1. COMPREENDENDO A COGNIÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA ENAÇÃO
Berenice Vahl Vaniel
[...] a cognição não é a representação de um mundo
preestabelecido elaborada por uma mente predefinida
mas é antes a atuação de um mundo e de uma mente
com base numa história da variedade das ações que um
ser executa no mundo (VARELA, THOMPSON e
ROSCH, 2001, p. 32).
Varela (2000) parte do princípio que, para compreender o universo, é
necessário, primeiramente, compreender o ato de viver. Assim, para
compreender como nós, docentes, vivemos o nosso fazer educação, e como os
estudantes vivem a construção de seus conhecimentos, apoiar-nos-emos no
estudo da cognição, sob o ponto de vista da perspectiva enativa.
Dessa forma, Varela (2000), a fim de diferenciar a perspectiva enativa
das demais, afirma que a mente não está somente na cabeça, não está
somente no cérebro, tampouco dentro ou fora do corpo, mas sim está
enativamente encarnada, ou seja, está presente na totalidade dos elementos
de nosso organismo que possuem uma organização interdependente entre si.
A mente, nessa perspectiva, é entendida como qualquer fenômeno relacionado
com a mentalidade, com a cognição, com a experiência e a vivência e, sendo
assim, ela só existe a partir da interação com o mundo.
La mente no es la interpretación de um determinado estado de cosas;
La mente és a producción constante de esta realidad coherente que
constituye un mundo, um modo coherente de organizar lãs
transiciones locales-globales (Varela, 2000, p. 247).
A mente como produção constante de um mundo próprio, leva a
compreensão da cognição na perspectiva enativa, em que o atuar, efetivar na
2. ação são o próprio conhecimento ao qual o sujeito está inserido. Preservar a
proximidade entre ação e o sujeito independentemente do ser, propicia o agir
na ação. Ao mesmo tempo, a enação é o conhecimento, no emergir do ser =
fazer = conhecer. Nesse sentido, a investigação da cognição – através da
observação do funcionamento das células cerebrais, de suas diferentes e
complexas conexões e interações – é concebida como um processo local,
dinâmico, simultâneo e que ocorre de modo denso; a partir do qual emerge o
global, que é a interação a nível da individualidade. O global é ao mesmo
tempo causa e consequência das ações locais que ocorrem todo tempo em
meu corpo (Varela, 2000, p. 244).” Ainda esse mesmo autor questiona o
pensamento dos cognitivistas ditos tradicionais, afirmando que a cognição não
está na representação de um mundo pré-definido, nem em uma mente pré-
dada, tampouco no processamento simbólico de informações exteriores pelo
cérebro, o qual se embasa em regras sequenciais e hierárquicas, mas sim que
está a partir de uma história composta por suas ações realizadas no mundo, ou
seja, depende das capacidades corporalizadas de cada um para a ação.
Para Maturana, a “ação é tudo o que fazemos em qualquer domínio
operacional que geramos em nosso discurso, por mais abstrato que ele possa
parecer” (2001, p. 128). Sendo assim, pensar, refletir, observar e explicar são
ações dentro dos seus respectivos domínios do pensar, do refletir, do observar
e do explicar. Ações essas que são desencadeadas pelas operações do
cérebro e que ocorrem a partir de interações cooperativas em forma de rede,
fazendo com que essas interações se modifiquem e se auto-organizem a partir
da experiência vivida, ou seja, fazem emergir respostas múltiplas a partir de
diferentes experiências. “O cérebro é, portanto, um sistema altamente
cooperativo: as densas interligações entre os seus componentes implicam que
quase tudo o que decorrer será uma função de tudo aquilo que os
componentes se encontram a fazer” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2001,
p. 132).
Na perspectiva enativa, os fenômenos cognitivos são inseparáveis dos
emocionais, afetivos e motores, pois as diferentes emoções sentidas também
são responsáveis por constituir e transformar determinadas redes de sinapses
3. e não outras; são, também, determinantes na constituição corporal que
ocorrem a nível emocional.
Varela, Thompson e Rosch destacam que a cognição depende da ação
corporalizada e, ao definirem o termo ação corporalizada, enfatizam dois
pontos:
primeiro, que a cognição depende dos tipos de experiência que
surgem do fato de se ter um corpo com várias capacidades
sensoriomotoras e, segundo, que estas capacidades sensoriomotoras
individuais se encontram elas próprias mergulhadas num contexto
biológico, psicológico e cultural muito mais abrangente (2001, p. 226).
