1) O documento descreve a história de um jornal católico no Rio Grande do Sul chamado "Il Colono Italiano" e suas transformações ao longo de 100 anos.
2) Nos primeiros anos, o jornal promoveu a identidade católica através da submissão à Igreja e combateu inimigos como maçonaria e espiritismo.
3) Após o Vaticano II, o jornal acolheu as mudanças conciliares e passou a defender uma Igreja mais aberta e próxima dos problemas sociais.
2. esde as suas origens, no início do sé-
culo XX, até as últimas edições que
encaminham o encerramento de sua
vida enquanto jornal impresso, o Correio
Riograndense, através de todas as trans-
formações, seja de nome como de projeto
gráfico ou conteúdo abordado, manteve-se
sempre como um meio de comunicação
assumidamente eclesial e católico. Dada a
impossibilidade material de refazer o per-
curso de todo o longo período, nos dete-
remos nesta breve análise apenas nos dois
momentos de maior crise e reconstrução
eclesial que marcaram a vida do jornal e
nos quais ele demonstrou seu senso ecle-
sial. O primeiro, na primeira década de sua
existência, quando a Igreja Católica, recém
emancipada da tutela do Estado, buscava
reconstruir-se na fidelidade ao modo ro-
mano de ser católico. O segundo, já na se-
gunda metade do século XX, quando, em
consequência do movimento de renovação
capitalizado e impulsionado pelo Concílio
Ecumênico Vaticano II, a Igreja do Brasil
e do continente tomou o rumo da proximi-
dade com a realidade do povo sofrido no
continente e reconfigurou-se nas culturas
latino-americanas e brasileiras e aproxi-
mou-se dos movimentos sociais e popula-
res que buscaram construir uma sociedade
justa e democrática.
AFP/CorreioRiograndense
ArquivoCR
Texto de Vanildo Zugno*
Porto Alegre - RS
No curto lapso de tempo en-
tre 1880 e 1920 aconteceu a
mais radical transformação na
história da Igreja Católica no
Brasil. Impulsionada pelos bis-
pos, no seu conjunto, ela pode
ser descrita como a “reforma
romanizante” da Igreja Cató-
lica no Brasil. “Reforma” por
pretender substituir elementos
considerados deficientes ou
sem vitalidade por novas for-
mas que permitissem à fé ca-
tólica apresentar-se com nova
face. “Romanizante”, pois tra-
tava-se de subtrair a Igreja do
domínio do Estado e, ao mes-
mo tempo, purificá-la dos ele-
mentos do catolicismo popular
não acordes ao modo romano
de ser católico.
É no contexto desta reforma
que surge no Brasil uma im-
prensa católica. No Rio Gran-
de do Sul, na década de 1870,
apareceram os jornais “Es-
trella do Sul” e “O Thabor”.
Na década de 1890, sob a tu-
tela dos jesuítas, foi a vez do
“Deutsches Volksblatt” levan-
tar a bandeira dos interesses da
Igreja Católica no Estado. Na
Região de Colonização Italia-
na (RCI), foram os confrontos
entre a maçonaria e o clero que
fizeram surgir uma imprensa
católica. Na região, o primeiro
jornal com identidade católi-
ca foi o “Il Colono Italiano”
fundado em 1898 pelo padre
Piero Nosadini. Pároco de Ca-
xias do Sul desde 1896, padre
Nosadini procurava fazer con-
trapeso, através da imprensa,
ao “O Caxiense”, jornal ligado
ao governista Partido Republi-
cano Riograndense. Depois de
vários conflitos com as autori-
dades caxienses, o “Il Colono
Italiano” deixou de circular em
agosto de 1898 e, em dezembro
do mesmo ano, padre Nosadini
regressou à Itália.
Em 1909, foi a vez do padre
Cármine Fasulo fundar um jor-
nal católico que levou o nome
de “La Libertá”. De circula-
ção semanal, o jornal logo teve
dificuldades para manter-se.
No fim de 1909, padre Fasulo
regressou à Itália e a continui-
dade do jornal se viu ameaçada.
Com o objetivo de mantê-lo em
circulação, padre João Fron-
chetti, pároco de Garibaldi,
com a ajuda deAdolfo Moreau
e João Carlotto e o apoio dos
freis capuchinhos franceses,
adquiriu o jornal e a tipografia e
os transladou a Garibaldi. Para
esquecer as polêmicas de Ca-
xias ou, quem sabe, homenage-
ar ao padre Nosadini, o nome
foi alterado na edição de 12 de
março de 1910 para “Il Colono
Italiano”.
