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1
Opará, o Velho Chico: um olhar a partir da Arqueologia aos ribeirinhos Xocó1
.
Karina Lima de Miranda Pinto
Doutoranda em Arqueologia – UFS/SE
Márcia Barbosa da Costa Guimarães
Professora Doutora – UFS/SE
Resumo: O trabalho apresenta uma discussão sobre populações ribeirinhas
através da ótica da Arqueologia da Paisagem e de Ambientes Aquáticos. A
necessidade de levantar essas questões partiu após visitas à atual terra
indígena Xocó, localizada na Ilha de São Pedro em Porto da Folha – SE. Nos
últimos anos, diversos trabalhos arqueológicos foram e estão sendo
realizados em áreas indígenas do Nordeste sem um aprofundamento da
importância do rio São Francisco para essas populações. Em muitas ocasiões,
ao delimitar a área de pesquisa arqueológica, levamos em consideração a
materialidade expressa na parte terrestre, deixando de lado a submersa.
Conjuntos artefatuais e estruturas parecem que possuem um ponto limítrofe
que corresponde à faixa d’água. Incluir o entendimento da relação entre
comunidade e rio possibilita a ampliação do universo de pesquisa. A
paisagem nessa perspectiva é entendida como uma construção social, prática,
e representações das populações ribeirinhas influenciam no entendimento do
conjunto de elementos que formam o registro arqueológico. A Arqueologia
de Ambientes Aquáticos pode ser definida como estudo da cultura material
relacionada à ação humana sobre os mares, rios e zonas costeiras adjacentes
incluindo a parte submersa e não submersa. A extensão desse estudo pode ir
além do limite d’água, observando a influência que esse ambiente exerce
terra adentro.
Dispomos de um grande número de sítios arqueológicos catalogados em
diferentes pontos ao longo da bacia hidrográfica do rio São Francisco, muitos em atuais
terras indígenas. O artigo inicia de forma sucinta uma discussão sobre populações
ribeirinhas através da ótica de dois aportes teóricos, Arqueologia da Paisagem e de
Arqueologia de Ambientes Aquáticos, em suas versões pós-processuais. A contribuição
dessas duas vertentes possibilita um novo olhar perante a materialidade existente nesses
espaços, inserindo no discurso arqueológico a interação de populações ribeirinhas com o
material arqueológico regional. Muitas vezes, o significado desses sítios para
comunidades locais são silenciados através de discursos criados por uma Arqueologia
descritiva.
Dentro dessa perspectiva, é importante frisar que as reflexões partiram da
análise de outras realidades, onde a Arqueologia é pensada a partir da inclusão do
1
Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.
2
discurso do outro, ou mediante análises de vertentes conceituais que observam o meio
como um conjunto dinâmico. Ou seja, um holograma, que corresponde a enxergar, em
cada fração, o todo. Cada fragmento dessa paisagem (rio, terra e populações ribeirinhas)
formam partes desse conjunto e não podem ser desprezadas numa pesquisa do tipo.
Essas questões partiram de reflexões tidas após visitas realizadas a terra
indígena Xocó, localizada as margens do São Francisco, na Ilha de São Pedro – Porto da
Folha – Sergipe. É importante salientar que a pesquisa realizada para esse artigo foi
bibliográfica e documental, e seu objetivo foi modificar o olhar perante a realidade de
comunidades ribeirinhas que tem no rio uma extensão de seu cotidiano, sua história. No
começo, o grande desafio foi pensar a área de trabalho como um conjunto formado por
dois ambientes: o terrestre e o aquático. Em muitas ocasiões, ao delimitar a área de
pesquisa arqueológica, levamos em consideração a materialidade expressa na parte
terrestre, deixando de lado a submersa. Conjuntos artefatuais e estruturas parecem que
possuem um ponto limítrofe que corresponde à faixa d’água. O rio é parte fundamental
do cotidiano dessas populações, é a porta de entrada e saída, fonte que alimenta em seu
universo cosmológico o mundo físico e espiritual.
Os olhares sobre a paisagem arqueológica
A paisagem tem sido parte da competência dos arqueólogos há mais de um
século e termos como "paisagem", "abordagem da paisagem" e "arqueologia da
paisagem” suportam múltiplas definições. Embora a maioria destas definições
reconheça a interação entre o ambiente físico e a presença humana, apresenta grande
variedade teórica em relação aos papéis e à importância relativamente atribuída às
pessoas e à terra na produção da paisagem.
Considerando a produção nos Estados Unidos e no Reino Unido,
observamos que, no primeiro, a Arqueologia positivista continua forte, com ampliação
da exploração de posições pós-positivistas. Assim, as pesquisas são suportadas mais
pela teoria da Geografia Econômica, da Ecologia e Antropologia, para examinar a
dimensão social e econômica do uso da terra. A localização e distribuição de recursos
materiais figuram importantemente, contudo observa-se um aumento na abordagem da
paisagem como materialização ideológica ou significado.
No Reino Unido, a pesquisa da paisagem é geralmente mais humanista e pós-
positivista, como é a Arqueologia britânica em geral. No estudo da paisagem, os
3
arqueólogos invocam a teoria social a partir de uma variedade de fontes, especialmente
o marxismo estrutural e a fenomenologia. O pensamento feminista também está
evidente em algumas obras. A maioria dos praticantes reforça uma abordagem
interpretativa e fenomenológica, transformando a idéia de paisagem como socialmente
construída e enfatizando que o mesmo pedaço de terra tem significados diferentes para
diferentes pessoas, em qualquer tempo e espaço.
Apesar dos posicionamentos teórico-metodológicos diversos, as discussões que
têm ocorrido junto às abordagens da paisagem arqueológica captaram fracamente o
papel das vozes alternativas. Tendo por foco os estudiosos do Reino Unido e dos
Estados Unidos, estes não reconhecem ou simplesmente omitem os diálogos vibrantes e
questões sobre a paisagem em outras partes do mundo, com múltiplas tradições (Ucko e
Layton, 1999; Chippindale e Tacon, 1998). Na Espanha, por exemplo, as paisagens e
seus marcadores são objetos de estudos intensivos; Parcero Oubiña, Criado Boado, e
Santos Estévez (1998) recorrem a Derrida e Foucault para analisar o significado
estruturado nas paisagens sagradas da Ibéria, desde os tempos pré-históricos e
históricos. Na Austrália, Head (1993) escreve a fusão das perspectivas da geografia
física e cultural em busca de mais entendimentos sofisticados das paisagens pré-
históricas. Junto com muitos outros pesquisadores, escreve sobre o Dreamtime
aborígene e dos potenciais para a sua compreensão na Arqueologia, tratando questões
morais, éticas e políticas.
Em tais contextos, as vozes dos indígenas e outros povos indígenas dos
estados-nações colonizados são ouvidas com volume crescente. Anschuetz et al. (2001:
190-191) sugerem que o estudo da paisagem pode facilitar o diálogo entre os moradores
indígenas, ou populações tradicionais, com os arqueólogos que trabalham por lá. Na
pesquisa arqueológica no sudoeste dos EUA, Zedefio (2000: 102) descreve a atual
"observância dirigida" como meio de atuação em "um campo de ouro de oportunidades
ainda inexploradas para o avanço teórico e metodológico", incluindo as perspectivas de
orientação local dos nativos americanos, ao invés da expansão das visões ocidentais (ver
também Snead e Preucel, 1999). Bender (1998) contribui para esse diálogo em relação
às populações marginalizadas do período pós-imperial e para paisagens completamente
diferentes como Stonehenge e pós-apartheid da África do Sul.
Uma proporção crescente do discurso envolve reivindicações contra a usurpação
colonizada, tanto de posse e de interpretação. De fato, vários autores têm atribuído
muito do fascínio atual com paisagens ao ritmo acelerado e à escala dramática de
4
invasão de paisagens tradicionais (Knapp e Ashmore, 1999). O foco emergente da
"herança cultural" adota conceitos relacionados com a tradição, com a memória, e da
paisagem cultural, na avaliação de sítios potencialmente significantes (Cleere, 1995). A
paisagem de Uluro/Ayers Rock é um caso particularmente australiano proeminente de
direitos a terra impugnada, mas longe de ser o único (por exemplo, Taçon, 1999).
No Nordeste do Brasil, alguns cenários interessantes podem ser observados
incluindo as perspectivas de orientação local. A ilha de São Pedro é um foco atraente,
possui em seu registro arqueológico o grifo de diversos momentos. O atual, com a terra
Xocó, que muda rapidamente por conta das transformações do rio São Francisco; o
histórico colonial, com a Igreja de São Pedro, ladeada pela estrutura de um antigo
hospício; e os sítios pré-coloniais de enterramento, encontrados próximo a Igreja de São
Pedro. Temos um cenário dinâmico onde podemos delinear, através da contribuição da
Arqueologia da Paisagem, algumas questões relacionadas a essas transformações.
