1. Escola Superior de Saúde
LICENCIATURA EM TERAPIA OCUPACIONAL
1º ANO
ANO LECTIVO 2016/2017
Novembro
ANÁLISE DO FILME “AMIGOS
IMPROVÁVEIS”
MARTA SOFIA MOURA CARENIRO MAIA
Nº10160416
ORIENTAÇÃO/REGÊNCIA DE
JOÃO PAULO PEDROSO
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INTRODUÇÃO
No âmbito da unidade curricular 1 - Introdução à Ciência Ocupacional com
o tema Ocupação humana, foi realizado de um trabalho que tinha como
objetivo a análise crítica do filme “Amigos Improváveis”. É um filme francês
escrito e realizado por Eric Toledano e Oliver Nakache, tendo como atores
principais François Cluzet e Omar Sy. Um filme de drama intercalado com
cenas de comédia.
Este filme narra história verídica de uma amizade inverosímil entre um
milionário aristocrata tetraplégico com um jovem emigrante do Senegal dos
subúrbios que acabara de sair da prisão. Este filme para além de conter
momentos de comédia, narra essencialmente o nascimento e uma continua
construção de amizade pela qual ninguém esperava que surgisse entre duas
pessoas cultural e socialmente diferentes.
Neste filme é possível identificar conceitos relacionados com o objetivo da
terapia ocupacional em questões onde esta área atua bem como conceitos
abordados em ciências sociais humanas.
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DESENVOLVIMENTO
Este épico filme francês baseia-se no pragmatismo e na diferença entre
dois mundos de dois homens muito diferentes que na realidade têm muito em
comum, principalmente a necessidade de ajuda. Apesar de pertencerem a
mundos opostos os seus caminhos acabam por se cruzar.
Phillipe é uma das duas personagens principais do filme. O aristocrata
milionário que sofrera um acidente de parapente, que o deixou tetraplégico sem
nunca ter afetado as suas competências cognitivas. Esta situação impedia-o de
participar ativamente nas suas ocupações da vida diária. Todas estas
ocupações tinham um significado e um propósito na vida do aristocrata, visto
que o ser humano é um ser ocupacional que necessita de participar ativamente
nas suas atividades com o propósito de promover a sua saúde e o seu bem-
estar. Contudo Phillipe não era capaz de as realizar devido a anomalias nas
funções neuromusculoesqueléticas que o impediam de se movimentar. Ao se
encontrar privado de participar em todas as suas atividades, a saúde e o bem-
estar físico, social e mental foram afetados negativamente. O bem-estar físico
ficara lesionado devido ao não funcionamento das funções
neuromusculoesqueléticas que por consequente fazia com que Phillipe se
isolasse em casa, privando-se de interagir com outras pessoas. Assim o seu
bem-estar social sofria também repercussões. Todo o acumular de situações
negativas acabava por afetar Phillipe mentalmente deixando-o predisposto a
ataques de ansiedade, angustia e depressões.
A fim de melhorar estas situações, Phillipe decide contratar um terapeuta
com o objetivo de o auxiliar a desempenhar e a adaptar a forma como participa
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nas suas ocupações, ou seja alterando os seus padrões de desempenho como
os seus hábitos, rotinas e papeis, com vista a melhorar a sua saúde.
Assim sendo, no dia das entrevistas, foram muitos os candidatos a esse
posto. À medida que as entrevistas iam decorrendo foi possível aperceber-se
que as maiorias dos candidatos, que eram altamente qualificados,
candidatavam-se a esta proposta de emprego tendo sempre em vista o
vencimento que iam auferir. Contudo, no meio de tantos candidatos, surgiu
Driss que em tudo se opunha aos de mais. Driss era o único que não tinha
qualificações profissionais para o cargo em questão e o seu objetivo não
passava por obter o emprego mas sim uma assinatura, a única assinatura que
lhe faltava para ter direito a subsídio de desemprego. Porém, Phillipe não lhe
assinou o papel. O aristocrata decidiu dar-lhe uma oportunidade e colocá-lo à
experiência por um mês como seu terapeuta.
Driss era um jovem natural do Senegal que emigrara para França com a
sua família. Vivia num bairro social juntamente com sua mãe e os seus vários
irmãos. Pertenciam a uma família humildade, de classe social baixa, cuja mãe
dedicava todo o seu tempo a trabalhar para sustentar os seus filhos e assim
poder oferecer uma melhor qualidade de vida.
