O documento discute a transição da moral pré-moderna para a pós-moralidade moderna. A moral pré-moderna era baseada na religião, enquanto a moderna se baseia nos direitos individuais. Na pós-moralidade, os deveres diminuem em favor dos direitos individuais e há uma ênfase no altruísmo efêmero e indolor mediatizado.
2. REFERÊNCIAS
KROHLING, Aloísio. Ética, Moral, Cuidado e Direitos Humanos
Fundamentais. Disponível em https://krohling.wordpress.com/sala-
do-professor-2/filosofia-e-etica/. Acesso em 29 mai 2017.
LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista. Barueri: Manole,
2005.
3. GILLES
LIPOVETSKY
Nasceu em Millau, na
França, em 1944.
Considerado o filósofo da
hipermodernidade.
Professor titular da
Universidade de Ginoble
na França e professor
visitante da Universidade
de Nova Iorque.
4. OBRAS
A era do vazio (1988)
O império do efêmero (1989)
O crepúsculo do dever (1994)
Os tempos hipermodernos (2004)
A estetização do mundo (2015)
Da leveza: para uma civilização do ligeiro
(2016)
5. DESAMBIGUAÇÃO NECESSÁRIA
Confusão terminológica entre moral e ética decorrente de
equívocos de tradução dos termos Êthos (epsilon) e éthos (eta).
Para o filósofo grego Aristóteles ÊTHOS é costume, hábito ou o
conjunto de valores culturais socializados de geração em
geração através da tradição cultural, em geral traduzidos no
latim por mos (costume) ou mores (costumes), ou moralis (o
adjetivo moral), ou moralitas (moralidade). Cícero traduziu a
palavra grega éthicós por moralis. A origem ou o estudo dos
costumes seria etiologia ou etnografia. Eticidade e moralidade
se equivalem como exercício da liberdade e vontade humanas.
A ética seria a filosofia da moral, que seria a raiz ou o princípio
originário e a diretriz da moralidade.
6. ÉTHOS (com é pequeno) significa a morada, o abrigo permanente
dos animais, ou dos seres humanos, que necessita fisicamente de
um topos (lugar). Se é morada ou casa, que em grego significa
oikos, não é algo pronto, mas aberto, a ser sempre construído e
reconstruído. Torna-se o éthos um modo de ser, o caráter da
pessoa, uma marca ou sigilo firmado pela Razão (logos) que
distingue o homem dos animais e em busca do viver bem, morar
bem, sendo o princípio originário de manter-se vivo e sempre
cuidando do seu corpo e da natureza que é parte do próprio
homem.
7. CONSAGRAÇ
ÃO DO
DEVER
Pré-modernidade: Deus
O ser humano tem o serviço em
nome de Deus como ideal
primeiro, não o respeito à
humanidade.
Modernidade: Razão
(Humano)
O ser humano passa a ser valor
moral primeiro e último.
Ética universalista laica –
emancipação da moral em
relação à Igreja e à crença.
8. Os deveres na pré-modernidade derivam da crença
religiosa.
Os deveres na modernidade derivam dos direitos
fundamentais do indivíduo.
Felicidade: valor essencial do ser humano, "diretriz
central da cultura individualista".
O prazer deixa de ser visto como pecado ou degradante,
mesmo que circundado de prescrições morais.
9. "[...] o pensamento econômico liberal
restabeleceu as prerrogativas das paixões
egoístas e dos vícios particulares enquanto
instrumentos para a prosperidade geral. Assim,
o direito de só pensar em si mesmo, e cuidar
somente dos próprios negócios, tornou-se um
princípio básico da ordem social."
10. EXALTAÇÃO DO DEVER
Contradição: apoio aos direitos soberanos dos indivíduos versus
sujeição incondicional ao dever.
Superação da moral religiosa pela religião do dever.
Kant: glorificação da prática incondicional do dever.
Comte: o único direito é a prática incondicional do dever.
Moral como ciência do imprescritível dever
Virtude como a inteira abnegação de si.
11. "[...] a ideologia
econômica moderna não
consentiu imediatamente
na exteriorização de um
individualismo sem
entraves, pois a noção do
dever como algo absoluto
era um contrapeso ao
perigo de transformar em
egolatria o apreço aos
direitos do indivíduo
soberano".
12. Triunfo da moral republicana sobre os interesses
individuais: deve-se morrer pela nação, pela pátria, pela
lei, pelos ideais republicanos.
Educação moral e cívica como forma de combate à
imoralidade e indisciplina do individualismo.
Idolatria do imperativo moral (indivíduo) versus radical
negação de sua legitimidade (abnegação do indivíduo)
Afirmação da autonomia da vontade humana: vontade
livre, obediente a si mesma, apesar da imperiosa exaltação
da obediência moral.
"Moralistas e inimigos da moral aclamaram em uníssono a
autonomia da vontade humana, até mesmo quando, pela
evidência das coisas, a liberdade pleiteada por uns era tida
em conta de servidão na concepção de outros."
13. A VIRTUDE SEM DEUS
Ruptura com a concepção pré-iluminista de que apenas a fé em
um Deus levaria uma segurança eficaz da moralidade.
O ser humano era capaz de atingir a virtude sem a necessidade
de uma Revelação sobrenatural – laicidade.
Início do desligamento da ética das verdades teológicas, com
expansão por todo o Século XIX – positivismo, neoceticismo,
ateísmo, anticlericalismo.