Opará: visto como parte integrante da paisagem.
É pertinente introduzir nessa discussão um elemento geralmente desprezado
nas pesquisas arqueológicas realizadas na região, o rio São Francisco. O rio é parte
integrante da paisagem, entretanto suas margens têm sido pontos limítrofes nas
pesquisas, aonde sua influência não é considerada no constructo do todo. Para
refletirmos sobre essas questões, trazemos a Arqueologia de Ambientes Aquáticos para
o entendimento da influência que o ambiente aquático pode exercer no meio terrestre,
expresso em construções que conformam as populações ribeirinhas a essas paisagens.
As discussões sobre Arqueologia Subaquática se iniciaram em meados do
século XX com a quebra da barreira dos espaços submersos, a partir do aperfeiçoamento
de recursos que possibilitaram os indivíduos explorarem com maior mobilidade lugares
até então desconhecidos. No que se refere à Arqueologia, a inclusão da relação do
homem com o mundo aquático possibilitou uma maior amplitude sobre a materialidade
humana nos diferentes contextos (HOFFMANN 1985, RAMBELLI 2002).
Para o entendimento do grupo Xocó, numa perspectiva de inclusão do
ambiente molhado, refletimos sobre duas perspectivas conceituais: a Arqueologia de
Ambientes Aquáticos e a Arqueologia Histórica.
A Arqueologia de Ambientes Aquáticos pode ser definida de forma sucinta
como estudo da cultura material relacionada à ação humana sobre os mares, rios e zonas
5
costeiras adjacentes, incluindo a parte submersa e não submersa (DELLINO-
MUSGRAVE 2006). A extensão desse estudo pode ir além da faixa limítrofe d’água,
observando a influência que esse ambiente exerce terra adentro englobando
equipamentos, estruturas produtivas e, até mesmo, cidades inteiras (DURAN 2008). Ou
seja, é um conceito pensado para o estudo das relações sociais associadas a populações
que dialogam constantemente com esses espaços.
Para a realidade Xocó, é pertinente a definição utilizada por Camargo
(2009) para Arqueologia Marítima. Entretanto, transpondo o conceito para a realidade
de águas interiores, nesse caso, o Rio São Francisco:
A arqueologia marítima está voltada para o estudo da relação do ser humano
com os cursos d’água, estando aí abrangidos os aspectos materiais e
simbólicos dessa relação, expressa tanto em jazidas submersas, emersas ou na
interface desses ambientes. Assim, tem-se na arqueologia marítima uma
forma de investigação mais abrangente do que outros ramos úmidos (...)
(Camargo 2009: 54).
A vertente teórica para o estudo da Ilha de São Pedro também compreende o
conceito de Arqueologia Histórica, entendido de forma ampla, como o estudo da
manifestação material da expansão da cultura européia sobre o mundo não europeu, em
termos históricos, sociais e culturais do efeito do mercantilismo e capitalismo que foi
trazido pelos Europeus no século XVI (DELLINO-MUSGRAVE 2006, LIMA 1985,
ORSER 1992).
Incluir o entendimento da relação entre comunidade e rio possibilita a
ampliação do universo de pesquisa relacionado a essas populações. A Arqueologia pode
contribuir de forma substancial inserindo os diálogos expressos na materialidade dos
processos macro-sociais como, por exemplo, a introdução do sistema mercantil e
capitalista na região, que veio através da penetração das bandeiras no século XVI e
XVII, tendo como consequência o contato dos grupos autóctones com os colonizadores,
como também os processos micro-sociais, expressos no cotidiano dessas populações,
podendo decodificar relações de poder, processos de contato interétnico, dentre outras
questões.
A Arqueologia praticada em sítios submersos é a mesma praticada nos sítios
terrestres. O que diferencia é apenas o ambiente, desta forma sendo necessário um
emprego de técnicas e equipamentos que assegurem a permanência do pesquisador
nesse espaço (BASS 1960; RAMBELLI 2002, 2003). É importante salientar que a
pesquisa no viés da Arqueologia de Ambientes Aquáticos vai além de sua prática dentro
6
d’água. Como vimos anteriormente, pode estar associada ao estudo sobre a influência
que o ambiente aquático exerce no meio terrestre (DURAN 2008).
Atualmente, as discussões que envolvem essa outra perspectiva na
Arqueologia vêm tomando espaço. Não é necessário que o pesquisador mergulhe para
perceber a influência do mundo submerso no terrestre. A análise pode vir através da
verificação de estruturas como, por exemplo, as portuárias, nos chamados sítios de
interface, ou pelo estudo de embarcações que abrange a área da Arqueologia Náutica,
que diferencia-se da Arqueologia Marítima ou de Ambientes Aquáticos pela
especificidade do estudo de embarcações (CAMARGO 2009).
Os expedientes da Arqueologia durante muito tempo se ocuparam na busca
de respostas a respeito de momentos, formas e sequências do passado, dividindo-se em
diversos questionamentos. Entretanto, a construção de todo esse passado dialogou com
o presente trazendo diversos agentes para sua edificação. A contribuição de um novo
olhar sobre comunidades tradicionais através da introdução de outras perspectivas
arqueológicas pode originar enormes contribuições para o entendimento de aspectos até
então desconhecidos sobre essas comunidades.
O Velho Chico tem em suas margens uma grande diversidade cultural. O
conceito de Comunidades Tradicionais2
lançado recentemente na legislação brasileira
com o programa “Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e
Comunidades Tradicionais”, diz que povos e comunidades tradicionais são:
(...) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações
e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007: 31).
Nesse espaço complexo se insere o direito ao reconhecimento e respeito à
diversidade desses grupos, que por razão de processos históricos distintos, têm
particularidades que os diferenciam dos demais segmentos da sociedade brasileira. O
Brasil, apesar de acompanhar a tendência mundial da substituição ideológica do Estado
Nacional para o Estado Plural e Multi-étnico, precisa em seu percurso efetivar medidas
concretas que viabilizem realmente uma melhor qualidade de vida e desenvolvimento
sustentável para as áreas plurais. Como bem Hall (2011) define, com o processo de
2
Brasil, Decreto Lei nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007 – Diário Oficial [da República Federativa do
Brasil], Brasília, 08/02/2007, p.31.
7
globalização, as identidades locais emergem no cenário nacional, contrapondo à idéia de
unidade construída ideologicamente para manter a ideia normativa de Estado. O
sentimento de alteridade surge articulando o global e o local.
Mas será que, na prática, o país está caminhando para esse processo de
transição? No que diz respeito às comunidades indígenas do Nordeste que estão
distribuídas ao longo da bacia hidrográfica do São Francisco, o debate sobre o direito a
diferença é escasso. Podemos comprovar essa afirmativa quando nos deparamos com o
pequeno número de estudos nas áreas das Ciências Humanas, que relacionam a
importância do rio para esses povos. Na Arqueologia, por exemplo, as produções se
resumem à delimitação de sítios arqueológicos ao longo da região, sem a inclusão de
projetos de Arqueologia Pública que favoreçam aos grupos. A falta dessas discussões
também está refletida nas Políticas Públicas direcionadas a essas comunidades. Há
nesse discurso uma intenção de promover ações, mas essas ações têm sempre ficado
relegadas ao campo das idéias.
No que se refere a comunidades indígenas, na bacia hidrográfica do São
Francisco estão distribuídas 32 etnias em 38 territórios. O que equivale a 70 mil pessoas
(TOMÁZ et. al., 2009).
Alagoas Sergipe Pernambuco Bahia Minas Gerais
Akonã Kaxagó Atikum Kantaruré Kaxixó
Geripankó Xocó Fulni-ô Kiriri Xacriabá
Kalankó Kambiwá Pankararé
Karapotó Kapinawá Pataxó
Kariri-Xocó Pankaiuká Truká
Karuazu Pankará Tumbalalá
Katokin Pankararu Tupan
Kaxixó Pipipã Tuxá
Koiupanká Truká
Tingui-Botó Tuxá
Xucuru-Kariri Xukuru
Figura 1: Quadro dos grupos étnicos que estão distribuídos ao longo da bacia hidrográfica do São
Francisco (TOMÁZ et. al., 2009).
8
Figura 2: Mapa com a delimitação da Bacia Hidrográfica do São Francisco em amarelo3
.
A região do São Francisco foi e é um importante cenário no contexto
indígena do Nordeste. O impacto do empreendimento colonial ao interior do país trouxe
consequências irreversíveis para os povos autóctones. Arruti (1995) descreve que a
conquista desse território não se deu de forma uniforme, mas foi caracterizada por um
movimento irregular, em uma frente de expansão múltipla e complexa, composta por
grupos nativos e colonos. Ao longo desse processo, iam insurgindo ilhas pastoris,
comerciais ou de subsistência em áreas ésteres ou recheada de tapuia4
. O autor aponta
três estratégias de conquista do território, que se deu através da penetração do rio São
Francisco pelos agentes coloniais.