Driss como fora contratado por Phillipe tinha a responsabilidade de o
auxiliar a desempenhar todas as ocupações do seu dia-a-dia. Em relação aos
autocuidados, o jovem ajudava-o a despir-se, tomar balho, vestir-se, a cuidar
da sua higiene pessoal e de atividades ligadas ao sono e descanso tendo em
conta que, por algumas vezes a meio do sono, sofria de ataques de
ansiedades. Nessas alturas era Driss que o ajudava a ficar mais calmo. Tratava
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também de o apoiar nas ocupações trabalho e lazer, levando-o a visitar
exposições de arte que aristocrata tanto apreciava. O empenho de Driss foi
acrescendo ao longo do tempo que passava com Phillipe. A sua motivação
enquanto terapeuta foi aumentando à medida que se apercebia que, de facto,
ele tinha competências para a realizar tal papel e verificou o quão importante
este era na vida de Philippe, o que o fez ganhar motivação extra e melhorar o
que fazia diariamente. Toda esta motivação adquirida vai ao encontro da teoria
proposta por Deci - Teoria da Motivação Intrínseca e da Auto-Determinação.
Embora o papel de terapeuta pertencesse a Driss, Phillipe também
exerceu esse mesmo papel ajudando o jovem senegalês a tornasse uma
pessoa mais sensível perante as necessidades dos outros e cada vez mais
eficaz no papel de terapeuta; a ter educação, moderação, discrição e
compostura. Evidenciamos esta progressão ao longo da história. Exemplo
disso ocorre numa cena inicial do filme em que Driss é rude para com o
condutor que estaciona o automóvel em frente à propriedade de Phillipe e,
exige que tire o retire desse mesmo local, agarrando-o violentamente para que
este compreenda o que lhe é dito. Porém é de evidenciar uma notória evolução
na educação do jovem aquando da mesma situação mas no final do filme, em
que se dirige ao condutor do veículo e pede delicadamente para retirar o carro
da frente da casa pois aquele lugar não se encontra destinado ao
estacionamento.
Driss com a sua personalidade caricata e carregada de sentido de
humor veio dar ao aristocrata uma nova oportunidade à vida fazendo com que
este renascesse. A vida de Phillipe sofreu mudanças positivas por intermédio e
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influência de Driss. Este conseguiu com que o amigo tivesse vontade de sair de
casa, conviver e passear. Trouxe consigo um caráter mais imprevisível,
inesperado e ocasional que continha alguns comportamentos desviantes,
quebrando algumas normas e leis impostas pela sociedade onde se
encontravam inseridos. Temos como exemplo o facto de ambos fumarem
cigarros não tradicionais e de excederem o limite de velocidade permitido por
lei, enganando agentes de autoridade. Contudo ambos se divertiam e estas
situações causavam em Phillipe um aumento de adrenalina fazendo com que
este se sentisse vivo e livre, esquecendo por momentos o facto de que estar
tetraplégico. Porém, apesar das vantagens que estes comportamentos
arrecadam para Philippe, não eram legalmente corretos.
O jovem senegalês também conseguiu ao longo do filme mostrar a
Phillipe que este tinha competências suficientes para conseguir participar
ativamente nas suas ocupações necessitando apenas de adaptações para as
realizar, não se focando apenas nas incapacidades físicas do mesmo. Tal
situação acontece várias vezes ao longo do filme, pois de uma forma
espontânea e ingénua, Driss esquecesse do facto de Phillipe ser tetraplégico
dando-lhe o telefone para atender, correspondência para abrir, o que não deixa
de ser espirituoso pois Driss não o faz com maldade, levando Phillipe muitas
das vezes a rir-se destes momentos. Um outro exemplo passa pelo momento
em que Driss recusa-se a transportar Phillipe numa carrinha própria para
pessoas com necessidades especiais que utilizem cadeira de rodas. Em vez
disso fez com que Phillipe compreendesse que não necessitava de tal
transporte para se mover e que poderia usar o seu próprio carro adaptando-o
apenas à sua condição física.
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Ao fazer ver a Phillipe que este, apesar do seu estado físico, poderia
realizar a maior parte das ocupações significativas com auxílio, levou-o a atingir
um estado de equilíbrio ocupacional e que consequentemente promoveu a sua
saúde e o seu bem-estar quer físico, mental e social.
Esta mútua ajuda levou-os a ver o mundo com outros olhos dando-lhes a
credibilidade e importância que realmente possuíam indo contra os
estereótipos generalizados criados por uma sociedade inconsciente e com falta
de humildade para com pessoas de culturas diferentes e outras com
necessidades especiais.
Um dos fortes pilhares desta amizade foram as experiencias idênticas
vividas por ambos no que diz respeito ao mundo social. Estes dois homens são
discriminados e excluídos da sociedade por não se enquadrarem nos valores,
normas e estereótipos que a população toma como corretos.
Driss sofrera de discriminação a dois níveis: racial e social. Devido à sua
raça, ao país de origem, à sua cultura e aos costumes a esta inerente, o jovem
senegalês era excluído socialmente. E juntado a todas estas características o
facto de pertencer a uma classe social baixa e representar as minorias na
sociedade, por ser um ex-presidiário, o mundo social não dava credibilidade ao
jovem achando que este não possuía competências ou carácter para poder
participar ativamente no mundo. É possível verificar esta situação numa
passagem do filme em que um amigo de Phillipe, que pertencia à alta
sociedade, revela um certo preconceito em relação ao jovem por este ter um
tom de pele diferente da dele, por ter valores, interesses diferentes e por ser
um ex-presidiário. (Foi Phillipe que permitiu a inclusão social do jovem).
