O documento discute o crescimento do mercado de produtos orgânicos na região de Campinas apesar dos preços mais altos destes produtos. Os custos de produção orgânica e de certificação fazem com que estes alimentos custem em média 30% a mais que os convencionais, limitando o acesso de parte da população. No entanto, o setor continua em expansão com aumento anual de 20% a 30% nas vendas de produtores locais.
Nematoides são responsaveis por perdas de até 30% dos canaviais
Custos altos ainda são entrave para modelo de negócio
1. “Os três
últimos anos
foram incríveis.
A gente não
sentiu essa crise
e o consumo
só vem
aumentando.”
Busca saudável amplia
o mercado de orgânicos
Produtora orgânica
ALIMENTAÇÃO ||| TENDÊNCIA
ARIANE DE SOUZA
José Eduardo Mansur
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
jose.mansur@rac.com.br
A busca por alimentos mais
saudáveis tem impulsionado o
segmento de produtos orgâni-
cos, que ignorou a crise econô-
mica brasileira dos últimos
tempos. Na região de Campi-
nas, o setor está em pleno cres-
cimento e o índice de novos
agricultores certificados per-
manece acima da média regis-
trada no estado de São Paulo.
Apesar da maior oferta no mer-
cado, os consumidores conti-
nuam pagando mais caro para
poder consumir alimentos nu-
tritivos e sem a carga de agro-
tóxicos dos produtos conven-
cionais.
Todas as quartas-feiras, a
costureira Márcia Cardoso Soa-
res marca presença na feira de
produtos orgânicos no Bosque
dos Jequitibás, em Campinas.
“Eu levo legumes, verduras,
frutas, ovos e até mesmo lei-
te”, contou a consumidora, an-
tes de escolher os alimentos
em uma das barracas de horta-
liças. “O que eu encontro, eu
levo, mesmo sendo um pouco
mais caro; nem que eu leve
uma menor quantidade”, dis-
se a costureira, citando que há
10 anos opta por uma alimen-
tação mais saudável.
A assiduidade de Márcia na
feira do Bosque comprova a
preferência de uma parcela da
população pelos orgânicos,
mas o depoimento também re-
vela um dos entraves para o
aumento do consumo no seg-
mento. O levantamento do
Conselho Brasileiro de Produ-
ção Orgânica e Sustentável (Or-
ganis) indica que 41% dos bra-
sileiros evitam os alimentos or-
gânicos para não sacrificar o
orçamento familiar. O estudo,
divulgado em junho deste ano,
aponta que 72% dos consumi-
dores frequentes também con-
sideram os preços como um
dos obstáculos para o aumen-
to das compras.
Reconhecidamente, os orgâ-
nicos são mais caros que os
produtos vendidos na modali-
dade convencional. Nas feiras
especializadas em Campinas,
as alfaces dos tipos lisa, mimo-
sa e crespa são encontradas
por até R$ 3,50 a unidade, va-
lor superior ao praticado nas
feiras livres e nos supermerca-
dos. Nas grandes redes, a alfa-
ce crespa pode ser comprada
por R$ 2,00, em média.
Outros produtos, como sal-
sa, hortelã, brócolis e berinje-
la, chegam a ter os preços equi-
parados, mas as maiores varia-
ções são encontradas em ali-
mentos cuja valoração é extre-
mamente dependente do volu-
me e da qualidade da safra in-
dustrial do País. Em junho, a
cotação da batata inglesa caiu
cerca de 20% em função da al-
ta produtividade nas lavouras.
Atualmente, nos hipermerca-
dos de Campinas, o tubérculo
é encontrado por menos de R$
2,00. Já nas feiras orgânicas da
cidade, a batata orgânica está
sendo vendida a R$ 10,00 o qui-
lo, mesmo sem os atravessado-
res, uma vez que o produtor
comercializa diretamente ao
consumidor.
Para quem tem o orçamen-
to apertado, fazer a feira sema-
nal somente com orgânicos es-
tá fora dos planos. “Eu passo
por aqui e levo só alguma coisi-
nha. Não dá pra comprar tudo
o que eu gostaria, infelizmen-
te”, lamentou o professor de in-
glês Flávio de Carvalho, que
comprou apenas folhas na ban-
ca dos produtores Irmãos Sou-
za, empresa familiar e que há
14 anos se dedica aos orgâni-
cos.