Tem início, então, o processo de conquista do sertão interior nordestino,
realizado através de três estratégias distintas e sucessivas, ainda que por um
largo período simultâneas, a estratégia da guerra justa, vieram se sobrepor,
sucessivamente, a estratégia da conversão e da mistura, cada uma delas se
opondo à anterior, ao mesmo tempo que se revelando fruto dela (ARRUTI
1995:63).
3
Fonte: ANA (Agência Nacional de Águas). Disponível em:
http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/arquivos/20120309115449_BACIA_SAO_FRANCISCO_MUNI
CIPIOS_A1.pdf Acesso em: 14 de janeiro de 2014.
4
Designação genérica dada pelos tupi a outras etnias não falantes do Tupi. (DANTAS et. al., 1992).
9
A ilha de São Pedro, atual território indígena Xocó, corresponde a uma área
de antiga missão fundada no século XVII. Os índios Orumaru (Aramuru) que habitavam
a região ajudaram Pedro Gomes, o instituidor do morgado de Porto da Folha, a expulsar
os holandeses que ocupavam o baixo São Francisco. Em recompensa, foi-lhes dado o
direito de morar nas terras, criando a Missão de São Pedro, regida pelos capuchinhos
franceses. Na mesma época, surge próximo a aldeia Pacatuba, sendo um sub aldeamento
dos índios Ciocó (Xocó). Nos séculos XVIII e XIX, a disputa pelo território de São
Pedro ficou acirrada, primeiro com os descendentes de Pedro Gomes, posteriormente
por colonos que viviam próximos ao aldeamento (DANTAS & DALLARI 1980).
É importante salientar que, na documentação sobre os índios da Ilha de São
Pedro, aparecem diversos etnônimos para os grupos que lá viviam, além dos Orumaru e
Ciocó, no século XIX surgem outros etnônimos como: os Ceoroses, que segundo alguns
pesquisadores, vieram da Serra de Pão de Açúcar em Alagoas, podendo corresponder à
etnia Xocó e os Romariz, que provavelmente seriam aos nativos daquela localidade
(DANTAS & DALLARI 1980).
Como a maioria dos grupos étnicos do Nordeste, após a promulgação da Lei
de Terras em 1850, os aldeamentos foram se transformando em terras devolutas, sob o
pretexto de que os grupos que lá viviam estavam incorporados à massa civilizada. Os
índios da Ilha de São Pedro, juntamente com outros grupos do Nordeste brasileiro,
perderam suas terras. Em 1979, acompanhando os movimentos sociais de ressurgência
étnica, os Xocó recuperaram então o direito de posse da Ilha de São Pedro (DANTAS &
DALLARI 1980; OLIVEIRA 1993). Com a retomada da terra indígena, os Xocó, como
a maioria dos grupos ressurgidos do Nordeste, contaram com apoio de grupos já
estabilizados quanto à sua condição étnica. Aspectos como o Ouricuri e o toré foram
incorporados a partir do contato interétnico. É importante explicitar que o canal de
comunicação desses grupos foi o Rio São Francisco.
As relações estabelecidas entre grupos, dentre outros aspectos dessas
comunidades tradicionais, podem ser estudadas através do viés das diferentes
Arqueologias, dando uma maior amplitude no que diz respeito à importância do rio para
as trocas e reciprocidades expressas na materialidade.
Além da importância de ampliar as discussões englobando a interação do
indivíduo com os diversos universos: terrestre e aquático, a inclusão dessas vertentes da
Arqueologia dentro de realidades ribeirinhas pode ampliar o entendimento das gerações
que vivem sob influência do rio. Um fator importante dentro da discussão arqueológica
10
são os processos de mudança que o rio sofreu e suas consequências para essas
comunidades. Nessa perspectiva, o arcabouço arqueológico relacionado às duas
vertentes (Ambientes Aquáticos e Paisagem) pode identificar, através de pesquisas
sistemáticas, processos de mudança na região que afetaram as gerações que viviam e
vivem às suas margens.
Figura 3: Mapa do Estado de Sergipe com a localização do município de Porto da Folha e a
Ilha de São Pedro. Elaborado a partir de fontes do IBGE. Disponível em:
http://mapas.ibge.gov.br/.
O Rio São Francisco vem sofrendo, após a metade do século XX, uma série
de intervenções marcadas por projetos desenvolvimentistas. Além das inúmeras
hidrelétricas construídas ao longo do seu percurso pelo governo (Três Marias,
Sobradinho, Moxotó, Paulo Afonso I, Paulo Afonso II, Paulo Afonso III, Paulo Afonso
IV, Itaparica e Xingó), a substituição da cultura de subsistência por monoculturas como
soja e cana-de-açúcar, aliada aos grandes projetos de irrigação, trouxeram
consequências negativas para o meio ambiente. Exemplos são hoje bem visíveis, como
a perda de 95% de sua mata ciliar, assim como a redução da vazão do rio na foz,
trazendo o mar 50 km rio adentro. Essas são algumas das consequências do
aproveitamento de seu potencial de forma irresponsável (TOMÁZ et. al., 2009).
Além do impacto ambiental, há o impacto nas comunidades tradicionais.
Paralelarmente às obras no rio ao longo das últimas décadas, está ocorrendo uma
substituição do sistema natural de irrigação de cheias e vazantes por sistemas de
11
irrigação artificiais; também ocorrem mudanças que cobrem diretamente outros
aspectos sócio-culturais como em sistemas de pesca e sistemas religiosos de alguns
grupos.
Atualmente, outra preocupação que vem afetando os ribeirinhos é o "Projeto
de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional", conhecido como projeto de transposição. Realizado pelo Governo
Federal, tem como objetivo a construção de 700km de canais de concreto no território
de quatro Estados: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O projeto,
teoricamente, irrigará a região Nordeste e semiárida do Brasil. O empreendimento vem
sofrendo desde o início críticas por diversos segmentos da sociedade, por estar sendo
realizado sem um processo de revitalização do rio, e também pelo destino das águas que
estão sendo direcionadas para grandes áreas de agronegócio do Nordeste (TOMÁZ et.
al., 2009).
Desde o início do projeto, discussões se avolumam sobre os impactos
negativos do rio sobre o meio ambiente e as populações ribeirinhas. Em 2009 foi
lançado um relatório denúncia composto por várias entidades não governamentais
informando dados a respeito das consequências negativas dessa obra para as
comunidades indígenas da região (TOMÁZ et. al., 2009: 14). No documento podemos
ver inúmeros depoimentos sobre o que está acontecendo a esses povos que estão sendo
impactados.
Abaixo alguns trechos da realidade do projeto para as comunidades
tradicionais da região.
Sobre a pesca,
A água salgada tá chegando até Propriá. Por aí já se pega peixe da água
salgada na margem do São Francisco, e nunca foi visto isso. Tá vendo como
é as coisas? Tá danificando cada vez mais e eu não estou achando nada disso
correto – Pajé Raimundo Xocó. (TOMÁZ et. al., 2009: 13).
Sobre o plantio,
O Rio São Francisco não só pra os indígenas, mas pra toda população
ribeirinha é tudo, porque vocês sabe que o nosso corpo setenta e cinco por
cento é água. O nosso corpo setenta e cinco por cento sendo água, o que nós
somos sem água? Nada. E esse rio que foi a maior riqueza dos anos passados,
daí de Piranhas até Penedo, de um lado e de outro, era cheio de lagoas e
lagoas. E as lagoas existem de um lado e do outro. E nelas era plantado
arroz nas beiradas, plantava milho, feijão de corda e era uma riqueza e
o peixe que ficava... Heleno - Liderança Xocó (TOMÁZ et. al., 2009: 10).
12
Também foi a Barragem de Sobradinho, que trouxe impactos diretos para a
agricultura e a pesca deste povo. Com relação à agricultura, após a barragem,
os Truká viram-se forçados a mudar sua forma de plantio. O plantio era feito
"de vazante", ou seja, nas épocas em que o rio baixava, deixando a terra fértil
e rica em matéria orgânica. Todos sabiam quais as épocas do ano em que
deveria ser colocada a roça com diversas espécies: feijão, mandioca, milho,
cebola, batata, cana de açúcar. Esse era o "tempo da natureza", no qual os
índios podiam programar seu trabalho e esperar resultados. Atualmente, as
águas do rio dependem do "tempo dos homens" e é extremamente difícil para
os índios plantar nas vazantes, pois não existe previsão de quando as águas
vão baixar. Com a perda quase total do plantio de vazantes, os índios são
obrigados a plantar "de molhação", ou seja, com sistemas de irrigação.
