1) Duas lojas de vinho, a Scorpio e a Estado Líquido, mudaram sua estratégia para vender diretamente ao consumidor final, além de distribuidores e restaurantes.
2) A Scorpio oferece uma grande seleção de vinhos velhos e raros, enquanto a Estado Líquido tem uma ampla variedade de vinhos de todas as regiões portuguesas e preços acessíveis.
3) Ambas as lojas estão expandindo seus negócios com clubes de vinho, eventos e lojas online.
Revista Showroom: entrevista com Carlos Rodolfo Schneider, vice-presidente da...
Revista vinhos imprensa
1. loja do vinho
Da distribuicão ao
ç
É cada vez mais frequente uma distribuidora
de vinhos alterar a sua filosofia e usar também a
logística e o stock para potenciar as suas vendas,
mas desta vez em direcção ao consumidor final.
Foi o que aconteceu com as duas garrafeiras que
visitámos da zona oeste, Scorpio e Estado Líquido.
texto João Afonso
* fotos Ricardo Palma Veiga
O
É diferente vender a profissionais (especialmente
restaurantes, cafés, bares e discotecas) e ao público
final. Desde logo porque o público paga a pronto, van-
tagem muito considerável nos tempos que correm,
em que a crise generalizada se instala na restauração
e traz consigo incertezas de liquidez que apavoram as
distribuidoras. E depois o distribuidor pode usar uma
boa parte da sua estrutura para amortizar – e não é
pouco – os custos inerentes da venda ao público.
Os dois casos que aqui apresentamos são exactamen-
te o resultado desta mudança: a garrafeira Scorpio e a
Estado Líquido.
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2. consumidor final
Ambas as garrafeiras possuem logo à partida uma vanta- rota. À nossa espera estava Américo Leal, personagem
gem muito simpática face a muitas das tradicionais lojas mais conhecida pela distribuição de vinhos que realiza na
de vinho: um amplo espaço de estacionamento, logo à região (e não só), através da sua distribuidora Scorpio.
porta, muito útil para quem se vai abastecer. Em contra- Com espaço para ‘dar e vender’ (o ‘parque’ possui hecta-
partida, as localizações estão afastadas dos centros urba- res de terra) Américo e a mulher, Helena, decidiram no
nos empresariais e residenciais, obrigando o cliente a ano passado iniciar a sua própria garrafeira. E usou para
deslocar-se de propósito. isso parte do seu maior armazém mas optou por não iso-
lar as duas zonas. O resultado é algo estranho porque a
Os encantos do vinho decoração da loja é moderna (e quanto a nós muito bem
Optamos por começar pelo Norte e dirigimo-nos a São conseguida) mas contrasta com as enormes prateleiras
Jorge, em Porto de Mós (um pouco ao sul de Leiria), no do restante armazém, à vista do cliente. Mas diz Américo
sítio quase exacto onde se celebrou a batalha de Aljubar- que este contraste, apesar de apanhar muita gente de sur-
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3. loja do vinho
presa, tem reunido opiniões positivas. E depois irá colo-
car um gigantesco cortinado (amovível) que acabe por
separar visualmente o armazém da garrafeira. Isto porque
Américo Leal quer começar a dinamizar o espaço recor-
rendo aos seus clientes mais habituais e aos que virão com
a criação de um clube, de nome “Encanto do Vinho-Clu-
be Vintage”. Estes clientes (e sócios) serão os principais
alvos para as provas vínicas e jantares que Américo Leal
quer fazer com grande periodicidade. As noites de fado
serão também um chamariz que se junta à gastronomia e
aos vinhos. Os sócios do clube terão descontos na loja e
ainda poderão participar de visitas a alguns produtores
de vinho.
