O documento discute a importância do estágio para ingressar no mercado de trabalho, as dificuldades encontradas por estudantes na busca por vagas de estágio, como a alta concorrência e requisitos exagerados de empresas, e como os estágios podem exigir horários incompatíveis com os cursos.
1. ALARIDO
Recife, dezembro de 2016 | Edição Nº 1
“Yes, we can!”...
Será mesmo?
Quando o discurso não condiz com a
realidade
Páginas 8-9
Ilustração|JohnHolcroft
Importância
do estágio
O primeiro contato com o mercado
de trabalho
Empreender é
moda entre os
jovens do estado
Páginas 6-7
Saiba como o
Network pode te
ajudar na carreira
profissional
Página 3
Agricultura
familiar aposta
em produtos
orgânicos para
geração de
renda
Páginas 10-11
Páginas 4-5
Ilustração|JohnHolcroft
2. 2
Alarido | Novembro 2016
O
período de crise
econômica enfren-
tado pelo país nos
últimos anos fez com que
os profissionais buscassem
alternativas para se manter
no mercado de trabalho.
Capacitar-se e reinventar-
-se para tornar o currículo
atrativo são ingredientes
que o tornam o trabalhador
capaz de competir com
todos aqueles que buscam
um emprego, ou ainda, ini-
ciar sua própria empresa.
A primeira edição do
jornal Alarido traz uma série
de matérias com conteúdo
voltado para o mundo da
empregabilidade. Trabalha-
dores atuantes no mercado,
universitários e empreen-
dedores são alguns dos
personagens de reporta-
gens que, simultaneamen-
te, pretendem esclarecer e
inspirar.
Em Networking: uma
importante estratégia de
empregabilidade, por exem-
plo, discutimos a importân-
cia de uma rede contatos
e relacionamentos para o
profissional. Já o artigo
Podemos? aborda a rela-
ção muitas vezes desigual
e estafante entre o pro-
fissional e o empregador,
numa análise contundente
acerca da “multifuncionali-
dade”.
Desejamos a todos uma
boa leitura!
Edição e redação:
Cilene Camila, Marina
Moura, Nicole Simões,
Tamyris Pacas
Projeto gráfico:
Rodrigo Victor
3. 3
Alarido | Novembro 2016
H
á alguns anos
atrás, ter o ensino
superior no currícu-
lo já foi o grande diferencial
para obter uma oportuni-
dade de emprego. Hoje,
com o aumento do número
das pessoas iniciando uma
graduação e o mercado de
trabalho se apresentando
cada vez mais competitivo,
tornou-se não mais um di-
ferencial e sim uma obri-
gatoriedade. É importante
saber que além de uma boa
formação acadêmica, a re-
alização de cursos comple-
mentares é imprescindível
para desenvolver também o
Networking.
O Networking é uma
rede de relacionamentos
profissionais que se comu-
nicam em espaço de tem-
po regular. Ele possibilita
que as pessoas conheçam
você, admirem a qualidade
do seu trabalho e possam
te ajudar a alcançar seus
objetivos profissionais, indi-
cando em qualquer oportu-
nidade que possa surgir. É
definido por uma boa refe-
rência ou recomendação de
alguém bem empregado.
Josué Torres, 28, de
Jaboatão dos Guararapes,
é consultor de vendas e
trabalha no comércio há
quatro anos. Morou na Ar-
gentina em 2015 e apren-
deu como lidar com o setor
de vendas frente à crise
inflacionária. Quando retor-
nou, este ano, ao Brasil, viu
muitos colegas de trabalho
sendo demitidos por conta
da crise econômica, alguns,
continuam desempregados
até hoje. Não foi o caso
dele que através do Ne-
tworking conseguiu uma
oportunidade de emprego
“Fiz a seleção da empresa
que estou trabalhando atra-
vés de contatos com cole-
gas de trabalhos das dos
locais onde trabalhei. Acre-
dito que quando você é um
profissional de referência as
pessoas acabam lembran-
do quando as oportunida-
des surgem”, disse Josué,
que procura sempre manter
a simpatia no ambiente
profissional e acredita que
o grande diferencial que
possui comparado a outros
profissionais é o amor e a
identificação pelo que faz
ver o cliente satisfeito é sua
maior alegria.
Para estimular o Ne-
tworking é importante parti-
cipar de cursos, workshops
e palestras dentro da área
profissional, pois, possibilita
conhecer diversas pessoas
e aumentar essa rede de
conexões profissionais.
Thiago Oliveira, 24, de
Jaboatão dos Guararapes,
é formado em Gestão de
Pessoas, estuda Enfer-
magem e trabalha como
auxiliar administrativo no
Instituto Materno Infantil de
Pernambuco (IMIP). Thiago
se autodefine como uma
pessoa que busca agregar
diversos conhecimentos
para estabelecer o dife-
rencial. Para ele, devemos
aglutinar conceitos e estar
sempre antenado a tudo
que possa contribuir no
perfil profissional. Foi atra-
vés do Networking em um
Workshop na área da saúde
que o jovem foi convidado
por uma gestora a trabalhar
junto com ela numa institui-
ção na área da saúde, “Co-
mecei a trocar ideias e não
sabia que ela era gestora
de uma instituição. Após
a conversa, ela me convi-
dou para estagiar no setor
dela. Nessa situação, pude
perceber a importância de
construir o Networking par-
ticipando de atividades na
área de atuação.” Contou o
rapaz.
“Acredito que
quando você é
um profissional
de referência as
pessoas acabam
lembrando quando
as oportunidades
surgem”
Outro canal importante
para construir Networking
são as redes sociais visto
que as empresas estão
cada vez mais investindo
em tecnologia, por isso é
imprescindível, além da
preocupação em atender
as novas tecnologias, ter
cuidado com publicações
que possam interferir no
seu marketing pessoal.
