união, mãos dadas e arte”, lem-
bra Edna Rodrigues Araújo Ros-
setto, do Coletivo Nacional de
Educação.
©LidineyCampiol
Crianças brincam na Escola Itinerante Zumbi dos Palmares, em Cascavel (PR)
revista criança22
matéria de capa
Escola pé-no-chão
Há Cirandas fixas – implantadas
nas escolas dos assentamentos –
e Cirandas itinerantes, instaladas
nos acampamentos e em cursos
e atividades dos sem-terra. Atu-
almente recebem, fora do horário
escolar, os sem-terrinha de até 10
anos. Mas a prioridade são os pe-
quenos, de até 6 anos.
“Nossas crianças enfrentam as
lutas cotidianamente. Convivem
com a violência da falta de em-
prego, da falta de terra, da falta
de comida nos lugares de origem.
Por isso, quando chegam às Ci-
randas, elas não querem sair. Ali
são consideradas gente”, escla-
rece Edna Rossetto, especialis-
ta em Educação no Campo pela
Universidade de Brasília (UnB).
Pedagogia da terra
O Setor de Educação do MST
deixa claro que não tem pedago-
gia própria, mas “inventa” um novo
jeito de lidar com as pedagogias
já construídas na história da for-
mação humana. “Assim como os
agricultores lavram a terra, ao fazer
a formação humana, o MST revol-
ve, mistura e transforma diferentes
componentes educativos, produ-
zindo uma síntese pedagógica que
não é igual a nenhuma pedagogia
já proposta”, analisa Roseli Salete
Caldart, autora do livro Escola é
mais do que escola na Pedagogia
do Movimento Sem Terra.
“É claro que nas Cirandas as
brincadeiras têm intencionalidade
política, pois visamos à transfor-
mação da realidade”, avisa Edna
Rossetto. A muitas vezes com-
batida “politização” dos sem-ter-
rinha se expressa na escolha das
músicas (canções tradicionais e
contextualizadas no mundo ru-
ral), no discurso que combate
preconceitos raciais, de gênero,
de etnia e religiosos, no incentivo
a ações comunitárias e na valori-
zação do trabalho.
Para que a pedagogia fun-
cione, a família é incentivada a
participar. Reuniões periódicas
de avaliação contam com a pre-
sença de pais e mães. Processos
de educação e procedimentos
disciplinares são debatidos com
educadores e, também, nos co-
letivos de educação. “Aqui, edu-
cação é trabalho de todos”, ex-
plica Flávia Tereza da Silva, do
Setor de Educação do MST, em
Pernambuco.
Ação juvenil
A maior parte dos educadores
das Cirandas é formada por sem-
terra e filhos de sem-terra. Em
geral são mulheres, com ensino
médio e idade entre 20 a 25 anos.
“Quando entra na Ciranda, o edu-
cador tem o compromisso de se
capacitar para a ação educativa.
Ele não apenas cuida, mas tam-
bém educa em uma fase funda-
mental da formação do cidadão”,
diz Márcia Mara, do Coletivo Na-
cional de Educação do MST.
Filha de sem-terra assentados
na Agrovila 3, no município de Ita-
peva (SP), há 10 anos Márcia tra-
balha com educação infantil em
assentamentos e acampamentos.
Foi uma dos 400 educadores que
trabalhou na Ciranda da Escola Iti-
nerante Paulo Freire, em junho de
2007. Durante cinco dias, 1,2 mil
sem-terrinha estiveram reunidos
em Brasília, enquanto seus pais
participavam do 5o
Encontro Na-
cional do MST. Em espaço de mui-
ta brincadeira, jogos e esportes,
as crianças aproveitaram também
para discutir a realidade de seus
assentamentos e acampamentos,
expressos em um documento en-
tregue em 15 de junho do mesmo
ano ao ministro da Educação.
©DouglasMansur
Semear, cultivar e colher produtos da terra e valores do movimento
matéria de capa
Escola para trabalhadores também tem Ciranda
Bernardete Toneto | São Paulo/SP
ou participavam de encontros, de seminá-
rios e de atividades culturais.
A rotina começa às 7h, quando os pais le-
vam as crianças à Ciranda. “As crianças po-
deriam vir sozinhas, porque tudo é muito per-
to e seguro. Mas incentivamos a participação
dos pais”, diz a educadora Flávia Tereza da
Silva, que saiu de Pernambuco para cuidar
da meninada no interior de São Paulo.
São cinco refeições diárias. No almoço,
servido no refeitório da escola, as crianças
comem primeiro. De barriguinha cheia, es-
peram os pais que estão nas aulas. Nas
atividades educacionais e nas brincadeiras,
são incentivadas a falar dos locais onde mo-
ram. Flávia explica: “Muitos dizem que são
sem-terra mas nasceram quando os pais já
estavam assentados. O sentimento de ser
sem-terrinha vem da compreensão da vida
no campo e muitas vezes da discriminação
que sofrem em escolas”. Ernesto Silva, de 5
anos e filho de cozinheira, explica: “Adoro a
Ciranda. Aqui é muito melhor. Na escola, a
professora grita e xinga dizendo que a gente
é sem-terra. Coitada, ela nem sabe como é
bom ser sem-terrinha”.•
O saci pererê pisca. Com seu gorro verme-
lho e o cachimbo escondido nas mãos, é ele
quem dá nome e as boas-vindas à Ciranda da
Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF),
criada e mantida pelo Movimento Nacional
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em
Guararema, a 60 quilômetros de São Paulo.
No sítio de 4,5 mil metros quadrados, o
mitológico personagem brasileiro ocupa o
lugar de príncipes e princesas do encantado
mundo dos desenhos animados. Pintado e
recortado em placa de compensado, acolhe
os sem-terrinha de 0 a 10 anos. São filhos de
trabalhadores que fazem cursos de formação
ou participam de encontros e, também, filhos
dos próprios funcionários da ENFF.
A Ciranda Saci Pererê estava planejada
mesmo antes da inauguração da ENFF, em
2005. O Setor de Educação do MST previa
a necessidade da Ciranda fixa no local. O nú-
mero de crianças varia conforme o movimento
da própria Escola Nacional. Em 2006, passa-
ram pela Saci Pererê cerca de 500 meninos
e meninas, acompanhando os pais que fa-
ziam cursos de graduação, de produção e de
gestão nos acampamentos e assentamentos
©DouglasMansur
Acolhidas na ciranda fixa em Guararema (SP), crian-
ças são discriminadas nas escolas convencionais
revista criança24
matéria de capa
A Ciranda Itinerante Paulo Frei-
re foi o ápice de um processo de
discussão sobre a educação infantil
no MST. O tema começou a ganhar
espaço no movimento em 1996,
quando surgiram as primeiras Coo-
perativas de Produção de Assenta-
dos (CPAs) e as primeiras creches
para filhos de mães agricultoras.
“Começamos a ver que o atendi-
mento à criança de 0 a 6 anos está
diretamente ligado a setores como
os de saúde, de cultura, de gênero
e de formação”, lembra a pernam-
bucana Edna Rosseto.
Formação permanente
Em maio de 2007, foi realizado o
1º Seminário Nacional sobre o Lu-
gar da Infância no MST. No encon-
tro de 57 lideranças, predominaram
as discussões sobre a necessidade
da boa formação do educador da
criança pequena. “A base da edu-
cação infantil é o amor, a dedicação
do educador. Mas isso não pode
ser sinônimo de falta de formação”,
pondera Edna.
A fim de incentivar a formação
continuada, o MST mantém con-
vênio com cursos de Pedagogia
em vários Estados. Desde 2005,
o Instituto Técnico de Capacita-
ção e Pesquisa da Reforma Agrá-
ria (Iterra), do Rio Grande do Sul,
mantém o Curso de Magistério
para educação infantil. Experiên-
cias semelhantes são desenvolvi-
das nos Estados do Pará, de São
Paulo (São Carlos) e do Rio Gran-
de do Norte, além dos cursos de
Pedagogia espalhados pelo País.
Os cursos de formação em
Educação Infantil estão vinculados
ao Programa Nacional de Educa-
ção na Reforma Agrária (Pronera),
do Ministério do Desenvolvimento
Agrário. A parceria envolve Esta-
do, universidades e movimento
social, a qual ajuda a adequar o
currículo à realidade dos trabalha-
dores sem-terra locais.
Educação itinerante
Situação que demanda atenção
especial é a das crianças em acam-
pamentos. Instaladas em barracões
ou em tendas cobertas por plástico
preto, na beira de estradas e em
ocupações, as Cirandas itinerantes
têm por objetivo buscar solução
para a difícil equação da cidadania
em meio à violência.
A idéia de uma escola, mes-
mo que improvisada, surgiu em
1986, na cidade de Sarandi, no
Rio Grande do Sul. Era o acam-
pamento Encruzilhada Natalino,
considerado o berço do MST. “A
educação estava presente desde
a primeira ação do MST. Naquela
época, os educadores eram os
filhos de acampados que, mes-
mo sem formação, atendiam as
crianças. E não é que dava cer-
to?”, lembra Alessandro Maria-
no, da coordenação do Setor de
Educação do MST e coordenador
da Escola Itinerante do Paraná.
O nome “escola itinerante” sur-
giu dez anos depois, quando o
projeto já estava implantado em
dez acampamentos gaúchos.
Atualmente, é reconhecida e alvo
de projetos especiais nos três Es-
tados do Sul do País e em Goiás.
Consolidação da
“pedagogia da terra”
no Paraná
Silvio Demétrio | Cascavel/PR
A primeira coisa que se vê da
estrada rural é uma plantação de
ervas medicinais. Logo o conjunto
de construções de madeira com-
pensada aparece. O sol da tarde
de agosto brilha pleno. É dia de
aula. “Quando a gente veio pra cá,
neste lugar onde hoje fica a escola
era uma plantação de aveia”, expli-
ca Sandra Schering, uma das co-
ordenadoras da Escola Itinerante
Zumbi dos Palmares, no Acampa-
mento 1º Primeiro de Agosto, pró-
ximo a Cascavel, no Paraná.
Ao todo são cerca de 300 crian-
ças e adolescentes que estudam
em turmas que vão da educação
infantil ao segundo ano do ensino
médio. “Já chegamos a ter mais
de 500 alunos”, diz Sandra, que
não esconde a satisfação com o
sucesso da iniciativa. As escolas
itinerantes funcionam durante en-
contros, simpósios e cursos ou
são montadas nos acampamen-
tos, até a emissão do título da
terra e o assentamento definitivo.
Então, elas se tornam fixas.
A legalização das escolas itine-
rantes do MST no Paraná aconte-
ceu em 10 de novembro de 2003,
a partir da experiência educacional
do projeto no acampamento de
Rio Bonito da Graça (Escola Iraci
Salete Estrozak, em Laranjeiras do
Sul) e no Colégio Estadual Centrão
de Loanda, região noroeste do Es-
tado. “É lá que fica guardada toda
a documentação das escolas”, co-
menta. O projeto é uma parceria
revista criança 25
matéria de capa
com o governo do Estado e hoje
compreende ao todo 11 escolas,
entre nove itinerantes e duas fixas.
“O governo entra com a parte ma-
terial e a ajuda de custo para os
educadores, que também partici-
pam de momentos de formação
na Universidade Estadual de Cas-
cavel”, explica a coordenadora.
“Em todas as escolas itinerantes
acontecem as Cirandas da edu-
cação, onde se trabalha essen-
cialmente com educação infantil”,
acrescenta.
As irmãs Nicole e Jacqueline
vivem junto com a mãe, Neide Sil-
va, há três anos no acampamento
Primeiro de Agosto. “A Nicole está
na Ciranda desde os oito meses
de idade e a Jacqueline desde os
dois anos”, comenta a mãe. Nico-
le hoje está com 2 anos e Jacque-
line, com 5.
Quando a porta da sala de ati-
vidades da Ciranda é aberta, Ja-
queline corre para mostrar onde
deixou a marca de sua da mão
pintada na parede. A sala toda é
decorada com pinturas feitas pe-
las crianças, com pincéis ou com
as próprias mãos. “As duas come-
çaram a freqüentar desde cedo a
Ciranda, como acontece com ou-
tras crianças do acampamento. A
gente que é mãe fica segura para
realizar nossas atividades, en-
quanto as crianças estão apren-
dendo a conviver com os outros,
com tolerância e igualdade”, co-
menta Neide Silva, que também é
educadora da Ciranda.
E logo começam a chegar mais
crianças que são acolhidas no
ambiente simples da sala, a qual
tem o chão coberto de lona. Tudo
©LidineyCampiol
é brinquedo. Sandra Schering,
que acompanha a atividade dos
pequenos comenta: “eles se sen-
tem à vontade aqui porque traba-
lhamos muito o aspecto lúdico,
valorizamos a infância delas como
um período fundamental de sua
formação”. A experiência das Ci-
randas também é transferida para
o contexto dos grandes encontros
e marchas do movimento. “Pri-
meiro vai alguém responsável por
avaliar as condições da estrutura
para atendermos os pequenos.
Depois fazemos um intercâmbio
entre os educadores para que
aconteça uma troca mais intensa
de experiências”, diz Sandra em
relação à experiência das Cirandas
itinerantes. Neide complementa:
“é interessante como as crianças
não estranham. E o que de melhor
acontece nessas ocasiões é elas
poderem conhecer outras crianças
de outras regiões do País”.
Segundo a professora da Unio-
este, Liliam Faria Porto Borges,
“a experiência toda encontra sua
fundamentação na produção aca-
dêmica de José Maria Tardin, es-
pecialmente em sua obra Diálogo
de saberes. A proposta é de ar-
ticular um ecletismo teórico com
estratégias direcionadas para as
práticas do cotidiano. Liliam é
uma das principais responsáveis
na Unioeste pela formação de
professoras a partir do convênio
firmado entre governo do Estado,
Incra e MST. Para ela, a força da
“pedagogia da terra” reside nas
estratégias de adequação da te-
oria à dimensão do mundo vivido
pelos integrantes do MST.”•
Jacqueline, 5 anos, moradora do acampamento Primeiro de Agosto, cresce na
ciranda que tem apoio do estado
revista criança26
©DouglasMansur
Política pública
Exemplo de projeto educacional em acampamentos está na Escola Itinerante do Paraná. A
iniciativa, implantada em dezembro de 2003 pelo Conselho Estadual de Educação,
é uma parceria entre governo do Estado, Secretaria da Educação, MST e
comunidades locais.
São onze escolas, localizadas em acampamentos de nove muni-
cípios do Estado, que atendem 100% das crianças e jovens do
movimento. Dos cerca de 2.500 alunos – entre crianças, jovens
e adultos – , 252 têm de 0 a 6 anos.
“O projeto trouxe esperança e objetivo de vida para essas
crianças”, diz Izabel Grein, coordenadora de Educação do
MST no Paraná. O trabalho envolve o Estado, o movimento
social e a comunidade.
A Secretaria da Educação é responsável pelo repasse de
infra-estrutura, de material didático e de merenda escolar. O
MST entra com a adequação de um local para abrigar a es-
cola, em geral galpão com paredes de compensado e teto de
telhas rústicas. O terceiro vértice do triângulo é formado pela
população local, que ajuda por meio de doações, de trabalho
voluntário e de ações colaborativas.
Os educadores recebem ajuda de custo referente a 20 horas/aula
semanais, apesar da maioria trabalhar tempo integral ou ser voluntário.
Na Ciranda itinerante, as crianças fazem no mínimo três refeições e têm
tempo para a prática de esportes e muita recreação. Mariano define a experiên-
cia como revolucionária: “Aqui garantimos que as crianças se desenvolvam como crianças”.•
As cirandas itinerantes garantem o cuidado e a educação das crianças enquanto seus pais participam dos encontros do MST
matéria de capa
revista criança 27
Diálogos e interações
com as crianças de 0 a 3 anos:
desafios para as instituições
de educação infantil
Daniela Guimarães*
artigo
O trabalho com as crianças de 0 a 3 anos nas instituições de educação in-
fantil é um desafio na atualidade. A partir da compreensão da criança como
sujeito de direitos e da educação infantil como primeira etapa da edu-
cação básica, algumas idéias que dão suporte às práticas com os
pequenos têm sido questionadas e transformadas.
Ao longo da nossa história, a creche foi considerada como “mal
necessário”, ou seja, a solução possível para atender as crianças
de 0 a 3 anos, tendo em vista o trabalho da mãe fora do contexto
familiar. Tratava-se de um espaço para o cuidado individualizado;
especialmente focado na higiene e nas necessidades básicas da
criança (alimentação, saúde, sono etc.), geralmente em busca de subs-
tituir a atenção materna. Por outro lado, na história do trabalho com bebês
e crianças até 3 anos, percebemos uma tendência no sentido de aproximar a
educação da instrução, centrada na preparação para a pré-escola, por meio de
trabalhos mimeografados ou atividades de prontidão motora (segurar o pincel
adequadamente, movimentarem-se da “forma correta” etc.).
O final do século XX inaugura reordenações de princípios. A Cons-
tituição de 1988 e a LDB de 1996 garantem o direito das crianças
à educação infantil. Em 1998, o Conselho Nacional de Educação
(CNE) formula e o Ministério da Educação (MEC) homologa as
Diretrizes Curriculares Nacionais, estabelecendo a preocupa-
ção com a qualidade do trabalho neste segmento.
Depois, destaca-se também a publicação do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (vols. 1, 2 e 3), situ-
ando esta etapa da educação básica como lugar de construção da
identidade e da autonomia, baseadas em relacionamentos seguros e
aconchegantes. Além disso, a educação infantil deve ser focada no desenvolvi-
mento da ética e da estética.
* Mestre e doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e professora do
curso de especialização em Educação Infantil na mesma instituição.
revista criança 27revista criança 27
revista criança28
artigo
Mais recentemente, o MEC elaborou, em parceria com os sistemas, os
seguintes documentos: Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito
das crianças de 0 a 6 anos à educação; Parâmetros Básicos de Infra-
estrutura para Instituições de Educação Infantil e Parâmetros Nacionais de
Qualidade para a Educação Infantil. Todos estes documentos estão com-
prometidos com a garantia de espaços, de rotinas e de relacionamentos
seguros e afetuosos com os bebês e com as crianças pequenas.
Portanto, a partir destas novas perspectivas, o trabalho nas institui-
ções de educação infantil, ao invés de substituir os cuidados maternos
ou preparar as crianças para a escola, passa a focalizar a própria crian-
ça em seu desenvolvimento presente, nas relações dela com outras
crianças e com sua realidade cultural.
No contexto atual, surge a questão: quais são os caminhos concre-
tos na construção destas instituições, especialmente as que atendem
bebês e crianças pequenas, como espaços que garantam o direito à
brincadeira, ao aconchego, à expressão, dentre outros princípios defini-
dos nos critérios nacionais para um atendimento de qualidade ?