O espaço é desafogado e vinho, como se imagina, é coisa
que aqui não falta. O portefólio é bastante bom, incluin-
do néctares de praticamente todas as regiões do país, e
como é óbvio não faltam sequer os grandes ícones, cui-
dadosamente guardados em alguns armários com portas
em vidro. Os vinhos estão divididos por regiões, faltando
apenas o Algarve e os Açores. Américo Leal garante que
já estão a dar passos para colmatar esta falha, iniciativa
que será estendida também aos vinhos estrangeiros, ain-
da com fraca participação. Em compensação, os preços Contactos lecção particular, assim como aguardentes raras, muitas
são, no geral, bastante agradáveis. Estado Liquido oriundas de garrafeiras particulares que foi adquirindo
www.estadoliquido.pt ao longo do tempo. “Temos vinhos com mais de um sé-
Vinhos velhos culo de idade”, afirma.
Scorpio –
A Scorpio tem algo que não existe em outras lojas de vi- Mesmo nos destilados existem produtos que dificilmen-
Encantos do Vinho
nho: um bom stock de vinhos mais velhos. De facto, como te encontrará em outros lados: ‘gin’s’ topo de gama, whiskies
www.scorpio.pt
a distribuidora está no mercado há vários anos, possui raros, rums ‘gourmet’, etc. “Gostamos de ter coisas dife-
muitos néctares de colheitas mais antigas. Por exemplo, rentes”, diz Américo com orgulho.
pode aqui adquirir todos os Chryseia saídos até hoje. A Em grande destaque estão algumas marcas distribuídas
colecção de Vinho do Porto é especialmente vasta e Amé- em exclusivo pela Scorpio, como o Invejado, um tinto ex-
rico leal tem grande orgulho nela. Na altura da visita, o clusivo para esta casa feito por Francisco Nunes Garcia,
nosso anfitrião estava exactamente a colocar uma garrafa ou vinhos da Comenda Grande e Reguengo do Sousão, do
de Vinho do Porto Niepoort de 1900: “isso é para vender Alto Alentejo, ou ainda a aguardente 1931, da Caves Neto
?”, indagamos. Américo Leal ficou na dúvida. Ainda não Costa, um produtor de licores e aguardentes (entre outros
decidiu. Mas tem garrafas ainda mais velhas na sua co- produtos) que Américo Leal adquiriu há algum tempo.
Américo Leal
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4. turo próximo. Quanto aos produtos gourmet, só aparecem
em força na altura do Natal mas neste momento são pou-
cas as existências (excepto alguns presuntos e enchidos
de qualidade). O proprietário não enjeita que possa vir a
enveredar com mais força por esta área mas o negócio é
muito recente e, afirma, “estamos ainda a afinar muita
coisa e só dentro de um mês o espaço estará como o que-
remos”.
No Estado Líquido
Deixámos Porto de Mós e rumámos à região de Caldas da
Rainha. A garrafeira Estado Líquido não é complicada de
encontrar (existem alguns sinais que dão uma ajuda) mes-
mo considerando que está instalada numa zona ao estilo
‘industrial’. Chegando lá deparamos com uma surpresa.
Edifício ao estilo de armazém mas bem arranjado. Lá den-
tro o espaço é arejado, luminoso, bem arrumado mas sem
luxos, muito informal.
Sabemos que o negócio familiar teve origem com o pai
Hélio Pereira dos actuais proprietários, os jovens Hélio e Tânia, com o
nome de Garrafeira Dona Leonor, há mais de 20 anos.
Hélio cedo se juntou ao pai e pouco tempo depois estava
Algumas marcas desta conhecida casa bairradina fazem ele próprio a gerir o negócio, ligado à distribuição de vi-
parte do histórico de bebidas deste país, como os licores nhos. Apesar de ser ainda um jovem, já tem muita expe-
Triplice Seco, Tijuana, Absinto, Amêndoa Amarga e a riência acumulada. Pouco a pouco a distribuição foi per-
Ginjinha Natural. A própria unidade industrial que pre- dendo para o cash & carry e hoje a maioria da facturação
parava estas bebidas vai ser transferida para aqui. passa por este tipo de venda, de retorno imediato.