Fernando Alves, 25, é
gestor em Recursos Huma-
nos e conta que já recru-
tou diversos funcionários
através da internet “Hoje
em dia a plataforma que as
empresas mais usam é o
Linkedin, nele há possibili-
dade de incluir informações
profissionais para serem
analisadas, acredito que fu-
turamente 90% do processo
seletivo será por meio da
internet”, disse Fernando.
Vale salientar que Ne-
tworking não deve ser
encarado como saídas
entre os colegas da empre-
sa após o expediente de
trabalho. A preocupação
exagerada com o relaciona-
mento pessoal pode acar-
retar no comprometimento
da credibilidade em futuras
oportunidades profissio-
nais. Networking também
não deve ser encarado
pela expressão do “Quem
indica” (QI) caracterizada
geralmente pela indicação
de uma pessoa sem quali-
dades para ocupar determi-
nada função.
POR SAMUEL CALADO
Network: uma importante estratégia de
empregabilidade
Ilustração | John Holcroft
4. 4
Alarido | Novembro 2016
A
o entrar no ensino
superior, um dos
maiores desejos
dos calouros é um estágio
na área do curso iniciado.
Esse é o primeiro contato
do graduando com o mer-
cado de trabalho. E, mesmo
não sendo uma atividade
remunerada, é ali que o
conhecimento teórico será
aliado ao prático. Porém,
alguns fatores devem ser
observados, não só na es-
colha da empresa, mas nos
horários, que devem ser
compatíveis com o turno do
curso.
O candidato deve ficar
alerta quanto às demandas
de serviço dentro das or-
ganizações. Os estagiários
não devem, em hipótese
alguma, serem tratados
como profissionais, seja no
desenvolvimento das ativi-
dades ou na carga horária,
que deve ser acordada
entre a instituição de ensino
e a empresa concedente –
órgãos públicos ou privados
–, não devendo passar do
limite de seis horas diárias
e trinta horas semanais
para estudantes da educa-
ção profissional e ensinos
superior e médio.
Em Pernambuco, a maior
busca é por estágios em
Administração, com cerca
de 7 mil estudantes cadas-
trados somente em uma
das organizações espe-
cializadas em concessão
de bolsas de estágio, o
Instituto Euvaldo Lodi (IEL).
Por outro lado, ainda nesta
mesma organização, um
dos cursos que mais ofere-
cem oportunidades é o de
Pedagogia, com 25 vagas
em aberto e 4.814 estudan-
tes em busca de um estágio
– uma média de mais de
190 alunos por vaga. Os
números refletem a dificul-
dade encontrada na busca
por uma oportunidade de
estágio e, devido à grande
concorrência, as empresas
têm se tornado cada dia
mais exigentes, chegando a
ter como requisito para pre-
enchimento de uma vaga, o
concorrente possuir veículo,
como relata a estudante do
6º período de Publicidade
Maryleide Galdino, 21 anos.
“A maior dificuldade é
encontrar empresas que
entendam o verdadeiro
objetivo de contratar um es-
tagiário, que é dar a oportu-
nidade de desenvolvimento
e aprendizado na área de
atuação, mas, infelizmente,
as empresas pedem como
pré-requisitos que se tenha
experiência e um repertório
gigantesco. Sem falar nas
vagas que pedem que o
candidato seja habilitado
e possua automóvel. Ab-
surdo! Já vi vagas em sites
especializados que exigem
três anos de experiência”,
desabafa Maryleide.
Mesmo sem ainda ter es-
tagiado, a estudante sabe
da importância de passar
pela experiência antes de
ser inserida como profis-
sional no mercado: “É no
estágio que você descobre
suas fraquezas e forças,
que você vê tudo que era
teórico se tornar prática. No
meu curso, por exemplo,
acho que deveria ter es-
tágio obrigatório, pois são
várias áreas de atuação em
publicidade, e há alunos
que concluem a graduação
sem ter noção da área em
que vai atuar, justamente
por que nunca teve con-
tato na prática”, detalha a
jovem.
Como muitos, Maryleide
chegou a pensar que o
“problema” de não conse-
guir um estágio estava nela,
mas, quando olhou ao seu
redor, lnotou que não era a
única com dificuldades. “O
mercado está exigindo ab-
surdamente! Eu até achava
que era só comigo, que
podia ser incapacidade mi-
nha, mas vejo que é geral.
Minha sala tem por volta de
60 alunos, e desses, acho
que apenas 15, no máximo,
fazem estágio”, conta.
“A maior dificuldade
é encontrar empresas
que entendam o
verdadeiro objetivo
de contratar um
estagiário”
Outra estudante que
encontra dificuldades na
busca por estágio é Pallo-
ma Dulce, 22 anos, que
cursa o 8º período de En-
fermagem. Apesar de já ter
Estágio como porta de entrada para o
mercado de trabalho
POR RAFAEL SANTOS
Número de empregos para jovens cresce, mas vagas para estudantes
universitários continuam sendo principal obstáculo para ingressar no
mercado
Ilustração | John Holcroft
5. 5
Alarido | Novembro 2016
estagiado, nenhum deles foi
remunerado. “As ofertas de
estágios (remunerados) não
são tão comuns na minha
área, acredito que o que
dificulta é a falta de campos
para gerar oportunidades”,
lamenta.
Salários mais baixos
De acordo com infor-
mações divulgadas pelo
Cadastro Geral de Empre-
gados e Desempregados
(Caged), do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE),
mais de 530 mil vagas com
maiores salários foram
descartadas no primeiro se-
mestre de 2016, enquanto,
para os jovens entre 14 e
24 anos o número de vagas
aumentou. Mais de 180
mil empregos com carteira
assinada foram criados
neste mesmo período para
trabalhadores entre 16 e 24
anos.
