1. 6 Sábado, 18 de fevereiro de 2012
O GLOBO
TEMA EM DISCUSSÃO: Choque de ordem no carnaval
NOSSA OPINIÃO OUTRA OPINIÃO
Organização necessária Salvem o folião
O
renascimento do carnaval de rua tes. Nada a ver com colocar amarras na fo- LUIZ ANTONIO SIMAS envolve o risco de matar o folião espontâ-
no Rio é fenômeno saudável por lia, ou burocratizar os desfiles das agremia- neo, comandante de uma armada de piratas,
S
recuperar para a cultura carioca ções. Animação não rima com desrespeito e algum dia alguém resolvesse escre- colombinas, índios, faraós e árabes que vão
uma manifestação popular que, a direitos alheios. Por exemplo, são inacei- ver uma versão brasileira do Dom se juntando sem trajeto definido, horário de
no final do século passado, parecia conde- táveis, por mais que o carnaval do Rio seja Quixote, não tenho dúvidas de que o partida ou de chegada.
nada ao desaparecimento. Blocos, bandas conhecido em todo o mundo pela liberdade cavaleiro da triste figura deveria ser Durante a Primeira República, o governo
e cordões praticamente renascidos, alguns quase total de que desfrutam os foliões, ma- representado pelo folião do Bloco do Eu So- resolveu alterar a data do carnaval de 1912,
rejuvenescidos, como o Bola Preta, outros nifestações de incivilidade como urinar nas zinho. É isso mesmo: o Quixote brasileiro é em virtude do falecimento do Barão do Rio
criados no embalo da cada vez mais cres- ruas. Também não se pode prescindir de aquele sujeito que vestiu a fantasia e saiu Branco. Quando correu a notícia de que o ve-
cente demanda de foliões, voltaram a esta- um bem montado esquema de planejamen- às ruas no carnaval rigorosamente solitá- lho tinha batido a caçoleta, foi determinado
belecer um democrático balanço na folia: o to dos desfiles, de transferência de locais rio ou, no máximo, na companhia de desa- que a festa de Momo se realizasse apenas no
Sambódromo para as escolas, com seu es- de concentração de agremiações de menor jeitados escudeiros catados à sorrelfa em sábado de Aleluia. Resultado: os anônimos
paço limitado por necessárias imposições tradição, principalmente na Zona Sul, área alguma esquina. foliões foram saindo às ruas de mansinho e,
de uma estrutura que movimenta milhões já saturada, e mesmo de contenção do nú- Esse folião está em vias de se extinguir, en- quando se percebeu, o fuzuê estava formado
em investimentos, públicos e privados, do mero de licenças concedidas para novos golido pelas multidões coreografadas, sub- antes mesmo que o cadáver do Barão esfrias-
que resulta uma festa extasiante, celebrada grupos carnavalescos, o que vem sendo fei- merso em materiais de propaganda de em- se na sepultura. O povão batia bumbos e can-
como uma das maiores e mais to pela prefeitura. presas que patrocinam a folia e tava uma quadrinha que se es-
belas do mundo; as ruas, para a São providências que em atropelado por caminhões de palhou pela cidade: “Com a
diversão pura, o improviso das nada prejudicam a qualidade som com amplificadores poten- morte do Barão/ Teremos dois
fantasias, o descompromisso O poder público e a animação dos desfiles, tes. Não bastasse isso, se o soli- O risco é algum carnavá/Ai que bom, ai que
de brincar livre de convenções. muito menos que possam po- tário folião consegue um espaço gostoso/ Se morresse o mare-
Esse renascer, no entanto, im- tem o dever de dar o espírito democrático do para erguer o seu estandarte e fiscal da chá.” O marechal em questão
plica uma preocupação que se carnaval de rua. Ao contrário, sair cantando a “Jardineira”, é era simplesmente o presidente
projeta para o futuro do carna- intervir para são medidas que visam a evi- capaz de ser abordado por um prefeitura pedir Hermes da Fonseca. Não co-
val de rua: o que fazer para evi- tar que, a médio e longo pra- fiscal da prefeitura em busca do nheço momento mais emble-
tar que os blocos sejam vítimas controlar o zos, os blocos cheguem a um alvará que lhe conceda a licença alvará para mático na história do carnaval
do próprio sucesso? A questão estágio de crescimento que para cair na gandaia. carioca.