Autores do campo da psicologia histórico-cultural, tais como Wallon
e Vygotsky contribuem com seus estudos na busca de alternativas para
este atendimento. De acordo com os autores, a criança constrói sua
singularidade, o seu “eu”, no contato com adultos, com outras crian-
ças, com objetos, palavras e significados que circulam ao seu redor. Ela
internaliza as regras sociais e recria essas regras em suas ações.
Por exemplo, se chega perto de um parceiro e arranca um brinquedo
da mão dele, está em busca de satisfazer suas necessidades próprias.
Quando o adulto aproxima-se e diz “não pode” ou “vamos pedir em-
prestado”, ingressa a criança em um mundo de regras e de considera-
ção do coletivo. Pouco tempo depois, poderemos vê-la puxar de novo
o brinquedo da mão do parceiro e olhar para o adulto, em busca da
confirmação da regra, ou ensaiar a expressão “me empresta”, em dife-
rentes situações.
Em um ambiente onde partilhar, trocar e conversar são práticas co-
tidianas nas quais as crianças se envolvem, provavelmente poderemos
notá-las ofertando objetos entre si e experimentando contatos visuais e
corporais. Isso coloca o adulto-educador no lugar de mediador do con-
tato da criança com o coletivo e os significados culturalmente dominan-
tes. O desafio é: como ocupar esse lugar, deixando também emergirem
os significados (re) criados pelas crianças, os sentidos que ela constrói
sobre o mundo?
Bondioli e Mantovani (1998) são autoras italianas que nos ajudam a
refletir sobre as peculiaridades dos relacionamentos com bebês e crian-
ças pequenas. Colocam luz sobre o envolvimento da criança pequena
em rituais comunicativos, tais como oferta de objetos, imitação, vocali-
zação frente a frente, sincronismo de gestos, circunscrevendo a creche
como espaço relacional.
revista criança28 revista criança28
revista criança 29
Bibliografia:
BONDIOLI, Anna; MANTOVANI, Susanna
(orgs). Manual de Educação Infantil – de 0 a
3 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
DIDONET, Vital. Creche: a que veio? Para
onde vai?. Brasília: Em Aberto, v. 18, n.73,
p 11-27, julho, 2001.
VYGOTSKY, L. S. A Formação social da
mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
WALLON, Henri. As origens do pensamento
na criança. São Paulo: Manole, 1988.
artigo
Segundo elas, no lugar de ape-
nas prestar assistência e observar
passivamente as descobertas in-
fantis, o educador é convocado a
estabelecer mediações na relação
da criança com o mundo, possibi-
litando vínculo positivo dela com
o processo de exploração do
que a cerca. Dialogando com as
crianças, respondendo aos seus
sinais, evocando suas respostas,
tocando-as e sendo tocado, o
adulto facilita a apropriação por
parte das crianças do funciona-
mento social.
A imitação é um movimento re-
lacional típico e intenso na relação
entre os bebês e deles com os
adultos. Muitas vezes, se um bebê
chora, o outro chora também. Se
um se olha no espelho e bate as
mãos neste objeto, outro bebê
que está por perto, contagia-se
com essa ação, repetindo-a. Imi-
tar é uma ação só possível na re-
lação com o outro; é um “dar-se
conta” da presença do outro.
Para Vygotsky (1989), as crian-
ças podem imitar uma variedade
de ações que vão muito além
dos limites de suas próprias ca-
pacidades. Ou seja, a imitação
cria possibilidades novas para
a criança, abrindo-a para ações
que nascem no outro, mas que
se tornam dela a partir daquele
instante. Isso acontece quando a
imitação é iniciada pela criança (e
não como imposição do adulto).
Em algumas cenas do cotidiano
das creches, é possível perceber
os adultos incitando as crianças
a “imitarem”. Por exemplo, quan-
do mostram uma figura de um
cachorro e pedem “vamos fazer
igual ao au au”. Nestes casos, não
se trata da imitação propriamente,
mas do atendimento a uma solici-
tação do adulto.
O gesto de apontar é outro
comportamento comum como
manifestação da comunicação
pré-verbal da criança. Vygotsky
estuda este gesto como indicador
da origem do processo de cons-
tituição sociocultural das crianças.
Sobre isso, ele diz que inicialmente
esse gesto não é nada mais que
uma tentativa sem sucesso de pe-
gar alguma coisa; mas, quando o
adulto vem e ajuda a criança, no-
tando que o seu movimento indica
algo, a situação muda; o apontar
torna-se um gesto para os outros.
Então, pegar um objeto transfor-
ma-se em apontar, pela leitura que
o adulto faz da ação da criança.
É na atenção aos pequenos
gestos cotidianos dos bebês e
das crianças pequenas que se
realiza o papel do educador, que
pode favorecer as imitações que
a criança inicia, nomear movi-
mentos, buscar seus significados,
com cuidado para não invadir e
atropelar os sentidos que elas
próprias dão às suas experiên-
cias. Desenvolver responsividade
no contato com os bebês signi-
fica dar respostas congruentes
e responsáveis aos seus gestos,
olhares, sorrisos e movimentos,
compartilhando significados, in-
gressando-os no coletivo. A con-
quista da segurança nas relações
é o alicerce da constituição de au-
tonomia e de identidade por parte
do bebê, do menino e da menina.
Portanto, é importante que se sin-
tam reconhecidos e incentivados
pelo educador, o que ocorre na
resposta aos seus sorrisos, ges-
tos e primeiras palavras.
O desafio que se coloca é ob-
servar, organizar espaços, tempos
e materiais, acompanhar e res-
ponder às crianças sem antecipar
suas conquistas ou fechar rigida-
mente sentidos a respeito de suas
explorações.•
revista criança 29revista criança 29
revista criança30
relato
Ser negro, ser brasileiro
Erika Jennifer Honorio Pereira *
A experiência a ser relatada foi desenvolvida em uma turma de edu-
cação infantil com 25 crianças de cerca de 5 anos de idade. Ocorreu no
Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Antônio Candeia Filho, lo-
calizado no bairro de Coelho Neto, que atende principalmente os alunos
de Acari, um dos bairros mais pobres da cidade do Rio de Janeiro.
Observei que a turma, de forma geral, apresentava preconceitos
e estereótipos com relação aos negros. Cantavam músicas como
“neguinha do teretetê”, em que a palavra “neguinha” era usada no
sentido pejorativo; diziam ‘cabelo duro’, ‘piolhenta’, referindo-se aos
que tinham cabelo crespo; associavam o negro à sujeira etc. Ao
pedir que recortassem de revistas um rosto que se parecesse com
o seu, mesmo existindo revistas que traziam as diferentes etnias, al-
gumas crianças negras preferiram recortar rostos brancos. Elas não
se reconheciam como negras. Nos desenhos em que havia pessoas,
a maioria pintava os cabelos de loiro e olhos claros. Quando eu per-
guntava porque pintavam desta forma, respondiam: “Porque é boni-
to!”, “E o seu cabelo, não é bonito?” - Indagava. Alguns não respon-
diam, outros continuavam afirmando que o loiro era mais bonito.
Era o 3º ano em que eu trabalhava neste CIEP e, ao longo des-
se período, percebi que o processo de negação e inferiorização da
identidade negra ocorria de maneira sutil e subjetiva. Parecia-me
que, apenas recriminar tais atitudes não seria suficiente para que
os alunos reconhecessem os negros como bonitos, bem-sucedidos,
importantes.
O Projeto Político-Pedagógico da escola, no mês de abril, visava
trabalhar com o tema Ser brasileiro. Propus ampliar esta temática e
desenvolver o projeto Ser negro, ser brasileiro. Nosso objetivo foi a
desconstrução de idéias e de comportamentos preconceituosos em
relação aos negros.
* Professora de educação infantil do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Antônio Candeia Filho, da rede municipal do Rio de Janeiro.
revista criança30 revista criança30
revista criança 31
relato
No início, fizemos uma roda de conversa para que as crian-
ças relembrassem o que já havia sido aprendido no projeto
Ser brasileiro. Apresentei, então, a nova temática: Ser negro,
ser brasileiro. Expliquei a elas que veríamos um pouco mais
da cultura negra, conheceríamos a história de pessoas negras
que trouxeram importantes contribuições para nossa socieda-
de, o que significa negro(a) e a importância de cada um gostar
de si independentemente das características físicas. Todos se
mostraram interessados e no dia seguinte, demos continuida-
de ao projeto.
A atividade inicial foi um exercício de observação, realizado
em dois dias no auditório da escola (que possui amplo espaço
e uma parede espelhada). Pedi para as crianças ficarem bem
à vontade e os convidei a sentar em círculo formando uma
roda. Expliquei que cada um que quisesse iria, em duplas ou
trios, até o espelho para se observar e depois voltaria para a
roda para contar aos colegas o que foi observado. E, assim
aconteceu. Incitei as crianças para que falassem das suas ca-
racterísticas e percebessem as semelhanças e as diferenças
entre eles e os colegas. Busquei trabalhar o entendimento de
diferente, nem como superior, nem como inferior. As rodas de
conversa estenderam-se por todo o projeto. Nelas, as crianças
refletiram sobre a questão racial e tiveram oportunidade de fa-
lar, expor suas idéias, vivências, percepções do mundo (família,
televisão, escola etc.).
O trabalho prosseguiu com vídeos animados, músicas, tea-
tro de fantoches, livros de histórias que traziam como persona-
gens principais negros, enaltecendo sua beleza e caráter. Du-
rante as rodas de leitura, quando pedia para que recontassem
as histórias, eles recorriam a palavras positivas: reis, rainhas,
bonito, menina bonita. Para mim, essa era a resposta de que o
material utilizado promovia uma imagem positiva dos persona-
gens afrodescendentes. Em outro momento, novamente pedi
que fizesse o auto-retrato. As crianças já se desenhavam como
eram. Algumas iam até o espelho para se observar.
A história “Bruna e a Galinha d’ Angola”, de Gercilga de
Almeida, foi recontada pelas crianças. Depois dessa atividade,
cada um compartilhou um pouco das histórias contadas pelos
avós, valorizando suas origens. Sugeri que criássemos “panôs”
como os da história. Devido à falta de material (tecidos), impro-
visamos usando folhas de papel. Depois de terem secado, os
nossos “panôs” foram expostos nas paredes da sala de aula.
revista criança 31revista criança 31
revista criança32
Nesse período, estava agendada uma reunião com os responsáveis. Apro-
veitei o momento para falar sobre o projeto e de como seria bom contar com a
participação deles. Todos se mostraram solícitos. Para sensibilizar as famílias
para o tema, assistimos ao filme Heróis de todo mundo que narra histórias de
pessoas negras bem-sucedidas. Foi um momento muito rico. Depois da exi-
bição do vídeo, os familiares discutiram sobre o racismo, as dificuldades que
os negros enfrentam, como a pobreza e como enfrentar estas dificuldades.
Na segunda fase, o projeto visou homenagear personalidades negras que
muito contribuíram para a sociedade brasileira. Foram homens e mulheres
que marcaram a história com inteligência, habilidades, garra e determinação.
Estudamos Antonieta de Barros, Benjamin de Oliveira, Pixinguinha, Juliano
Moreira, Aleijadinho, Machado de Assis, Tia Ciata, Adhemar Ferreira da Silva,
Carolina Maria de Jesus, Zumbi e Antônio Candeia Filho.
Tive o cuidado, ao selecionar essas personalidades, de mesclar as áreas
em que atuavam, mostrando que os negros têm históricos de sucesso na
medicina, na política, nas artes e não só no esporte e na música. Conforme ia
contando as histórias, colava em um cartaz exposto na sala o nome da per-
sonagem estudada, sua foto e uma gravura de revista ou jornal que ilustrasse
a profissão que havia exercido.
Na terceira fase, estudamos mais especificamente a vida de Antônio Candeia
Filho, compositor e sambista renomado. Embora seja o nome da escola, essa
personalidade era desconhecida pelas crianças. Foi a partir do resgate da me-
mória de Candeia que trabalhamos a auto-estima delas. Pesquisamos a história
do sambista, sua determinação em retornar ao “mundo do samba”, mesmo
tendo ficado paraplégico. Como Candeia tinha ligação com a música, fizemos
um samba de roda, valorizando a preservação da cultura dos africanos que
vieram para o Brasil e que foi uma das bases de formação do samba carioca.
Os alunos ouviram o CD com sambas de roda. Depois disso, mostrei um
cartaz com tópicos curtos e diretos, mas que explicavam um pouco sobre o
samba de roda e sua ligação com a cultura negra. As crianças viram que esse
gênero está ligado à capoeira e aos instrumentos que a acompanham. Pas-
samos então a dançar. Em roda, eu puxava cantigas, que em geral são curtas
e se repetem. Assim, as crianças memorizavam facilmente acompanhando
com palmas. Ao tratar do samba, observei que os meninos estranharam no
início, por ver esse ritmo na sala de aula. Trabalhar com a cultura da comuni-
dade, trazendo o samba para o ambiente escolar, ajudou a estabelecer víncu-
lo com suas vidas cotidianas. A conclusão do projeto aconteceu no auditório
da escola, onde a turma cantou e dançou em uma bonita roda.
Durante o projeto, pude perceber que as crianças passaram a achar o negro
bonito e reconheceram-se como tais. Os desenhos delas tornaram-se mais deta-
lhados e traziam sobrancelha, cílios, umbigo, cabelos coloridos e a pele de acordo
com o tom que se aproximava da própria criança. Suas atitudes em discriminar
os alunos que tinham cabelo crespo acabaram. Fui percebendo a importância do
meu papel como educadora no combate a toda e qualquer discriminação e pre-
conceito. Durante o projeto, senti-me obrigada a ler, a pesquisar mais para saber
o que é o preconceito, como lidar com ele, que materiais utilizar.
relato
revista criança32 revista criança32
revista criança 33
Depois dessa pesquisa, observei como o ambiente da sala de aula
reforça estereótipos de crianças com cartazes etc. Também mudei meu
olhar e atenção em relação ao penteado afro de algumas crianças. Su-
peramos, assim, um padrão de beleza único. Notei que com esse pro-
jeto todos se sentiram acolhidos porque eram considerados belos.
Outro fato que avaliei como positivo foi o engajamento da escola no
projeto. Algumas professoras não sabiam quem era Candeia e com
o projeto, tomaram conhecimento de sua história de vida. Ao final, a
direção decidiu inscrever a escola no projeto “Escola de bamba” uma
iniciativa da prefeitura do Rio de Janeiro que trabalha com a cultura
popular, mais especificamente com o samba, realizando desfiles dos
alunos no sambódromo.•
relato
Bibliografia
AIBÊ, Bernardo. A ovelha negra. 2. ed.
São Paulo: Mercuryo Jovem, 2001.
ALMEIDA, Gercilga de. Bruna e a galinha
d´Angola. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas
Editora, 2003.
CD CRIANÇAS – Diante do trono –
Igreja Batista da Lagoinha. Fabricado por:
Sonopress-Rimo da Amazônia Ind. E Com.
Fonográfica Ltda. CANAL FUTURA. CD
gonguê – A herança africana que cons-
truiu a música brasileira. Parte integrante
do projeto A cor da cultura. http://www.
acordacultura.org.br.
CANAL FUTURA. Heróis de todo o mun-
do (VHS). Parte integrante do projeto A cor
da cultura. http://www.acordacultura.org.br.
CANAL FUTURA. Livros animados (VHS
1 e 2). Episódios: O menino Nito, Menina
Bonita do laço de fita e Bruna e a galinha
d´Angola.– Parte integrante do projeto A cor
da cultura. http://www.acordacultura.org.br.
PATERNO, Semíramis. A cor da vida. Belo
Horizonte: Editora Lê, 1997.
REVISTAS RAÇA. São Paulo: Ed. Símbolo.
revista criança 33revista criança 33
revista criança34
reportagem
Proinfantil valoriza professoras e
professores e modifica a educação
das crianças
Stela Rosa | Brasília/DF
revista criança34
Organização de brinquedote-
cas, recreação dirigida e salão
de artes foram algumas das ino-
vações implantadas por aqueles
que concluíram o Programa de
Formação Inicial para Professores
em Exercício na Educação Infantil
(Proinfantil). Criado pelo Ministé-
rio da Educação, um grupo pilo-
to do Programa foi oferecido em
parceria com as secretarias de
educação do Ceará, de Goiás, de
Sergipe e de Rondônia.
O grupo iniciou em 2005, con-
templou 127 municípios e formou
992 professores cursistas, no pri-
meiro semestre de 2007. Estima-se
que até final do ano, mais 1,8 mil
profissionais devem concluir o pro-
grama. Mesclando o uso da edu-
cação a distância com encontros
presenciais, o Proinfantil envolveu
cerca de 1,2 mil educadores nos
Estados, entre coordenadores, pro-
fessores formadores, que ministra-
ram os conteúdos elaborados pelo
MEC, e tutores, responsáveis pelo
acompanhamento dos cursistas
nas creches e pré-escolas.
Avaliação positiva
O principal objetivo do progra-
ma é propiciar a formação mínima
exigida pela Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional (LDB)
– nível médio e magistério - para
os professores de creches e pré-
escolas. Segundo os profissionais
que integraram as Equipes de Ge-
renciamentos nos Estados (EEG),
responsáveis pela coordenação
estadual do programa, os resulta-
dos superaram as expectativas.
O impacto, segundo eles, pode
ser percebido no trabalho de-
senvolvido pelos professores, na
melhoria da sua auto-estima, nos
espaços das instituições e, princi-
palmente, na valorização do traba-
lho docente por parte dos próprios
educadores, gestores e pais.
©JoséEurípedes
Ex-aluna do Proinfantil, Sandra assumiu coordenação de escola em Neropólis (GO)
revista criança34
Programa de formação em magistério, nível médio, Proinfantil amplia e define a identidade dos professo-
res. Seus novos conhecimentos mudam a prática nas creches e pré-escolas, que ganham espaços e meto-
dologias próprias para o desenvolvimento das crianças
revista criança 35
reportagem
revista criança 35
A percepção da importância
da educação infantil por parte de
gestores demonstra as transfor-
mações ocorridas. A secretária
de educação de Cariús, no Cea-
rá, Betânia Maria Cortez, elogia a
iniciativa e garante a continuida-
de do programa. “Temos sentido
a diferença nos professores, que
estão mais seguros e entendendo
melhor a importância do trabalho
deles. Para dar prosseguimento
ao trabalho de acompanhamento,
vamos manter os tutores”, diz.