Da análise das edições do “Il
Colono Italiano” na sua primei-
ra década de existência podemos
identificar três temáticas que são
representativas do espírito da re-
forma romanizante: a construção
da identidade católica como sub-
missão à autoridade eclesiástica;
o combate aos inimigos da Igreja
Católica e a busca da afirmação
da hegemonia cultural da Igre-
ja sobre a sociedade através do
discurso da submissão da ordem
social aos mandamentos divinos
transmitidos pela Igreja.
Em seu primeiro número sob
a direção do padre Fronchetti, o
jornal afirma, em editorial, seu
programa originário: “La Liber-
tá’ será assumidamente católico;
não somente atenderá religiosa-
mente os comandos da autori-
dade eclesiástica; mas fará todo
o esforço para antecipar-se aos
seus desejos”.
A identidade católica constru-
ída a partir da identificação com
a autoridade eclesiástica trans-
parece nas reportagens em que
são apresentadas as atividades
do Papa Pio X, especialmente as
caritativas. A exaltação do Papa
chega ao ponto de, no editorial
da edição de 2 de novembro de
1912, serem noticiadas várias
curas realizadas pelo Papa ainda
em vida.
A identidade católica também
era cultivada na dimensão de en-
tretenimento que o jornal levava
a seus leitores.Através de peque-
nas histórias edificantes, eram
apresentados os ideais e valores
do bom católico. Em cada edi-
ção, nas páginas 3 e 4, havia uma
seção dedicada a uma novela
edificante. Do número 45 ao 52,
por exemplo, foi publicada a no-
vela “Dalle spine a la Rosa” em
que se narrava a história de uma
amizade entre um rapaz e uma
moça que era capaz de transcen-
der o amor humano e alcançar a
oblação da vida a Deus. Imelda
e Rômulo, dois jovens apaixona-
dos e prometidos em casamento,
após a realização de exercícios
espirituais e da orientação de um
capuchinho, deixaram o mundo,
ela para tornar-se freira, e ele
para tornar-se frade.
Como toda a identidade, a afir-
mação da catolicidade do jornal
também foi construída a partir da
identificaçãoe desconstruçãodos
seus inimigos. Dentro do pensa-
mento da restauração expresso
no “Syllabus Errorum” de Pio
IX, o primeiro e maior inimigo
da fé católica é aquela forma de
pensar que prega a não existên-
cia de Deus. No editorial da edi-
ção de 4 de maio de 1910, após
apresentar as figuras de Diderot,
Voltaire, Rousseau, D’Alembert
e Spinoza, o jornal afirmava que
as concepções filosóficas por
eles apresentadas vão contra os
sentimentos do coração humano.
Para desqualificar as ideias dos
filósofos, o texto não apresen-
tava argumentos filosóficos an-
tagônicos, mas afirmava que os
próprios livres-pensadores não
acreditavam naquilo que eles en-
sinavam.
A maçonaria aparece como a
outra grande inimiga. Ela é apre-
sentada como a mais intolerante
das instituições na medida em
que não admite, em seu interior,
qualquer divergência de pensa-
mento. Na seção “Per il mondo”
da edição de 15 de janeiro de
1910, o jornal compara as exco-
munhões da Igreja Católica com
as intolerâncias damaçonariaita-
liana que expulsou de seus qua-
dros três deputados que votaram
a favor do ensino religioso nas
escolas públicas.
O protestantismo, tradicional
inimigo da identidade católica,
poucas vezes aparece nas pá-
ginas do “Il Colono Italiano”.
Na edição de 5 de fevereiro de
1910 é anunciada a conversão
de um professor da Universida-
de de Halle, na Alemanha, e, nos
Estados Unidos, a conversão de
todos os membros da “Socieda-
de da Reconciliação”, da Igreja
Anglicana para a Igreja Católica
Romana.
O espiritismo também é apre-
sentadocomoinimigo.Apartirde
abril de 1911, o jornal apresenta
uma coluna intitulada
onde se
refutam as teses espíritas. O es-
piritismo é definido como “uma
fraude inventada pelo diabo
contra o homem, a religião pela
qual os diabos, fingindo-se de
anjos bons ou almas de mortos,
para obter os seus intentos, dão
respostas aos homens que os in-
terrogam através de mesas, tripés
ou outros objetos materiais.”