Esta forma de plantio requer investimentos financeiros que nem sempre estão
disponíveis para as famílias. Trecho do relatório da FUNAI de estudos
etnoecológicos Truká, Tumbalalá, Pipipã e Kambiwá (2005) apresentados no
relatório denúncia (TOMÁZ et. al., 2009: 14).
Sobre a religiosidade,
Também nos nosso ritual tem o encantado que a gente se identifica, que tem
o encantado das águas e o das matas, então tem essa tradição com rio que a
gente nunca deixa de ter (...) Com tanto projeto o rio surpreende. Tem
interferência com os Encantados. Tem certo lugar no rio, como uma
cachoeira, que é de muita importância. É um local onde a gente tem mais o
contato com espiritual. Se o rio baixa tanto a água, aquela cachoeira não tem
mais a mesma força que tinha. Então tudo dos nossos Encanto tem haver com
a água, como ela tá com o tempo. É uma coisa tão forte o Encantado com
nosso ritual que é uma escolha da natureza ele estar naquele lugar. Os
Encantados estão naquele lugar da natureza, quanto mais forte a água, mais
os Encantados estão presentes. – Cacique Cícero Tumbalalá (TOMÁZ et. al.,
2009: 11).
Sobre a religiosidade dos povos indígenas do Nordeste, algumas
comunidades estão estruturadas a partir de rituais organizados pelos Encantados, que
são entidades espirituais que orientam e protegem a vida desses povos; e outras
comunidades praticam o Ouricuri, ritual em que o grupo fica recluso na mata e guardam
segredo sobre as práticas para os não-índios. Para as comunidades que vivenciam o
Ouricuri, como é o caso dos Xocó de Porto da Folha, a expressão cultural liberada para
o público em geral se resume no toré. Então sobre aspectos religiosos do grupo, não tem
como saber se a prática do Ouricuri em Porto da Folha tem alguma relação com o rio.
13
Foto 1: Festa dos Encantados com diversas etnias que vivem na região que
compreende a bacia hidrográfica do São Francisco – Inauguração de um terreiro
na área Geripankó em Alagoas. Fonte: Atlas de Terras Indígenas de Alagoas
(Allen & Pinto 2005).
Os exemplos apresentados mostram a diversidade de situações vivenciadas
pelas comunidades tradicionais relacionadas com a bacia hidrográfica. A cultura de
subsistência, a pesca artesanal e os rituais relacionados ao universo aquático
exemplificam de forma clara a importância do rio para esses povos e a responsabilidade
que o poder público tem em gerir a permanência e sustentabilidade desses agentes.
Atualmente, nas Ciências Humanas, há discussões relacionadas a
desenvolvimento sustentável, manejo e inclusão do saber local para valorização de
vozes de minorias étnicas, entretanto essa realidade ainda precisa ser discutida dentro do
meio acadêmico, principalmente o da Arqueologia praticada nessas regiões.
Podemos exemplificar a escassez de estudos relacionados a essa realidade
observando o quadro dos trabalhos realizados que compreende a bacia hidrográfica. Os
resultados mostram que, além de não levar em conta a influência dos sítios
arqueológicos na sua relação com comunidades locais, as atividades resumem-se ao
ponto limítrofe da faixa d’água. Não considerando outras abordagens dentro da
Arqueologia, como a de Ambientes Aquáticos, que pode de forma substancial trazer
maior amplitude no entendimento de processos sociais locais. Também de vertentes
ligadas à Arqueologia da Paisagem no seu formato Pós-Processual.
14
Exemplos são vistos na Arqueologia realizada nos projetos para liberação da
área de transposição do Rio São Francisco, realizados pelas equipes da Universidade do
Vale do São Francisco (UNIVASF) e do Instituto Nacional de Arqueologia e
Paleontologia e Ambiente do Semiárido (INAPAS), onde os resultados até o momento
estão associados a sítios terrestres, sem haver menção de equipes com especialização de
Arqueologia Subaquática que identifiquem outras modalidades de sítios nas áreas de
impacto direto e indireto da obra (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL
2010).
Considerações
O artigo tentou de forma breve contextualizar a realidade de alguns grupos
tradicionais que vivem as margens do São Francisco. O objetivo foi mostrar a
diversidade de questionamentos que podem surgir dentro da Arqueologia quando se
inclui os diversos ambientes.
Um exemplo claro dessa realidade foi durante o levantamento bibliográfico
para este artigo, principalmente no que se refere às obras de transposição do São
Francisco, quando se constatou a falta de trabalhos direcionados a questões ligadas ao
impacto das transformações para as populações que vivem na região, com a rápida
transformação da paisagem, que tem como consequência mudanças em diversas esferas:
religiosa, econômica, etc.
No que se refere às comunidades indígenas, a legislação brasileira na última
década vem incorporando modificações que asseguram condições mais favoráveis de
exercício de sua pluralidade étnica. A Convenção 169 da OIT5
, ratificada como Lei
Federal, destaca três pontos para o respeito à diversidade: a existência de condições
sócio-culturais e econômicas diferenciadas de outros setores da sociedade nacional; a
possibilidade de uma organização social regida a partir de leis internas, respeitando
5
Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), aprovada em 1989 durante a 76ª Conferência que trata dos direitos dos povos
indígenas de todo o mundo. A lei internacional foi ratificada no Brasil através de Decreto Legislativo Nº
143, de 20/06/2002, sendo Compreendido pelo Tribunal Superior Federal (STF) como condição
necessária e suficiente para a introdução da norma internacional em caráter de Lei Ordinária (URQUIDI,
et al., 2008).
15
regras e tradições; e a autoidentificação, entendida como consciência do grupo a
respeito de sua identidade étnica.
Dentro dessa perspectiva, o que realmente está sendo feito para
cumprimento da Lei Federal, no que se refere aos direitos de comunidades tradicionais?
Para que fim a Arqueologia está trabalhando, como ferramenta de inclusão ou apenas
reproduzindo padrões arcaicos da disciplina? É preciso revisar discursos que
privilegiam o modelo hegemônico de ações desenvolvimentistas que não incluem a
pauta de ações sustentáveis, bem como promover pontes interculturais que consiga aliar
perspectivas, até então invisíveis dentro do universo do Rio São Francisco.
16
REFERÊNCIAS
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1973.
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17
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18
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  • 1. 1 Opará, o Velho Chico: um olhar a partir da Arqueologia aos ribeirinhos Xocó1 . Karina Lima de Miranda Pinto Doutoranda em Arqueologia – UFS/SE Márcia Barbosa da Costa Guimarães Professora Doutora – UFS/SE Resumo: O trabalho apresenta uma discussão sobre populações ribeirinhas através da ótica da Arqueologia da Paisagem e de Ambientes Aquáticos. A necessidade de levantar essas questões partiu após visitas à atual terra indígena Xocó, localizada na Ilha de São Pedro em Porto da Folha – SE. Nos últimos anos, diversos trabalhos arqueológicos foram e estão sendo realizados em áreas indígenas do Nordeste sem um aprofundamento da importância do rio São Francisco para essas populações. Em muitas ocasiões, ao delimitar a área de pesquisa arqueológica, levamos em consideração a materialidade expressa na parte terrestre, deixando de lado a submersa. Conjuntos artefatuais e estruturas parecem que possuem um ponto limítrofe que corresponde à faixa d’água. Incluir o entendimento da relação entre comunidade e rio possibilita a ampliação do universo de pesquisa. A paisagem nessa perspectiva é entendida como uma construção social, prática, e representações das populações ribeirinhas influenciam no entendimento do conjunto de elementos que formam o registro arqueológico. A Arqueologia de Ambientes Aquáticos pode ser definida como estudo da cultura material relacionada à ação humana sobre os mares, rios e zonas costeiras adjacentes incluindo a parte submersa e não submersa. A extensão desse estudo pode ir além do limite d’água, observando a influência que esse ambiente exerce terra adentro. Dispomos de um grande número de sítios arqueológicos catalogados em diferentes pontos ao longo da bacia hidrográfica do rio São Francisco, muitos em atuais terras indígenas. O artigo inicia de forma sucinta uma discussão sobre populações ribeirinhas através da ótica de dois aportes teóricos, Arqueologia da Paisagem e de Arqueologia de Ambientes Aquáticos, em suas versões pós-processuais. A contribuição dessas duas vertentes possibilita um novo olhar perante a materialidade existente nesses espaços, inserindo no discurso arqueológico a interação de populações ribeirinhas com o material arqueológico regional. Muitas vezes, o significado desses sítios para comunidades locais são silenciados através de discursos criados por uma Arqueologia descritiva. Dentro dessa perspectiva, é importante frisar que as reflexões partiram da análise de outras realidades, onde a Arqueologia é pensada a partir da inclusão do 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.
