2. Em sociedades contemporâneas, a escrita está presente em boa parte das
situações de convívio e interação, e o uso efetivo dessa linguagem exige das
pessoas o emprego de competências cada vez mais sofisticadas.
Imersos na cultura letrada, nos deparamos diariamente com a necessidade de
falar apoiados em textos escritos, de comentá-los, de escutá-los, de ler e de
escrever, usando tanto os artefatos de papel como a televisão e o cinema, o
computador, o telefone celular ou o caixa eletrônico do banco.
Além disso, a linguagem escrita é um instrumento cultural por meio do qual se
estabelecem relações sociais, se ordena e regula a vida em sociedade, se
produzem, registram e fazem circular conhecimentos e informações, se
promovem o acesso e a interação com a cultura, entre tantas outras coisas.
3. Ter domínio ou não dessa linguagem e saber ou não usá-la em múltiplas
práticas sociais afeta de muitas maneiras os papéis que as pessoas assumem ou
lhes são atribuídos nas mais diferentes atividades.
No Brasil, há um enorme contingente de pessoas que não sabem ler e escrever
ou que não puderam se escolarizar.
Esse conjunto é muito heterogêneo quanto às suas características sociais,
necessidades formativas e às peculiaridades dos diversos subgrupos que o
compõem.
Um aspecto que unifica esse grupo, no entanto, é o fato de que seus integrantes
não correspondem às expectativas sociais relacionadas à escolarização e aos
diversos usos da linguagem escrita – o que afeta suas vidas, restringindo os
lugares sociais que podem ocupar, as possibilidades e os recursos de que
podem lançar mão para agir – nos mais variados âmbitos sociais.
4. São identificadas como analfabetas pela falta de conhecimentos e pouca
familiaridade com a linguagem escrita, e, por essa razão, são estigmatizadas e
discriminadas socialmente.
Essas parecem razões suficientes para que a alfabetização seja um processo a
que todos tenham acesso, independente do ciclo de vida em que se
encontram, da condição de sexo, etnia, do grupo social a que pertencem, dos
locais onde residem, de sua ocupação e renda.
Além de uma necessidade básica, a promoção da alfabetização é também um
dever do Estado, representando apenas a primeira etapa da educação a que
todos constitucionalmente têm direito – o ensino fundamental.
5. CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Durante boa parte do século XX, considerava-se que uma pessoa estava
alfabetizada quando sabia escrever seu nome e ler algumas palavras ou
pequenas frases.
Acreditava-se que, em alguns meses, com a aprendizagem de letras, sílabas e
palavras, as pessoas estariam aptas a usar a escrita em seu cotidiano e,
posteriormente, dar prosseguimento aos estudos.
A maior parte das políticas e práticas de alfabetização de jovens e adultos
estava pautada também na crença de que a alfabetização tinha o potencial de
catalisar mudanças individuais e societárias.
6. A mobilização social em torno do direito de todos à educação, as mudanças
socioculturais verificadas no final do século XX e o desenvolvimento dos
estudos científicos transformaram a compreensão, até então hegemônica,
sobre o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, atualizando as
diretrizes de políticas e as orientações didáticas para a alfabetização.
Entretanto, essa renovação não se processa sem tensões, já que as
concepções de alfabetização emergentes convivem e disputam o campo
intelectual e as diretrizes das políticas educacionais com as visões até então
dominantes, o que se reflete na diversidade das orientações e práticas
pedagógicas.
7. ALFABETIZAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL
Durante a maior parte de sua história, a alfabetização de jovens e adultos no
Brasil esteve sob influência de pelo menos duas formas de conceber a relação
entre educação e mudança social.
A adesão a esta ou àquela concepção afeta o modo como se concretizam
programas de alfabetização de jovens e adultos.
Uma dessas concepções é a da educação como meio de emancipação e
transformação das pessoas e sociedades.
8. O modelo emancipatório foi inaugurado nas experiências inovadoras de
alfabetização de jovens e adultos, realizadas por Paulo Freire na década de
1960, e continuado pela corrente da educação popular.
Nessas experiências, promovidas majoritariamente por grupos e organizações
da sociedade civil, os processos de alfabetização estão conectados à
formação mais geral dos sujeitos e à realização de atividades nos âmbitos de
convivência social, da participação cidadã e profissional.
São iniciativas que comportam uma heterogeneidade de ações e apontam
para uma visão pluralista e múltipla da alfabetização.
9. Orientam-se por finalidades, práticas e atividades que proporcionam
aprendizagens, para que as pessoas possam agir em uma variedade maior de
contextos sociais.
Apesar da riqueza de princípios e da criatividade como as propostas
educativas foram geradas, as repercussões dessas experiências ainda são
tênues nos programas de alfabetização mantidos pelas redes estaduais e
municipais de ensino.
10. A outra concepção tem um caráter compensatório, reporta-se à educação
regular e atribui à educação de jovens e adultos a função de recuperar o
“atraso” escolar daqueles que não puderam estudar em idade considerada
“própria”.
Esse paradigma tem como principal consequência enquadrar o
funcionamento e organização de programas de alfabetização de jovens e
adultos em modelos da alfabetização escolarizada.
Um dos seus efeitos negativos é a adoção de uma perspectiva assistencialista,
que concebe a ação alfabetizadora como uma doação ou missão, motivada
pela ajuda aos menos favorecidos.
11. A ALFABETIZAÇÃO NOS CENSOS DEMOGRÁFICOS
Uma das formas de captar as alterações e a progressiva extensão do conceito de
alfabetização é acompanhar os critérios adotados no Censo Demográfico para
distinguir, no conjunto da população, as pessoas alfabetizadas e não
alfabetizadas.
Até 1940, era considerado alfabetizado aquele que simplesmente declarasse que
sabia ler e escrever, o que era interpretado como a capacidade de escrever o
próprio nome.
A partir de 1950 até o momento atual, a obtenção de informações sobre o
analfabetismo da população se dá por meio da aplicação de duas perguntas,
uma delas de auto avaliação (sabe ler e escrever?) e a outra de determinação da
série ou ciclo escolar concluído (o tempo de estudo).
12. Ser alfabetizado passou, então, a abarcar a capacidade de ler e escrever um
bilhete simples, ou seja, exercer uma prática de leitura e escrita comum em
nossa sociedade. Implícita ao critério do tempo de estudo, subjaz a
consideração de que, após alguns anos de aprendizagens escolares, as
pessoas não só terão aprendido a ler e escrever, como a fazer uso da leitura e
da escrita no cotidiano, consolidando tais habilidades, de modo a afastar o
risco de regressão ao analfabetismo.