O documento resume a vida e obra do poeta brasileiro Manoel de Barros. Ele nasceu em Cuiabá em 1916 e viveu em diversas cidades do Brasil e exterior. Sua obra é marcada pelas observações da infância no Pantanal e o uso inovador da linguagem poética. Publicou seu primeiro livro em 1937 e foi consagrado na década de 1980, recebendo prêmios como o Grande Prêmio da Crítica em 1990. Manoel de Barros acreditava que a poesia era a única forma de não morrer completamente,
3. A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não
aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoais.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.
(Retrato do artista quando coisa)
4. LUGARES
Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em
Cuiabá (MT), em 1916;
Ainda novo, foi morar em Corumbá (MS);
Mais tarde foi para o Rio de Janeiro, fazer a
faculdade de Direito.
Depois, viajou pela Bolívia e Peru;
Também morou em Nova York;
Na década de 1960 foi para Campo Grande
(MS) e lá passou a viver como fazendeiro.
5. No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.
(O livro das ignorãnças)
6. INFÂNCIA
Quando tinha um ano de idade, o pai decidiu
fundar fazenda com a família no Pantanal:
construir rancho, cercar terras, amansar gado
selvagem. Nequinho, como era chamado
carinhosamente pelos familiares, cresceu
brincando no terreiro em frente à casa, pé no
chão, entre os currais e as coisas
"desimportantes" que marcariam sua obra para
sempre.
7. Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a
atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o
apogeu do chão e do pequeno.
Eu queria aprender o idioma
das árvores. Saber as canções do
vento nas folhas da tarde.
Eu queria apalpar os perfumes
do sol. (Infantis)
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende
com as crianças. (Infantis)
8. Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo...
(Memórias inventadas)
9. FAMÍLIA
Manoel de Barros
conheceu a mineira
Stella no Rio de Janeiro
e se casaram em três
meses.
Vivem (ela com 92 anos
e ele com 97) muito
apaixonados e têm três
filhos, Pedro, João e
Marta e sete netos.
10. Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um
cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da
goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.
(Tratado geral das grandezas do ínfimo)
11. OBRAS
Publicou seu primeiro livro de poesia, Poemas
Concebidos Sem Pecado, em 1937. Depois vieram:
Face Imóvel (1942), Poesias (1946), Compêndio para
Uso dos Pássaros (1961), Gramática Expositiva do
Chão (1969), Matéria de Poesia (1974), O Guardador
de Águas (1989), Retrato do Artista Quando Coisa
(1998), O Fazedor de Amanhecer (2001), entre
outros.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990 veio sua
consagração como poeta. Em 1990 recebeu o
Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela
Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio
Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas,
concedido pela Câmara Brasileira do Livro.
12. Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se
alucina. (O guardião de águas)
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço
nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
(Livro sobre o nada
13. PALAVRA
Há várias maneiras sérias de não dizer nada,
mas só a poesia é verdadeira. (Livro sobre o nada)
Tenho uma confissão a fazer:
noventa por cento do que escrevo é invenção
só dez por cento é mentira. (Livro sobre o nada)
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar. (Memórias inventadas)
14. BERNARDO
Esse Bernardo eu conheço
de léguas.
Ele é o único ser humano
que alcançou de ser
árvore.
Por isso deve ser tombado
a Patrimônio da
Humanidade. (Infantis)
15. Ao ser indagado sobre como gostaria de ser
lembrado, Manoel ri, coça o peito, diz que a
pergunta é cruel e, já mais sério, fala que o único
jeito é pela poesia. “A gente nasce, cresce,
amadurece, envelhece, morre. Pra não morrer,
tem que amarrar o tempo no poste. Eis a ciência
da poesia: amarrar o tempo no poste”.
(Documentário: Só dez por cento é mentira)