  • 2. 2 discurso do outro, ou mediante análises de vertentes conceituais que observam o meio como um conjunto dinâmico. Ou seja, um holograma, que corresponde a enxergar, em cada fração, o todo. Cada fragmento dessa paisagem (rio, terra e populações ribeirinhas) formam partes desse conjunto e não podem ser desprezadas numa pesquisa do tipo. Essas questões partiram de reflexões tidas após visitas realizadas a terra indígena Xocó, localizada as margens do São Francisco, na Ilha de São Pedro – Porto da Folha – Sergipe. É importante salientar que a pesquisa realizada para esse artigo foi bibliográfica e documental, e seu objetivo foi modificar o olhar perante a realidade de comunidades ribeirinhas que tem no rio uma extensão de seu cotidiano, sua história. No começo, o grande desafio foi pensar a área de trabalho como um conjunto formado por dois ambientes: o terrestre e o aquático. Em muitas ocasiões, ao delimitar a área de pesquisa arqueológica, levamos em consideração a materialidade expressa na parte terrestre, deixando de lado a submersa. Conjuntos artefatuais e estruturas parecem que possuem um ponto limítrofe que corresponde à faixa d’água. O rio é parte fundamental do cotidiano dessas populações, é a porta de entrada e saída, fonte que alimenta em seu universo cosmológico o mundo físico e espiritual. Os olhares sobre a paisagem arqueológica A paisagem tem sido parte da competência dos arqueólogos há mais de um século e termos como "paisagem", "abordagem da paisagem" e "arqueologia da paisagem” suportam múltiplas definições. Embora a maioria destas definições reconheça a interação entre o ambiente físico e a presença humana, apresenta grande variedade teórica em relação aos papéis e à importância relativamente atribuída às pessoas e à terra na produção da paisagem. Considerando a produção nos Estados Unidos e no Reino Unido, observamos que, no primeiro, a Arqueologia positivista continua forte, com ampliação da exploração de posições pós-positivistas. Assim, as pesquisas são suportadas mais pela teoria da Geografia Econômica, da Ecologia e Antropologia, para examinar a dimensão social e econômica do uso da terra. A localização e distribuição de recursos materiais figuram importantemente, contudo observa-se um aumento na abordagem da paisagem como materialização ideológica ou significado. No Reino Unido, a pesquisa da paisagem é geralmente mais humanista e pós- positivista, como é a Arqueologia britânica em geral. No estudo da paisagem, os
  • 3. 3 arqueólogos invocam a teoria social a partir de uma variedade de fontes, especialmente o marxismo estrutural e a fenomenologia. O pensamento feminista também está evidente em algumas obras. A maioria dos praticantes reforça uma abordagem interpretativa e fenomenológica, transformando a idéia de paisagem como socialmente construída e enfatizando que o mesmo pedaço de terra tem significados diferentes para diferentes pessoas, em qualquer tempo e espaço. Apesar dos posicionamentos teórico-metodológicos diversos, as discussões que têm ocorrido junto às abordagens da paisagem arqueológica captaram fracamente o papel das vozes alternativas. Tendo por foco os estudiosos do Reino Unido e dos Estados Unidos, estes não reconhecem ou simplesmente omitem os diálogos vibrantes e questões sobre a paisagem em outras partes do mundo, com múltiplas tradições (Ucko e Layton, 1999; Chippindale e Tacon, 1998). Na Espanha, por exemplo, as paisagens e seus marcadores são objetos de estudos intensivos; Parcero Oubiña, Criado Boado, e Santos Estévez (1998) recorrem a Derrida e Foucault para analisar o significado estruturado nas paisagens sagradas da Ibéria, desde os tempos pré-históricos e históricos. Na Austrália, Head (1993) escreve a fusão das perspectivas da geografia física e cultural em busca de mais entendimentos sofisticados das paisagens pré- históricas. Junto com muitos outros pesquisadores, escreve sobre o Dreamtime aborígene e dos potenciais para a sua compreensão na Arqueologia, tratando questões morais, éticas e políticas. Em tais contextos, as vozes dos indígenas e outros povos indígenas dos estados-nações colonizados são ouvidas com volume crescente. Anschuetz et al. (2001: 190-191) sugerem que o estudo da paisagem pode facilitar o diálogo entre os moradores indígenas, ou populações tradicionais, com os arqueólogos que trabalham por lá. Na pesquisa arqueológica no sudoeste dos EUA, Zedefio (2000: 102) descreve a atual "observância dirigida" como meio de atuação em "um campo de ouro de oportunidades ainda inexploradas para o avanço teórico e metodológico", incluindo as perspectivas de orientação local dos nativos americanos, ao invés da expansão das visões ocidentais (ver também Snead e Preucel, 1999). Bender (1998) contribui para esse diálogo em relação às populações marginalizadas do período pós-imperial e para paisagens completamente diferentes como Stonehenge e pós-apartheid da África do Sul. Uma proporção crescente do discurso envolve reivindicações contra a usurpação colonizada, tanto de posse e de interpretação. De fato, vários autores têm atribuído muito do fascínio atual com paisagens ao ritmo acelerado e à escala dramática de
  • 4. 4 invasão de paisagens tradicionais (Knapp e Ashmore, 1999). O foco emergente da "herança cultural" adota conceitos relacionados com a tradição, com a memória, e da paisagem cultural, na avaliação de sítios potencialmente significantes (Cleere, 1995). A paisagem de Uluro/Ayers Rock é um caso particularmente australiano proeminente de direitos a terra impugnada, mas longe de ser o único (por exemplo, Taçon, 1999). No Nordeste do Brasil, alguns cenários interessantes podem ser observados incluindo as perspectivas de orientação local. A ilha de São Pedro é um foco atraente, possui em seu registro arqueológico o grifo de diversos momentos. O atual, com a terra Xocó, que muda rapidamente por conta das transformações do rio São Francisco; o histórico colonial, com a Igreja de São Pedro, ladeada pela estrutura de um antigo hospício; e os sítios pré-coloniais de enterramento, encontrados próximo a Igreja de São Pedro. Temos um cenário dinâmico onde podemos delinear, através da contribuição da Arqueologia da Paisagem, algumas questões relacionadas a essas transformações. Opará: visto como parte integrante da paisagem. É pertinente introduzir nessa discussão um elemento geralmente desprezado nas pesquisas arqueológicas realizadas na região, o rio São Francisco. O rio é parte integrante da paisagem, entretanto suas margens têm sido pontos limítrofes nas pesquisas, aonde sua influência não é considerada no constructo do todo. Para refletirmos sobre essas questões, trazemos a Arqueologia de Ambientes Aquáticos para o entendimento da influência que o ambiente aquático pode exercer no meio terrestre, expresso em construções que conformam as populações ribeirinhas a essas paisagens. As discussões sobre Arqueologia Subaquática se iniciaram em meados do século XX com a quebra da barreira dos espaços submersos, a partir do aperfeiçoamento de recursos que possibilitaram os indivíduos explorarem com maior mobilidade lugares até então desconhecidos. No que se refere à Arqueologia, a inclusão da relação do homem com o mundo aquático possibilitou uma maior amplitude sobre a materialidade humana nos diferentes contextos (HOFFMANN 1985, RAMBELLI 2002). Para o entendimento do grupo Xocó, numa perspectiva de inclusão do ambiente molhado, refletimos sobre duas perspectivas conceituais: a Arqueologia de Ambientes Aquáticos e a Arqueologia Histórica. A Arqueologia de Ambientes Aquáticos pode ser definida de forma sucinta como estudo da cultura material relacionada à ação humana sobre os mares, rios e zonas