Mudança de postura
Em Goiás, a qualificação das
cursistas revolucionou as institui-
ções, segundo Cremilda Martins
Batista, da EGG do Estado. “Visitei
várias creches no início e no final
do curso, e as mudanças foram
significativas. No decorrer do pro-
jeto, as profissionais levavam o co-
nhecimento adquirido no Proinfan-
til para os seus locais de trabalho.
O resultado é que as instituições
foram abandonando o caráter as-
sistencialista e passaram a atuar
de forma educativa”, constata.
Eleneida Peixoto Cruz, da EEG
do Ceará, destaca que, a partir do
curso, os educadores passaram a
desenvolver práticas pedagógicas
fundamentadas na teoria e de acor-
do com as necessidades das crian-
ças. Modificaram, assim, a própria
postura e também a das famílias.
“Os pais perceberam o desenvolvi-
mento dos filhos e passaram a valo-
rizar mais os professores, olhando-
os como educadores e não como
meros cuidadores”, destaca.
Fernandes Martins Pereira, tutor
na cidade de Nerópolis, em Goiás,
diz que as profissionais passaram
a trabalhar com intencionalidade.
“Elas tinham a prática, mas não a
teoria, desenvolviam tarefas, mas
não sabiam por que as estavam
fazendo. Com a inovação na prá-
tica pedagógica, esse profissional
passa a ter reconhecimento da
comunidade, pois agora são pro-
fessoras especialistas em educa-
ção infantil”, orgulha-se.
Maior compromisso
Antonia Carlos da Silva, profes-
sora que ministrou o tema Identida-
de Sociedade e Cultura, no Ceará,
observa que o mais significativo foi
esse despertar da importância do
papel educativo e, ao mesmo tem-
po, da possibilidade de participar
efetivamente do processo. “Uma
das coisas mais gratificantes foi
ouvir depoimentos de coordena-
doras de creches sobre as suges-
tões e contribuições levantadas
pelas cursistas durante o planeja-
mento”, destaca.
Para Silvaneide Lima, da EEG
de Sergipe, o principal resultado
do Proinfantil é o maior envolvi-
mento dos educadores. “A crian-
ça tem sido vista como cidadã
de direitos. Percebemos que os
professores, gestores e demais
membros das instituições de edu-
cação infantil estão mais compro-
metidos”, pontua.
De acordo com Eunice Cabral
Lima Pereira, da EGG de Rondô-
nia, a qualificação dos professores
revista criança 35
©JarbasVasconcelos
No Ceará, escola ganhou brinquedoteca...
revista criança36
repercutiu na comunidade. “Com
certeza, trouxe maior visibilidade
para a educação infantil e também
mudanças em alguns municípios.
E não só em relação a questões di-
dáticas e pedagógicas, mas tam-
bém sobre questões administra-
tivas, resultando em mudança na
prática dos cursistas e em melho-
rias no ambiente físico em que as
crianças eram atendidas. Houve
envolvimento não só dos profes-
sores, mas também dos respon-
sáveis pela instituição”, ressalta.
Vontade de crescer
Sandra Maria Pinto Cruz, mãe
de duas crianças e professora da
reportagem
revista criança36
creche municipal Paz e Amor, em
Nerópolis, Goiás, teve de conciliar
os estudos com o horário de tra-
balho e com a família. “A maioria
das cursistas era constantemente
cobrada por filhos e maridos. Não
foi fácil dar conta das atividades do-
mésticas e profissionais”, relembra.
Segundo ela, a vontade de cres-
cer e melhorar a realidade nas ins-
tituições de educação infantil foi o
que a impulsionou a chegar até o
fim. “As mudanças foram aconte-
cendo gradualmente, de acordo
com o nosso avanço no curso.
Aprendemos a planejar a rotina e
torná-la prazerosa para as crianças
que, por sua vez, passaram a ter um
melhor desenvolvimento no proces-
so ensino-aprendizagem”, diz.
Hoje, Sandra tem três razões
para comemorar: terminou o cur-
so, foi promovida a coordenadora
e a instituição ganhou uma nova
sede. Segundo ela, a qualificação
do corpo docente e a construção
da nova sede triplicaram a procu-
ra por atendimento.
Mudança de concepções
e de práticas
Descobrir a importância do
lúdico para o processo ensino-
aprendizagem e a dimensão edu-
cativa em cada gesto, passando
pelo ato de alimentar, brincar ou
afagar, mudou a prática da cur-
sista Zulmira Alves Ribeiro Lorenz,
©JarbasVasconcelos
... e salão de artes para as crianças.
revista criança36
revista criança 37
reportagem
da creche Moranguinho, em Ari-
quemes, Rondônia. Durante o
curso, ela aprendeu a importância
das atividades recreativas. “Fui
criada de forma tradicional e não
percebia que as crianças estão
aprendendo através da brinca-
deira. Achava que elas estavam
bagunçando. Agora tenho outro
olhar”, relata.
Em Fortaleza, Ceará, a propos-
ta de organizar uma brinquedote-
ca e um salão de artes partiu da
professora Zelma Venâncio da
Silva. “Com o curso, tomamos
conhecimento da importância
da preparação dos espaços. Por
isso, sugerimos a criação dos am-
bientes”, explica. A interação en-
tre turmas de educação infantil e
a inclusão de brincadeiras popu-
lares no dia-a-dia também fazem
parte das novidades. “O trabalho
ficou mais prazeroso para nós e
para as crianças”, diz.
Auto valorização
No decorrer do curso, que teve
duração de dois anos, muitos
professores formadores percebe-
ram que a pouca valorização da
educação infantil repercutia nega-
tivamente na qualidade do ensino
e na auto-estima dos educado-
res, que se viam apenas como
cuidadores.
Para José Jânio Duarte de Oli-
veira, tutor na cidade de Cariús, no
Ceará, o programa levou os gesto-
res a conhecerem as dificuldades
enfrentadas pelos profissionais.
De acordo com os especialistas,
a mudança de percepção sobre
revista criança 37revista criança 37
©JarbasVasconcelos
Idéias da professora-cursista do Proinfantil, Zelma
o papel do professor de creche e
pré-escola contribuiu na autovalo-
rização do trabalho.
Para a cursista Andércia Santas
Silva, da creche Maria de Oliveira,
em Estância, no Sergipe, essa foi
a grande contribuição. “Me sentia
crechera, monitora, cuidadora,
menos educadora. Não era va-
lorizada pelos pais e nem pelos
outros professores. Aprendi que o
meu papel é educar e cuidar das
crianças e assim elas estão se de-
senvolvendo. Percebo a diferen-
ça. Foi o Proinfantil que me deu
esse suporte”, comemora.•
revista criança38
resenha
De repente, nas profundezas do bosque
Autor: Amós Oz
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Fábula
Adriana Maricato*
Numa vila triste, vivem pessoas sem animais nem insetos, que fugiram num passado remoto e hoje estão
quase apagados da memória coletiva. Os bichos foram morar num bosque com Nehi, o demônio da Montanha.
Com medo do bosque, do escuro, de Nehi e de suas lembranças, aldeões trancam suas casas à noite.
As crianças da aldeia nunca viram ou ouviram pássaros, vacas, cachorros, cavalos, moscas. Os adultos
“normais” negam a existência de animais. Os diferentes, rotulados de esquisitos ou loucos, são a memória
viva do passado alegre da aldeia, quando havia bichos. A professora desenha animais e reproduz seus ruí-
dos; o pescador faz esculturas de bichos para as crianças; a padeira joga migalhas no chão para pássaros
inexistentes. O garoto Nimi desobedece à proibição de ir ao bosque e fica doente de “relincho”. Todos são
alvo de deboche, excluídos pela comunidade.
A agressividade que domina os habitantes da aldeia pode ser interpretada como um desequilíbrio ecológi-
co provocado pelo homem. Como o aquecimento global ou outros efeitos, levando ao desaparecimento dos
bichos e dos “diferentes”.
Duas crianças partilham suas dúvidas sobre a inexistência de bichos, enfrentam o medo, entram no bos-
que, descobrem os animais e o “demônio” Nehi. Como Nimi, ele havia fugido da aldeia quando menino, vítima
da perseguição de todos. Mas não encontrou a paz e sente falta das pessoas da aldeia.
Essa fábula de Amós Oz, o mais importante escritor israelense contemporâneo, fala de intolerância, pre-
conceito, perseguição, isolamento, solidão. Mostra tanto o sofrimento das vítimas, quanto o dos que se
submetem aos modelos sociais e reproduzem aquelas atitudes. Alerta para a necessidade de interferência
dos adultos (inclusive professores) ensinando o respeito à diversidade.
* Jornalista responsável pela Revista Criança.
Coleção Arco-da-Velha
Autor: Sílvio Romero
Ilustrações: Rosinha Campos
Editora: Scipione
Adriana Maricato*
revista criança38 revista criança38
revista criança 39
resenha
Bem vindo ao Mundo!
criança, cultura e formação de educadores
Autores: Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys Silvana Augusto (Org.)
Editora: Fundação Peirópolis
Gênero: Formação de professores
Vitória Líbia Barreto de Faria*
As 205 páginas do livro, acompanhadas por CD explicativo e ilustrativo da obra, desde sua apresentação
gráfica, passando pela maneira aparentemente leve de tratar os conteúdos, até as temáticas desenvolvidas,
já se constituem, a partir do primeiro contato, um convite ao leitor/professor.
Inteiramente ilustrada com desenhos de crianças, a metodologia apresentada focaliza a formação continu-
ada de profissionais da educação infantil. Essa metodologia foi construída com base no Programa Capacitar
Educadores, desenhado pelo Instituto Avisa-lá (antigo Centro de Estudos e Informações Crecheplan), em
resposta a uma solicitação efetuada pelo Instituto C&A em 1993.
O resultado é uma produção coletiva que se referencia na prática de profissionais, aprofunda conhecimentos
teóricos e promove reflexões ampliando o universo cultural daqueles que atuam junto às crianças até 6 anos.
Trata-se na realidade de uma proposta de formação de profissionais reflexivos, fundamentada nas teorias constru-
tivistas e sócio–interacionistas, que explicitam os processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças.
Estes princípios teóricos somam-se à compreensão da função social das instituições de educação infantil,
aos modos de organização e funcionamento dessas unidades educativas e ao reconhecimento da complemen-
taridade do papel da família. E formam a base na qual se sustenta a proposta de formação presente no livro.
* Consultora editorial da Revista Criança.
A coleção é composta por três livros com seleções de quadrinhas, cantigas e parlendas registradas por
Sílvio Romero (1851-1914), um dos maiores pesquisadores da cultura popular brasileira.
As quadrinhas são compostas por quatro versos rimados; as cantigas são aquelas que acompanham uma
brincadeira, como a ciranda; as parlendas são brincadeiras com palavras para passar o tempo ou aprender
alguma coisa. Crianças pequenas adoram ouvir e reproduzir esses textos/ melodias, pois brincam com a
língua e progressivamente se descobrem capazes de dominá-la.
Por um lado, essas manifestações que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro remontam a narrativas
antigas, com origem em Portugal, às quais também foram incorporados elementos das culturas indígenas e
africanas, expressando elementos importantes da nossa identidade.
Por outro, a melodia, a rima e o ritmo dessas produções da cultura oral favorecem a memorização das
regularidades e irregularidades da língua portuguesa, e do aprendizado da escrita.
Num tempo em que os meios eletrônicos, como televisão, videogames e computadores ocupam cada
vez mais o tempo das crianças, afastando-as das fontes da cultura oral (brincadeiras de rua, contato com
os pais e com idosos, por exemplo), esse tipo de leitura cultiva o que não se pode perder: nossa identidade
lingüística e o aprendizado significativo da escrita
revista criança 39revista criança 39
revista criança40
notas
Pagamento de bolsasO Fundo Nacional de Desenvolvi-
mento da Educação (FNDE) iniciou o
pagamento das bolsas do Proinfantil
por meio de depósitos nas agências
do Banco do Brasil, em contas corren-
tes indicadas pelos bolsistas. Os valo-
res mensais são de R$ 450,00 para
supervisores de curso (coordenadores
de Agências Formadoras), R$ 350,00
para professores-formadores e R$
250,00 para tutores.
Livros de literatura
para educação infantil
O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), seguindo
as determinações do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), inicia em 2008 a distribuição de 1,93 milhões de livros
de literatura para creches e pré-escolas. Serão distribuídos
96,5 mil acervos para 85.179 escolas. Mais de cinco milhões
de crianças serão beneficiadas.
As sessenta obras para educação infantil do PNBE 2008
formarão três acervos, cada um com 20 obras. Os livros serão
compostos por textos em verso (poemas, quadras, parlendas,
cantigas, trava-línguas, adivinhas), em prosa (pequenas histó-
rias, novelas, contos, crônicas, textos de dramaturgia, memó-
rias, biografias), livros de imagens e de histórias em quadrinhos.
Reunião do Conpeb
O Comitê Nacional de Políticas da
Educação Básica (Conpeb), cuja função
é subsidiar as decisões da Secretaria de
Educação Básica (SEB/MEC), formado
por 12 organizações da sociedade civil
e sete órgãos governamentais, reuniu-se
no dia 6 de agosto, em Brasília. Durante
a reunião, foram discutidos os seguintes
assuntos: Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), Compromisso Todos
pela Educação, Ações da SEB, Confe-
rência Nacional de Educação Básica e as
Subcomissões do Conpeb.
revista criança40
revista criança 41
cartas
Diálogo com as cartas recebidas
Vitória Líbia Barreto de Faria*
* Consultora editorial da Revista Criança.
Parabéns pela edição da revista Criança
do mês de dezembro de 2006 (edição 42).
A qualidade das informações estão ma-
ravilhosas.
Vários enfoques apresentados mobili-
zaram nossa entidade, para juntos con-
seguirmos uma melhor qualidade na edu-
cação infantil, uma vez que trabalhamos
com crianças de 4 meses a 6 anos, em
período integral. Além disso, contamos
com uma ótima parceria com a Prefeitura
Municipal de São Caetano do Sul.
Concordamos plenamente com as colo-
caçõesfeitaspelasprofessorasMariaMalta
Campos e Maria Lúcia Machado, principal-
mente no que diz respeito ao investimento
público e à questão qualitativa da educa-
ção infantil em outros países.
A respeito do relato sobre a Escola da
Ponte, questiono: Será que precisamos
chegar até a “Ponte” para que tais colo-
cações sejam efetivadas?
Não poderia também deixar de citar o
belíssimo artigo de Beatriz Ferraz. Fala-
mos tanto em inclusão e, muitas vezes,
esquecemos de incluir o próprio educa-
dor na educação infantil. Para que isto
aconteça, o texto traz dicas e soluções
muito boas.
Célio Benedito Gonçalves - Diretor da
Associação Beneficiente e Cultural Nossa
Senhora Aparecida
São Caetano do Sul (SP)
Professor Célio,
São cartas como a sua que nos im-
pulsionam a fazer que cada edição da Re-
vista Criança apresente questões de maior
interesse dos professores e que contribuam
efetivamente para a sua formação pessoal e pro-
fissional.
Agradecemos os elogios e dividimos com nossos
colaboradores os méritos atribuídos pelo senhor ao
trabalho que realizamos.
O senhor nos pergunta se precisamos chegar até a
“Ponte” para que as colocações de nossas entrevista-
das sejam efetivadas. Na realidade, quando publicamos
relatos de trabalhos de qualidade reconhecida como o
da Escola da Ponte, não o fazemos no intuito de validar
nossas políticas e práticas, mas com o objetivo de so-
cializar experiências bem-sucedidas. Entendemos que
a educação infantil, como parte integrante da educa-
ção básica, é ainda uma etapa que busca sua identi-
dade, tendo em vista as especificidades da criança
de 0 até 6 anos.
Por essa razão, as referências de outras insti-
tuições ajudam o professor a refletir sobre suas
próprias ações e a construir conhecimentos
novos. Não podemos perder de vista que
uma educação de qualidade para as
nossas crianças é um empreendi-
mento coletivo e não proprie-
dade dessa ou daquela
instituição.
revista criança 41revista criança 41
revista criança42
“
”
cartas
Sou professora municipal. Em 2006,
trabalhei em duas escolas, uma delas
na zona rural. Não era nada fácil, pois
eu era a única professora, com uma
turma multiseriada, do pré à quarta
série. Mesmo com alunos da mesma
série, às vezes, tinha de trabalhar de
maneira distinta, pois estavam em di-
ferentes estágios de aprendizagem.
Mas tudo ocorreu maravilhosamente
bem.
Na parte da tarde, trabalho na As-
sociação de Pais e Amigos dos Excep-
cionais (Apae), atendendo crianças,
desde as recém-nascidas até as maio-
res. Eu adoro trabalhar com pessoas
especiais. As turmas são pequenas e
isso facilita a atenção e o atendimento
individualizado. Eu acredito muito nes-
sas crianças. Acho que elas são capa-
zes de realizar não o que eu quero,
mas têm potencial para várias coisas.
Como qualquer ser humano, elas tam-
bém têm limitações e potencialidades
a ser desenvolvidas.
Adorei as duas últimas revistas que
recebi, principalmente os artigos a res-
peito de avaliação e práticas para a
igualdade racial na escola. Gostei de
saber que irão falar sobre o ensino es-
pecial. Terminando, gostaria de dizer
que me sinto privilegiada em receber
em minha casa uma revista de tão alta
qualidade como a Revista Criança. É
um instrumento de formação dos pro-
fissionais, não só da educação infantil,
mas também da educação em geral.
Adoro a seção de arte que traz a tela
e a informação sobre o artista e a obra
em questão. Vocês são artistas da edu-
cação e querem espalhar esta arte para
o maior número de pessoas possível.
Maria Luiza dos Reis Teixeira
Presidente Olegário (MG)
Maria Luiza,
Ficamos muito felizes com o entusiasmo que você de-
monstra pela leitura da Revista Criança. Obrigada pelo re-
conhecimento de nosso trabalho.
Pelo que pudemos perceber, você é uma professora
que gosta de desafios e que tem prazer no trabalho que
desenvolve. Realmente atuar um período com turma mul-
tiseriada, com crianças de educação infantil à quarta série
e no outro na Apae com crianças de diferentes idades é só
para quem, como você, acredita que essas crianças são
capazes de se desenvolver e de aprender.