pode ser dimensionada em esta- gigantismo os inviabilize. Sempre fui defensor de uma a gandaia O verdadeiro folião — espre-
tísticas. Ano passado, o número Ações implementadas pela ideia que não tem lá muitos mido entre a cruz (a multidão or-
de foliões que brincaram ao em- prefeitura nos últimos anos adeptos: os maiores foliões são ganizada) e a espada (o alvará
balo das agremiações do Rio confirmam que a organização, os tristes. O tríduo não foi feito que não possui) — sabe que a
cresceu em torno de 20% em relação a 2010, diferentemente de engessar os blocos, con- para os festeiros escancarados, os baianos experiência carnavalesca é uma pequena mor-
ano em que, por sua vez, já havia mais gente tribui para que sua pujança não vire um tiro de ocasião, as polianas desvairadas do so- te. Durante os dias de Momo, a máscara preva-
brincando nos blocos do que o total registra- no pé. Ano passado, o aumento do número nho bom, os colecionadores de abadás. O lece e todas as inversões sociais são urgentes e
do em 2009. É uma progressão até agora sem de banheiros químicos, se não acabou com o legítimo folião não programa o carnaval; sa- necessárias.
limite (este ano, também cresceu o contin- problema da falta de educação de foliões que be apenas que vai para a rua imolar-se nos O esquecimento é a essência da folia. A
gente das agremiações em relação a 2011). urinam em público, ajudou a reduzir sensi- blocos e cordões e morrer até a Quarta-Fei- espontaneidade é o seu mote. É direito
Saudável, animadora, positiva, mas que re- velmente tais demonstrações de falta de edu- ra de Cinzas, quando ressuscitará como bu- de todo carnavalesco zombar pacifica-
clama ações do poder público para o gigan- cação. O planejamento da agenda de desfiles rocrata, marido, esposa, professor ou escri- mente dos barões e marechais da vez — e
tismo não sair do controle. com um ano de antecedência também é ou- turário, para o longo e medíocre intervalo isso deve lhe ser garantido pelos própri-
Numa cidade em que ainda são grandes tro ponto positivo: nos desfiles da semana cotidiano entre um carnaval e outro. os barões e marechais. Que cada um dos
as demandas urbanísticas, é imprescindí- passada, o primeiro grande teste do carnaval A ideia de se transformar o carnaval de rua consagrados na Ordem de Momo tenha,
vel que o crescimento dos blocos seja de rua deste ano no Rio, os registros de con- em uma eterna micareta no balneário dos pacificamente, a liberdade de se esbal-
acompanhado de intervenções que mante- tratempos ficaram dentro de um limite acei- grandes eventos — e os conseqüentes dile- dar. É possível?
nham o fenômeno dentro de limites que tável. Um início animador da atual tempora- mas que envolvem as relações entre o poder
não prejudiquem a cidade e seus habitan- da carnavalesca. público e as agremiações carnavalescas — LUIZ ANTONIO SIMAS é professor de História.
Um crime de lesa-cidade
Marcelo
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA da aos carnavalescos acreditar em fan-
N
tasias, a eles é dada a pele colorida dos
ão havia, na certa, carnava- arlequins.
lescos entre os que tenta- Políticos de diminuta estatura, que
ram instrumentalizar a gre- pouco se importam com o destino do
ve da polícia do Rio para sa- Rio, apenas com suas próprias medí-
botar o carnaval. Se houvesse saberi- ocres ambições, esquecem que aqui
am que com o carnaval não se brinca. vive um povo que encarna e leva a sé-
Essa instituição milenar que sobre- rio o carnaval. Mesmo se é para tudo
viveu à travessia de oceanos, que, se acabar na quarta-feira, a força do
em nossas plagas, vicejou como em Bola, do Simpatia, do Boitatá e tantos
nenhum outro lugar graças à afortu- outros é maior que a insensatez dos
nada mistura de culturas e cores de que cometeram um verdadeiro crime
peles de que somos feitos, não é, de lesa-cidade.