À frente da barraca, Ariane
de Souza, filha de um dos só-
cios da firma, revela que o fatu-
ramento vem basicamente do
resultados nas feiras: três vezes
por semana em Campinas e
um dia em Jaguariúna, sede do
sítio. “A gente atende algumas
lojas, mas é coisa pequena, jus-
tamente para não encarecer o
produto e para o consumidor
nos conhecer. É muito legal es-
se contato do produtor com o
consumidor. É bacana”, co-
menta Ariane, contando que o
movimento da clientela está ca-
da vez maior. “Os três últimos
anos foram incríveis. A gente
não sentiu essa crise e o consu-
mo só vem aumentando. Bus-
camos ainda uma maior diver-
sidade, um leque muito grande
de produtos. Cultivamos, na
média, 50 ou 60 produtos por
ano, dependendo da sazonali-
dade”, conta a agricultora.
Os bons ventos nas lavouras
orgânicas são confirmados por
outro produtor rural de Jagua-
riúna, Romeo Mattos Leite.
“Nossas vendas têm aumenta-
do entre 20% e 30% ao ano”, co-
memora o proprietário da Vila
Yamaguishi, também presiden-
te da Associação de Agricultura
Natural de Campinas e Região
(ANC). Apesar das sucessivas al-
tas do faturamento nos últimos
sete anos, Romeo diz que os
elevados custos da produção
orgânica acabam refletindo no
preço final ao consumidor. “O
agricultor orgânico não usa her-
bicida, então é tudo manual, ar-
rancamos o mato com a mão.
Assim, você acaba usando
mais mão de obra, o que enca-
rece o processo. Mas isso aca-
ba sendo um beneficio, porque
você gera trabalho e segura o
homem no campo, evitando
que ele vá para a cidade formar
favelas”, destaca o produtor,
que emprega 35 pessoas na fa-
zenda de orgânicos.
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Editores: Claudio Liza Junior, Jorge Massarolo, Patrícia Penzin e Ronaldo Faria Chefe de reportagem: Guilherme Busch
Mesmo com o significativo
grau de empregabilidade no
segmento de orgânicos, e ape-
sar das vendas em alta, o pro-
dutor Romeo Leite ressalta que
os resultados poderiam ser me-
lhores se houvesse avanço em
pesquisa. “Hoje, ninguém mais
quer pegar em enxadas. Esta-
mos usando ferramentas me-
dievais e o mercado ainda tem
poucos profissionais capacita-
dos para dar assistência técni-
ca ao produtor. O próprio agri-
cultor tem que pesquisar e ten-
tar melhorar a sua produtivida-
de”, reclama Romeo, lembran-
do que a inovação é fundamen-
tal para diminuir o custo de cul-
tivo. “Por se uma produção em
pequena escala e por não ter
métodos eficientes, o produto
acaba ficando mais caro que o
da agricultura convencional”,
resume o presidente da ANC.
O pesquisador Sebastião Wil-
son Tivelli reconhece que as de-
ficiências tecnológicas e a falta
de assistência técnica no cam-
po são alguns dos motivos que
encarecem os orgânicos. “Essa
é uma antiga demanda do se-
tor, mas temos desenvolvido tra-
balhos para atender essas neces-
sidades”, diz o engenheiro agrô-
nomo, à frente do centro de re-
ferência estadual em São Ro-
que, a Unidade de Pesquisa e
Desenvolvimento em Agricultu-
ra Ecológica (UPDEA), vincula-
da à Agência Paulista de Tecno-
logia dos Agronegócios (APTA).
Apesar de o centro de exce-
lência ter sido criado em 2013,
as pesquisas em orgânicos
acontecem desde 1994. Uma
das conquistas é o desenvolvi-
mento de cultivares de batata
específicas para a agricultura
ecológica. Os tubérculos são re-
sistentes a doenças e foram de-
senvolvidos em parceria com
os técnicos do Instituto Agronô-
mico de Campinas. A disponibi-
lização no mercado depende
apenas da liberação do Ministé-
rio da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, que analisa
também o novo tipo de cebola
produzido pela UPDEA. “A ce-
bola orgânica é fruto de um tra-
balho de 12 anos. Trata-se uma
material que pode ser produzi-
do em uma época onde não
existe oferta no estado de São
Paulo. Quando essa cultivar for
lançada, vai atender também a
agricultura comercial”, diz.