Mas sabemos que não basta aceitar o desafio e acredi-
tar no potencial das crianças para que elas sejam incluídas e
avancem no seu percurso educativo. É preciso que o profes-
sor também acredite na sua própria capacidade de aprender
sempre e, cada vez mais, busque a sua formação pessoal e
profissional. É o que você demonstra fazer. Parabéns
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  • 1. Revista do professor de educação infantil Entrevista Manuel J. Sarmento Reportagem Proinfantil Relato Ser negro, ser brasileiro Educação no campo D ezembro 20 07 Minist ériodaEdu cação 45
  • 2. expediente Presidência Ministério da Educação Secretaria Executiva Secretaria de Educação Básica Departamento de Políticas da Educação Infantil e Ensino Fundamental Coordenação de Educação Infantil Consultora Editorial Vitória Líbia Barreto de Faria Jornalista Responsável Adriana Maricato - MTB 024546/SP Editor Alex Criado Reportagem Bernardete Toneto, Iracema Nascimento, Sílvio Demétrio, Stela Rosa Direção de Arte TDA Comunicação Criação e Projeto Gráfico Letícia Neves Soares Diagramação Joana França Fotografias Douglas Mansur, Jarbas Vasconcelos, José Euripedes, Lidiney Campiol e Tatiana Cardeal Revisão Roberta Gomes Foto Capa Douglas Mansur Envie cartas para o endereço: Ministério da Educação – Coordenação-Geral de Educação Infantil – DPE/SEB Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede, 6o andar – Sala 623 70047-900 Brasília (DF). Tel: (61) 2104 8645 E-mail: revistacrianca@mec.gov.br Tiragem desta edição: 200 mil exemplares Dezembro de 2007 Ministério da Educação
  • 3. revista criança 3 sumário carta ao professor entrevista Culturas Infantis e direitos das crianças caleidoscópio A Educação Infantil a partir do Fundeb Os impactos do Fundeb numa capital Municípios de pequeno porte e a educação infantil: a experiência de Castro professor faz literatura Encontro das águas matéria de capa Educação no campo: a experiência do Movimento Sem Terra artigo Diálogos e interações com as crianças de 0 a 3 anos: desafios para as instituições de educação infantil relato Ser negro, ser brasileiro reportagem Proinfantil valoriza professoras e professores e modifica a educação das crianças resenha notas cartas 5 19 34 4 5 9 18 19 27 30 34 38 40 41
  • 4. revista criança4 carta ao professor Prezado (a) professor (a) A criação e implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bá- sica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) levanta várias questões: que mudanças o Fundeb traz para a educação infantil? Até que ponto este Fundo vai solucionar os problemas da área? Para ajudar esta reflexão, a seção Caleidoscópio traz um artigo de Vital Didonet, especialista em política de educação infantil e membro ativo do movimento em prol da inclusão das creches no Fundeb. A seção traz, ainda, dois artigos de secretários municipais de educação, sensíveis à educação da criança de 0 a 6 anos. Este número apresenta também uma Entrevista com Manuel Sarmento, professor da Universidade do Minho, em Portugal, e estudioso da Sociologia da infância. O pesqui- sador nos fala de culturas infantis e ressalta que a valorização das várias formas de manifestação da criança está subjacente à garantia de seus direitos. Tais direitos são tratados na Matéria sobre as Cirandas de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A matéria mostra como o MST faz valer o direito à educação das crianças pequenas que vivem nos acampamentos. Érika Pereira, no relato Ser negro, ser brasileiro, discute como é possível provocar, em uma turma de educação infantil, a reflexão sobre idéias e comportamentos precon- ceituosos em relação à raça negra. O Proinfantil recebe uma atenção especial neste número, em uma Reportagem que evi- dencia seu impacto no trabalho desenvolvido pelos professores e, mais ainda, na concepção e valorização da educação infantil por parte das famílias e dos gestores municipais. Partindo de uma demanda de professores e de formadores, Daniela Guimarães, con- sultora da Coordenação Geral de Educação Infantil, nos fala em seu Artigo do desafio de modificar as concepções tradicionais e atuar como mediador entre as crianças de 0 a 3 anos e o mundo que as rodeia. Nessa perspectiva, lembramos do papel da Revista Criança como mediadora da rela- ção da coordenação com todos os professores brasileiros de educação infantil, estejam onde estiverem. Sendo assim, consideramos fundamental que continuem nos escrevendo e enviando suas contribuições e questões, pois temos o maior prazer de publicá-las ou respondê-las, fora ou dentro do espaço da Revista. Boa leitura! revista criança4
  • 5. revista criança 5 entrevista Manuel J. Sarmento Culturas Infantis e direitos das crianças Iracema Nascimento | São Paulo/SP Professor titular do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, em Portugal, Manuel J. Sarmento também coordena o mestrado em Sociologia da Infância, programa de pós-graduação pioneiro no mundo. É interlocutor permanente de pesquisas sobre infância e dos programas de educação infantil no Brasil. Em visita ao nosso País para participar de uma banca de doutorado, Manuel J. Sarmento concedeu uma entrevista exclusiva à Revista Criança. Gostaria que o senhor fa- lasse um pouco de como sur- giu seu interesse pela área da infância. Comecei fazendo licenciatura em Estudos Portugueses, quan- do não havia em Portugal nenhum curso superior no âmbito das ci- ênciais sociais, pois o regime fascista que terminou em 1974 não permitia cursos nas áreas de sociologia e de antropologia. Fui professor no sistema público e, assim, me aproximei do universo das crianças. Fiz mestrado sobre escola primária, com foco nos professores. Meu doutorado foi sobre as lógicas de ação na es- cola. Assim me aproximei da si- tuação das crianças, não apenas como alunos, mas também como membros da sociedade, atores sociais, que têm formas próprias de interpretação da cultura social e da produção cultural. É nesse momento que me deparo com manifestação,quenemsempresão valorizadas e que não decorrem explicitamente de uma consciência reflexiva, mas que se exprimem na prática, sob modos de comporta- mentos, e sob alguns elementos da simbolização que não necessa- riamente a linguagem verbal. Eu mesmo tenho estudado de- senhos de crianças como expres- são simbólica, que configuram não apenas registros individuais da expressão de uma criatividade singular, mas que exprimem tam- bém formas de codificação, que são necessariamente culturais, de representação do mundo. E que são claramente atravessados pela dimensão geracional. O desenho das crianças possui especificida- des demarcadas e são normal- mente os melhores desenhos que os seres humanos fazem ao longo de suas vidas. Mesmo com crian- ças muito pequenas é possível, por meio de formas que incitam a imaginação, ouvir sua opinião. o campo emergente da Socio- logia da Infância, que estava em fase de forte consolidação. Meu trabalho é uma reflexão sobre os modos de vida das crianças, suas competências no plano cultural e social e o modo como elas se relacionam com os outros, com a natureza e com a sociedade. O senhor fala de partici- pação da criança no espaço educativo. Como é possível facilitar essa participação para as crianças pequenas nas creches e pré-escolas? Isso tem a ver basicamente com a capacidade de entendimento dessa voz como algo “cinestési- co” e que se exprime não apenas por palavras, mas simultânemente também por gestos, por postu- ras culturais, por desenhos etc. Pesquisas com crianças têm bus- cado olhar para essas formas de ©TatianaCardeal revista criança 5
  • 6. revista criança6 entrevista Os educadores que mobilizam a participação das crianças sabem que elas são absolutamente inci- sivas na configuração do espa- ço-tempo do jardim da infância, no modo de agir exatamente a partir daquilo que é expressão de sua vontade. O senhor também fala em cultura infantil. O que a carac- teriza e como ela se relaciona com a educação infantil? Na última década, houve avan- ços muito significativos na pesqui- sa sobre culturas infantis a partir, sobretudo, da abordagem da so- ciologia, da antropologia e mais recentemente da sociolingüística. A tese fundamental é que, como membros da sociedade, as crian- ças herdam a cultura dos adultos e são socializadas nesta cultura a partir das interações com seus pais e com outros familiares. Mas elas próprias produzem cultura. O modo de interpretação do mundo pelas crianças é marcado pela al- teridade em relação aos adultos. Alguns trabalhos em que estou envolvido têm contribuído para configurar as culturas infantis em torno de quatro eixos. Em primeiro lugar, as culturas infantis integram de forma espe- cífica uma ludicidade que não é exclusiva das crianças. Outro eixo é a interatividade. À medida que elas realizam seu processo cul- tural interativa e continuamente, imitam as outras crianças, o que podemos observar nos jogos, nas brincadeiras e em padrões de desenho de meninos e meni- nas de várias partes do mundo. É um processo de transmissão cultural intrageracional. Um terceiro eixo é o da transpo- sição fantástica do real, da ligação entre imaginação e realidade, da ficcionalização, que é própria, por exemplo, da literatura, da poesia, do cinema. Nas crianças, esse processo é continuamente ativado pelo jogo simbólico. Para elas, isso representa a possibilidade de ex- plorarem imaginariamente aspectos da vida que as preparam para lidar com situações reais no futuro. Finalmente, a questão da inte- ração temporal, pela idéia de que tudo pode começar novamente, em um tempo que não é linear, não tem princípio nem fim, mas é cícli- co e se desenvolve em espiral. Acredito que, seja na educação infantil, seja no ensino fundamental, a educação pode fazer a tradução entre a cultura escolar e as cultu- ras infantis. Significa potencializar esses modos de simbolização do real no trabalho pedagógico. Há uma tendência de que algo seja construído nesse sentido, a partir da educação infantil e das propos- tas da pedagogia da infância. Suponho que é possível fazer um trabalho educativo que não se centre apenas na dimensão cognitiva do aluno, que não fe- che a porta para a criança que vive em cada aluno. É possível fazer que essa dimensão cogni- tiva aproveite as qualidades dos pequenos e, portanto, apreenda também sua forma de relação com a cultura e seu modo de in- teração com os outros. A partir da abordagem das culturas infantis, o senhor acha que as crianças pode- riam resistir à “colonização do imaginário”, ou seja, re- agir criticamente aos valores dos adultos? Do meu ponto de vista, as crianças têm em si condições de resistência a essa colonização. É absolutamente essencial que seja feito um trabalho de desven- damento e desconstrução desse processo de colonização, quer no plano analítico da teoria, quer no plano prático, das intervenções educativas junto às crianças, de modo a permitir que elas assu- mam atitude crítica em relação às diferentes formas que querem induzi-las a consumidores com- pulsivos. O grande trabalho dos edu- cadores é o da mediação. Isso implica, portanto, incluir e excluir dimensões culturais, permitindo que a criança tenha a possibilida- de de discernir e destruir critica- mente o que é inaceitável, como, por exemplo, o preconceito. Em seu doutorado, o senhor buscou responder à questão de como construir uma escola assentada em uma visão crí- tica de promoção dos direitos da criança. Quais são as res- postas para tal questão hoje? Essas respostas podem ser encontradas no plano teórico e no plano prático. Interesso-me mui- to pelas escolas democráticas e revista criança6 revista criança6
  • 7. revista criança 7 entrevista pelo modo como elas constituem contextos educativos, em que as crianças não são despossuídas de poder, mas envolvidas na constru- ção do cotidiano escolar. A esco- la lida com uma cultura que, em larga medida, está previamente construída. Mas as crianças não são elementos meramente pas- sivos na aquisição dessa cultura. À medida que participam do pro- cesso de assimilação da cultura, trazem consigo as culturas comu- nitárias em que foram enraizadas e os elementos de suas culturas infantis. Desse modo, a escola passa a ser espaço de tradução de múltiplos códigos entre a cul- tura propriamente escolar e as culturas de origem. O respeito pela diferença de cada criança, pela singularidade de cada ser humano e pela alte- ridade da condição geracional é central na configuração de uma escola democrática e de uma es- cola dos direitos da criança. Não é um espaço que visa estabele- cer divisões. Ao contrário, inclui essas diferenças, em contínuo trabalho pela igualdade a par- tir das diferenças. Algumas es- colas vêm desenvolvendo esse trabalho, as quais assumem as crianças não como consumi- dores, mas como sujeitos. Isso contribui decisivamente para a construção da utopia possível de uma escola que não seja o lugar institucional do desapos- samento das crianças e de sua alteridade, mas, ao contrário, o lugar onde essa alteridade é constitutiva do processo de co- municação cultural. Quais são os desafios que as professoras da educação infantil devem enfrentar para tornar esta escola possível? Eu costumo dizer que as profes- soras e os professores vivem hoje um dilema: a desprofissionalização e a brutalização versus a huma- nização do seu trabalho. Existem elementos políticos que pressio- nam fortemente no sentido da desprofissionalização do trabalho dos professores, como a redução do seu estatuto social. Mas, prin- cipalmente, os fatores reguladores do trabalho docente: recomenda- ções, regulações, fichas de traba- lho, modos operativos que resul- tam de um mercado educacional bastante competitivo e que res- tringem tanto sua capacidade de criar os próprios instrumentos de trabalho, quanto sua autonomia de interação com os outros profis- sionais, com as crianças e com as comunidades. Em contrapartida, os professo- res podem se aproximar dos alu- nos e desenvolver seu trabalho a partir da análise da especificidade das crianças e das comunidades. O professor é alguém que tem o privilégio de fazer a tradução entre a cultura de que é portador e que precisa comunicar e as culturas que as crianças trazem das suas comunidades e das interações in- trageracionais das culturas infantis. Esse é um trabalho profundamente humanizador. Os professores pre- cisam acreditar muito seriamente na sua capacidade de utilizar a au- tonomia relativa. revista criança 7 ©TatianaCardeal revista criança 7
  • 8. revista criança8 entrevista A Sociologia da Infância tem conseguido influenciar os processos de formação inicial dos educadores? A Sociologia da Infância é hoje uma área científica que tem tido influência em vários programas de formação dos profissionais que lidam com crianças, não só na Europa, mas também em vários países do mundo. A formação dos profissionais da infância necessita da Socio- logia da Infância, no quadro das relações interdisciplinares que são absolutamente essenciais, para totalizar os estudos sobre a con- dição biopsicossocial da criança, que não mais pode ser isolada como aconteceu na ciência no século 20. Como o senhor analisa os projetos de educação infantil no Brasil e, sobretudo, como as experiências européias po- dem inspirar as experiências brasileiras e vice-versa? A realidade brasileira é profun- damente diversa e multifacetada, o que a faz extraordinariamente sedutora para um visitante es- trangeiro, sobretudo para alguém de um pequeno país como é Por- tugal. No Brasil, há ligação muito profunda entre a universidade e a sociedade, o que não acontece na Europa. A universidade européia é, em geral, ainda uma estrutura de marfim, que não se deixa contami- nar pela sociedade à sua volta. Sobre a infância, em particular para um observador europeu, é muito sensível o dualismo do sis- tema educacional brasileiro, que coloca as crianças das classes médias em escolas privadas e as crianças das classes populares em escolas públicas. Essa não é de fato a realidade portuguesa, em que a escola é predominan- temente interclassista, ainda que haja desigualdades. O segundo ponto é exatamen- te o modo como os educadores trabalham junto às classes popu- lares, no sentido de garantir que as crianças possam, de algum modo, ser socialmente incluídas, e que possam fazer da sua forma- ção instrumento de ruptura contra a desigualdade social. Esse é um ponto fundamental e com o qual podemos aprender muito. Tenho tido o privilégio de acom- panhar alguns projetos e interven- ções junto a classes populares no Brasil e essa perspectiva vem crescendo no trabalho educativo e suponho também que o mesmo se passa com as políticas públi- cas de alguns municípios. Como o senhor percebe a atuação das educadoras bra- sileiras na área da educação infantil? Eu sinto nas educadoras e pro- fessoras brasileiras um enorme desejo de alargar e ampliar sua formação, de continuamente se atualizarem e serem capazes de compreender o que está se pas- sando à sua volta e encontrar ins- trumentos para seu trabalho, algo que não encontro na Europa. Isso é extremamente positivo. Também vejo uma consciência social alargada das educadoras, genuinamente preocupadas, não apenas quanto ao sofrimento in- dividual de algumas crianças, mas também com as dimensões sociais. Nas minhas experiências de visitas a creches e pré-escolas, observo enorme coragem pessoal das educadoras. Essas são con- dições absolutamente necessá- rias, embora não suficientes, para que as instituições se renovem e para que uma educação apoiada na visão crítica e nos direitos das crianças possa ter lugar.• revista criança8 revista criança8 ©TatianaCardeal
  • 9. caleidoscópio O que muda na educação infantil com a implantação do Fundeb? A última edição da Revista Criança apresentou uma reportagem sobre a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa- ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb. Como sabemos, as coisas não se modificarão imediatamente e nem tudo está resolvido: ganhamos apenas mais uma ba- talha. A grande pergunta que se coloca agora, para todas as pessoas comprometidas com a infância nos municípios é: como fica a educação infantil, após a aprovação do fundo? É esse o tema do nosso Caleidoscópio desta edição. Para tratar da temática convidamos Vital Di- donet, militante histórico da causas da educação infantil no Brasil, especialmente do Fundeb, que apresenta de forma clara e objetiva o que muda na educação infantil com a implantação desse fundo. Convidamos também dois secretários mu- nicipais de educação: Raimundo Moacir Men- des Feitosa, de uma capital- São Luís; e Carlos Eduardo Sanches, de um município de peque- no porte - Castro. Eles abordam os desafios da educação Infantil de suas cidades, no contexto do novo fundo.