  • 5. 5 costeiras adjacentes, incluindo a parte submersa e não submersa (DELLINO- MUSGRAVE 2006). A extensão desse estudo pode ir além da faixa limítrofe d’água, observando a influência que esse ambiente exerce terra adentro englobando equipamentos, estruturas produtivas e, até mesmo, cidades inteiras (DURAN 2008). Ou seja, é um conceito pensado para o estudo das relações sociais associadas a populações que dialogam constantemente com esses espaços. Para a realidade Xocó, é pertinente a definição utilizada por Camargo (2009) para Arqueologia Marítima. Entretanto, transpondo o conceito para a realidade de águas interiores, nesse caso, o Rio São Francisco: A arqueologia marítima está voltada para o estudo da relação do ser humano com os cursos d’água, estando aí abrangidos os aspectos materiais e simbólicos dessa relação, expressa tanto em jazidas submersas, emersas ou na interface desses ambientes. Assim, tem-se na arqueologia marítima uma forma de investigação mais abrangente do que outros ramos úmidos (...) (Camargo 2009: 54). A vertente teórica para o estudo da Ilha de São Pedro também compreende o conceito de Arqueologia Histórica, entendido de forma ampla, como o estudo da manifestação material da expansão da cultura européia sobre o mundo não europeu, em termos históricos, sociais e culturais do efeito do mercantilismo e capitalismo que foi trazido pelos Europeus no século XVI (DELLINO-MUSGRAVE 2006, LIMA 1985, ORSER 1992). Incluir o entendimento da relação entre comunidade e rio possibilita a ampliação do universo de pesquisa relacionado a essas populações. A Arqueologia pode contribuir de forma substancial inserindo os diálogos expressos na materialidade dos processos macro-sociais como, por exemplo, a introdução do sistema mercantil e capitalista na região, que veio através da penetração das bandeiras no século XVI e XVII, tendo como consequência o contato dos grupos autóctones com os colonizadores, como também os processos micro-sociais, expressos no cotidiano dessas populações, podendo decodificar relações de poder, processos de contato interétnico, dentre outras questões. A Arqueologia praticada em sítios submersos é a mesma praticada nos sítios terrestres. O que diferencia é apenas o ambiente, desta forma sendo necessário um emprego de técnicas e equipamentos que assegurem a permanência do pesquisador nesse espaço (BASS 1960; RAMBELLI 2002, 2003). É importante salientar que a pesquisa no viés da Arqueologia de Ambientes Aquáticos vai além de sua prática dentro
  • 6. 6 d’água. Como vimos anteriormente, pode estar associada ao estudo sobre a influência que o ambiente aquático exerce no meio terrestre (DURAN 2008). Atualmente, as discussões que envolvem essa outra perspectiva na Arqueologia vêm tomando espaço. Não é necessário que o pesquisador mergulhe para perceber a influência do mundo submerso no terrestre. A análise pode vir através da verificação de estruturas como, por exemplo, as portuárias, nos chamados sítios de interface, ou pelo estudo de embarcações que abrange a área da Arqueologia Náutica, que diferencia-se da Arqueologia Marítima ou de Ambientes Aquáticos pela especificidade do estudo de embarcações (CAMARGO 2009). Os expedientes da Arqueologia durante muito tempo se ocuparam na busca de respostas a respeito de momentos, formas e sequências do passado, dividindo-se em diversos questionamentos. Entretanto, a construção de todo esse passado dialogou com o presente trazendo diversos agentes para sua edificação. A contribuição de um novo olhar sobre comunidades tradicionais através da introdução de outras perspectivas arqueológicas pode originar enormes contribuições para o entendimento de aspectos até então desconhecidos sobre essas comunidades. O Velho Chico tem em suas margens uma grande diversidade cultural. O conceito de Comunidades Tradicionais2 lançado recentemente na legislação brasileira com o programa “Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais”, diz que povos e comunidades tradicionais são: (...) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007: 31). Nesse espaço complexo se insere o direito ao reconhecimento e respeito à diversidade desses grupos, que por razão de processos históricos distintos, têm particularidades que os diferenciam dos demais segmentos da sociedade brasileira. O Brasil, apesar de acompanhar a tendência mundial da substituição ideológica do Estado Nacional para o Estado Plural e Multi-étnico, precisa em seu percurso efetivar medidas concretas que viabilizem realmente uma melhor qualidade de vida e desenvolvimento sustentável para as áreas plurais. Como bem Hall (2011) define, com o processo de 2 Brasil, Decreto Lei nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007 – Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 08/02/2007, p.31.
  • 7. 7 globalização, as identidades locais emergem no cenário nacional, contrapondo à idéia de unidade construída ideologicamente para manter a ideia normativa de Estado. O sentimento de alteridade surge articulando o global e o local. Mas será que, na prática, o país está caminhando para esse processo de transição? No que diz respeito às comunidades indígenas do Nordeste que estão distribuídas ao longo da bacia hidrográfica do São Francisco, o debate sobre o direito a diferença é escasso. Podemos comprovar essa afirmativa quando nos deparamos com o pequeno número de estudos nas áreas das Ciências Humanas, que relacionam a importância do rio para esses povos. Na Arqueologia, por exemplo, as produções se resumem à delimitação de sítios arqueológicos ao longo da região, sem a inclusão de projetos de Arqueologia Pública que favoreçam aos grupos. A falta dessas discussões também está refletida nas Políticas Públicas direcionadas a essas comunidades. Há nesse discurso uma intenção de promover ações, mas essas ações têm sempre ficado relegadas ao campo das idéias. No que se refere a comunidades indígenas, na bacia hidrográfica do São Francisco estão distribuídas 32 etnias em 38 territórios. O que equivale a 70 mil pessoas (TOMÁZ et. al., 2009). Alagoas Sergipe Pernambuco Bahia Minas Gerais Akonã Kaxagó Atikum Kantaruré Kaxixó Geripankó Xocó Fulni-ô Kiriri Xacriabá Kalankó Kambiwá Pankararé Karapotó Kapinawá Pataxó Kariri-Xocó Pankaiuká Truká Karuazu Pankará Tumbalalá Katokin Pankararu Tupan Kaxixó Pipipã Tuxá Koiupanká Truká Tingui-Botó Tuxá Xucuru-Kariri Xukuru Figura 1: Quadro dos grupos étnicos que estão distribuídos ao longo da bacia hidrográfica do São Francisco (TOMÁZ et. al., 2009).
  • 8. 8 Figura 2: Mapa com a delimitação da Bacia Hidrográfica do São Francisco em amarelo3 . A região do São Francisco foi e é um importante cenário no contexto indígena do Nordeste. O impacto do empreendimento colonial ao interior do país trouxe consequências irreversíveis para os povos autóctones. Arruti (1995) descreve que a conquista desse território não se deu de forma uniforme, mas foi caracterizada por um movimento irregular, em uma frente de expansão múltipla e complexa, composta por grupos nativos e colonos. Ao longo desse processo, iam insurgindo ilhas pastoris, comerciais ou de subsistência em áreas ésteres ou recheada de tapuia4 . O autor aponta três estratégias de conquista do território, que se deu através da penetração do rio São Francisco pelos agentes coloniais. Tem início, então, o processo de conquista do sertão interior nordestino, realizado através de três estratégias distintas e sucessivas, ainda que por um largo período simultâneas, a estratégia da guerra justa, vieram se sobrepor, sucessivamente, a estratégia da conversão e da mistura, cada uma delas se opondo à anterior, ao mesmo tempo que se revelando fruto dela (ARRUTI 1995:63). 3 Fonte: ANA (Agência Nacional de Águas). Disponível em: http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/arquivos/20120309115449_BACIA_SAO_FRANCISCO_MUNI CIPIOS_A1.pdf Acesso em: 14 de janeiro de 2014. 4 Designação genérica dada pelos tupi a outras etnias não falantes do Tupi. (DANTAS et. al., 1992).