Tais dados até podem
ser comemorados, mas,
analisando friamente, em
tempos de cortes e crise,
as empresas estão dimi-
nuindo gastos e oferecendo
oportunidades com remu-
neração abaixo do valor de
mercado. Os dados mais
recentes divulgados pelo
Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE)
mostram que o número de
jovens entre 15 e 29 anos
que estudam e trabalham
caiu em relação à década
anterior. Em 2004, eram
22,6% pessoas exercendo
as duas atividades, e em
2014, 17,3%.
“As ofertas
de estágios
(remunerados) não
são tão comuns na
minha área, acredito
que o que dificulta é a
falta de campos para
gerar oportunidades”
A estudante do 6º período
de Jornalismo Nicole Si-
mões, 20 anos, está entre o
grupo de jovens que, mes-
mo com a dificuldade no
mercado, conseguiu uma
vaga de estágio. “Estou
estagiando há cinco meses
em uma agência de comu-
nicação, e já tive experiên-
cia em duas assessorias de
comunicação”, enumera.
Nicole ainda revela que
tem dificuldade para con-
ciliar os estudos com o
estágio. “No meu estágio,
trabalho mais do que as
horas que deveria, às vezes
tenho dificuldade de chegar
a tempo na faculdade”, diz.
Outro que sente a mes-
ma dificuldade de Nicole é
Leonardo Malafaia, estu-
dante de Jornalismo tam-
bém no 6º período. Ele está
estagiando em um jornal
de grande circulação em
Pernambuco e sente na
pele o quão difícil é acei-
tar os desafios impostos
pelo mercado disputado.
“No geral, o turno no jornal
dura mais que o estipulado,
além disso, o deslocamento
entre o local de trabalho e
a faculdade leva tempo”,
observa.
Sobre a importância de
ter contato com o merca-
do antes da conclusão do
curso, Leonardo é enfático.
“Eu diria que é essencial. O
estágio me dá atribuições
de um profissional”, come-
mora.
Importância do
estágio
Seja para estudan-
tes de nível superior ou
profissionalizante, o estágio
visa treinar os alunos na
área escolhida, a fim de que
eles tenham condições de
assumir cargos e funções
profissionais. Já o estágio
do ensino médio treina o
jovem em atividades gerais
para que ele desenvolva os
comportamentos profissio-
nais esperados no mundo
do trabalho, bem como au-
xilia na escolha profissional.
Mesmo com a crise, o
estado não tem apresenta-
do um número significativo
nas vagas de estágio, é o
que diz Ana Patrícia, geren-
te de operações do Centro
de Integração Empresa
Escola (CIEE-PE). “Apesar
da crise, não temos obser-
vado queda significativa
do número de estagiários
ao longo do ano de 2016.
Contudo, se compararmos
o quantitativo de estagiários
de janeiro a agosto de 2015
com os mesmos meses
em 2016, observamos uma
queda de 2% do número de
estudantes contratados”,
diz a gerente de operações.
“Eu diria que é
essencial. O estágio
me dá atribuições de
um profissional”
Parece algo básico,
mas, de acordo com Ana,
“algumas empresas que
recebem os estudantes
encaminhados pelo CIEE
informam que os jovens
precisam melhorar a flu-
ência verbal e escrita da
língua portuguesa, bem
como os conhecimentos e a
prática da informática bási-
ca”. Essas são áreas paras
as quais o CIEE dispõe de
cursos gratuitos, inclusive
na modalidade à distância,
com módulos online. Para
se inscrever, basta acessar
o seguinte endereço eletrô-
nico: www.ciee-pe.org.br.
O CIEE atua ainda como
órgão fiscalizador e pode,
de acordo com alguma
anormalidade apresentada
pela empresa concedente
do estágio, cancelar o con-
trato entre as partes.
“O CIEE auxilia a institui-
ção e a empresa no acom-
panhamento do estágio e
quando detecta que este
não está sendo desen-
volvido de acordo com a
legislação vigente, notifica a
empresa, especificamente o
supervisor do estagiário, a
fim de que a irregularidade
seja imediatamente corrigi-
da. Nos casos de reincidên-
cia podemos até cancelar o
convênio com a empresa,
e consequentemente a res-
cisão do estágio, priorizan-
do o encaminhamento do
estudante para outra vaga”,
conta Ana Patrícia.
Nesses casos é impor-
tante o estagiário contatar
o CIEE através do telefo-
ne, das mídias sociais, ou
pessoalmente em qualquer
unidade do centro.
Conciliar vida acadêmica e profissional é um dos maiores desafios do estágiario
Ilustração|JohnHolcroft
6. 6
Alarido | Novembro 2016
J
ovens, realizadores,
criativos e... empre-
endedores. Os três
personagens desta repor-
tagem possuem menos de
30 anos, fazem parte de
uma nova geração, cuja
mentalidade mais flexí-
vel no tocante a relações
empregatícias, estabilidade
financeira e objetivos pro-
fissionais tem impulsionado
cada vez mais pessoas a
abrirem o próprio negócio.
E engana-se quem pensa
que tal perfil refira-se ape-
nas a uma pequena parcela
da população brasileira que
dispõe de médias ou gran-
des quantias disponíveis
para investimento.
No caso dos pernambuca-
nos Carol Dreyer, 26; Cami-
la Gusmão, 27; e Eduardo
Torres, 29, a “fórmula” de
sucesso se deu basicamen-
te por meio de uma equili-
brada equação envolvendo
interesses pessoais, força
de trabalho, vontade de
aprender, visualização de
uma oportunidade e quase
ou nenhum capital financei-
ro.