  • 10. revista criança10 caleidoscópio A educação infantil a partir do Fundeb Vital Didonet* * Mestre em Educação e trabalha há 25 anos em políticas públicas de educação, especialmente de educação infantil, no Brasil e em diversos países. Protagonizamos um acontecimento histórico de grande conseqüência para o desenvolvimento da educa- ção infantil no Brasil: a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valo- rização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Instituído por emenda constitucional, o Fundo vai financiar, por 14 anos, as três etapas da educação básica, nas suas diferentes modalidades. O que muda para a educação infantil? A garantia de recursos. Teori- camente, recursos sempre hou- ve, porque no âmbito municipal, a educação infantil e o ensino funda- mental devem ser financiados com os 25% da receita de impostos, inclusive das transferências (de FPM, ICMS, entre outras). A práti- ca, entretanto, era outra. A creche e a pré-escola sempre foram os “primos pobres” da educação. A penúria foi responsável pelo in- suficiente atendimento da deman- da, especialmente nas classes de renda mais baixa e pela qualidade deplorável de muitas instituições. A proliferação de “escolinhas de fundo de quintal” ocorreu porque os pais, desesperadamente, pro- curavam onde deixar seus filhos pequenos enquanto iam para o trabalho. Paralelamente, iniciativas comunitárias, familiares e organi- zações da sociedade civil também foram ocupando um espaço dei- xado vazio pela omissão ou pela fraca presença do poder público. A meta de atendimento do Plano Nacional de Educação (PNE) para a creche – 30% até 2004 e 50% até 2010 – está muito longe de ser alcançada. Está em 13% e isso significa milhões de crianças preci- sando de atendimento educacional sem conseguir! O esforço muni- cipal foi expressivo na pré-escola, cujo atendimento chega a 67% das crianças da faixa etária correspon- dente, contudo enfrenta problemas de qualidade e dificuldades de ex- pansão das matrículas. Listas enor- mes de espera por vagas, pressão do Ministério Público, desejo dos gestores municipais de educação de atender a demanda, reconheci- mento do direito da criança à edu- cação infantil. Tudo isso gerava ten- sões sociais cada vez mais fortes. Agora, o panorama é outro. Há um fundo estável, com garantia constitucional, repassando re- cursos para a secretaria de edu- cação, de acordo com o número de matrículas em cada uma das etapas e modalidades da educa- ção básica. Cada criança aten- dida na creche e na pré-escola, assim como no ensino fundamen- tal e médio, entra na partilha dos recursos do fundo. Dessa forma, quanto maior o atendimento, mais dinheiro para a secretaria munici- pal de educação. Embora a garantia de recursos seja a característica de impacto mais visível e imediato, o Fundeb traz outros valores fundamentais para a educação infantil, que lhe darão um novo patamar de pres- tígio e respeito no conjunto do sistema de ensino. Entre eles, destaco: revista criança10 revista criança10
  • 11. revista criança 11 caleidoscópio 1Ao incluir a creche, o Fundo ga- rantiu a integridade e a integralidade da educação infantil, do nascimento à entrada obrigatória na escola. Se ela tivesse ficado de fora, grande seria o risco de retrocesso na finalidade pe- dagógica. Não foram poucos os argu- mentos, durante os debates legislati- vos, para justificar seu financiamento com recursos da assistência social em vez da educação. Os argumentos pela sua inclusão trouxeram ao âmbito po- lítico a compreensão da relevância so- cial, educacional e política da creche como instituição que garante o direito da criança de até 3 anos à educação. 2A presença da educação infantil no Fundeb vai contribuir para concretizar o conceito de educação básica como formação mínima, necessária e integral de todo cidadão brasileiro. Tal con- cepção foi formulada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), mas sua implantação encontrava dificuldade por causa das diferenças de tratamento entre as três etapas. Agora, o significa- do educacional dos anos iniciais da vida terá muito mais força de expressão perante as etapas seguintes. O acolhimento da reivin- dicação da sociedade civil, conduzida por uma expressiva e bem articulada defesa da inclusão da creche no Fundeb, impediu que se cometesse um erro histórico e de sérias conseqüências para o conceito e a prática da educação básica. A base não se inicia aos 4 anos, na pré-escola, assim como há um século deixou de ser en- tendido que seu começo de daria aos sete, no ensino fundamen- tal. É no nascimento que começam a se organizar as estruturas neurológicas e psíquicas que dão sustentação a todo o edifício educacional da pessoa. revista criança 11revista criança 11
  • 12. revista criança12 caleidoscópio 4A Emenda Constitucional 53 (EC 53), que institui o Fundeb, determina que seja estabelecido o piso salarial nacional profissional para o magistério da educação bá- sica, sem distinção entre os níveis de ensino. Portanto, o professor de educação infantil será tratado com o mesmo critério que os do ensino fundamental e médio. Ele não tem sentimento de inferioridade em relação aos professo- res dos outros níveis, mas é constatado que não recebem o mesmo tratamento salarial que eles. Portanto, mudan- ças à vista para os professores da educação infantil! 3 Na partilha de recursos doFundeb, a educação infantil figura empé de igualdade com o ensino funda-mental e o médio. É verdade que oensino fundamental, por ser o únicoobrigatório e ser declarado direito pú-blico subjetivo, tem algumas garan-tias a mais nessa partilha. Fora isso,nenhuma inferioridade, nenhum baixoconceito perante os níveis posterio-res. É a conquista da igualdade quecontribui para a auto-estima e o pres-tígio social da educação infantil. revista criança12 revista criança12
  • 13. revista criança 13 caleidoscópio Por isso tudo, o Fundeb vai se tornar instrumento da implan- tação do verdadeiro conceito de educação básica. Nesse con- junto, a educação infantil é a que mais ganhará, porque, das três etapas, ela foi desde o início relegada ao segundo plano e discriminada no planejamento e no orçamento público da edu- cação. Ao redimi-la desse descaso histórico, o Fundeb a eleva ao mesmo nível do ensino fundamental e médio. Mas nem tudo está resolvido. Há pontos cruciais para que a educação infantil consiga guindar-se ao posto que lhe cabe no conjunto da educação básica. Um deles é o fator de dife- renciação entre as etapas, modalidades e tipos de estabele- cimento de ensino para o cálculo do valor aluno/ano. A Lei no 11.494/2007, que regulamenta a EC 53, estabeleceu, no art. 9º, um critério objetivo para definir os fatores: a correspondên- cia ao custo real, indicado por estudos de custo, realizados e publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Se os fatores para a creche e para a pré-escola forem infe- riorizados em relação às outras etapas, elas serão menos atra- tivas para o sistema de ensino, no momento de decidir onde fazer a expansão do atendimento. Se o fator para atendimento em tempo integral for pouco significativo, poderá haver prefe- rência para dois atendimentos de tempo parcial, prejudicando as crianças que precisam estar na creche o dia inteiro. Outro ponto decisivo é a participação de representantes da educação infantil no Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb. Tal conselho tem, entre outras, a função de verificar a aplicação dos recursos do fundo. Para expansão e melhoria da educação infantil, tão decisivo quanto ter mais recursos financeiros é sua aplicação criteriosa, na fina- lidade a que se destina. E, para isso, os futuros membros do conselho deverão estar atentos e zelosos.• revista criança 13revista criança 13
  • 14. revista criança14 caleidoscópio Os impactos do Fundeb numa capital Raimundo Moacir Mendes Feitosa* O Fundeb representa um avan- ço importante em relação ao Fundef. Isso é inquestionável. Também é inquestionável que, ao analisarmos a inclusão da edu- cação infantil no fundo, em es- pecial das creches, tivemos uma nova conquista. Mais uma batalha vencida. Longe, porém, da uni- versalização do atendimento das crianças de 0 até 6 anos de idade e, em especial, das crianças em idade de creche, isto é, de 0 a 3 anos de idade. Quando se trata de oferecer atendimento socioeducativo de qualidade, respeitando as de- terminações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e demais diretrizes e nor- mas que regulamentam a educa- ção infantil, o custo per capita nas creches é superior ao de qualquer outro segmento ou modalidade da educação básica. A aprovação do Fundeb traz, como era de se esperar, uma pressão imediata sobre as admi- nistrações municipais por aumen- to de vagas, já que, na maior par- te dos municípios, a cobertura é muito baixa. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domi- cílios (PNAD/IBGE), de 2004, as crianças de 0 a 3 anos somavam cerca de 11,5 milhões. Destas, apenas 13,4% freqüentavam cre- ches, sendo que as matriculadas em instituições públicas represen- tavam 7,6%. Esses dados revelam a exis- tência de uma grande deman- da nacional não atendida com o agravante em relação à qualidade que, em muitas instituições, é bai- xíssima. Enfrentamos, portanto, o desafio de ampliar a cobertura e melhorar o atendimento, por ser direito das crianças, dos pais e dever do Estado. Tal obrigação, que recai sobre os municípios, depara-se com um obstáculo quase intransponível: poucossãoosmunicípios,atémes- mo capitais, que possuem recur- sos próprios que permitam investi- mentos imediatos na ampliação da rede física e, conseqüentemente, na aquisição de equipamentos, re- cursos pedagógicos e contratação de profissionais. Se os estudos e pesquisas que apontam a importância da educação infantil para o desenvol- vimento integral e o sucesso esco- lar do futuro das crianças fossem verdadeiramente considerados, hoje existiria um pacto efetivo de todos os entes federados, que garantisse os recursos necessá- rios, para oferecer atendimento em creche ou pré-escola a todas as crianças. Sem a efetiva participação dos governos federal e estadual, os municípios não terão condições de ampliar a cobertura na educa- ção infantil, de melhorar o aten- dimento atualmente prestado, de forma direta ou por meio de ins- tituições conveniadas. Tampouco terão condições de implementar o ensino fundamental de nove anos e alcançar os resultados de quali- dade esperados na aprendizagem dos alunos do ensino fundamen- tal, anseio da sociedade e direito de todas as crianças, adolescen- tes, jovens e adultos. Ao convocar os Estados e mu- nicípios a aderirem ao Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação, o Governo Federal es- tabelece 28 diretrizes (realizadas diretamente pelo MEC ou que * Secretário municipal de educação de São Luís (MA), presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) do Maranhão e secretário de finanças da Undime Nacional. revista criança14 revista criança14
  • 15. revista criança 15 receberão apoio e incentivo ao serem executadas por estados e municípios). Dentre essas, uma se refere diretamente à educação infantil, a 10ª diretriz, que se ex- prime em “promover a educação infantil”. Ou seja, de forma genéri- ca apresenta como meta manter o atendimento às crianças. As metas estabelecidas devem ser implementadas desde já para que o País alcance no prazo de 15 anos nota seis no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Isso significa que uma criança com 1 ano de idade, que ingresse hoje na creche, ao término do tempo estabelecido para o alcance dessa meta, estará concluindo o ensino fundamental de nove anos. Ou seja, se de fato queremos uma transformação es- trutural na qualidade da educação do nosso país e, portanto, na for- mação das nossas crianças, tor- na-se imprescindível que a educa- ção infantil receba investimentos proporcionais à sua importância. Para inaugurarmos efetivamen- te um novo tempo na educação infantil no Brasil, é preciso esforço conjunto entre o governo federal, estados e municípios, para garan- tir uma rede básica de aten- dimento às crianças de 0 a 3 anos, com equipa- mentos e recursos pe- dagógicos necessários. Existindo uma rede física equipada, os re- cursos oriundos do Fun- deb, do Plano de Desenvol- vimento da Educação (PDE), de outros programas federais e esta- duais e daqueles provenientes do orçamento próprio serão suficien- tes para a manutenção e amplia- ção gradativa do atendimento. Nas condições atuais, mes- mo com os recursos do Fundeb destinados à educação infantil, no caso das creches, continuare- mos a encontrar, em grande parte dos municípios do Brasil, crianças atendidas em locais inadequados, para não dizer inaceitáveis. É preciso colocar um fim na lógi- ca que justifica atendimento precá- rio para quem é filho de pobre. Os que não aceitam a naturalização da pobreza e do fracasso escolar deveriam ser os primeiros a con- denar aqueles que consideram su- pérfluo investir em creches. Ao finalizar, considero impor- tante relembrar que o atendimento na educação infantil, em especial nas creches, foi uma conquista do movimento social, das mulheres reunidas em torno do Movimento de Luta por Creches e de outras instituições. A evolução dessas conquistas, como demonstrou a inclusão das creches e das instituições sociais e filantrópicas no Fundeb, também dependerá da continuidade da mobilização e das lutas sociais. Se é fundamental que os prefeitos e secretários municipais de educa- ção busquem a negociação com os governos estaduais e federal, é mais determinante ainda que se criem nos municípios fóruns (comi- tês propostos para a implantação dos Planos de Ações Articuladas) para articular ou integrar a comu- nidade na luta por uma educação pública de qualidade para todos, da creche ao ensino superior. Temos de continuar lutando para ampliar o atendimento das crianças de 0 a 6 anos de idade. E, vigilantes, entendermos que com as novas medidas adotadas no âmbito da Política Nacional de Educação esta etapa da vida das crianças, com certeza, abriu um novo processo de estímulo ao aumento do número de matrículas que deverá vir acompanhado de qualidade social.• caleidoscópio revista criança 15revista criança 15
  • 16. revista criança16 revista criança16 Municípios de pequeno porte e a educação infantil: a experiência de Castro Carlos Eduardo Sanches* Quando algumas mudanças acontecem, no mínimo renovamos a esperança. Po- rém, poucos meses depois da efetiva implantação do novo modelo de financiamento da educação pública incluindo a etapa infantil, observamos um grande receio, por parte das administrações municipais, em relação à efetiva expansão das matrículas na educação infantil. Podemos dizer que hoje estamos dividindo os mesmos recursos de antes, agora de maneira diferente. Neste momento, o volume de novos recursos federais novos ainda é insuficiente, o que impede o crescimento da oferta de matrículas na educação infantil. Prefeitos e secretários de educação mostram-se receosos diante da questão. E, sobretudo nos municípios de pequeno porte, encontramos dificuldades para ampliar o número de matrículas. A construção de novas unidades ou adequação de espaços para receber outras crianças assusta os gestores, principalmente em função da gra- datividade na remuneração das matrículas. Todos sabem que a história seria outra se junto com o Fundeb fosse discutida a implantação de um custo-aluno-qualidade. A construção política – e não técnica – dos fatores de diferenciação na remune- ração das matrículas entre as etapas da educação básica é cruel para a educação brasileira. Enquanto o país não discutir essa questão, não conseguiremos avançar na melhoria da qualidade da educação e na expansão das matrículas para além do ensino fundamental. Castro e a educação infantil Em Castro (PR), município com 70 mil habitantes a 150 Km da capital do Paraná, priorizamos a educação infantil para pagar uma grande dívida com a sociedade local. Era imprescindível repensar a primeira infância como estratégia para a melhoria da qualidade no ensino fundamental e tornar a educação pública local mais democrática do ponto de vista do acesso e da permanência. Em 2005, iniciamos esse processo, dando atenção especial ao planejamento, à ação pedagógica, à formação dos profissionais e à estruturação das unidades. Implantamos uma coordenadoria de educação infantil dentro do departamento de educação para o acompanhamento pedagógico das equipes e professores nas unidades escolares. * Secretário de educação de Castro (PR). É presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) – PR e secretário de articulação da Undime Nacional. caleidoscópio revista criança16
  • 17. revista criança 17revista criança 17 Definimos que os professores de educação infantil deveriam ter jornada es- tendida para 40 horas semanais e não poderiam mais atuar paralelamente no ensino fundamental ou na educação de jovens e adultos. Ofertamos formações específicas para a educação infantil e apoiamos financeiramente os professores que cursaram nível superior e especializações na área. Hoje, apenas 16 profes- sores ainda não concluíram o nível superior, 18 já terminaram e outros 72 irão concluir especialização ainda este ano. De 412 matrículas, saltamos para as atuais 842 crianças de 0 até 3 anos matriculadas na educação infantil. Depois, asseguramos a oferta de educação infantil exclusivamente nos centros, reservando as escolas para o ensino fundamental. Essa decisão foi importante e ajudou a superar o problema surgido no ano passado, com a implantação do ensino fundamental de 9 anos. A polêmica começou quando o Conselho Estadual de Educação decidiu antecipar para 2007 a ampliação do ensino fundamental, embora a legislação federal estipule 2010 como pra- zo máximo. Em mais de 100 municípios, como Castro, uma medida judicial obrigou a matrícula de todas as crianças de 6 anos no 1º ano, independente da data de aniversário. Já construímos um centro de educação infantil, estamos atualmente refor- mando e ampliando outros três. No próximo ano, deveremos realizar obras em mais três. Ao mesmo tempo, implantamos um novo conceito de escola pública, valorizando os espaços, resgatando a dignidade da educação pública. Mas a maior iniciativa surgida em Castro, na educação infantil, foi a implanta- ção da Bebeteca. Destinar um espaço para literatura, com professor específico, e atrelar a ação pedagógica a esse projeto tem dado excelentes resultados. Certamente, quando estas crianças chegarem ao ensino fundamental, levarão com elas a alegria das histórias que, antes ouvidas, poderão ser lidas. O Fundeb trouxe para Castro a discussão do estabelecimento de priorida- de de investimento na educação infantil. Realizamos muito, diante do pequeno aumento orçamentário provocado pelo novo modelo de financiamento. Se a opção fosse esperar a remuneração da integralidade das matrículas, iríamos au- mentar ainda mais a dívida com a sociedade de Castro. Mas entendemos, junto com a comunidade, que esse deveria ser o caminho para melhorar a qualidade da educação no município.• caleidoscópio revista criança 17
  • 18. revista criança18 professor faz literatura * Mestre em Educação pela Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e trabalha desde 1992 com a formação de professores da educação infantil. Excepcionalmente nesta edição, publicamos a produção literária de uma formadora do Proinfantil. Optamos por sua publicação, não só pela singeleza e qualidade do texto, mas também pela circunstância em que foi escrito. A professora Sílvia, em um dos eventos de formação em Manaus, inspirada pelo encontro das águas e refletindo sobre a riqueza da diversidade e das diferenças entre os seres humanos, nos presenteou com este poema. Encontro das águas Sílvia Barbosa* No encontro das águas… ...a negritude densa, morna, mansa, aceita o toque arisco, frio e claro, de uma água outra, que só se percebe outra porque também se deixa tocar. Identificadas pela diferença, caminham juntas, lado a lado, respeitando temperaturas, nuances, limites. A vida diversa, que não precisa anular a essência do outro, antes, dela se nutre, para se fazer belo! Que cada um de nós, na descoberta da sua essência, se faça belo, ético, no encontro da diferença que nos constitui como sujeitos no mundo. revista criança18 revista criança18