Lavouras
Em relação à consultoria nas la-
vouras orgânicas, o pesquisa-
dor revela que 277 técnicos já
foram capacitados para prestar
assistência técnica agroecológi-
ca. “O trabalho começa a mos-
trar resultados, apesar do pou-
co tempo do programa de trei-
namento, que começou em
2012”, enfatiza Tivelli, lembran-
do que a quantidade de novas
certificações comprova a eficá-
cia da formação dos novos pro-
fissionais.
De acordo com o Cadastro
Nacional de Produtores Orgâni-
cos, do Ministério da Agricultu-
ra, o estado de São Paulo regis-
trou um aumento de certifica-
ções orgânicas em 7,8% no pri-
meiro semestre deste ano. Em
2016, o números de agriculto-
res no segmento já havia cresci-
do 16,9%. No entanto, a região
de Campinas tem superado a
média estadual. De acordo
com a ANC, que também é cer-
tificadora, hoje existem 128 pro-
dutores habilitados. Até o fim
do ano passado, eram 88.
“Além de o mercado estar em
crescimento, o nosso modelo
de certificação é participativo,
bem mais barato que o méto-
do por auditoria”, diz Romeo.
Na modalidade participativa, o
agricultor integra grupo com-
posto por técnicos e outros pro-
dutores que se encarregam de
uma fiscalização mútua.
O agricultor somente é certi-
ficado caso cumpra os requisi-
tos que obedeçam às normas e
práticas que assegurem o culti-
vo e o manejo orgânico. O selo
Produto Orgânico Brasil atesta
a garantia de procedência, mas
também influencia diretamen-
te nos custos de produção. O
centro de pesquisas em orgâni-
cos da APTA, na cidade de Itara-
ré, desembolsa cerca de R$ 5
mil anuais às entidades certifi-
cadoras, valor que varia tam-
bém de acordo com o períme-
tro cultivado dentro do terre-
no. “Ainda existem outras duas
inspeções por ano, uma delas é
surpresa, sem prévio aviso. Ca-
da uma custa R$ 800,00. Quan-
do você extrapola isso para um
agricultor familiar, ele precisa
colocar esses custos na produ-
ção dele”, exemplifica Tivelli,
que publicou um artigo, dispo-
nível na internet, explicando
porque os produtos orgânicos
costumam ser mais caros.
A produtora Ariane de Souza
confirma que a maior dificulda-
de é arcar com os gastos da cer-
tificação. “O governo exige mui-
to. Tem que fazer a inspeção
anual, análise de água, análise
de solo e isso requer muito di-
nheiro. Tudo custa em torno de
R$ 2 mil por ano, além do paga-
mento de uma taxa mensal à
certificadora”, explica a agricul-
tora do sítio familiar em Jagua-
riúna. De acordo com a ANC, a
contribuição mensal pode va-
riar entre R$ 30,00 e R$ 120,00 e
também é calculada de acordo
com a área certificada. (JEM/
AAN)
Consumidores em banca de legumes da feira de orgânicos do Bosque dos Jequitibás, em Campinas: procura seria maior com preços mais acessíveis
Mulher escolhe verduras em uma banca da feira de produtos orgânicos realizada no Bosque dos Jequitibás
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Dos brasileiros evitam os
orgânicos para não sacrificar
o orçamento doméstico
Custos altos ainda são entrave para modelo de negócio
Cidades
Apesar da crise, setor segue em pleno crescimento em Campinas
Fotos: Leandro Ferreira/AAN
POR CENTO
Oferta de produtos
cresce, mas preço
ainda é um problema
Para produtor de Jaguariúna, resultados poderiam ser muito superiores se houvesse mais investimento em pesquisas
A4 CORREIO POPULARA4 Campinas, domingo, 13 de agosto de 2017