“Meu primeiro empre-
go, aos 18 anos, foi um
trabalho temporário como
cerimonialista. Acabei idea-
lizando muitas festas, janta-
res políticos, me envolvi em
campanhas e conheci bas-
tante gente. Em seguida,
fui cursar Jornalismo, meio
que sem saber o que queria
exatamente”, afirma Camila
Gusmão acerca do início de
sua carreira. Quatro anos
depois, recém-formada e
sem perspectiva de con-
tratação, ela resolveu aliar
sua extensa lista de conta-
tos com os conhecimentos
adquiridos na academia e
no dia a dia de trabalho.
Hoje, é proprietária da Ca-
leidoscópio Comunicação
e presta assessoria a uma
série de clientes, dos mais
variados segmentos. “Co-
mecei mandando e-mail,
oferecendo meus serviços,
um trabalho de formiguinha.
Não tinha dinheiro algum,
mas a confiança no meu
potencial e a insistência
compensaram”, relembra.
Já a publicitária Carol
Dreyer teve menos tem-
po de planejamento e um
imperativo um tanto incô-
modo: as dívidas. Ao fim da
graduação, em 2012, ela
obteve alguns gastos extras
e acabou se endividando
com o cartão de crédito. Na
época, estagiava em uma
agência de Publicidade e,
diante da impossibilidade
de pagar o que devia com
o dinheiro que ganhava, re-
solveu empreender “no sus-
to”, como ela mesmo defi-
ne. “Tenho alguns parentes
em Caruaru, estava indo
para lá no fim de semana e
tive a ideia de comprar uns
poucos pares de sandálias
de couro para revender no
Recife. Em poucos dias
vendi tudo e, em menos de
um mês, consegui quitar mi-
nhas pendências.” A partir
daí, não parou de receber
pedidos – eis o embrião de
sua loja virtual de calçados
e acessórios, Vitalina.
“Não tinha
dinheiro algum,
mas a confiança
no meu potencial
e a insistência
compensaram”
Eduardo Torres estudou
Administração na Uninas-
sau mais por insistência da
família e falta de alternativa
até então do que por vonta-
de ou vocação. Ao concluir
o curso, não conseguiu
se inserir no mercado de
trabalho de sua área de
estudo e, como alternativa,
passou a fazer pequenos
“bicos”, define ele. “Sempre
gostei muito de cozinhar,
então inicialmente fui ajudar
alguns conhecidos, traba-
lhei como garçom e barista
para ganhar uns trocados,
viajei para a Europa e
voltei com uma ideia: abrir
um foodtruck de comidas
turco-árabes”, conta ele,
que desde 2014 mantém
em local fixo, na Rua Santo
Elias, Espinheiro, Zona Nor-
te do Recife, o Kebabeer –
uma bem-sucedida junção
de delícias meio orientais,
meio ocidentais (versões
de pratos como kebab e
falafel) e uma carta variada
de cervejas artesanais.
Formalização
As histórias de Carol,
Camila e Eduardo se encai-
xam com alguns números
obtidos na última pesquisa
realizada pela Junta Co-
mercial de Pernambuco
(Jucepe). Segundo o órgão,
no ano de 2015, em torno
de dois terços dos negócios
abertos no estado se deram
através da participação de
Microempresários Indivi-
duais (MEIs). Os levanta-
mentos anuais do órgão
têm indicado um aumento
recorrente deste tipo de
empresa, idealizada por
lei federal de 2009, com o
intuito de estimular a for-
malização de trabalhadores
que já eram autônomos,
mas não possuíam amparo
legal bem definido, e esti-
mular a abertura do próprio
negócio.
No país, a força do micro-
empreendedorismo jovem
é evidenciada por meio de
números como os forne-
cidos pela Confederação
Nacional do Jovem Empre-
sário (Conaje). No relatório
referente ao ano passado
e ao primeiro semestre de
2016 foi traçado o perfil
desses indivíduos. Desen-
volvida nos 26 estados do
Brasil e o Distrito Federal,
a pesquisa ouviu mais de
5 mil pessoas, com idade
entre 18 e 39 anos. Dos
entrevistados, 35% tinha
idade entre 26 e 30 anos;
86% não se preparou ante-
riormente para empreender;
51% é microempreendedor
individual; e 42% possui en-
sino superior, sem necessa-
riamente estar relacionado
à área de negócio.
“Me informei muito pela
internet e concluí, antes do
primeiro ano da Vitalina,
que eu deveria virar MEI.
Segundo o Jucepe, no ano de 2015, cerca de dois terços
dos negócios abertos em Pernambuco se deram através da
participação de Microempresários Individuais (MEIs)
Microempreendedorismo jovem
cresce no estado
POR MARINA MOURA
7. 7
Alarido | Novembro 2016
Acho que o que me atraiu
inicialmente foi o baixo
custo de manutenção e a
garantia de direitos que
nossos pais sempre enu-
meram ao argumentarem a
favor de um emprego com
carteira assinada”, aponta
Carol Dreyer. No caso de
Camila e Eduardo, embora
a iniciativa de se cadastrar
enquanto MEI também
tenha vindo de leituras na
rede, o objetivo principal
era profissionalizar ainda
mais suas atividades. “No
meu caso, comecei a ser
questionada por alguns
clientes, na medida em que
os serviços passaram a
aumentar e a se repetirem
mensalmente, pelas notas
fiscais, e aí senti que eu
tinha que formalizar essa
parte”, aponta Camila. Edu-
ardo passou pela mesma
situação quando passou a
fazer encomendas sistemá-
ticas com fornecedores de
alimentos e bebidas, então
achou que o caminho apon-
tava para o microempreen-
dedorismo.
Para se formalizar como
MEI, basta se cadastrar no
Portal do Empreendedor
(www.portaldoempreen-
dedor.gov.br) e escolher
uma entre as cerca de
500 opções de atividades
previstas. Além de não
trabalhar por conta própria
e não fazer parte de nenhu-
ma sociedade, o microem-
preendedor precisar ter um
lucro anual de até R$ 60
mil, ou R$ 5 mil mensais.