  • 19. revista criança 19 matéria de capa Educação no campo: a experiência do Movimento Sem Terra Bernardete Toneto | São Paulo (SP) Para atender a suas crianças, o Movimento Sem-Terra (MST) criou as Cirandas da Educação, escolas fixas ou itinerantes montadas em acampamentos, assentamentos e reuniões. Os sem-terrinha são educados nas cirandas. A experiência provoca, em vários estados, a implantação de políticas públicas específicas para a educação no campo O vento sopra forte. A bandei- ra, improvisada em um mastro de bambu, tremula. Lênin Cauã, de cinco anos, interrompe a brincadei- ra no balanço. Olha a cena e diz: – Esta é a nossa bandeira. E bandeira é um símbolo, sabia? – O que é símbolo? – É aquilo que mostra alguma coisa. Aprendi aqui na escola, res- ponde o menino. – O que essa bandeira está mostrando? Pego de surpresa, ele vacila. – O branco quer dizer paz. Pega um galho de árvore e co- meça a rabiscar o chão. Com os olhos baixos, prossegue: – O verde é a roça onde o meu pai trabalha, é onde planta a co- mida da gente. De repente, dispara a falar: – O vermelho quer dizer luta, sangue. Tem muita gente que já morreu. Na bandeira também tem um homem e uma mulher. É uma família. – Mas não há crianças! O garoto levanta os olhos do chão e, com segurança, contes- ta: - É lógico que tem. Olha eu aqui. O pai e a mãe são sem- terra. Eu sou criança, eu sou um sem-terrinha. ©DouglasMansur Filhos de sem-terra lêem na Ciranda Escola Itinerante Paulo Freire, em Brasília, durante o 5o Encontro Nacional do MST
  • 20. revista criança20 matéria de capa Assim como Lênin Cauã, mais de 160 mil crianças em todo o Brasil entram no mundo da edu- cação pelas portas do Movimen- to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na terra prometida e na terra conquistada, as Ciran- das de Educação constituem um grande palco onde a cidadania infantil é exercida. Em espaços fixos ou improvisados, crianças de 0 a 10 anos – com ênfase no atendimentos de meninos e meninas em fase pré-escolar – brincam, aprendem e partilham a realidade de filhos de sem-terra – ou sem-terrinha, como são mais conhecidos. Vitrine para o movimento O apelido surgiu por iniciativa das crianças que participaram do 1º Encontro Estadual das Crian- ças Sem Terra de São Paulo, em 1997. A expressão ganhou o país. O Movimento reconhece que os sem-terrinha são uma vitrine impor- tante para sua ação, pois revelam o trabalho pedagógica que mobiliza educadores, institutos de educação e pesquisa, órgãos públicos e o Es- tado. “Eles têm despertado a curio- sidade dos que pensam e refletem a situação da infância no Brasil”, afirma o documento Crianças em movimento e as mobilizações in- fantis no MST, de 1999. Essa vitrine composta por me- ninos e meninas tem provocado a implantação de políticas públicas específicas para a educação no campo. Em 23 anos de existên- cia, o MST despertou um debate sobre os direitos à educação de crianças que não têm terra – e casa – e que muitas vezes, pe- rambulam pelo país com as famí- lias. A resistência inicial de escolas em atender filhos de sem-terra di- minuiu substancialmente, à medi- da que são implantados espaços educacionais nos assentamentos e acampamentos. ©LidineyCampiol Nicole, 2 anos, assistida por escola do movimento no Paraná
  • 21. revista criança 21 matéria de capa Educação humanizada O MST nasceu no final dos anos de 1970 e tem grande pre- ocupação com a educação. “Há um conceito errado de que a criança é o cidadão do futuro. Para o MST, a criança é o cida- dão do presente, é sujeito de sua história”, defende a filha de sem- terra Márcia Mara Ramos, hoje educadora do movimento. O educador Miguel G. Arroyo salienta que no MST a preocupa- ção com a política de educação da infância não surge por caridade e afetividade, e sim pela consciên- cia da obrigação pública frente à formação do cidadão. Isso, con- tudo, não implica desumanização da educação. Muito pelo contrá- rio. “Na educação popular, educar é antes de tudo um processo de humanização. E humanizar é situ- ar os processos e práticas educa- tivas no cerne, nos anseios e nas lutas dos setores populares”, diz o professor do Instituto Superior de Estudos Pedagógicos da Pon- tifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Ciranda: brincadeira e união Com 1,8 mil escolas em as- sentamentos e acampamentos, o MST coordena a educação de cerca de 160 mil crianças nos Es- tados onde está presente. Desse total, pelo menos 10% são crian- ças de 0 a 6 anos, atendidas nas “Cirandas”, espaços de educação e de convivência implantados em escolas, galpões de madeira e até em barracas de plástico preto em beiras de estradas. O nome Ciranda surgiu de uma consulta nacional, em 1996. A idéia era romper com a idéia de creches e instituir a noção de es- paços lúdicos comunitários. “Re- cuperamos a idéia da Ciranda, que lembra dança, brincadeira, união, mãos dadas e arte”, lem- bra Edna Rodrigues Araújo Ros- setto, do Coletivo Nacional de Educação. ©LidineyCampiol Crianças brincam na Escola Itinerante Zumbi dos Palmares, em Cascavel (PR)
  • 22. revista criança22 matéria de capa Escola pé-no-chão Há Cirandas fixas – implantadas nas escolas dos assentamentos – e Cirandas itinerantes, instaladas nos acampamentos e em cursos e atividades dos sem-terra. Atu- almente recebem, fora do horário escolar, os sem-terrinha de até 10 anos. Mas a prioridade são os pe- quenos, de até 6 anos. “Nossas crianças enfrentam as lutas cotidianamente. Convivem com a violência da falta de em- prego, da falta de terra, da falta de comida nos lugares de origem. Por isso, quando chegam às Ci- randas, elas não querem sair. Ali são consideradas gente”, escla- rece Edna Rossetto, especialis- ta em Educação no Campo pela Universidade de Brasília (UnB). Pedagogia da terra O Setor de Educação do MST deixa claro que não tem pedago- gia própria, mas “inventa” um novo jeito de lidar com as pedagogias já construídas na história da for- mação humana. “Assim como os agricultores lavram a terra, ao fazer a formação humana, o MST revol- ve, mistura e transforma diferentes componentes educativos, produ- zindo uma síntese pedagógica que não é igual a nenhuma pedagogia já proposta”, analisa Roseli Salete Caldart, autora do livro Escola é mais do que escola na Pedagogia do Movimento Sem Terra. “É claro que nas Cirandas as brincadeiras têm intencionalidade política, pois visamos à transfor- mação da realidade”, avisa Edna Rossetto. A muitas vezes com- batida “politização” dos sem-ter- rinha se expressa na escolha das músicas (canções tradicionais e contextualizadas no mundo ru- ral), no discurso que combate preconceitos raciais, de gênero, de etnia e religiosos, no incentivo a ações comunitárias e na valori- zação do trabalho. Para que a pedagogia fun- cione, a família é incentivada a participar. Reuniões periódicas de avaliação contam com a pre- sença de pais e mães. Processos de educação e procedimentos disciplinares são debatidos com educadores e, também, nos co- letivos de educação. “Aqui, edu- cação é trabalho de todos”, ex- plica Flávia Tereza da Silva, do Setor de Educação do MST, em Pernambuco. Ação juvenil A maior parte dos educadores das Cirandas é formada por sem- terra e filhos de sem-terra. Em geral são mulheres, com ensino médio e idade entre 20 a 25 anos. “Quando entra na Ciranda, o edu- cador tem o compromisso de se capacitar para a ação educativa. Ele não apenas cuida, mas tam- bém educa em uma fase funda- mental da formação do cidadão”, diz Márcia Mara, do Coletivo Na- cional de Educação do MST. Filha de sem-terra assentados na Agrovila 3, no município de Ita- peva (SP), há 10 anos Márcia tra- balha com educação infantil em assentamentos e acampamentos. Foi uma dos 400 educadores que trabalhou na Ciranda da Escola Iti- nerante Paulo Freire, em junho de 2007. Durante cinco dias, 1,2 mil sem-terrinha estiveram reunidos em Brasília, enquanto seus pais participavam do 5o Encontro Na- cional do MST. Em espaço de mui- ta brincadeira, jogos e esportes, as crianças aproveitaram também para discutir a realidade de seus assentamentos e acampamentos, expressos em um documento en- tregue em 15 de junho do mesmo ano ao ministro da Educação. ©DouglasMansur Semear, cultivar e colher produtos da terra e valores do movimento
  • 23. matéria de capa Escola para trabalhadores também tem Ciranda Bernardete Toneto | São Paulo/SP ou participavam de encontros, de seminá- rios e de atividades culturais. A rotina começa às 7h, quando os pais le- vam as crianças à Ciranda. “As crianças po- deriam vir sozinhas, porque tudo é muito per- to e seguro. Mas incentivamos a participação dos pais”, diz a educadora Flávia Tereza da Silva, que saiu de Pernambuco para cuidar da meninada no interior de São Paulo. São cinco refeições diárias. No almoço, servido no refeitório da escola, as crianças comem primeiro. De barriguinha cheia, es- peram os pais que estão nas aulas. Nas atividades educacionais e nas brincadeiras, são incentivadas a falar dos locais onde mo- ram. Flávia explica: “Muitos dizem que são sem-terra mas nasceram quando os pais já estavam assentados. O sentimento de ser sem-terrinha vem da compreensão da vida no campo e muitas vezes da discriminação que sofrem em escolas”. Ernesto Silva, de 5 anos e filho de cozinheira, explica: “Adoro a Ciranda. Aqui é muito melhor. Na escola, a professora grita e xinga dizendo que a gente é sem-terra. Coitada, ela nem sabe como é bom ser sem-terrinha”.• O saci pererê pisca. Com seu gorro verme- lho e o cachimbo escondido nas mãos, é ele quem dá nome e as boas-vindas à Ciranda da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), criada e mantida pelo Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Guararema, a 60 quilômetros de São Paulo. No sítio de 4,5 mil metros quadrados, o mitológico personagem brasileiro ocupa o lugar de príncipes e princesas do encantado mundo dos desenhos animados. Pintado e recortado em placa de compensado, acolhe os sem-terrinha de 0 a 10 anos. São filhos de trabalhadores que fazem cursos de formação ou participam de encontros e, também, filhos dos próprios funcionários da ENFF. A Ciranda Saci Pererê estava planejada mesmo antes da inauguração da ENFF, em 2005. O Setor de Educação do MST previa a necessidade da Ciranda fixa no local. O nú- mero de crianças varia conforme o movimento da própria Escola Nacional. Em 2006, passa- ram pela Saci Pererê cerca de 500 meninos e meninas, acompanhando os pais que fa- ziam cursos de graduação, de produção e de gestão nos acampamentos e assentamentos ©DouglasMansur Acolhidas na ciranda fixa em Guararema (SP), crian- ças são discriminadas nas escolas convencionais
  • 24. revista criança24 matéria de capa A Ciranda Itinerante Paulo Frei- re foi o ápice de um processo de discussão sobre a educação infantil no MST. O tema começou a ganhar espaço no movimento em 1996, quando surgiram as primeiras Coo- perativas de Produção de Assenta- dos (CPAs) e as primeiras creches para filhos de mães agricultoras. “Começamos a ver que o atendi- mento à criança de 0 a 6 anos está diretamente ligado a setores como os de saúde, de cultura, de gênero e de formação”, lembra a pernam- bucana Edna Rosseto. Formação permanente Em maio de 2007, foi realizado o 1º Seminário Nacional sobre o Lu- gar da Infância no MST. No encon- tro de 57 lideranças, predominaram as discussões sobre a necessidade da boa formação do educador da criança pequena. “A base da edu- cação infantil é o amor, a dedicação do educador. Mas isso não pode ser sinônimo de falta de formação”, pondera Edna. A fim de incentivar a formação continuada, o MST mantém con- vênio com cursos de Pedagogia em vários Estados. Desde 2005, o Instituto Técnico de Capacita- ção e Pesquisa da Reforma Agrá- ria (Iterra), do Rio Grande do Sul, mantém o Curso de Magistério para educação infantil. Experiên- cias semelhantes são desenvolvi- das nos Estados do Pará, de São Paulo (São Carlos) e do Rio Gran- de do Norte, além dos cursos de Pedagogia espalhados pelo País. Os cursos de formação em Educação Infantil estão vinculados ao Programa Nacional de Educa- ção na Reforma Agrária (Pronera), do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A parceria envolve Esta- do, universidades e movimento social, a qual ajuda a adequar o currículo à realidade dos trabalha- dores sem-terra locais. Educação itinerante Situação que demanda atenção especial é a das crianças em acam- pamentos. Instaladas em barracões ou em tendas cobertas por plástico preto, na beira de estradas e em ocupações, as Cirandas itinerantes têm por objetivo buscar solução para a difícil equação da cidadania em meio à violência. A idéia de uma escola, mes- mo que improvisada, surgiu em 1986, na cidade de Sarandi, no Rio Grande do Sul. Era o acam- pamento Encruzilhada Natalino, considerado o berço do MST. “A educação estava presente desde a primeira ação do MST. Naquela época, os educadores eram os filhos de acampados que, mes- mo sem formação, atendiam as crianças. E não é que dava cer- to?”, lembra Alessandro Maria- no, da coordenação do Setor de Educação do MST e coordenador da Escola Itinerante do Paraná. O nome “escola itinerante” sur- giu dez anos depois, quando o projeto já estava implantado em dez acampamentos gaúchos. Atualmente, é reconhecida e alvo de projetos especiais nos três Es- tados do Sul do País e em Goiás. Consolidação da “pedagogia da terra” no Paraná Silvio Demétrio | Cascavel/PR A primeira coisa que se vê da estrada rural é uma plantação de ervas medicinais. Logo o conjunto de construções de madeira com- pensada aparece. O sol da tarde de agosto brilha pleno. É dia de aula. “Quando a gente veio pra cá, neste lugar onde hoje fica a escola era uma plantação de aveia”, expli- ca Sandra Schering, uma das co- ordenadoras da Escola Itinerante Zumbi dos Palmares, no Acampa- mento 1º Primeiro de Agosto, pró- ximo a Cascavel, no Paraná. Ao todo são cerca de 300 crian- ças e adolescentes que estudam em turmas que vão da educação infantil ao segundo ano do ensino médio. “Já chegamos a ter mais de 500 alunos”, diz Sandra, que não esconde a satisfação com o sucesso da iniciativa. As escolas itinerantes funcionam durante en- contros, simpósios e cursos ou são montadas nos acampamen- tos, até a emissão do título da terra e o assentamento definitivo. Então, elas se tornam fixas. A legalização das escolas itine- rantes do MST no Paraná aconte- ceu em 10 de novembro de 2003, a partir da experiência educacional do projeto no acampamento de Rio Bonito da Graça (Escola Iraci Salete Estrozak, em Laranjeiras do Sul) e no Colégio Estadual Centrão de Loanda, região noroeste do Es- tado. “É lá que fica guardada toda a documentação das escolas”, co- menta. O projeto é uma parceria
  • 25. revista criança 25 matéria de capa com o governo do Estado e hoje compreende ao todo 11 escolas, entre nove itinerantes e duas fixas. “O governo entra com a parte ma- terial e a ajuda de custo para os educadores, que também partici- pam de momentos de formação na Universidade Estadual de Cas- cavel”, explica a coordenadora. “Em todas as escolas itinerantes acontecem as Cirandas da edu- cação, onde se trabalha essen- cialmente com educação infantil”, acrescenta. As irmãs Nicole e Jacqueline vivem junto com a mãe, Neide Sil- va, há três anos no acampamento Primeiro de Agosto. “A Nicole está na Ciranda desde os oito meses de idade e a Jacqueline desde os dois anos”, comenta a mãe. Nico- le hoje está com 2 anos e Jacque- line, com 5. Quando a porta da sala de ati- vidades da Ciranda é aberta, Ja- queline corre para mostrar onde deixou a marca de sua da mão pintada na parede. A sala toda é decorada com pinturas feitas pe- las crianças, com pincéis ou com as próprias mãos. “As duas come- çaram a freqüentar desde cedo a Ciranda, como acontece com ou- tras crianças do acampamento. A gente que é mãe fica segura para realizar nossas atividades, en- quanto as crianças estão apren- dendo a conviver com os outros, com tolerância e igualdade”, co- menta Neide Silva, que também é educadora da Ciranda. E logo começam a chegar mais crianças que são acolhidas no ambiente simples da sala, a qual tem o chão coberto de lona. Tudo ©LidineyCampiol é brinquedo. Sandra Schering, que acompanha a atividade dos pequenos comenta: “eles se sen- tem à vontade aqui porque traba- lhamos muito o aspecto lúdico, valorizamos a infância delas como um período fundamental de sua formação”. A experiência das Ci- randas também é transferida para o contexto dos grandes encontros e marchas do movimento. “Pri- meiro vai alguém responsável por avaliar as condições da estrutura para atendermos os pequenos. Depois fazemos um intercâmbio entre os educadores para que aconteça uma troca mais intensa de experiências”, diz Sandra em relação à experiência das Cirandas itinerantes. Neide complementa: “é interessante como as crianças não estranham. E o que de melhor acontece nessas ocasiões é elas poderem conhecer outras crianças de outras regiões do País”. Segundo a professora da Unio- este, Liliam Faria Porto Borges, “a experiência toda encontra sua fundamentação na produção aca- dêmica de José Maria Tardin, es- pecialmente em sua obra Diálogo de saberes. A proposta é de ar- ticular um ecletismo teórico com estratégias direcionadas para as práticas do cotidiano. Liliam é uma das principais responsáveis na Unioeste pela formação de professoras a partir do convênio firmado entre governo do Estado, Incra e MST. Para ela, a força da “pedagogia da terra” reside nas estratégias de adequação da te- oria à dimensão do mundo vivido pelos integrantes do MST.”• Jacqueline, 5 anos, moradora do acampamento Primeiro de Agosto, cresce na ciranda que tem apoio do estado
  • 26. revista criança26 ©DouglasMansur Política pública Exemplo de projeto educacional em acampamentos está na Escola Itinerante do Paraná. A iniciativa, implantada em dezembro de 2003 pelo Conselho Estadual de Educação, é uma parceria entre governo do Estado, Secretaria da Educação, MST e comunidades locais. São onze escolas, localizadas em acampamentos de nove muni- cípios do Estado, que atendem 100% das crianças e jovens do movimento. Dos cerca de 2.500 alunos – entre crianças, jovens e adultos – , 252 têm de 0 a 6 anos. “O projeto trouxe esperança e objetivo de vida para essas crianças”, diz Izabel Grein, coordenadora de Educação do MST no Paraná. O trabalho envolve o Estado, o movimento social e a comunidade. A Secretaria da Educação é responsável pelo repasse de infra-estrutura, de material didático e de merenda escolar. O MST entra com a adequação de um local para abrigar a es- cola, em geral galpão com paredes de compensado e teto de telhas rústicas. O terceiro vértice do triângulo é formado pela população local, que ajuda por meio de doações, de trabalho voluntário e de ações colaborativas. Os educadores recebem ajuda de custo referente a 20 horas/aula semanais, apesar da maioria trabalhar tempo integral ou ser voluntário. Na Ciranda itinerante, as crianças fazem no mínimo três refeições e têm tempo para a prática de esportes e muita recreação. Mariano define a experiên- cia como revolucionária: “Aqui garantimos que as crianças se desenvolvam como crianças”.• As cirandas itinerantes garantem o cuidado e a educação das crianças enquanto seus pais participam dos encontros do MST matéria de capa
  • 27. revista criança 27 Diálogos e interações com as crianças de 0 a 3 anos: desafios para as instituições de educação infantil Daniela Guimarães* artigo O trabalho com as crianças de 0 a 3 anos nas instituições de educação in- fantil é um desafio na atualidade. A partir da compreensão da criança como sujeito de direitos e da educação infantil como primeira etapa da edu- cação básica, algumas idéias que dão suporte às práticas com os pequenos têm sido questionadas e transformadas. Ao longo da nossa história, a creche foi considerada como “mal necessário”, ou seja, a solução possível para atender as crianças de 0 a 3 anos, tendo em vista o trabalho da mãe fora do contexto familiar. Tratava-se de um espaço para o cuidado individualizado; especialmente focado na higiene e nas necessidades básicas da criança (alimentação, saúde, sono etc.), geralmente em busca de subs- tituir a atenção materna. Por outro lado, na história do trabalho com bebês e crianças até 3 anos, percebemos uma tendência no sentido de aproximar a educação da instrução, centrada na preparação para a pré-escola, por meio de trabalhos mimeografados ou atividades de prontidão motora (segurar o pincel adequadamente, movimentarem-se da “forma correta” etc.). O final do século XX inaugura reordenações de princípios. A Cons- tituição de 1988 e a LDB de 1996 garantem o direito das crianças à educação infantil. Em 1998, o Conselho Nacional de Educação (CNE) formula e o Ministério da Educação (MEC) homologa as Diretrizes Curriculares Nacionais, estabelecendo a preocupa- ção com a qualidade do trabalho neste segmento. Depois, destaca-se também a publicação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (vols. 1, 2 e 3), situ- ando esta etapa da educação básica como lugar de construção da identidade e da autonomia, baseadas em relacionamentos seguros e aconchegantes. Além disso, a educação infantil deve ser focada no desenvolvi- mento da ética e da estética. * Mestre e doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e professora do curso de especialização em Educação Infantil na mesma instituição. revista criança 27revista criança 27