3. A identidade católica, adverte o
jornal em seu editorial de apresen-
tação, não o impede de falar sobre
temas não especificamente reli-
giosos. Na edição de 15 de janeiro
de 1910, o jornal, além de católi-
co, se apresenta como “o amigo,
o conselheiro, a defesa do colono,
para o qual, além de assuntos reli-
giososeleiturasúteis,prazerosase
amenas, fornecerá também todos
aqueles conhecimentos que a ele
puderem ser úteis, como: noções
de agricultura, e neste assunto se
dará preferência a coisas feitas
no Rio Grande do Sul; o modo
de confeccionar, melhorar e con-
servar o vinho e seus respectivos
recipientes; higiene; quando for
o caso, um pouco de medicina;
também, sob a forma de diálogo
entreo colonoPedroe o advogado
doutor Pomieri, serão oferecidas
algumas informações sobre as leis
do belo país que os hospeda, que
são indispensáveis a todos.”
Com este objetivo, desde a sua
primeiraedição, o jornal apresenta
a “Sezione dell’Agricultore” em
que são dadas informações sobre
os cultivos da região e a melhor
forma de incrementar a produção.
A partir da edição de 11 de março
de 1911, a coluna ganha o nome
de “Cognizioni utili”. Notícias e
estímulos a cooperativas e asso-
ciações também são frequentes
nas páginas do jornal. As princi-
pais iniciativas do governo federal
e estadual em favor da agricultu-
ra são noticiadas com destaque a
cada edição.
Tanto num período como no ou-
tro, podemos dizer, com toda tran-
quilidade, que o jornal, em suas
diversas nomenclaturas – La Li-
bertà, Il Colono Italiano, Stafetta
Riograndense e Correio Riogran-
dense – e nas muitas mudanças
que viveu no decorrer destes lon-
gos 108 anos, manteve-se fiel ao
propósito de frei Bruno de Gillon-
nay que, em 1904, ao gestionar
junto aos superiores da França a
compra de uma impressora para
poder produzir um jornal nas co-
lônias italianas, pretendia “estabe-
lecer com simplicidade, no centro
da colônia italiana, uma pequena
impressora, que levará, periodi-
camente, no seio das famílias, em
sua língua materna, uma página
do santo Evangelho, explicada e
comentada, uma história edifican-
te, alguns conselhos de agricultu-
ra, a indicação de algumas bro-
churas adaptadas às necessidades
dos colonos.”
ais do que as reformas
externas em termos esté-
ticos e litúrgicos, o Con-
cílio Vaticano II foi uma tentati-
va de colocar a Igreja no século
XX. Com efeito, em virtude do
trauma da Reforma Protestante
e das determinações canônicas
do Concílio de Trento, a Igreja
Católica, durante quatro séculos,
permaneceu alheia e inimiga da
modernidade.
Para João XXIII, o Papa que
convocou o Concílio, o desafio
era tanto o de “abrir a janela da
Igreja para que possamos ver
o que acontece do lado de fora
e para que o mundo possa ver
o que acontece na nossa casa”
como o de manter as portas e ja-
nelas da Igreja abertas para que
o Espírito Santo pudesse orientar
a Igreja no seu processo de “ag-
giornamento”.
Acolhendoas decisõesdoCon-
cílio, na edição de 15 de dezem-
bro de 1965 – a primeira após a
conclusão da Assembleia Conci-
liar – o jornal, em editorial, assim
se expressa em relação ao evento
que consolidou e impulsionou a
maior reforma da Igreja Católica
nos últimos 500 anos: “O Con-
cílio Ecumênico terminou. Ago-
ra começa nossa tarefa. A tarefa
de cada um de nós, os cristãos”.
Numa clara referência à “Lumen
Gentiun” que, a partir da noção
de Sacerdócio Universal dos Fi-
éis propunha uma nova eclesio-
logia, o editorial prossegue: “E
isso em face do santo batismo
que nos elevou à dignidade de fi-
lhos de Deus. Ou cada um de nós
cuida, deveras, valorizar o seu
batismo, ou nada feito do Concí-
lio, continuando o mundo como
dantes: trôpego, anêmico, ilhado,
coxo, mudo, surdo, cego.”