Ao contribuir com parcelas
fixas mensais – entre R$ 45
e R$ 50 –, e sem o paga-
mento de quaisquer outros
impostos, o MEI garante o
seu registro no Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídi-
ca (CNPJ). Tal cadastro é
importante porque facilita a
abertura de conta bancária,
empréstimos e emissão
de nota fiscal por serviço
prestado. Já a contribuição
monetária feita pelo MEI
diz respeito aos benefícios
equivalentes aos da Previ-
dência Social, licença-ma-
ternidade e auxílio-doença.
Especialização
É verdade que os fatores
sorte e oportunidade, algo
como antever uma situação
por estar no momento e na
hora certa, são ingredientes
que, em menor ou maior
grau, fizeram e fazem parte
da trajetória de pequenos
empreendedores. Mas,
assim como o aumento
da abertura de MEIs é
grande, o alto número de
fechamento de pequenas
empresas ainda assusta.
É o que aponta a pesquisa
da Conaje, segundo a qual
39% dos empreendimen-
tos fracassam em até dois
anos após sua inaugura-
ção. O caminho, garante a
consultora do Serviço de
Apoio às Micro e Pequenas
Empresas de Pernambuco
(Sebrae-PE), Aurinete Leite,
“é se especializar cada vez
mais na sua área de atua-
ção, fazer cursos, antenar-
-se com o mercado”.
Um dos pontos de apoio
dos três jovens é se dá nas
redes sociais. “Faço ques-
tão de olhar diariamente as
avaliações dos frequenta-
dores do Kebabeer,
respondê-los um a um e
acompanhar de perto as
insatisfações deles”, pon-
tua Eduardo. Atualmente,
ele tem tem feito um cur-
so de curta duração em
mídias sociais, além de
fazer pequenos cursos de
culinária árabe, de modo a
inovar sempre que possível
o cardápio. Camila Gusmão
acaba de voltar de curta
temporada em São Paulo,
onde estudou Marketing
por três meses. “Voltei com
outro olhar e já quero ir
modificando certas práticas
que, agora percebo, esta-
vam meio ultrapassadas na
Caleidoscópio”, avalia. E
Carol Dreyer tem se voltado
cada vez mais para
os artesãos caruaruenses
com quem lida quase que
semanalmente para com-
prar os calçados. “Estou
começando ter com eles
uma parceria criativa mes-
mo. Discutimos o modelo,
o material, a cor das peças.
Estou mais segura para dar
esses pitacos porque tenho
estudado Design de Moda
e observado também os
pedidos das clientes.”
“é se especializar
cada vez mais na sua
área de atuação, fazer
cursos, antenar-se
com o mercado”
Os três já estão naque-
la fase de expansão dos
negócios, que demanda
mão de obra de trabalho,
aumento de gastos e, até,
quem sabe, a médio prazo,
a modificação do status
de MEI para outras mo-
dalidades empresariais.
“Estou abrindo a loja física
e preciso de duas funcio-
nárias. Fui no Sebrae para
ver os requisitos e ver como
fazemos, mas o fato é que,
se ser MEI não dá conta do
negócio, foi essencial para
esse meu amadurecimen-
to enquanto empresária”,
comemora Carol.
A celebração da raíz nordestina e valorização da produção local
fazem parte da identidade da Vitalina
Foto|Divulgação
8. 8
Alarido | Novembro 2016
O
termo emprega-
bilidade foi criado
no início de 1990
e denomina a capacidade
de uma pessoa se manter
incluído e, quando preciso,
se recolocar no mercado
de trabalho. Essa expres-
são marca a obrigação do
indivíduo em ter caracterís-
ticas peculiares e suficien-
temente capazes de fazê-lo
empregável e melhor do
que os demais que também
disputam e lutam por um
emprego. Ou seja, em um
mundo com escassez de
oportunidades tem-se a
responsabilidade de de-
senvolver habilidades para
sobrevivência.
“A positividade dessa
época tem, no meu
modo de ver, um
desdobramento nessa
crise tão particular do
Brasil”
“A partir da década de
1990, tornam-se ainda
maiores a expectativa e a
ênfase, da parte do em-
presariado, em encontrar
profissionais habilitados,
instruídos e proativos.
Tudo isso, para que eles, os
servidores, se ajustem às
modificações e evoluções
do setor produtivo e de ser-
viço. O que acaba, de certa
forma, retirando do capital
e do Estado a responsa-
bilidade pela implementa-
ção de medidas capazes
de garantir um mínimo de
condições de sobrevivência
para a população. Tem-se a
necessidade de ser poli-
valente. Não basta ter um
único foco. A multifunciona-
lidade é eminente. Sendo
assim, o empregado ou
desempregado é o único e
suficiente responsável pelo
seu estado atual e a culpa
da crise do emprego não é
da incompetência do setor
produtivo em manter ou
incorporar, no seu núcleo,
o mesmo número de traba-
lhadores, antes, o culpa-
do por não ter espaço no
mercado é o cidadão que
não fez uma ou mais espe-
cializações para permane-
cer na empresa”, explica o
professor, doutor em Edu-
cação pela Universidade
Federal Fluminense (UFF)
e professor do Programa
de Pós-Graduação em
Educação da Universidade
Federal de Pernambuco
(UFPE), Ramon Oliveira.
Para ele, a empregabilidade
se manifesta, assim, como
um argumento de que o
desemprego em massa é
proveniente da má quali-
ficação dos trabalhadores
por eles não atenderem às
“exigências” do mercado de
trabalho.