  • 28. revista criança28 artigo Mais recentemente, o MEC elaborou, em parceria com os sistemas, os seguintes documentos: Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a 6 anos à educação; Parâmetros Básicos de Infra- estrutura para Instituições de Educação Infantil e Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Todos estes documentos estão com- prometidos com a garantia de espaços, de rotinas e de relacionamentos seguros e afetuosos com os bebês e com as crianças pequenas. Portanto, a partir destas novas perspectivas, o trabalho nas institui- ções de educação infantil, ao invés de substituir os cuidados maternos ou preparar as crianças para a escola, passa a focalizar a própria crian- ça em seu desenvolvimento presente, nas relações dela com outras crianças e com sua realidade cultural. No contexto atual, surge a questão: quais são os caminhos concre- tos na construção destas instituições, especialmente as que atendem bebês e crianças pequenas, como espaços que garantam o direito à brincadeira, ao aconchego, à expressão, dentre outros princípios defini- dos nos critérios nacionais para um atendimento de qualidade ? Autores do campo da psicologia histórico-cultural, tais como Wallon e Vygotsky contribuem com seus estudos na busca de alternativas para este atendimento. De acordo com os autores, a criança constrói sua singularidade, o seu “eu”, no contato com adultos, com outras crian- ças, com objetos, palavras e significados que circulam ao seu redor. Ela internaliza as regras sociais e recria essas regras em suas ações. Por exemplo, se chega perto de um parceiro e arranca um brinquedo da mão dele, está em busca de satisfazer suas necessidades próprias. Quando o adulto aproxima-se e diz “não pode” ou “vamos pedir em- prestado”, ingressa a criança em um mundo de regras e de considera- ção do coletivo. Pouco tempo depois, poderemos vê-la puxar de novo o brinquedo da mão do parceiro e olhar para o adulto, em busca da confirmação da regra, ou ensaiar a expressão “me empresta”, em dife- rentes situações. Em um ambiente onde partilhar, trocar e conversar são práticas co- tidianas nas quais as crianças se envolvem, provavelmente poderemos notá-las ofertando objetos entre si e experimentando contatos visuais e corporais. Isso coloca o adulto-educador no lugar de mediador do con- tato da criança com o coletivo e os significados culturalmente dominan- tes. O desafio é: como ocupar esse lugar, deixando também emergirem os significados (re) criados pelas crianças, os sentidos que ela constrói sobre o mundo? Bondioli e Mantovani (1998) são autoras italianas que nos ajudam a refletir sobre as peculiaridades dos relacionamentos com bebês e crian- ças pequenas. Colocam luz sobre o envolvimento da criança pequena em rituais comunicativos, tais como oferta de objetos, imitação, vocali- zação frente a frente, sincronismo de gestos, circunscrevendo a creche como espaço relacional. revista criança28 revista criança28
  • 29. revista criança 29 Bibliografia: BONDIOLI, Anna; MANTOVANI, Susanna (orgs). Manual de Educação Infantil – de 0 a 3 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. DIDONET, Vital. Creche: a que veio? Para onde vai?. Brasília: Em Aberto, v. 18, n.73, p 11-27, julho, 2001. VYGOTSKY, L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. WALLON, Henri. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1988. artigo Segundo elas, no lugar de ape- nas prestar assistência e observar passivamente as descobertas in- fantis, o educador é convocado a estabelecer mediações na relação da criança com o mundo, possibi- litando vínculo positivo dela com o processo de exploração do que a cerca. Dialogando com as crianças, respondendo aos seus sinais, evocando suas respostas, tocando-as e sendo tocado, o adulto facilita a apropriação por parte das crianças do funciona- mento social. A imitação é um movimento re- lacional típico e intenso na relação entre os bebês e deles com os adultos. Muitas vezes, se um bebê chora, o outro chora também. Se um se olha no espelho e bate as mãos neste objeto, outro bebê que está por perto, contagia-se com essa ação, repetindo-a. Imi- tar é uma ação só possível na re- lação com o outro; é um “dar-se conta” da presença do outro. Para Vygotsky (1989), as crian- ças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de suas próprias ca- pacidades. Ou seja, a imitação cria possibilidades novas para a criança, abrindo-a para ações que nascem no outro, mas que se tornam dela a partir daquele instante. Isso acontece quando a imitação é iniciada pela criança (e não como imposição do adulto). Em algumas cenas do cotidiano das creches, é possível perceber os adultos incitando as crianças a “imitarem”. Por exemplo, quan- do mostram uma figura de um cachorro e pedem “vamos fazer igual ao au au”. Nestes casos, não se trata da imitação propriamente, mas do atendimento a uma solici- tação do adulto. O gesto de apontar é outro comportamento comum como manifestação da comunicação pré-verbal da criança. Vygotsky estuda este gesto como indicador da origem do processo de cons- tituição sociocultural das crianças. Sobre isso, ele diz que inicialmente esse gesto não é nada mais que uma tentativa sem sucesso de pe- gar alguma coisa; mas, quando o adulto vem e ajuda a criança, no- tando que o seu movimento indica algo, a situação muda; o apontar torna-se um gesto para os outros. Então, pegar um objeto transfor- ma-se em apontar, pela leitura que o adulto faz da ação da criança. É na atenção aos pequenos gestos cotidianos dos bebês e das crianças pequenas que se realiza o papel do educador, que pode favorecer as imitações que a criança inicia, nomear movi- mentos, buscar seus significados, com cuidado para não invadir e atropelar os sentidos que elas próprias dão às suas experiên- cias. Desenvolver responsividade no contato com os bebês signi- fica dar respostas congruentes e responsáveis aos seus gestos, olhares, sorrisos e movimentos, compartilhando significados, in- gressando-os no coletivo. A con- quista da segurança nas relações é o alicerce da constituição de au- tonomia e de identidade por parte do bebê, do menino e da menina. Portanto, é importante que se sin- tam reconhecidos e incentivados pelo educador, o que ocorre na resposta aos seus sorrisos, ges- tos e primeiras palavras. O desafio que se coloca é ob- servar, organizar espaços, tempos e materiais, acompanhar e res- ponder às crianças sem antecipar suas conquistas ou fechar rigida- mente sentidos a respeito de suas explorações.• revista criança 29revista criança 29
  • 30. revista criança30 relato Ser negro, ser brasileiro Erika Jennifer Honorio Pereira * A experiência a ser relatada foi desenvolvida em uma turma de edu- cação infantil com 25 crianças de cerca de 5 anos de idade. Ocorreu no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Antônio Candeia Filho, lo- calizado no bairro de Coelho Neto, que atende principalmente os alunos de Acari, um dos bairros mais pobres da cidade do Rio de Janeiro. Observei que a turma, de forma geral, apresentava preconceitos e estereótipos com relação aos negros. Cantavam músicas como “neguinha do teretetê”, em que a palavra “neguinha” era usada no sentido pejorativo; diziam ‘cabelo duro’, ‘piolhenta’, referindo-se aos que tinham cabelo crespo; associavam o negro à sujeira etc. Ao pedir que recortassem de revistas um rosto que se parecesse com o seu, mesmo existindo revistas que traziam as diferentes etnias, al- gumas crianças negras preferiram recortar rostos brancos. Elas não se reconheciam como negras. Nos desenhos em que havia pessoas, a maioria pintava os cabelos de loiro e olhos claros. Quando eu per- guntava porque pintavam desta forma, respondiam: “Porque é boni- to!”, “E o seu cabelo, não é bonito?” - Indagava. Alguns não respon- diam, outros continuavam afirmando que o loiro era mais bonito. Era o 3º ano em que eu trabalhava neste CIEP e, ao longo des- se período, percebi que o processo de negação e inferiorização da identidade negra ocorria de maneira sutil e subjetiva. Parecia-me que, apenas recriminar tais atitudes não seria suficiente para que os alunos reconhecessem os negros como bonitos, bem-sucedidos, importantes. O Projeto Político-Pedagógico da escola, no mês de abril, visava trabalhar com o tema Ser brasileiro. Propus ampliar esta temática e desenvolver o projeto Ser negro, ser brasileiro. Nosso objetivo foi a desconstrução de idéias e de comportamentos preconceituosos em relação aos negros. * Professora de educação infantil do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Antônio Candeia Filho, da rede municipal do Rio de Janeiro. revista criança30 revista criança30
  • 31. revista criança 31 relato No início, fizemos uma roda de conversa para que as crian- ças relembrassem o que já havia sido aprendido no projeto Ser brasileiro. Apresentei, então, a nova temática: Ser negro, ser brasileiro. Expliquei a elas que veríamos um pouco mais da cultura negra, conheceríamos a história de pessoas negras que trouxeram importantes contribuições para nossa socieda- de, o que significa negro(a) e a importância de cada um gostar de si independentemente das características físicas. Todos se mostraram interessados e no dia seguinte, demos continuida- de ao projeto. A atividade inicial foi um exercício de observação, realizado em dois dias no auditório da escola (que possui amplo espaço e uma parede espelhada). Pedi para as crianças ficarem bem à vontade e os convidei a sentar em círculo formando uma roda. Expliquei que cada um que quisesse iria, em duplas ou trios, até o espelho para se observar e depois voltaria para a roda para contar aos colegas o que foi observado. E, assim aconteceu. Incitei as crianças para que falassem das suas ca- racterísticas e percebessem as semelhanças e as diferenças entre eles e os colegas. Busquei trabalhar o entendimento de diferente, nem como superior, nem como inferior. As rodas de conversa estenderam-se por todo o projeto. Nelas, as crianças refletiram sobre a questão racial e tiveram oportunidade de fa- lar, expor suas idéias, vivências, percepções do mundo (família, televisão, escola etc.). O trabalho prosseguiu com vídeos animados, músicas, tea- tro de fantoches, livros de histórias que traziam como persona- gens principais negros, enaltecendo sua beleza e caráter. Du- rante as rodas de leitura, quando pedia para que recontassem as histórias, eles recorriam a palavras positivas: reis, rainhas, bonito, menina bonita. Para mim, essa era a resposta de que o material utilizado promovia uma imagem positiva dos persona- gens afrodescendentes. Em outro momento, novamente pedi que fizesse o auto-retrato. As crianças já se desenhavam como eram. Algumas iam até o espelho para se observar. A história “Bruna e a Galinha d’ Angola”, de Gercilga de Almeida, foi recontada pelas crianças. Depois dessa atividade, cada um compartilhou um pouco das histórias contadas pelos avós, valorizando suas origens. Sugeri que criássemos “panôs” como os da história. Devido à falta de material (tecidos), impro- visamos usando folhas de papel. Depois de terem secado, os nossos “panôs” foram expostos nas paredes da sala de aula. revista criança 31revista criança 31
  • 32. revista criança32 Nesse período, estava agendada uma reunião com os responsáveis. Apro- veitei o momento para falar sobre o projeto e de como seria bom contar com a participação deles. Todos se mostraram solícitos. Para sensibilizar as famílias para o tema, assistimos ao filme Heróis de todo mundo que narra histórias de pessoas negras bem-sucedidas. Foi um momento muito rico. Depois da exi- bição do vídeo, os familiares discutiram sobre o racismo, as dificuldades que os negros enfrentam, como a pobreza e como enfrentar estas dificuldades. Na segunda fase, o projeto visou homenagear personalidades negras que muito contribuíram para a sociedade brasileira. Foram homens e mulheres que marcaram a história com inteligência, habilidades, garra e determinação. Estudamos Antonieta de Barros, Benjamin de Oliveira, Pixinguinha, Juliano Moreira, Aleijadinho, Machado de Assis, Tia Ciata, Adhemar Ferreira da Silva, Carolina Maria de Jesus, Zumbi e Antônio Candeia Filho. Tive o cuidado, ao selecionar essas personalidades, de mesclar as áreas em que atuavam, mostrando que os negros têm históricos de sucesso na medicina, na política, nas artes e não só no esporte e na música. Conforme ia contando as histórias, colava em um cartaz exposto na sala o nome da per- sonagem estudada, sua foto e uma gravura de revista ou jornal que ilustrasse a profissão que havia exercido. Na terceira fase, estudamos mais especificamente a vida de Antônio Candeia Filho, compositor e sambista renomado. Embora seja o nome da escola, essa personalidade era desconhecida pelas crianças. Foi a partir do resgate da me- mória de Candeia que trabalhamos a auto-estima delas. Pesquisamos a história do sambista, sua determinação em retornar ao “mundo do samba”, mesmo tendo ficado paraplégico. Como Candeia tinha ligação com a música, fizemos um samba de roda, valorizando a preservação da cultura dos africanos que vieram para o Brasil e que foi uma das bases de formação do samba carioca. Os alunos ouviram o CD com sambas de roda. Depois disso, mostrei um cartaz com tópicos curtos e diretos, mas que explicavam um pouco sobre o samba de roda e sua ligação com a cultura negra. As crianças viram que esse gênero está ligado à capoeira e aos instrumentos que a acompanham. Pas- samos então a dançar. Em roda, eu puxava cantigas, que em geral são curtas e se repetem. Assim, as crianças memorizavam facilmente acompanhando com palmas. Ao tratar do samba, observei que os meninos estranharam no início, por ver esse ritmo na sala de aula. Trabalhar com a cultura da comuni- dade, trazendo o samba para o ambiente escolar, ajudou a estabelecer víncu- lo com suas vidas cotidianas. A conclusão do projeto aconteceu no auditório da escola, onde a turma cantou e dançou em uma bonita roda. Durante o projeto, pude perceber que as crianças passaram a achar o negro bonito e reconheceram-se como tais. Os desenhos delas tornaram-se mais deta- lhados e traziam sobrancelha, cílios, umbigo, cabelos coloridos e a pele de acordo com o tom que se aproximava da própria criança. Suas atitudes em discriminar os alunos que tinham cabelo crespo acabaram. Fui percebendo a importância do meu papel como educadora no combate a toda e qualquer discriminação e pre- conceito. Durante o projeto, senti-me obrigada a ler, a pesquisar mais para saber o que é o preconceito, como lidar com ele, que materiais utilizar. relato revista criança32 revista criança32
  • 33. revista criança 33 Depois dessa pesquisa, observei como o ambiente da sala de aula reforça estereótipos de crianças com cartazes etc. Também mudei meu olhar e atenção em relação ao penteado afro de algumas crianças. Su- peramos, assim, um padrão de beleza único. Notei que com esse pro- jeto todos se sentiram acolhidos porque eram considerados belos. Outro fato que avaliei como positivo foi o engajamento da escola no projeto. Algumas professoras não sabiam quem era Candeia e com o projeto, tomaram conhecimento de sua história de vida. Ao final, a direção decidiu inscrever a escola no projeto “Escola de bamba” uma iniciativa da prefeitura do Rio de Janeiro que trabalha com a cultura popular, mais especificamente com o samba, realizando desfiles dos alunos no sambódromo.• relato Bibliografia AIBÊ, Bernardo. A ovelha negra. 2. ed. São Paulo: Mercuryo Jovem, 2001. ALMEIDA, Gercilga de. Bruna e a galinha d´Angola. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2003. CD CRIANÇAS – Diante do trono – Igreja Batista da Lagoinha. Fabricado por: Sonopress-Rimo da Amazônia Ind. E Com. Fonográfica Ltda. CANAL FUTURA. CD gonguê – A herança africana que cons- truiu a música brasileira. Parte integrante do projeto A cor da cultura. http://www. acordacultura.org.br. CANAL FUTURA. Heróis de todo o mun- do (VHS). Parte integrante do projeto A cor da cultura. http://www.acordacultura.org.br. CANAL FUTURA. Livros animados (VHS 1 e 2). Episódios: O menino Nito, Menina Bonita do laço de fita e Bruna e a galinha d´Angola.– Parte integrante do projeto A cor da cultura. http://www.acordacultura.org.br. PATERNO, Semíramis. A cor da vida. Belo Horizonte: Editora Lê, 1997. REVISTAS RAÇA. São Paulo: Ed. Símbolo. revista criança 33revista criança 33
  • 34. revista criança34 reportagem Proinfantil valoriza professoras e professores e modifica a educação das crianças Stela Rosa | Brasília/DF revista criança34 Organização de brinquedote- cas, recreação dirigida e salão de artes foram algumas das ino- vações implantadas por aqueles que concluíram o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil). Criado pelo Ministé- rio da Educação, um grupo pilo- to do Programa foi oferecido em parceria com as secretarias de educação do Ceará, de Goiás, de Sergipe e de Rondônia. O grupo iniciou em 2005, con- templou 127 municípios e formou 992 professores cursistas, no pri- meiro semestre de 2007. Estima-se que até final do ano, mais 1,8 mil profissionais devem concluir o pro- grama. Mesclando o uso da edu- cação a distância com encontros presenciais, o Proinfantil envolveu cerca de 1,2 mil educadores nos Estados, entre coordenadores, pro- fessores formadores, que ministra- ram os conteúdos elaborados pelo MEC, e tutores, responsáveis pelo acompanhamento dos cursistas nas creches e pré-escolas. Avaliação positiva O principal objetivo do progra- ma é propiciar a formação mínima exigida pela Lei de Diretrizes e Ba- ses da Educação Nacional (LDB) – nível médio e magistério - para os professores de creches e pré- escolas. Segundo os profissionais que integraram as Equipes de Ge- renciamentos nos Estados (EEG), responsáveis pela coordenação estadual do programa, os resulta- dos superaram as expectativas. O impacto, segundo eles, pode ser percebido no trabalho de- senvolvido pelos professores, na melhoria da sua auto-estima, nos espaços das instituições e, princi- palmente, na valorização do traba- lho docente por parte dos próprios educadores, gestores e pais. ©JoséEurípedes Ex-aluna do Proinfantil, Sandra assumiu coordenação de escola em Neropólis (GO) revista criança34 Programa de formação em magistério, nível médio, Proinfantil amplia e define a identidade dos professo- res. Seus novos conhecimentos mudam a prática nas creches e pré-escolas, que ganham espaços e meto- dologias próprias para o desenvolvimento das crianças
  • 35. revista criança 35 reportagem revista criança 35 A percepção da importância da educação infantil por parte de gestores demonstra as transfor- mações ocorridas. A secretária de educação de Cariús, no Cea- rá, Betânia Maria Cortez, elogia a iniciativa e garante a continuida- de do programa. “Temos sentido a diferença nos professores, que estão mais seguros e entendendo melhor a importância do trabalho deles. Para dar prosseguimento ao trabalho de acompanhamento, vamos manter os tutores”, diz. Mudança de postura Em Goiás, a qualificação das cursistas revolucionou as institui- ções, segundo Cremilda Martins Batista, da EGG do Estado. “Visitei várias creches no início e no final do curso, e as mudanças foram significativas. No decorrer do pro- jeto, as profissionais levavam o co- nhecimento adquirido no Proinfan- til para os seus locais de trabalho. O resultado é que as instituições foram abandonando o caráter as- sistencialista e passaram a atuar de forma educativa”, constata. Eleneida Peixoto Cruz, da EEG do Ceará, destaca que, a partir do curso, os educadores passaram a desenvolver práticas pedagógicas fundamentadas na teoria e de acor- do com as necessidades das crian- ças. Modificaram, assim, a própria postura e também a das famílias. “Os pais perceberam o desenvolvi- mento dos filhos e passaram a valo- rizar mais os professores, olhando- os como educadores e não como meros cuidadores”, destaca. Fernandes Martins Pereira, tutor na cidade de Nerópolis, em Goiás, diz que as profissionais passaram a trabalhar com intencionalidade. “Elas tinham a prática, mas não a teoria, desenvolviam tarefas, mas não sabiam por que as estavam fazendo. Com a inovação na prá- tica pedagógica, esse profissional passa a ter reconhecimento da comunidade, pois agora são pro- fessoras especialistas em educa- ção infantil”, orgulha-se. Maior compromisso Antonia Carlos da Silva, profes- sora que ministrou o tema Identida- de Sociedade e Cultura, no Ceará, observa que o mais significativo foi esse despertar da importância do papel educativo e, ao mesmo tem- po, da possibilidade de participar efetivamente do processo. “Uma das coisas mais gratificantes foi ouvir depoimentos de coordena- doras de creches sobre as suges- tões e contribuições levantadas pelas cursistas durante o planeja- mento”, destaca. Para Silvaneide Lima, da EEG de Sergipe, o principal resultado do Proinfantil é o maior envolvi- mento dos educadores. “A crian- ça tem sido vista como cidadã de direitos. Percebemos que os professores, gestores e demais membros das instituições de edu- cação infantil estão mais compro- metidos”, pontua. De acordo com Eunice Cabral Lima Pereira, da EGG de Rondô- nia, a qualificação dos professores revista criança 35 ©JarbasVasconcelos No Ceará, escola ganhou brinquedoteca...