"a moral se basta a si mesma"
Deus deixa de ser o sustentáculo da moral, que se baseia na
razão humana.
14. Resistência: defensores
da religião afirmavam
que apenas o temor
divino e a recompensa
post-mortem
conduziriam a
humanidade a um
caminho moral, sem os
quais o ser humano
estaria condenado aos
vícios e aos crimes.
Demonização da moral
sem Deus – ameaça de
excomunhão pela Igreja
Católica
A moral laica define
todos os seres humanos
como iguais perante o
dever.
15. SOBERANIA ÉTICA E DEVER
ABSOLUTO
A secularização da moral representa a preponderância da
obrigação ética sobre a religião.
Os deveres para com o ser humano passam a suplantar os
deveres para com Deus.
Maior valorização da espécie humana (antropocentrismo). Moral
utilitarista.
A modernidade trouxe o conceito de ética como obrigação pura
– virtude como oposição do interesse pessoal.
"O advento dos direitos do indivíduo à felicidade teve, como
contrapartida, o idealismo exacerbado do desprendimento de
si, a exaltação do esquecimento pessoal, o dever hiperbólico de
se entregar a um ideal anônimo."
16. O Iluminismo trouxe a religião do dever vinculada à
educação e perfeição do ser humano –
aperfeiçoamento moral da humanidade.
Na moral religiosa, o ser humano só é bom por temer
a Deus e ansiar uma recompensa divina, é a fé que o
orienta a ser bom.
Na moral laica, a erudição vinculada ao molde do
espírito humano permitirão que a humanidade se
torne mais altruísta e refute os comportamentos
indesejáveis.
17. O MORALISMO DOS COSTUMES
Século XVI – hostilidade à sexualidade.
Secularização do saber e repúdio ao que extrapolasse a cópula
"normal" entre as pessoas.
A repressão deu-se, basicamente, contra a mulher – castidade,
pureza, virgindade, recato.
Os homens podiam cometer adultério ou realizar práticas
inadequadas, com tolerância social.
O que antes era reputado pela Igreja como pecado passou a ser
reputado como doenças ou aberrações por médicos e
profissionais da saúde.
18. As famílias eram mais
importantes que os indivíduos
que as compunham – prioridade
do dever para com a família em
relação aos direitos subjetivos.
Objetivava-se uma célula
familiar asseada, ordenada e
comedida.
A educação das crianças passou
a ser prioridade e os pais eram
responsáveis pelo seu futuro –
autoridade parental rígida e
deveres filiais de obediência.
Era inadmissível ouvir a opinião
dos filhos. Casamentos eram
decididos pelos pais (homens) e
a profissão dos filhos (homens,
em sua maioria) também.
20. O ALTRUÍSMO INDOLOR
O pós-moralismo representa o fim do ideal de dever absoluto para a
consagração do individualismo.
Os direitos passam a sobrepujar os deveres. O egoísmo não é mais
tido como pecado ou inadequado. As pessoas não se sentem inibidas
a demonstrar individualismo.
Os pais não mais transmitem valores altruístas aos filhos. Doar-se ao
próximo foi relegado a valor secundário.
Em 1989, pesquisa francesa revelou que apenas ¼ dos adolescentes
entrevistados considerava importante seguir valores morais e que
apenas 15% dos pais entrevistados consideravam importante
transmitir valores altruístas.
22. Muitos pais anseiam pelo retorno da "Educação Moral e Cívica",
mas que moral querem que seus filhos aprendam?
Ética minimalista
o ser humano realiza ações mínimas tidas como éticas no
contexto pós-moralista.
A caridade continua "em alta", apesar de que,
comparativamente, é menor do que o gasto individual com
amenidades ou futilidades e direcionada para os necessitados
mais próximos.
O ideal da generosidade se mantém, o da abnegação, não.
Ser generoso representa doar-se o mínimo possível sem maior
envolvimento pessoal.
Ser individualista não é ser egoísta, porém significa uma
primazia do ego em detrimento do coletivo.
23. A BENEVOLÊNCIA MIDIÁTICA
A era pós-moralista coloca a caridade como um
espetáculo midiático.
Quem comanda a generosidade humana são pop stars
em shows televisionados. A caridade vende.
"Conquistamos o direito individualista de viver,
dispensando o aborrecimento dos sermões
encomendados, vivendo a plenos pulmões o
espetáculo das variedades e dos deserdados da sorte,
do riso e das lágrimas, pois até a moral passa a ser
uma festa."
24. A mídia possui um poder de mobilização altruísta,
efêmero e com eficácia condicionada à ausência de
rotina.
A mídia não provoca uma consciência sistemática
sobre os deveres.
"A mídia-caritativa não cria vínculos de
responsabilidade, não propõe uma conduta moral: só
comove. [...] Não há mais moral de cumprimento
obrigatório, mas uma moral sentimental-midiática."
A mídia que humaniza e comove é a mesma que
desumaniza.
25. A BENEVOLÊNCIA DE MASSA
O voluntariado na pós-moralidade é a forma como as pessoas
extravasam sua necessidade de relacionamentos e ocupam seu tempo
livre.
Falência do estado-providência, aumento da pobreza e valorização
das instituições civis.
Valores morais que ocuparam o espaço dos valores políticos.
A sociedade que isola os indivíduos é a sociedade que impulsiona
para o voluntariado.
"O novo individualismo, portanto, não erradica a compaixão e o
desejo de ajudar nossos semelhantes, mas faz como que um
entrosamento entre essas aspirações e a busca de si mesmo."