Ainda segundo o profes-
sor Ramon, o atual conceito
de desenvolvimento do
capitalismo traz consigo a
estrutura de eliminação dos
postos de trabalho. Isso
explica a necessidade de
uma pessoa realizar vá-
rias tarefas e até mesmo ir
além do que sua função ou
profissão alcança, em uma
concepção de aumento de
produtividade e de maiores
responsabilidades a serem
cumpridas pelos emprega-
dos. “Levando-se em conta
o destacado pelo econo-
mista Marcio Pochmann, no
momento em que uma pes-
soa faz o trabalho de três,
quatro ou mais trabalhado-
res, há uma diminuição da
utilização da mão de obra.
As empresas desfrutam de
maiores condições para
explorar os trabalhadores,
impor-lhes maiores núme-
ros de ocupações, quando
o salário dos ocupados nem
sequer acompanha essa
‘evolução’, esse ritmo”,
conclui o educador. Portan-
to, se há vantagem clara
apenas para o empregador
e não para o contratado,
esse discurso de evolução
denota-se vazio de coe-
rência e de sustentação
lógica que busca, apenas,
voltar a responsabilidade do
desemprego ao desempre-
gado.
Bem, sobre a crise do
mercado e da economia,
não há dúvidas. Temos en-
tão de nos adaptar e acirrar
constantemente nossos
conhecimentos, habilida-
des e atitudes para superar
esses abalos, os constan-
tes desvios de dinheiro
público para empresas, o
não investimento na saúde,
educação e segurança,
temos que superar. Temos
que nos esforçar para ter
dinheiro e, assim, garantir
nossa saúde, a educação
da nossa família e morar
em um bairro melhor e mais
seguro. Isso só depende de
nós mesmos. Possuímos o
dever de sermos positivos,
estudar bastante e erguer
a cabeça, apesar de tudo
de errado que aconte-
ce.
“Não basta ter
um único foco. A
multifuncionalidade
é eminente. Sendo
assim, o empregado
ou desempregado é
o único e suficiente
responsável pelo seu
estado atual”
Futuramente, trabalhando
vinte e quatro horas por dia
e todos os dias da sema-
na e por quatro pessoas,
vamos ser felizes ou então
melhores de vida. Dormir é
para os fracos. Deus aju-
da quem cedo madruga.
Temos de nos conhecer
e saber os nossos limites
para superá-los. Temos que
evoluir e seguir rumo ao
futuro. Yes, we can! Esse,
geralmente é o discurso
motivacional disponibilizado
para nos consolar e ame-
nizar a dor de não conse-
guir espaço. Mas... se as
obrigações aumentam e o
salário continua o mesmo,
como vou evoluir? E se
todo o mundo se preparar
como eu me preparo, todo
mundo vai ter espaço?
Mas... se é limite, como se
pode superar? Não precisa-
mos de limites?
Vivemos em uma socie-
dade positivista. Nada é
impossível. Ser negativo é
ser pessimista e ser pessi-
mista é próprio dos derrota-
dos, os que não encontram
saída e colocam a culpa na
sociedade e no capitalismo.
Esses são os que não têm
criatividade, portanto são
pobres e vão permanecer
‘no fundo do poço’. Não
sabemos lidar mais com o
não. Não é à toa que a de-
pressão é o mal do século.
Em seu texto Exaustos-
-e-correndo-e-dopados, a
escritora e repórter Eliane
Brum enfatiza e alerta so-
bre esse mito fundador que
tenta amenizar os danos
causados pelas exigências
intelectuais e de habilida-
des. “Chegamos a isso: a
exploração mesmo sem
patrão, já que o introjeta-
mos. Quem é o pior senhor
se não aquele que mora
dentro de nós? Em nome
Podemos?
A conflituosa relação entre carreira-vida pessoal no tempo da
pressa capitalista, onde é quase impossível acompanhar o
tic-tac do relógio
POR EDUARDO SANTOS
9. 9
Alarido | Novembro 2016
de palavras falsamente
emancipatórias, como
empreendedorismo, ou
de eufemismos perversos
como ‘flexibilização’, cres-
ce o número de ‘autôno-
mos’, os tais PJs (Pessoas
Jurídicas), livres apenas
para se matar de trabalhar.
Os autônomos são autô-
matos, programados para
chicotear a si mesmos. E
mesmo os empregados se
“autonomizam” porque a
jornada de trabalho já não
acaba. Todos trabalhado-
res culpados porque não
conseguem produzir ainda
mais, numa autoimagem
partida, na qual supõem
que seu desempenho só é
limitado porque o corpo é
um inconveniente”, sustenta
a jornalista.
E continua: “A positivida-
de dessa época tem, no
meu modo de ver, um des-
dobramento nessa crise tão
particular do Brasil. Temos
sido instados a ser “otimis-
tas” ou a escolher este ou
aquele lado “para recuperar
o otimismo”. Como se a
questão se desse em torno
do otimismo/pessimismo,
ou como se o otimismo
fosse uma qualidade moral.
Essa positividade também
me parece aqui ganhar uma
relação com a espe-rança,
como já escrevi neste espa-
ço. Como se o esperançoso
tivesse uma qualidade mo-
ral a mais, o que o colocaria
um ou vários patamares
acima de todos os outros.
E como se esse momen-
to fosse uma questão de
esperança ou de resgate da
esperança, para além das
manipulações marqueteiras
mais óbvias. Pouco importa
o otimismo/pessimismo,
pouco importa a esperan-
ça. O buraco é muito mais
fundo”.
“Trabalhadores
culpados porque não
conseguem produzir
ainda mais, numa
autoimagem partida,
na qual supõem que
seu desempenho só
é limitado porque
o corpo é um
inconveniente”
As habilidades e a sen-
sação de movimento po-
dem ser um retrocesso. A
que rumo seguimos? Em
que direção caminhamos?
Ao caos? O foco tem que
mudar. Ele precisa de um
direcionamento mais viável,
humano e menos narcisista
e individua-lista. Pensamos
na nossa evolução material
a ponto de nos abster da
família, dos afetos, do olhar
para o outro e enxergar a
possibilidade de ajudar.
