O autor argumenta que a abordagem do Ministério da Educação e escolas à indisciplina é reativa em vez de pró-ativa, carecendo de um diagnóstico completo do problema através de dados. Ele também aponta que os professores recebem pouca formação para lidar com questões disciplinares, e que é necessário um esforço conjunto da comunidade educativa para desenvolver estratégias eficazes.
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Disciplina escolar requer diagnóstico e estratégia
1. Somos amadores no que à indisciplina
diz respeito…
26 Abr, 2016 in Escola tagged Artigo Semanal / Disciplina by Alexandre Henriques
Se no vosso
quotidiano, quando deparados com um problema contínuo e transversal que boicotasse a
vossa tarefa, ficariam de braços cruzados sem querer saber a sua natureza e extensão?
Ou fariam algo para o resolver? Não faz sentido que pessoas com formação superior
continuem a olhar para o problema da indisciplina através de binóculos, não
querendo sujar as mãos com medo de levantar poeira que possa criar uma alergia
tal que implique internamento, leia-se, crise política por controvérsia ideológica.
Mas se o atual Ministro tiver a coragem necessária, talvez possamos mudar algum do
amadorismo que está entranhado na comunidade educativa.
Diz o senso comum que devemos começar pelo princípio e o princípio é naturalmente o
diagnóstico. Só depois surge uma análise às causas, seguida da implementação de uma
estratégia para o resolver. Fácil! Teoricamente…
Nas questões disciplinares o Ministério da Educação, e já agora, é preciso dizê-lo,
muitas escolas também, não procedem dessa forma. A abordagem é muito mais reativa
do que pró-ativa.
O estudo que fiz para o ComRegras, mostrou que existem elevados índices de
indisciplina – e estamos a falar de escolas que até estão organizadas e conhecem a
dimensão do problema -, foram mais de 9000 participações disciplinares (expulsão do
aluno da aula) em apenas 4,4% dos Agrupamentos/Escolas é muito, mesmo mesmo…
Como todos constatámos esta é apenas a ponta do icebergue e o estudo apresentado teve
o intuito de pela primeira vez, conhecer um pouco da realidade escolar ao nível da
indisciplina. Mas muito mais é preciso fazer, desde: conhecer a dimensão nacional
da indisciplina por tipologia, idade e género; verificar se a retenção faz aumentar
2. os índices de indisciplina e vice-versa; comparar os fatores geográficos e níveis
socioeconómicos com os índices de indisciplina; saber se a formação académica dos
pais afeta a indisciplina dos alunos; conhecer as dinâmicas de sala de aula que
potenciam situações de indisciplina; etc…
Muitos de vós ao lerem estas palavras até podem opinar sobre o assunto, mas se
queremos ter a certeza do que estamos a falar precisamos de factos, e isso não temos…
Está na altura do Ministério da Educação e as suas Escolas, profissionalizarem a
abordagem à indisciplina escolar. E não se trata de algo extremamente complexo, com
“n” estudos e não sei quantos decretos, basta organização e vontade política. A tutela já
possui um programa de recolha de dados das escolas intitulado MISI, que pode
desempenhar essa função facilmente. Basta incluir algumas parcelas sobre o
assunto e temos o diagnóstico feito.
Não estou com isto a dizer que existe desleixo ou que quem está nas escolas não é
profissional, nada disso, trata-se de uma questão cultural e a indisciplina ainda é
vista como um tema menor, tabu talvez… muitos continuam a associar a sua
existência ao seu próprio falhanço, pessoal e profissional.
Está na altura de olharmos o problema de frente e em conjunto – comunidade educativa
– desenvolvermos as estratégias adequadas, alterando não só o óbvio, como a dimensão
das turmas e a elevada carga letiva, como também trabalhar os atores que estão na
primeira linha, pais e professores.
Sobre os pais a situação é complexa, trata-se de algo que se passa dentro de portas e que
é geracional, onde a liberdade conquistada foi mal digerida e foi confundida com
libertinagem. O inquérito que hoje lanço tem como objetivo desvendar um pouco dessa
realidade.
Sobre os professores, a música é outra… e sendo eu professor não acho aceitável ter
recebido uma formação de 5 anos sem uma única cadeira que me preparasse para a
realidade que ia encontrar enquanto professor/educador, ou que em 15 anos de docência
não tenha usufruído de formação específica, preferencialmente prática. Aos professores
não se podem atirar responsabilidades, não cabe a estes decidir a sua formação,
mas cabe a eles exigi-la, assumindo uma necessidade com humildade e realismo.
Recentemente fiz duas sondagens sobre esta matéria e dos 1235 votantes, quase 80%
indicou que não tem formação específica e cerca de 60% há pelo menos 5 anos que não
frequenta uma formação sobre gestão/medicação de conflitos. O senso comum que os
professores têm e a experiência adquirida permite-lhes lidar com as dificuldades que
vão surgindo, mas a receita é sempre a mesma pois não lhes foi fornecida outra. Muitos
até podem dizer que não precisam de formação, mas os factos são os factos e os factos
provam o contrário.
Porquê este artigo agora? Porque o assunto está a morrer e já passaram quase 2 meses
desde o estudo que publiquei e não vejo alterações no discurso e nas medidas a
implementar. E para quem gosta tanto de apresentar medidas para 2018, também
podiam dizer algo mais do que palavras de circunstância…