A parte relativa aos acessórios vínicos é ainda incipiente Enquanto esperamos pelo proprietário faço o meu usual
mas Américo Leal garante que terá mais variedade no fu- passeio pelas prateleiras. E confesso a minha surpresa
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5. loja do vinho
com a variedade de néctares à disposição. De todas as re-
giões de Portugal e de todos os estilos. Desde os vinhos
mais comuns aos mais caros, dos mais conhecidos às
quase-raridades. As regiões não estão identificadas mas
não vai encontrar um vinho do Alentejo no meio das gar-
rafas do Douro, por exemplo. De qualquer maneira, exis-
tem funcionários, com formação específica, que lhe po-
dem dar uma ajuda.
A surpresa continua nas prateleiras de espumantes, com
todas as principais marcas presentes, do baixo de gama
aos mais caros. E paramos na área dos vinhos estrangei-
ros, bem recheada de néctares (embora, no geral, vinhos
mais ‘comuns’). Para quem gosta de licores e destilados,
a variedade é também monumental. Mais uma vez em to-
das as gamas, do whisky corrente ao ‘luxuoso’.
Ou seja, à primeira vista a Estado Líquido parece quase
um supermercado de vinhos e bebidas, onde a abundân-
cia se junta à qualidade da escolha e ao serviço especiali-
zado. Mas esta apreciação é suavemente alterada quando
Hélio Pereira, o proprietário (em conjunto com a sua irmã
Tânia), nos mostra a sala onde guarda néctares de excep-
ção. Uma sala climatizada de tamanho generoso contém
quase tudo o que há de melhor em termos de destilados,
champanhes, vinhos do Porto e outros generosos. Nem
falta lá o Taylor’s Scion, a 2.500 euros: “O ano passado
vendemos 8 garrafas”, diz-nos Hélio. Impressionante!
A Tasca do Joel, uma loja à parte É Hélio quem faz a selecção dos néctares e marca o custo
dos néctares, claro. Neste aspecto, ninguém se pode quei-
Neste périplo pelo Oeste passámos também numa garrafeira (e loja
xar: os preços são muito bons. E não admira. Os proprie-
gourmet) que não podemos deixar de referir. A parte gourmet foi tários usam este espaço como uma espécie de ‘cash & car-
premiada este ano e está descrita na página 80. A garrafeira em si é sui ry’ para profissionais (a maioria da clientela) mas aberto
generis e merece decididamente uma visita. Não porque o portefólio a particulares.
seja gigantesco (mas não é nada mau, note-se) mas pela qualidade Não faltam todo o tipo de acessórios mas a parte gourmet
dos néctares. Vê-se que há aqui mão sabedora a escolher os vinhos,
especialmente na gama alta. Incluindo muitos néctares que são raros
é quase inexistente. Não é decididamente uma aposta da
de encontrar em outros sítios, com tiragens muito limitadas. E falamos Estado Líquido mas, tal como Américo Leal nos tinha dito,
de todo o estilo de vinhos: brancos, rosés, tintos, espumantes (incluindo “não há grande procura”.
champanhes topo de gama), generosos, etc. Não falta sequer uma boa Muito importante ainda é a loja on-line, que tem todo o
selecção de vinhos estrangeiros, especialmente europeus. Os preços, stock da garrafeira e igualmente preços atraentes. E, cla-
ainda por cima, não são nada maus. O atendimento e aconselhamento
é simpático e sabedor. Nada mau, até porque o cliente pode escolher
ro, oferece desde logo a vantagem de não ter de sair de
um vinho na garrafeira e degustá-lo logo a seguir no restaurante, casa para receber as suas compras.
pagando apenas um pequeno acréscimo de preço. “Tanto a loja física como a on-line estão a ter cresci-
Apesar da exiguidade do espaço, há ainda lugar para vários acessórios mentos bem interessantes”, garante Hélio. De tal ma-
relacionados com o vinho (e não só): copos, decantadores, saca-rolhas, neira que já está a pensar na expansão. Mas reserva mais
mangas de frio, etc, etc.
Este não é um conceito inédito (veja-se por exemplo o Veneza, no
noticias para um futuro próximo. Porque, afinal, o se-
Algarve) mas a sinergia garrafeira/restaurante funciona muito bem. gredo é a alma do negócio.
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