Criamos máquinas capazes
de substituir e desempregar
centenas de trabalhadores.
Como exemplo, temos os
canavieiros que estão rapi-
damente sendo substituídos
por Máquinas de Cortar
Cana. Cada uma desem-
prega 150 trabalhadores
rurais que precisam susten-
tar suas famílias. Mas, pela
visão do capital, é apenas
mais uma “grande ideia”
de uma pessoa com um
grande nível de empregabi-
lidade que reduz os custos
e acelera a produção. De
tanto evoluir, estamos
regredindo.
Ilustração|JohnHolcroft
A correria diária e a constante combrança por multifuncionalidade tem assombrado a já cansativa rotina do
trabalhador
10. 10
Alarido | Novembro 2016
A
agricultura familiar
é uma das prin-
cipais atividades
geradoras de novas fontes
de trabalho no Brasil e a
grande responsável pela
comida que chega todos os
dias à mesa dos brasileiros.
Segundo o Censo Agrope-
cuário, cerca de 70% dos
alimentos da cadeia produ-
tiva que abastece o merca-
do do país é proveniente
do trabalho do pequeno
agricultor, o que destaca a
importância desse segmen-
to na geração de trabalho e
renda, além de possibilitar
desenvolvimento e expan-
são da agricultura orgânica.
O crescimento do de-
bate sobre alimentação
saudável, aliado à pauta
de preservação do meio
ambiente, faz com que a
agricultura familiar ganhe
um novo caminho a seguir
e, consequentemente, uma
nova área de interesse
e investimento baseada
na produção de produtos
orgânicos. O setor está em
expansão de, em média,
35% ao ano desde 2011,
favorecido pela sanção da
Lei dos Orgânicos.
A expectativa do Ministé-
rio da Agricultura é que até
o final deste ano a produ-
ção do setor de orgânicos
cresça em torno de 20% a
30% e movimente cerca de
R$ 2,5 bilhões, impulsio-
nando o mercado e abrindo
oportunidades de cresci-
mento, inovação e fortale-
cimento da agroindústria
familiar, do cooperativismo,
da produção agroecológi-
ca e diminuição do êxodo
rural.
Os produtores desafiam
uma realidade preocupante:
o agronegócio brasileiro
é o maior consumidor de
agrotóxicos do mundo. De
acordo com estimativa do
Instituto Nacional do Cân-
cer (Inca), o brasileiro inge-
re, em média, cinco litros
de agrotóxicos por ano ao
consumir alimentos produ-
zidos de forma tradicional.
Um levantamento feito pela
Agência Nacional de Vigi-
lância Sanitária (Anvisa)
mostrou que mais da meta-
de dos agrotóxicos usados
no Brasil são banidos em
países da União Europeia e
nos Estados Unidos.
Atualmente, grandes em-
presas dominam o mercado
no Brasil: Syngenta, Basf,
Dow AgroSciences e Bayer
e Monsanto, que recente-
mente anunciaram fusão.
As empresas são também
as maiores proprietárias
de patentes de sementes
transgênicas autorizadas do
país. A modificação torna
as plantas de soja, milho
e algodão resistentes aos
agrotóxicos, exigindo apli-
cações de doses maiores
de veneno para controlar
insetos e doenças.
Apesar dos inimigos
gigantescos, os dados
reforçam a importância
da conscientização e do
investimento na agricultura
familiar, e fazem com que
os produtores e consumi-
dores de orgânicos, apesar
das dificuldades, continuem
firmes na busca por um cul-
tivo sustentável e alimenta-
ção livre dos agrotóxicos.
“Para mim o
importante é se
alimentar bem. É uma
grande satisfação
levar saúde para as
pessoas”
José Augusto Vieira, 64
anos, agricultor do muníci-
pio de Glória de Goitá, zona
da Mata de Pernambuco,
produz frutas e verduras
orgânicas há 12 anos.
Apaixonado pela agricultura
desde muito jovem, Seu
Augusto, como costuma ser
chamado pelos clientes,
enxergou nos orgânicos
uma forma de fazer agricul-
tura totalmente inovadora
e diferente da qual estava
acostumado. “Conheci os
orgânicos através da minha
filha, que frequenta o Serta
e começou a reparar na for-
ma diferente de plantar que
acabava de surgir. Antes eu
plantava com muito adubo
e fazia queimadas”, conta.
O Serviço de Tecnologia
Alternativa (Serta) forma
jovens, educadores e pro-
dutores familiares da zona
da mata de Pernambuco,
para atuarem na promoção
do desenvolvimento sus-
tentável do campo, através
da promoção de projetos
de educação e de inovação
tecnológica.
Apesar do crescimento do
consumo de orgânicos, da
presença de projetos como
o Serta e da formação de
cooperativas, os produto-
res têm muitos desafios na
área. Uma das principais
barreiras é a comercializa-
ção. Atualmente, a grande
maioria dos agricultores
são responsáveis pela
produção, as empresas são
POR TAMYRIS PACAS
Agricultura familiar orgânica: uma
alternativa de renda
Segundo o Censo Agropecuário, cerca de 70% dos alimentos da
cadeia produtiva que abastece o mercado do país é proveniente do
trabalho do pequeno agricultor
Ilustração|JohnHolcroft
O setor está em expansão de, em
média, 35% ao ano desde 2011
11. 11
Alarido | Novembro 2016
responsáveis pela indus-
trialização e as redes de
supermercados pelo comér-
cio desses produtos, o que
acaba gerando aumento
nos preços.
A grande questão é como
aumentar a comercialização
direta, ou seja, do agricultor
diretamente para o consu-
midor. “As pessoas muitas
vezes acham o produto
caro. Realmente, o preço
do orgânico em shoppings
e em lojas é muito caro.