simplesmente, passível de sabota- No magistral filme de Nelson Perei-
gem. Tampouco havia entre esses ra dos Santos, “A música segundo
pescadores de águas turvas quem Tom Jobim”, o desfile do maestro na
de fato conheça o povo carioca. En- Passarela do Samba, com seu terno
quanto políticos oportunistas ten- branco e chapéu de malandro, como
tavam detonar a festa, sacudindo o um imperador dos trópicos encarapi-
estandarte do caos e manipulando a tado em uma profusão de verde, sin-
dura e, sem dúvida, mal paga vida tetiza a glória que cobriu sua vida. Es-
dos policiais, o Bola Preta, sem me- se gran finale enche de orgulho o es-
do de ser feliz, desfilou na sexta-fei- pectador: orgulho de Tom, de Nel-
ra em que a greve foi decretada, son, do Brasil.
abrindo a folia e apostando na ale- Darcy Ribeiro, ele mesmo um per-
gria contra os maus presságios. sonagem arlequinal, mineiro que di-
Essa respeitável agremiação popu- zia ser o Rio a mais bela província da
lar que há 94 anos mostra um poder Terra, a contragosto dos caciques
convocatório superior ao de qualquer das escolas de samba legou-nos o
político — põe dois milhões de foliões controverso Sambódromo. A passa-
na rua — se alimenta do mistério do rela é hoje um panteão a céu aberto dão de figurantes, onde se misturam essa festa como o rico patrimônio paz e a civilidade são valores que vão
carnaval. Vive da fantasia, não só da- onde se inscrevem nas retinas e me- moradores de todos os bairros, onde a cultural que ela é, luminosa fantasia falar cada vez mais alto. A cultura, en-
quela que veste, branca com bolinhas mórias de milhões de pessoas ima- cidade, por algumas noites, se encon- com que o Rio se veste e se apresenta tendida como os modos de ser e de
pretas, mas da fantasia ancestral que gens e nomes dos que fizeram a histó- tra, se recompõe e acena com a pro- ao mundo. Sabotar o carnaval é, sim, fazer de uma sociedade, irrompe na
renasceu a cada século, habitou tantas ria política ou cultural do país, home- messa do que poderia ser e ainda não um crime de lesa-cidade, no momen- cena política como um fator determi-
épocas e povos e que nos leva, durante nageados e recriados pelo talento é. Mas, como Darcy gostava de dizer; to em que ela, mais do que nunca, nante do futuro do Rio. Quem a des-
alguns dias, a viver outras vidas, o que dos que continuam a escrevê-la. “havemos de amanhecer”. busca afirmar-se e ser respeitada co- preza ignora o que move a cidade e
ajuda a suportar, no resto do ano, a ás- Pouco importa se a evocação de he- Há uma beleza única nas madruga- mo metrópole global. por onde ela se está movendo.
pera vida real. O caos dos blocos tem róis deve menos aos historiadores do das de carnaval, nos arredores da Frente à chantagem, o comando da Não havia no bloco dos desman-
uma natureza que lhe é própria — é o que a Stanislaw Ponte Preta. Ali se en- passarela, onde pássaros de todas as Polícia Militar deu uma prova de fir- cha-prazeres ninguém capaz de avali-
caos do imaginário e nele é banal en- contra de Ana Botafogo à Intrépida plumagens, as asas quebradas pelo meza e sentido de responsabilidade: ar a que ponto o Rio está mudando e
contrar-se um sheik abraçado a uma Trupe puxando uma comissão de fren- cansaço depois de um voo cego so- a ordem seria mantida. Quem saiu às para melhor.
índia de espanador. E segue o cordão te. Ali se exerceu o gênio barroco de bre a Avenida, pousam no asfalto e ruas confiou no que lhe foi prometi-
que vai por aí, colhendo nas calçadas Joãozinho Trinta. Ali se produz o mila- adormecem. Manhã de carnaval. do. Ganhou a cidade. ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.
barbados de meia arrastão. É graça da- gre das escolas de samba e sua multi- Era dever das autoridades proteger A alegria da população, o desejo de E-mail: rosiska.darcy@uol.com.br.
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