  • 36. revista criança36 repercutiu na comunidade. “Com certeza, trouxe maior visibilidade para a educação infantil e também mudanças em alguns municípios. E não só em relação a questões di- dáticas e pedagógicas, mas tam- bém sobre questões administra- tivas, resultando em mudança na prática dos cursistas e em melho- rias no ambiente físico em que as crianças eram atendidas. Houve envolvimento não só dos profes- sores, mas também dos respon- sáveis pela instituição”, ressalta. Vontade de crescer Sandra Maria Pinto Cruz, mãe de duas crianças e professora da reportagem revista criança36 creche municipal Paz e Amor, em Nerópolis, Goiás, teve de conciliar os estudos com o horário de tra- balho e com a família. “A maioria das cursistas era constantemente cobrada por filhos e maridos. Não foi fácil dar conta das atividades do- mésticas e profissionais”, relembra. Segundo ela, a vontade de cres- cer e melhorar a realidade nas ins- tituições de educação infantil foi o que a impulsionou a chegar até o fim. “As mudanças foram aconte- cendo gradualmente, de acordo com o nosso avanço no curso. Aprendemos a planejar a rotina e torná-la prazerosa para as crianças que, por sua vez, passaram a ter um melhor desenvolvimento no proces- so ensino-aprendizagem”, diz. Hoje, Sandra tem três razões para comemorar: terminou o cur- so, foi promovida a coordenadora e a instituição ganhou uma nova sede. Segundo ela, a qualificação do corpo docente e a construção da nova sede triplicaram a procu- ra por atendimento. Mudança de concepções e de práticas Descobrir a importância do lúdico para o processo ensino- aprendizagem e a dimensão edu- cativa em cada gesto, passando pelo ato de alimentar, brincar ou afagar, mudou a prática da cur- sista Zulmira Alves Ribeiro Lorenz, ©JarbasVasconcelos ... e salão de artes para as crianças. revista criança36
  • 37. revista criança 37 reportagem da creche Moranguinho, em Ari- quemes, Rondônia. Durante o curso, ela aprendeu a importância das atividades recreativas. “Fui criada de forma tradicional e não percebia que as crianças estão aprendendo através da brinca- deira. Achava que elas estavam bagunçando. Agora tenho outro olhar”, relata. Em Fortaleza, Ceará, a propos- ta de organizar uma brinquedote- ca e um salão de artes partiu da professora Zelma Venâncio da Silva. “Com o curso, tomamos conhecimento da importância da preparação dos espaços. Por isso, sugerimos a criação dos am- bientes”, explica. A interação en- tre turmas de educação infantil e a inclusão de brincadeiras popu- lares no dia-a-dia também fazem parte das novidades. “O trabalho ficou mais prazeroso para nós e para as crianças”, diz. Auto valorização No decorrer do curso, que teve duração de dois anos, muitos professores formadores percebe- ram que a pouca valorização da educação infantil repercutia nega- tivamente na qualidade do ensino e na auto-estima dos educado- res, que se viam apenas como cuidadores. Para José Jânio Duarte de Oli- veira, tutor na cidade de Cariús, no Ceará, o programa levou os gesto- res a conhecerem as dificuldades enfrentadas pelos profissionais. De acordo com os especialistas, a mudança de percepção sobre revista criança 37revista criança 37 ©JarbasVasconcelos Idéias da professora-cursista do Proinfantil, Zelma o papel do professor de creche e pré-escola contribuiu na autovalo- rização do trabalho. Para a cursista Andércia Santas Silva, da creche Maria de Oliveira, em Estância, no Sergipe, essa foi a grande contribuição. “Me sentia crechera, monitora, cuidadora, menos educadora. Não era va- lorizada pelos pais e nem pelos outros professores. Aprendi que o meu papel é educar e cuidar das crianças e assim elas estão se de- senvolvendo. Percebo a diferen- ça. Foi o Proinfantil que me deu esse suporte”, comemora.•
  • 38. revista criança38 resenha De repente, nas profundezas do bosque Autor: Amós Oz Editora: Companhia das Letras Gênero: Fábula Adriana Maricato* Numa vila triste, vivem pessoas sem animais nem insetos, que fugiram num passado remoto e hoje estão quase apagados da memória coletiva. Os bichos foram morar num bosque com Nehi, o demônio da Montanha. Com medo do bosque, do escuro, de Nehi e de suas lembranças, aldeões trancam suas casas à noite. As crianças da aldeia nunca viram ou ouviram pássaros, vacas, cachorros, cavalos, moscas. Os adultos “normais” negam a existência de animais. Os diferentes, rotulados de esquisitos ou loucos, são a memória viva do passado alegre da aldeia, quando havia bichos. A professora desenha animais e reproduz seus ruí- dos; o pescador faz esculturas de bichos para as crianças; a padeira joga migalhas no chão para pássaros inexistentes. O garoto Nimi desobedece à proibição de ir ao bosque e fica doente de “relincho”. Todos são alvo de deboche, excluídos pela comunidade. A agressividade que domina os habitantes da aldeia pode ser interpretada como um desequilíbrio ecológi- co provocado pelo homem. Como o aquecimento global ou outros efeitos, levando ao desaparecimento dos bichos e dos “diferentes”. Duas crianças partilham suas dúvidas sobre a inexistência de bichos, enfrentam o medo, entram no bos- que, descobrem os animais e o “demônio” Nehi. Como Nimi, ele havia fugido da aldeia quando menino, vítima da perseguição de todos. Mas não encontrou a paz e sente falta das pessoas da aldeia. Essa fábula de Amós Oz, o mais importante escritor israelense contemporâneo, fala de intolerância, pre- conceito, perseguição, isolamento, solidão. Mostra tanto o sofrimento das vítimas, quanto o dos que se submetem aos modelos sociais e reproduzem aquelas atitudes. Alerta para a necessidade de interferência dos adultos (inclusive professores) ensinando o respeito à diversidade. * Jornalista responsável pela Revista Criança. Coleção Arco-da-Velha Autor: Sílvio Romero Ilustrações: Rosinha Campos Editora: Scipione Adriana Maricato* revista criança38 revista criança38
  • 39. revista criança 39 resenha Bem vindo ao Mundo! criança, cultura e formação de educadores Autores: Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys Silvana Augusto (Org.) Editora: Fundação Peirópolis Gênero: Formação de professores Vitória Líbia Barreto de Faria* As 205 páginas do livro, acompanhadas por CD explicativo e ilustrativo da obra, desde sua apresentação gráfica, passando pela maneira aparentemente leve de tratar os conteúdos, até as temáticas desenvolvidas, já se constituem, a partir do primeiro contato, um convite ao leitor/professor. Inteiramente ilustrada com desenhos de crianças, a metodologia apresentada focaliza a formação continu- ada de profissionais da educação infantil. Essa metodologia foi construída com base no Programa Capacitar Educadores, desenhado pelo Instituto Avisa-lá (antigo Centro de Estudos e Informações Crecheplan), em resposta a uma solicitação efetuada pelo Instituto C&A em 1993. O resultado é uma produção coletiva que se referencia na prática de profissionais, aprofunda conhecimentos teóricos e promove reflexões ampliando o universo cultural daqueles que atuam junto às crianças até 6 anos. Trata-se na realidade de uma proposta de formação de profissionais reflexivos, fundamentada nas teorias constru- tivistas e sócio–interacionistas, que explicitam os processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Estes princípios teóricos somam-se à compreensão da função social das instituições de educação infantil, aos modos de organização e funcionamento dessas unidades educativas e ao reconhecimento da complemen- taridade do papel da família. E formam a base na qual se sustenta a proposta de formação presente no livro. * Consultora editorial da Revista Criança. A coleção é composta por três livros com seleções de quadrinhas, cantigas e parlendas registradas por Sílvio Romero (1851-1914), um dos maiores pesquisadores da cultura popular brasileira. As quadrinhas são compostas por quatro versos rimados; as cantigas são aquelas que acompanham uma brincadeira, como a ciranda; as parlendas são brincadeiras com palavras para passar o tempo ou aprender alguma coisa. Crianças pequenas adoram ouvir e reproduzir esses textos/ melodias, pois brincam com a língua e progressivamente se descobrem capazes de dominá-la. Por um lado, essas manifestações que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro remontam a narrativas antigas, com origem em Portugal, às quais também foram incorporados elementos das culturas indígenas e africanas, expressando elementos importantes da nossa identidade. Por outro, a melodia, a rima e o ritmo dessas produções da cultura oral favorecem a memorização das regularidades e irregularidades da língua portuguesa, e do aprendizado da escrita. Num tempo em que os meios eletrônicos, como televisão, videogames e computadores ocupam cada vez mais o tempo das crianças, afastando-as das fontes da cultura oral (brincadeiras de rua, contato com os pais e com idosos, por exemplo), esse tipo de leitura cultiva o que não se pode perder: nossa identidade lingüística e o aprendizado significativo da escrita revista criança 39revista criança 39
  • 40. revista criança40 notas Pagamento de bolsasO Fundo Nacional de Desenvolvi- mento da Educação (FNDE) iniciou o pagamento das bolsas do Proinfantil por meio de depósitos nas agências do Banco do Brasil, em contas corren- tes indicadas pelos bolsistas. Os valo- res mensais são de R$ 450,00 para supervisores de curso (coordenadores de Agências Formadoras), R$ 350,00 para professores-formadores e R$ 250,00 para tutores. Livros de literatura para educação infantil O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), seguindo as determinações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), inicia em 2008 a distribuição de 1,93 milhões de livros de literatura para creches e pré-escolas. Serão distribuídos 96,5 mil acervos para 85.179 escolas. Mais de cinco milhões de crianças serão beneficiadas. As sessenta obras para educação infantil do PNBE 2008 formarão três acervos, cada um com 20 obras. Os livros serão compostos por textos em verso (poemas, quadras, parlendas, cantigas, trava-línguas, adivinhas), em prosa (pequenas histó- rias, novelas, contos, crônicas, textos de dramaturgia, memó- rias, biografias), livros de imagens e de histórias em quadrinhos. Reunião do Conpeb O Comitê Nacional de Políticas da Educação Básica (Conpeb), cuja função é subsidiar as decisões da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), formado por 12 organizações da sociedade civil e sete órgãos governamentais, reuniu-se no dia 6 de agosto, em Brasília. Durante a reunião, foram discutidos os seguintes assuntos: Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), Compromisso Todos pela Educação, Ações da SEB, Confe- rência Nacional de Educação Básica e as Subcomissões do Conpeb. revista criança40
  • 41. revista criança 41 cartas Diálogo com as cartas recebidas Vitória Líbia Barreto de Faria* * Consultora editorial da Revista Criança. Parabéns pela edição da revista Criança do mês de dezembro de 2006 (edição 42). A qualidade das informações estão ma- ravilhosas. Vários enfoques apresentados mobili- zaram nossa entidade, para juntos con- seguirmos uma melhor qualidade na edu- cação infantil, uma vez que trabalhamos com crianças de 4 meses a 6 anos, em período integral. Além disso, contamos com uma ótima parceria com a Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul. Concordamos plenamente com as colo- caçõesfeitaspelasprofessorasMariaMalta Campos e Maria Lúcia Machado, principal- mente no que diz respeito ao investimento público e à questão qualitativa da educa- ção infantil em outros países. A respeito do relato sobre a Escola da Ponte, questiono: Será que precisamos chegar até a “Ponte” para que tais colo- cações sejam efetivadas? Não poderia também deixar de citar o belíssimo artigo de Beatriz Ferraz. Fala- mos tanto em inclusão e, muitas vezes, esquecemos de incluir o próprio educa- dor na educação infantil. Para que isto aconteça, o texto traz dicas e soluções muito boas. Célio Benedito Gonçalves - Diretor da Associação Beneficiente e Cultural Nossa Senhora Aparecida São Caetano do Sul (SP) Professor Célio, São cartas como a sua que nos im- pulsionam a fazer que cada edição da Re- vista Criança apresente questões de maior interesse dos professores e que contribuam efetivamente para a sua formação pessoal e pro- fissional. Agradecemos os elogios e dividimos com nossos colaboradores os méritos atribuídos pelo senhor ao trabalho que realizamos. O senhor nos pergunta se precisamos chegar até a “Ponte” para que as colocações de nossas entrevista- das sejam efetivadas. Na realidade, quando publicamos relatos de trabalhos de qualidade reconhecida como o da Escola da Ponte, não o fazemos no intuito de validar nossas políticas e práticas, mas com o objetivo de so- cializar experiências bem-sucedidas. Entendemos que a educação infantil, como parte integrante da educa- ção básica, é ainda uma etapa que busca sua identi- dade, tendo em vista as especificidades da criança de 0 até 6 anos. Por essa razão, as referências de outras insti- tuições ajudam o professor a refletir sobre suas próprias ações e a construir conhecimentos novos. Não podemos perder de vista que uma educação de qualidade para as nossas crianças é um empreendi- mento coletivo e não proprie- dade dessa ou daquela instituição. revista criança 41revista criança 41
  • 42. revista criança42 “ ” cartas Sou professora municipal. Em 2006, trabalhei em duas escolas, uma delas na zona rural. Não era nada fácil, pois eu era a única professora, com uma turma multiseriada, do pré à quarta série. Mesmo com alunos da mesma série, às vezes, tinha de trabalhar de maneira distinta, pois estavam em di- ferentes estágios de aprendizagem. Mas tudo ocorreu maravilhosamente bem. Na parte da tarde, trabalho na As- sociação de Pais e Amigos dos Excep- cionais (Apae), atendendo crianças, desde as recém-nascidas até as maio- res. Eu adoro trabalhar com pessoas especiais. As turmas são pequenas e isso facilita a atenção e o atendimento individualizado. Eu acredito muito nes- sas crianças. Acho que elas são capa- zes de realizar não o que eu quero, mas têm potencial para várias coisas. Como qualquer ser humano, elas tam- bém têm limitações e potencialidades a ser desenvolvidas. Adorei as duas últimas revistas que recebi, principalmente os artigos a res- peito de avaliação e práticas para a igualdade racial na escola. Gostei de saber que irão falar sobre o ensino es- pecial. Terminando, gostaria de dizer que me sinto privilegiada em receber em minha casa uma revista de tão alta qualidade como a Revista Criança. É um instrumento de formação dos pro- fissionais, não só da educação infantil, mas também da educação em geral. Adoro a seção de arte que traz a tela e a informação sobre o artista e a obra em questão. Vocês são artistas da edu- cação e querem espalhar esta arte para o maior número de pessoas possível. Maria Luiza dos Reis Teixeira Presidente Olegário (MG) Maria Luiza, Ficamos muito felizes com o entusiasmo que você de- monstra pela leitura da Revista Criança. Obrigada pelo re- conhecimento de nosso trabalho. Pelo que pudemos perceber, você é uma professora que gosta de desafios e que tem prazer no trabalho que desenvolve. Realmente atuar um período com turma mul- tiseriada, com crianças de educação infantil à quarta série e no outro na Apae com crianças de diferentes idades é só para quem, como você, acredita que essas crianças são capazes de se desenvolver e de aprender. Mas sabemos que não basta aceitar o desafio e acredi- tar no potencial das crianças para que elas sejam incluídas e avancem no seu percurso educativo. É preciso que o profes- sor também acredite na sua própria capacidade de aprender sempre e, cada vez mais, busque a sua formação pessoal e profissional. É o que você demonstra fazer. Parabéns revista criança42 revista criança42