Mas meu trabalho não
conta com atravessador,
aqui é diretamente da horta,
diretamente do produtor”,
defende Seu Augusto.
Outra barreira é disponi-
bilização das verbas envia-
das pelo Governo Federal
através do Plano Safra. O
planejamento 2016/2017
prevê, por meio do Pronaf
(Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricul-
tura Familiar), créditos de
até R$ 250 mil para custeio
e de até R$ 330 mil para
investimento no segmento
e propõe maior apoio às
cooperativas. Apesar da
implementação dessas
políticas públicas, parece
haver obstáculos no percur-
so que faz a verba chegar
ao pequeno agricultor. “Não
recebo nenhum incentivo
do governo”, relata o traba-
lhador rural.
Seu Augusto se carac-
teriza hoje como agri-
cultor independente. Ele
é responsável por todo
processo de produção e
pela comercialização de
seus produtos. Dono de
duas propriedades, ven-
de produtos em diversos
pontos no Recife, dentre
eles a Ceasa, o Parque de
Exposições do Cordeiro e
em órgãos públicos como
o TRE e o Banco Central
Recife, onde fornece para
os servidores e conquistou
uma clientela fiel. “Você
sabia que o pimentão é um
grande vilão? Ele retém o
agrotóxico. Se você usar
um produto tóxico no seu
cabelo, além de afetar o
fio, ele afeta também seu
couro cabeludo, concorda?
A mesma coisa acontece na
nossa alimentação”, explica
a uma cliente.
Em harmonia ao trabalho
dos agricultores indepen-
dentes como Seu Augusto,
uma parceria inovadora
ganha força no campo
e impulsiona o pequeno
agricultor do segmento de
orgânicos. A Comunidade
que Sustenta a Agricultura
ou CSA é um modelo de
agricultura solidária e de
desenvolvimento da econo-
mia associativa em que o
agricultor deixa de vender
seus produtos através de
intermediários e conta com
a participação de consumi-
dores para a organização
e o financiamento de sua
produção.
Os produtores plantam os
alimentos e se responsa-
bilizam por toda a parte de
produção. Já os consumi-
dores se comprometem, por
um ano, a cobrir o orçamen-
to consumindo os produtos.
Assim, o produtor pode se
dedicar a seu trabalho sem
se sentir pressionado pelas
oscilações de mercado,
pois ele tem a garantia da
venda da mercadoria. Por
sua vez, os consumidores
recebem alimentos de alta
qualidade, sabendo quem
os produz e onde estão
sendo produzidos. A ativi-
dade colabora, ainda, para
o desenvolvimento susten-
tável da região e estimula o
comércio justo.
O conceito de CSA surgiu
nos anos 80 e foi implan-
tado no Brasil em 2011
pelo alemão Hermann
Pohlmann. Atualmente, o
projeto está presente em
São Paulo, Rio de Janei-
ro, Minas Gerais, Paraná,
Rio Grande do Sul, Distrito
Federal e em Pernambu-
co. No Recife, o projeto é
desenvolvido desde junho
de 2015 e conta com parti-
cipação de agricultores da
cidade de Chã Grande, na
zona da Mata do estado e
de cerca de 40 famílias do
Grande Recife, chamadas
de coprodutoras.As CSAs
costumam funcionar assim:
Todas as quartas-feiras
as famílias de agricultores
divulgam, em um grupo
fechado, uma lista com
aproximadamente 25 itens
disponíveis na horta. Os
consumidores têm até a
quinta-feira para respon-
der. Na sexta-feira, os itens
escolhidos são embalados
e seguem para entrega em
Recife. No sábado, das 7h
às 9h, os consumidores po-
dem buscar seus produtos
no depósito, que fica loca-
lizado na Rua das Graças,
178, Zona Norte.
O pacote mínimo é de oito
itens e custa mensalmen-
te R$ 130,00. É possível
aderir a feiras de 12 itens
por R$ 203,00 e 16 itens
por R$ 260,00. Os alimen-
tos produzidos vão desde
alface, cebolinha, coentro
até manga e milho-verde,
sempre respeitando a “épo-
ca” de cada produto.
Todos os sábados, Mar-
cus Vinicius de Oliveira, 35
anos, servidor público, rece-
be uma cesta com legumes,
verduras e frutas produzi-
das por esses agricultores.
Marcus integra uma CSA
desde o ano passado e de-
cidiu participar por conta da
certificação da origem dos
itens e da relação de troca
que existe entre o agricultor
e o consumidor. “Hoje, sei
a origem do que vou con-
sumir. Antes de ingressar
na comunidade, já tinha a
preocupação de comprar
itens orgânicos, mas a CSA
intensifica o diálogo com o
produtor, pois nós fazemos
visitas aos locais de produ-
ção a cada dois meses para
acompanhar e participar da
produção desses alimen-
tos”, explica.
As atividades da organi-
zação ultrapassam o âmbito
da produção de frutas e
verduras. A ONG oferece
cursos de formação para os
produtores e consumidores,
palestras, conferências,
encontros e debates, a fim
de conscientizar e formar
atuantes no desenvolvimen-
to do meio rural.
Além da CSA, o Recife
conta atualmente com treze
feiras e pontos agroecológi-
cos espalhados pela cida-
de, cadastrados e fiscaliza-
dos pela prefeitura e que
comtemplam o pequeno
agricultor.
A busca pela sustenta-
bilidade na agricultura de
pequeno porte é desafia-
dora. Porém, a expressiva
participação do segmento
na engrenagem econômi-
ca no país e a sucessiva
busca de espaço no comér-
cio de produtos orgânicos
demonstra, apesar dos
obstáculos, um mercado
com perspectivas positivas
e futuro promissor. “Para
mim o importante é se ali-
mentar bem. É uma grande
satisfação levar saúde para
as pessoas”, conclui Seu
Augusto.
Ilustração|JohnHolcroft