  • 9. 9 A ilha de São Pedro, atual território indígena Xocó, corresponde a uma área de antiga missão fundada no século XVII. Os índios Orumaru (Aramuru) que habitavam a região ajudaram Pedro Gomes, o instituidor do morgado de Porto da Folha, a expulsar os holandeses que ocupavam o baixo São Francisco. Em recompensa, foi-lhes dado o direito de morar nas terras, criando a Missão de São Pedro, regida pelos capuchinhos franceses. Na mesma época, surge próximo a aldeia Pacatuba, sendo um sub aldeamento dos índios Ciocó (Xocó). Nos séculos XVIII e XIX, a disputa pelo território de São Pedro ficou acirrada, primeiro com os descendentes de Pedro Gomes, posteriormente por colonos que viviam próximos ao aldeamento (DANTAS & DALLARI 1980). É importante salientar que, na documentação sobre os índios da Ilha de São Pedro, aparecem diversos etnônimos para os grupos que lá viviam, além dos Orumaru e Ciocó, no século XIX surgem outros etnônimos como: os Ceoroses, que segundo alguns pesquisadores, vieram da Serra de Pão de Açúcar em Alagoas, podendo corresponder à etnia Xocó e os Romariz, que provavelmente seriam aos nativos daquela localidade (DANTAS & DALLARI 1980). Como a maioria dos grupos étnicos do Nordeste, após a promulgação da Lei de Terras em 1850, os aldeamentos foram se transformando em terras devolutas, sob o pretexto de que os grupos que lá viviam estavam incorporados à massa civilizada. Os índios da Ilha de São Pedro, juntamente com outros grupos do Nordeste brasileiro, perderam suas terras. Em 1979, acompanhando os movimentos sociais de ressurgência étnica, os Xocó recuperaram então o direito de posse da Ilha de São Pedro (DANTAS & DALLARI 1980; OLIVEIRA 1993). Com a retomada da terra indígena, os Xocó, como a maioria dos grupos ressurgidos do Nordeste, contaram com apoio de grupos já estabilizados quanto à sua condição étnica. Aspectos como o Ouricuri e o toré foram incorporados a partir do contato interétnico. É importante explicitar que o canal de comunicação desses grupos foi o Rio São Francisco. As relações estabelecidas entre grupos, dentre outros aspectos dessas comunidades tradicionais, podem ser estudadas através do viés das diferentes Arqueologias, dando uma maior amplitude no que diz respeito à importância do rio para as trocas e reciprocidades expressas na materialidade. Além da importância de ampliar as discussões englobando a interação do indivíduo com os diversos universos: terrestre e aquático, a inclusão dessas vertentes da Arqueologia dentro de realidades ribeirinhas pode ampliar o entendimento das gerações que vivem sob influência do rio. Um fator importante dentro da discussão arqueológica
  • 10. 10 são os processos de mudança que o rio sofreu e suas consequências para essas comunidades. Nessa perspectiva, o arcabouço arqueológico relacionado às duas vertentes (Ambientes Aquáticos e Paisagem) pode identificar, através de pesquisas sistemáticas, processos de mudança na região que afetaram as gerações que viviam e vivem às suas margens. Figura 3: Mapa do Estado de Sergipe com a localização do município de Porto da Folha e a Ilha de São Pedro. Elaborado a partir de fontes do IBGE. Disponível em: http://mapas.ibge.gov.br/. O Rio São Francisco vem sofrendo, após a metade do século XX, uma série de intervenções marcadas por projetos desenvolvimentistas. Além das inúmeras hidrelétricas construídas ao longo do seu percurso pelo governo (Três Marias, Sobradinho, Moxotó, Paulo Afonso I, Paulo Afonso II, Paulo Afonso III, Paulo Afonso IV, Itaparica e Xingó), a substituição da cultura de subsistência por monoculturas como soja e cana-de-açúcar, aliada aos grandes projetos de irrigação, trouxeram consequências negativas para o meio ambiente. Exemplos são hoje bem visíveis, como a perda de 95% de sua mata ciliar, assim como a redução da vazão do rio na foz, trazendo o mar 50 km rio adentro. Essas são algumas das consequências do aproveitamento de seu potencial de forma irresponsável (TOMÁZ et. al., 2009). Além do impacto ambiental, há o impacto nas comunidades tradicionais. Paralelarmente às obras no rio ao longo das últimas décadas, está ocorrendo uma substituição do sistema natural de irrigação de cheias e vazantes por sistemas de
  • 11. 11 irrigação artificiais; também ocorrem mudanças que cobrem diretamente outros aspectos sócio-culturais como em sistemas de pesca e sistemas religiosos de alguns grupos. Atualmente, outra preocupação que vem afetando os ribeirinhos é o "Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional", conhecido como projeto de transposição. Realizado pelo Governo Federal, tem como objetivo a construção de 700km de canais de concreto no território de quatro Estados: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O projeto, teoricamente, irrigará a região Nordeste e semiárida do Brasil. O empreendimento vem sofrendo desde o início críticas por diversos segmentos da sociedade, por estar sendo realizado sem um processo de revitalização do rio, e também pelo destino das águas que estão sendo direcionadas para grandes áreas de agronegócio do Nordeste (TOMÁZ et. al., 2009). Desde o início do projeto, discussões se avolumam sobre os impactos negativos do rio sobre o meio ambiente e as populações ribeirinhas. Em 2009 foi lançado um relatório denúncia composto por várias entidades não governamentais informando dados a respeito das consequências negativas dessa obra para as comunidades indígenas da região (TOMÁZ et. al., 2009: 14). No documento podemos ver inúmeros depoimentos sobre o que está acontecendo a esses povos que estão sendo impactados. Abaixo alguns trechos da realidade do projeto para as comunidades tradicionais da região. Sobre a pesca, A água salgada tá chegando até Propriá. Por aí já se pega peixe da água salgada na margem do São Francisco, e nunca foi visto isso. Tá vendo como é as coisas? Tá danificando cada vez mais e eu não estou achando nada disso correto – Pajé Raimundo Xocó. (TOMÁZ et. al., 2009: 13). Sobre o plantio, O Rio São Francisco não só pra os indígenas, mas pra toda população ribeirinha é tudo, porque vocês sabe que o nosso corpo setenta e cinco por cento é água. O nosso corpo setenta e cinco por cento sendo água, o que nós somos sem água? Nada. E esse rio que foi a maior riqueza dos anos passados, daí de Piranhas até Penedo, de um lado e de outro, era cheio de lagoas e lagoas. E as lagoas existem de um lado e do outro. E nelas era plantado arroz nas beiradas, plantava milho, feijão de corda e era uma riqueza e o peixe que ficava... Heleno - Liderança Xocó (TOMÁZ et. al., 2009: 10).
  • 12. 12 Também foi a Barragem de Sobradinho, que trouxe impactos diretos para a agricultura e a pesca deste povo. Com relação à agricultura, após a barragem, os Truká viram-se forçados a mudar sua forma de plantio. O plantio era feito "de vazante", ou seja, nas épocas em que o rio baixava, deixando a terra fértil e rica em matéria orgânica. Todos sabiam quais as épocas do ano em que deveria ser colocada a roça com diversas espécies: feijão, mandioca, milho, cebola, batata, cana de açúcar. Esse era o "tempo da natureza", no qual os índios podiam programar seu trabalho e esperar resultados. Atualmente, as águas do rio dependem do "tempo dos homens" e é extremamente difícil para os índios plantar nas vazantes, pois não existe previsão de quando as águas vão baixar. Com a perda quase total do plantio de vazantes, os índios são obrigados a plantar "de molhação", ou seja, com sistemas de irrigação. Esta forma de plantio requer investimentos financeiros que nem sempre estão disponíveis para as famílias. Trecho do relatório da FUNAI de estudos etnoecológicos Truká, Tumbalalá, Pipipã e Kambiwá (2005) apresentados no relatório denúncia (TOMÁZ et. al., 2009: 14). Sobre a religiosidade, Também nos nosso ritual tem o encantado que a gente se identifica, que tem o encantado das águas e o das matas, então tem essa tradição com rio que a gente nunca deixa de ter (...) Com tanto projeto o rio surpreende. Tem interferência com os Encantados. Tem certo lugar no rio, como uma cachoeira, que é de muita importância. É um local onde a gente tem mais o contato com espiritual. Se o rio baixa tanto a água, aquela cachoeira não tem mais a mesma força que tinha. Então tudo dos nossos Encanto tem haver com a água, como ela tá com o tempo. É uma coisa tão forte o Encantado com nosso ritual que é uma escolha da natureza ele estar naquele lugar. Os Encantados estão naquele lugar da natureza, quanto mais forte a água, mais os Encantados estão presentes. – Cacique Cícero Tumbalalá (TOMÁZ et. al., 2009: 11). Sobre a religiosidade dos povos indígenas do Nordeste, algumas comunidades estão estruturadas a partir de rituais organizados pelos Encantados, que são entidades espirituais que orientam e protegem a vida desses povos; e outras comunidades praticam o Ouricuri, ritual em que o grupo fica recluso na mata e guardam segredo sobre as práticas para os não-índios. Para as comunidades que vivenciam o Ouricuri, como é o caso dos Xocó de Porto da Folha, a expressão cultural liberada para o público em geral se resume no toré. Então sobre aspectos religiosos do grupo, não tem como saber se a prática do Ouricuri em Porto da Folha tem alguma relação com o rio.
  • 13. 13 Foto 1: Festa dos Encantados com diversas etnias que vivem na região que compreende a bacia hidrográfica do São Francisco – Inauguração de um terreiro na área Geripankó em Alagoas. Fonte: Atlas de Terras Indígenas de Alagoas (Allen & Pinto 2005). Os exemplos apresentados mostram a diversidade de situações vivenciadas pelas comunidades tradicionais relacionadas com a bacia hidrográfica. A cultura de subsistência, a pesca artesanal e os rituais relacionados ao universo aquático exemplificam de forma clara a importância do rio para esses povos e a responsabilidade que o poder público tem em gerir a permanência e sustentabilidade desses agentes. Atualmente, nas Ciências Humanas, há discussões relacionadas a desenvolvimento sustentável, manejo e inclusão do saber local para valorização de vozes de minorias étnicas, entretanto essa realidade ainda precisa ser discutida dentro do meio acadêmico, principalmente o da Arqueologia praticada nessas regiões. Podemos exemplificar a escassez de estudos relacionados a essa realidade observando o quadro dos trabalhos realizados que compreende a bacia hidrográfica. Os resultados mostram que, além de não levar em conta a influência dos sítios arqueológicos na sua relação com comunidades locais, as atividades resumem-se ao ponto limítrofe da faixa d’água. Não considerando outras abordagens dentro da Arqueologia, como a de Ambientes Aquáticos, que pode de forma substancial trazer maior amplitude no entendimento de processos sociais locais. Também de vertentes ligadas à Arqueologia da Paisagem no seu formato Pós-Processual.