Este destaque reafirma que os processos cognitivos são inseparáveis
das experiências vividas e são, também, ao mesmo tempo emocionais e
afetivos, vão emergindo, enatuando em codeterminação eu-outro, “o afeto é
uma dinâmica pré-reflexiva de autoconstituição do self,” ou seja, em um sentido
primordial, “sou afetado, comovido antes que haja um eu que conhece” (Varela
2000, p. 251).
Para compreender por qué esto ocurre así, hay qye centrarse em los
correlatos corporales del afecto, los que no solamente aparecem
como conductas externas, sino también como directamente sentidas,
como parte de nuestro cuerpo vivido. Este aspecto de nuestro cuerpo
vivido desempeña um papel decisivo em la forma em que aprehendo
al Otro, no como uma cosa, sino como otra subjetividade semejante a
la mia, um alter ego. Es através del cuerpo del otro que establezco un
vínculo com el otro, primero como organismo semejante al mio, pero
también como presencia encarnada, lugar e médio de um campo
experimental”(VARELA, 2000, p. 251).
Nesse sentido, queremos refletir sobre como nós nos apropriamos e
agregamos, em nossas ações educativas, essas contribuições, bem como elas
têm sido acopladas a nossa prática pedagógica, visando à construção de
conhecimentos. Como tem ocorrido esse acoplamento estrutural entre as
tecnologias digitais e nós (professores) e, consequentemente, como temos
utilizado-as nas ações pedagógicas.
As pesquisas de Veen (2009) apontam que esse acoplamento já vem
ocorrendo entre os jovens e as tecnologias digitais, uma vez que a maioria
deles cresce e vive utilizando diferentes recursos tecnológicos (tais como o
ipod, celular, controle remoto da TV, mouse de computador, etc.) além de
4. serem capazes de lidar com a sobrecarga e a sobreposição de informações,
principalmente porque gostam de ter o controle daquilo com que se envolvem.
Tapscott (1999, p 98) mostra que as crianças nascidas a partir do início
da década de 80, denominadas por ele de geração N-Gen (Net Generation),
aprendem e raciocinam diferente da geração Boomers, (geração anterior a N-
Gen). Algumas das características dos N-Geners identificadas na pesquisa de
Tapscott (1999) são as seguintes: independência; abertura emocional e
intelectual; inclusão social; livre expressão e convicções firmes; inovação;
preocupação com a maturidade; investigação; imediatismo; sensibilidade;
autenticidade e confiança, curiosidade e contestação, auto-confiança e auto-
estima. O autor relata que a geração boomers pensa de forma serial e
sequencial. No caso dos N-Geners, a assimilação e o fornecimento de
informações não ocorrem de modo sequencial, devido as habilidades
adquiridas pelos N-Gen, ao estabelecer os diferentes links, ao seguir diferentes
caminhos na busca pelas informações que desejam na Internet, e ao interagir
com essas informações, tratando-as, assimilando-as e comunicando às outras
crianças.
Essas duas pesquisas mostram que os jovens, a partir de suas
experiências com a tecnologia, possuem um sistema cognitivo que pensa de
forma complexa e em rede.
O Homo Zappiens é um processador ativo de informações resolve
problemas de maneira muito hábil, usando estratégias de jogo e sabe
comunicar muito bem. Sua relação com a escola mudou
profundamente, já que as crianças e adolescentes Homo Zappiens
consideram a escola apenas um dos pontos interessantes em suas
vidas. Muito mais importante para elas são suas redes de amigos,
seus trabalhos de meio-turno e os encontros de final de semana
(VEEN, 2009, p.12).
Nesse sentido, consideramos fundamental compreender como nós
educadores utilizamos essa mesma tecnologia para potencializar nossas ações
educativas com os jovens que fazem parte dessa geração, seja ela
denominada Homo zappiens ou N-Gen. O fato é que tal geração está se
constituindo com características diferentes das gerações anteriores, resultado
do acoplamento estrutural à tecnologia digital que tem modificado essa nova
5. geração ao longo de sua ontogenia1. Acreditamos que nascemos e interagimos
em um meio dotado de uma dinâmica estrutural própria que nos constitui.