Na mesma edição, o jornal des-
taca como manchete principal o
Ano SantoproclamadopeloPapa
PauloVI para acolher as decisões
conciliares. Na mesma página
de capa, fazendo outra matéria,
elenca os documentos concilia-
res e, citando o programa de rá-
dio “A Voz do Pastor” de Dom
Vicente Scherer, afirma que o
desafio agora cabe a cada um dos
católicos e se resume na palavra
“atualização” pois “as resoluções
do Concílio permaneceriam es-
téreis e infecundas se sacerdotes
e leigos não as recebessem com
docilidade e amor”.
Na edição seguinte, de 22 de
dezembro, a temática do Concí-
lio é retomada e, citando nova-
mente o Papa Paulo VI, afirma
que a renovação proposta pelo
Concílio “não é coisa passageira
como muitas outras coisas o são,
mas algo que prolonga seus efei-
tos além do período de celebra-
ção atual”.
O desejo de renovação do Con-
cílio Vaticano II se concretizou,
na América Latina, nas Assem-
bleias das Conferências Episco-
pais de Medellín (1968), Puebla
(1979), Santo Domingo (1992)
e Aparecida (2007). Elas mar-
caram com a palavra dos bispos
do Continente Latino-americano
e do Caribe as mudanças impul-
sionadas pelo Concílio. Atento
ao caminhar da Igreja, o Cor-
reio Riograndense acompanhou
os novos processos eclesiais em
curso na região. A edição de 6 de
março de 1985 é representativa
desta nova postura do jornal em
sintonia com a vida da Igreja.
Com chamada de capa e reporta-
gem na página 8, o jornal celebra
a diminuição das ditaduras no
continente e festeja os novos ven-
tos democráticos que se ampliam
a cada ano.
Também com foco na realidade
social e na perspectiva dos pobres
tão cara à Igreja latino-americana
e caribenha, na página central,
é destacada a realidade de fome
que ainda persiste no mundo e a
necessidade de um projeto global
para a superação de tal situação.
A mesma problemática é tratada
em nível local quando, com cha-
mada na capa e matéria na página
3, é apresentada a dramática situ-
ação dos pequenos agricultores e
cantinas da região serrana do Rio
Grande do Sul ante o baixo preço
da uva e do vinho.Ainda na mes-
ma edição, com chamada de capa
e reportagem na página 18, é feito
Reprodução/CorreioRiograndense
ArquivoCR
EdiliaS.C.Menin/Div/CR
frei capuchinho,
graduado em
Filosofia e
Teologia, doutor
em Teologia
um relato da 8ª Romaria da Terra
que acabara de acontecer em Te-
nente Portela.
Ao lado das reportagens que
focam a realidade social e as ini-
ciativas da Igreja para a elas dar
resposta, as colunas de autores
tornaram-se cada vez mais um
espaço privilegiado para a refle-
xão da realidade à luz da fé cris-
tã. Impossível não lembrar do
saudoso frei Wilson Sperandio
e sua leve e profunda coluna se-
manal “Novo Jeito deViver”.Ao
lado dele, já na década de 1990,
estava frei Aldo Colombo e seu
“Um Olhar Diferente”. Já no
novo milênio, a eles somaram-
se a teóloga Maria Clara Binge-
mer, Frei Betto, Leonardo Boff,
Padre Zezinho e, sempre com o
cariz capuchinho, os freis Jaime
Bettega com a coluna “Olhar a
Vida” e Luiz Turra sempre falan-
do “No Coração da Vida”. Cada
um deles, com seus temas prefe-
ridos e sua abordagem pessoal,
ajudavam o leitor a pensar-se
como cristão no mundo em que
vivemos, em sua dimensão pes-
soal, eclesial e social.
Para contribuir no propósi-
to do Concílio Vaticano II e do
caminhar da Igreja brasileira e
latino-americana que deseja o
protagonismo dos leigos e leigas
no assumir e implementar a fé no
âmbito social e eclesial, a partir
de 2005, o Correio Riogranden-
se, em parceria com a Escola
Superior de Teologia e Espiritu-
alidade Franciscana (Estef), ofe-
receu, anualmente, o Curso de
Teologia à Distância. Orientados
por módulos semanais produzi-
dos pelos professores da Facul-
dade de Teologia mantida pelos
capuchinhos em PortoAlegre, os
leitores e leitoras tiveram a opor-
tunidade de aprofundar temáti-
cas ligadas à fé cristã, à vivência
eclesiale aocompromissosocial.