  • 14. 14 Exemplos são vistos na Arqueologia realizada nos projetos para liberação da área de transposição do Rio São Francisco, realizados pelas equipes da Universidade do Vale do São Francisco (UNIVASF) e do Instituto Nacional de Arqueologia e Paleontologia e Ambiente do Semiárido (INAPAS), onde os resultados até o momento estão associados a sítios terrestres, sem haver menção de equipes com especialização de Arqueologia Subaquática que identifiquem outras modalidades de sítios nas áreas de impacto direto e indireto da obra (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL 2010). Considerações O artigo tentou de forma breve contextualizar a realidade de alguns grupos tradicionais que vivem as margens do São Francisco. O objetivo foi mostrar a diversidade de questionamentos que podem surgir dentro da Arqueologia quando se inclui os diversos ambientes. Um exemplo claro dessa realidade foi durante o levantamento bibliográfico para este artigo, principalmente no que se refere às obras de transposição do São Francisco, quando se constatou a falta de trabalhos direcionados a questões ligadas ao impacto das transformações para as populações que vivem na região, com a rápida transformação da paisagem, que tem como consequência mudanças em diversas esferas: religiosa, econômica, etc. No que se refere às comunidades indígenas, a legislação brasileira na última década vem incorporando modificações que asseguram condições mais favoráveis de exercício de sua pluralidade étnica. A Convenção 169 da OIT5 , ratificada como Lei Federal, destaca três pontos para o respeito à diversidade: a existência de condições sócio-culturais e econômicas diferenciadas de outros setores da sociedade nacional; a possibilidade de uma organização social regida a partir de leis internas, respeitando 5 Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1989 durante a 76ª Conferência que trata dos direitos dos povos indígenas de todo o mundo. A lei internacional foi ratificada no Brasil através de Decreto Legislativo Nº 143, de 20/06/2002, sendo Compreendido pelo Tribunal Superior Federal (STF) como condição necessária e suficiente para a introdução da norma internacional em caráter de Lei Ordinária (URQUIDI, et al., 2008).
  • 15. 15 regras e tradições; e a autoidentificação, entendida como consciência do grupo a respeito de sua identidade étnica. Dentro dessa perspectiva, o que realmente está sendo feito para cumprimento da Lei Federal, no que se refere aos direitos de comunidades tradicionais? Para que fim a Arqueologia está trabalhando, como ferramenta de inclusão ou apenas reproduzindo padrões arcaicos da disciplina? É preciso revisar discursos que privilegiam o modelo hegemônico de ações desenvolvimentistas que não incluem a pauta de ações sustentáveis, bem como promover pontes interculturais que consiga aliar perspectivas, até então invisíveis dentro do universo do Rio São Francisco.
  • 16. 16 REFERÊNCIAS ANTUNES, Clovis. Waconã-Xucuru-Kariri. 1ª ed. Maceió: Imprensa Universitária: 1973. ARRUTI, José Maurício. Morte e Vida do Nordeste Indígena: a emergência étnica como fenômeno histórico regional. Revista de História: FGV, São Paulo, v. 15, n. 8, p.57-94, 1995. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1995/1134>. Acesso em: 03 mar. 2006. Anschuetz, K. F. et al. Archaeology of Landscapes, Perspectives and Directions. Journal of Archaeological Research, Vol. 9, N°. 2, 2001. BALÉE, William. “Sobre a indigeneidade das paisagens”, Revista de Arqueologia, Belém, Vol. 21, No 2, 2008, p. 09-23. BENDER, B. Stonehenge: Making Space. Leamington Spa: Berg, 1998. CAMARGO, Paulo Fernando Bava de. Arqueologia de uma cidade portuária: Cananéia séculos, XIX e XX. São Paulo, 2009 (192 p.) Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. CHIPPINDALE, C.; TAÇON, P. S. C. Through Informed Methods and Formal Methods. In: CHIPPINDALE, C.; TAÇON, P. S. C. The Archaeology of Rock-Art. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 1-9. DANTAS, Beatriz Góis; DALLARI, Dalmo de Abreu. Terra dos Índios Xocó: estudos e documentos. Comissão Pró- Índio/ São Paulo. 1980. DANTAS, Beatriz G. et al. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. In: CUNHA, Manoela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia da Letras: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. DELINO-MUSGRAVE, Virginia E. Maritime Archaeology and Social Relations: british action in the Southern hemisphere. New York: Springer, 2006. DURAN, Leandro Domingues. Arqueologia Marítima de um Bom Abrigo. São Paulo, 2008 (338 p.) Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Lira e Guacira Lobo. 11ª ed. (1ª ed. 1992). Rio de Janeiro: DP & A, 2011.
  • 17. 17 HEAD, Lesley. Unearthing Prehistoric Cultural Landscapes: A View from Australia. Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, Vol. 18, No. 4, 1993. HOFFMANN, Gabrielle. Mundos Submergidos: uma historia de la arqueología submarina. Traducción: Jesús Ruiz. Barcelona: Editorial Planeta S. A., 1987. Knapp, A. Bernard, and Wendy Ashmore. Archaeological landscapes: constructed, conceptualized, ideational. In: Archaeologies of Landscape: Contemporary Perspectives. Edited by Wendy Ashmore, 1999. and A. Bernard Knapp, pp. 1-30. Blackwell Publishers, Oxford. LIMA. Tânia Andrade. Arqueologia Histórica: algumas considerações teóricas. I Seminário de Arqueologia Histórica SPHA/ FNPM (Comunicação). Rio de Janeiro, 1985. Disponível em: http://www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/1989-N5/1989a10.pdf. Acesso em: 31 de novembro de 2013. LIVRO Amarelo: Manifesto Pró-Patrimônio Cultural Subaquático Brasileiro. Campinas: Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática (CEANS), do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (NEE / UNICAMP), 2004. Disponível em www.historiaehistoria.com.br. Acesso em: 20 de janeiro 2014. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Relatório Semestral de Execução (06). Projeto de Integração de Bacias do São Francisco: com bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional. Governo Federal, Brasília, 2010. Disponível em: http://licenciamento.ibama.gov.br/Recursos%20Hidricos/Integracao%20Sao%20Francisco/Relat%F3rios %20execu%E7%E3o%20PBA/Rel%20periodo%20outubro%202009%20a%20mar%E7o%202010/RELA T%D3RIO%20SEMESTRAL%20DE%20EXECU%C7%C3O%20-%2006.pdf. Acesso em 18 de janeiro de 2014. OLIVEIRA, João Pacheco de. “A Viajem da volta: reelaboração cultural e horizonte político dos povos indígenas do Nordeste. In: Atlas das terras indígenas do Nordeste. Rio de Janeiro: PETI/PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 1993. ORSER, Charles. Introdução à Arqueologia Histórica. Tradução: Paulo Funari. Belo Horizonte: Oficina de livros, 1992. PARCERO OUBIÑA, C.; CRIADO BOADO, F; SANTOS ESTEVEZ, M. "La arqueología de los espacios sagrados." Arqueología del Paisaje. Actas del Coloquio Celebrado en Teruel (Septiembre, 1998). Arqueología Espacial 19-29, 507-516. Teruel. Instituto de Estudios Turolenses, 1998. SNEAD, James E.; PREUCEL, Robert W. The ideology of settlement: Ancestral Keres landscapes in the Northern Rio Grande. In Archaeologies of Landscape: Contemporary Perspectives, edited by Wendy Ashmore and A. Bernard Knapp, pp. 169-197. Basil Blackwell, Oxford, 1999. RAMBELLI, Gilson. Arqueologia até debaixo d’água. São Paulo: Ed. Maranta, 2002.
  • 18. 18 RAMBELLI, Gilson. Arqueologia Subaquática do Baixo Vale do Ribeira, SP. São Paulo, 2003. (259 p.). Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. TAÇON, P. 1999. Identifying Sacred Landscapes in Australia: from Physical to Social. In: ASHMORE, W. & KNAPP, B. (ed.). Archaeologies of Landscape. Oxford, Blackwell. pp.: 33-57. TOMÁZ, Alzeni, et. al. (org.). Relatório de Denúncia: Povos indígenas do Nordeste impactados com a transposição do Rio São Francisco. APOINME – AATR – NECTAS/UNEB – CPP – CIMI. Olinda, 2009. Disponível em: http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1241549933_relatapoinmetransp.pdf Acesso em: 15 de outubro de 2013. UCKO, P. J. - LAYTON, R. (Eds.). The Archaeology and Anthropology of Landscape: Shaping your Landscape. London. Routledge, 1999.