Compreendemos que os jovens vivem no domínio do acoplamento
estrutural com a tecnologia digital e que esta propicia mudanças no viver e nas
formas de aprender desses jovens sem, entretanto, especificá-las ou dirigi-las.
Por outro lado, esses jovens desencadeiam mudanças nas formas como estão
sendo produzidas e pensadas as tecnologias digitais. Sendo assim, “as
mudanças que resultam da interação entre o ser vivo e o meio são
desencadeadas pelo agente perturbador e determinadas pela estrutura do
sistema perturbado” (MATURANA e VARELA, 2001, p. 107).
A partir desse contexto, queremos problematizar e compreender como
nós professores estamos nos apropriando, nos acoplando ou não a essa
tecnologia para realizar nossas mediações pedagógicas, seja na modalidade
da educação presencial ou na a distância.
Consideramos que o uso das diferentes tecnologias digitais é importante
quando elas são utilizadas com a intenção de problematizar e contextualizar as
informações, para que os aprendentes possam se apropriar do seu uso,
construir e reconstruir conhecimentos, tornando-se capazes de utilizá-los nas
mais diferentes situações.
Assim, o uso das diversas tecnologias digitais como, por exemplo, os
sites de busca, wikis, blogs, fóruns e chats podem ser explorados de forma a
permitir e a facilitar o acesso às informações; a pesquisa; o registro das
informações, através da construção de textos, hipertextos, vídeos, sons e,
principalmente, esse uso pode auxiliar para socialização de tais produções.
Desse modo, a ação/interação do professor tem um sentido fundamental
no que diz respeito a propiciar a competência e a despertar o desejo no
estudante para que ele discuta com os colegas e professores, assim como
interfira e colabore na produção dos outros colegas. A partir disso, esperamos
1
Para Maturana e Varela a ontogenia é a história das mudanças estruturais de um ser vivo em
congruência com o meio (1997, 2001).
6. que o estudante produza e publique suas próprias produções, que se sinta
parte de uma rede cooperativa aprendente, ou seja, parte de comunidades de
aprendizagens colaborativas que, “por meio de redes informatizadas com o
objetivo de aprenderem juntas [...] se apóiam mutuamente para atingir esse
alvo” (MAIA E MATAR, 2007, p. 18).
Diante de todos os argumentos expostos acima, acreditamos que o
fundamento epistemológico que permeia a formação dos professores deve
passar pela compreensão de que, com a presença das tecnologias digitais, o
conhecer e o aprender foram modificados em sua função e em seu significado,
logo, a relação professor e estudante também deve ser repensada.
As ações e o emocionar dos professores diante dessas tecnologias da
informação e comunicação necessitam levar em consideração o
desenvolvimento de atividades centradas em abordagens teóricas e
metodologias que valorizem o conhecimento que signifique “aprender a buscar
o saber”.
Para Maturana (2001), a tecnologia, se vivida como instrumento para a
ação intencional efetiva, leva à expansão das habilidades operacionais em
todos os domínios em que há conhecimento e compreensão de suas
coerências estruturais, mas não é a solução para os problemas humanos. Para
o autor, a tecnologia pode ajudar a melhorar as nossas ações, porém, é
indispensável que nosso emocionar também mude. Se não houver
transformação na forma de ser, pensar e desejar dos professores, a tecnologia
não contribuirá para sua prática, pois não se tornará um instrumento de ação.
Por outro lado, quando o acoplamento à tecnologia ocorre, há uma
incorporação no viver do professor, passando a fazer parte do domínio de ação
pedagógico.
Referências
MAIA, Carmen; MATTAR, João. ABC da EaD: A Educação a Distância de
Hoje.Prentice-Haal. 2007.
7. MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte:
UFMG, 2001.
TAPSCOTT, Don. Geração digital: a crescente e irreversível ascenção da
geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999.
VARELA, Francisco. O Fenómeno da Vida. Editorial Dolmen, Santiago de
Chile, 2000.
VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleonor. A mente
corpórea: Ciência cognitiva e experiência Humana. Instituto Piaget. 2001.
VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo zappiens: educando na era digital.
(Tradução Vinicius Figueira). Porto Alegre: Artmed, 2009.