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Phillipe também sofrera discriminação e preconceito devido ao seu
estado físico, pois as pessoas colocavam o aristocrata à margem da sociedade
baseando-se em juízos prévios devido às suas características físicas, nunca
deixando que este mostrasse o seu potencial valor. Por possuir necessidades
especiais, era visto pela sociedade como uma pessoa incapaz e sem utilidade
para desempenhar quaisquer papéis em prol da mesma.
Ao longo do filme, são visíveis momentos que realçam a diferença
cultural entre Phillipe e Driss. Phillipe, como pertencia a uma classe social alta
estava acostumado a visitar galerias de arte, ouvir música clássica e a assistir
e apreciar espetáculos de ópera; enquanto Driss não apreciava este estilo de
música em particular nem ópera e não entendia nas quantidades de dinheiro
gastas em obras de arte. No entanto, apesar destas diferenças, adaptaram-se
um ao outro em termos de cultura e personalidade. Ao contrário do que a
sociedade espera de pessoas de classes sociais diferentes, de padrões
culturais em que em nada se assemelham, este dois homens provaram que é
possível existir uma relação de amizade. Para que tal aconteça basta aceitar e
respeitar as diferenças existentes entre si.
Esta amizade era de tal modo verdadeira entre os dois que na altura em
que Driss teve de abandonar o seu papel de cuidador e a casa de Phillipe por
razões familiares a separação foi dolorosa e traumatizante para ambos.
Evidenciamos tal dor quando Phillipe se recusa a participar nas atividades
propostas pelo novo cuidador como recusando-se a comer, a não querer
companhia e a negar a ajuda do mesmo durante um dos seus ataques de
ansiedade noturnos. Confrontada com tal situação, a governanta do aristocrata
chama Driss para vir em seu auxílio, e o jovem fá-lo sem hesitar. Quando Driss
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chega, o seu amigo acalma-se, pois está diante de alguém em quem confia e
lhe traz segurança e conforto. Apesar de Driss ter deixado o papel de terapeuta
de Phillipe, nunca deixou de ser o amigo e confidente com que este sempre
pôde contar.
Assim, foi nascendo uma amizade que à partida seria improvável. À
medida que partilhavam experiências, momentos e confidências, estas duas
pessoas tão diferentes e tão iguais constroem juntas sentimentos de estima,
afeição, carinho e respeito. Pois, como dizia Phillipe numa das passagens do
filme “ (…) o dinheiro de nada serve quando tudo o que se quer é alguém.”.
Com isto, o aristocrata quer dizer que a verdadeira felicidade passa por ter
pessoas que ama a seu lado, tanto no seu melhor como no seu pior; pela
aceitação e pela honestidade encontrada nas relações de amor e amizade.
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CONCLUSÃO
“Amigos improváveis” consiste num ótimo exemplo que demonstra quais
as dificuldades e repercussões na vida daqueles que são excluídos
socialmente. Esta segregação é fundamentada na diferença de culturas,
religiões, raças e estratos sociais. A exclusão por parte do meio social afeta
essencialmente a autoestima das pessoas em questão. Estas sentem-se
inferiores, dispensáveis sem poder contribuir ativamente em prol da sociedade.
É um filme que retrata perfeitamente aspetos de discriminação,
preconceito, xenofobia, exclusão social e estereótipos. Todos estes conceitos
foram abordados na história com a finalidade de num futuro próximo serem
cada vez menos frequentes e visíveis conseguindo assim promover a
igualdade social. Esta defende que todos os seres humanos devem ter as
mesmas oportunidades pois, segundo a Declaração Universal dos Diretos
Humanos,”Todo o ser humano tem capacidade para usufruir dos direitos e das
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”.
Este filme retrata de uma maneira muito eloquente a interligação entre
aspetos de terapia ocupacional e sociológicos, estando a personagem de
François Cluzet mais próxima dos conceitos que a terapaia ocupacional aborda
e do seu objetivo e a personagem de Omar Sy mais direcionado para conceitos
no âmbito das ciências socias humanas sem descurar a saúde e o bem-estar
da personagem.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Declaração Universal dos Direitos Humanos (2009)
Duval-Adassovsky, N., Zeitoun L., Zenou Y. (Producers). & Toledano, E.,
Nakache, O. (Directors). (2011). Intouchables [Film]. França: California Filmes
Maia, R. L. (2002). Dicionário de Sociologia. Porto: Porto Editora
Roley, S. S., Barrows, C. J., Susan Brownrigg Otr, L., Sava, D. I., Vibeke
Talley Otr, L., Kristi Voelkerding, B. S.,Deborah Lieberman, M. (2008).
Occupational therapy practice framework: Domain & process 2nd edition.
The American journal of occupational therapy, 62(6), 625.