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Carlos Henrique Nowatzki
NOÇÕES DE GEOARQUEOLOGIA
2019
CAPA
Fotografia superior:
Arqueólogos escavando o solo no Sítio Arqueológico de Chichén Itzá, Tinum, Yucatán, México (MX), usando o método
estratigráfico. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Fotografia intermediária:
Arenito silicificado com marcas de entalhamento cujo objetivo era separar um bloco a ser utilizado como verga em porta
ou janela de uma estrutura. Pedreira missioneira próximo à Esquina Ezequiel, São Miguel das Missões, Rio Grande do
Sul (RS), Brasil (BR). Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Fotografia inferior:
Parede da igreja da antiga Reducción de San Miguel Arcánjel evidenciando uma grande verga disposta sobre uma
porta do templo. Ruínas do Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões, São Miguel das Missões, RS, BR. Créditos:
Carlos Henrique Nowatzki.
INTRODUÇÃO
A Geoarqueologia é considerada, por alguns, uma disciplina, portanto, um ramo da ciência capaz de ter “luz
própria”. Contudo, para outros, é uma subdisciplina da Arqueologia. Independente do ponto de vista, a Geoarqueologia
usa técnicas e tecnologias das Ciências da Terra na investigação arqueológica.
Por algum tempo empregaram-se os termos Geoarqueologia e Geologia Arqueológica indistintamente e com o
mesmo significado. Há algumas décadas prevaleceu a denominação primeira, basicamente porque é mais abrangente
por envolver outras Ciências da Terra (v.g. Climatologia e Geografia), enquanto esta é restrita aos saberes geológicos
colocados à disposição da Arqueologia.
De modo genérico é possível afirmar que a Geoarqueologia investiga tanto as modificações realizadas pelos
seres humanos no conteúdo sedimentar, quanto aquelas em que o registro sedimentar interfere sobre os artefatos. Por
estas razões, os geoarqueólogos concentram as suas ações investigativas, geralmente, em sítios arqueológicos para
tentar entender as razões da sua localização, da construção do depósito, dos artefatos, das estruturas e da sua
eventual preservação, além do seu significado como registro da história humana.
O passo inicial para a criação da Geoarqueologia foi dado pelo advogado e geólogo escocês Sir Charles Lyell
ao publicar, em 1863, o livro Geological Evidences of the Antiquity of Man with remarks on the origin of species by
variation, onde propunha soluções para alguns problemas arqueológicos empregando métodos geológicos. Muitos
estudiosos da época aderiram às propostas de Lyell, o que contribuiu para a consolidação do ideário geoarqueológico,
o que foi viabilizado por inúmeras publicações. Entre elas citam-se Revue archeólogique (1864) de Édouard Lartet,
paleontólogo francês, Pre-Historic Times (1865) de Sir John Lubbock, banqueiro, filantropo, político e cientista inglês,
Le préhistorique, antiquité de l'homme (1882) de Louis Laurent Gabriel de Mortilllet, arqueólogo e antropólogo francês,
The Antiquity Man in Europe (1914) de James Murdock Geikie, geólogo escocês. A par disto, arqueólogos realizaram
durante aquele período, várias escavações nas quais empregaram as técnicas e os métodos geocientíficos, em
especial o estratigráfico. São exemplos os trabalhos do arqueólogo italiano, Giuseppe Fiorelli, em 1860, em Pompeia,
Itália, de Alexander Christian Leopold Conze, arqueólogo alemão, nas escavações levadas a efeito na ilha grega
Samothrace, em 1873, de Ernst Curtius, historiador e arqueólogo alemão, em 1875, em Olímpia, Grécia, de Sir William
Matthew Flinders Petrie, egiptólogo inglês, em escavações no Egito na década de 1880, de Cyrus Thomas,
entomologista, advogado, climatologista e arqueólogo norte-americano, durante as décadas de 1880 - 1890.
A Arqueologia chegou ao BR em 1834 com o Dr. Peter Wilhelm Lund, naturalista dinamarquês que pesquisou
por mais de 10 anos, grutas calcárias ao longo do Rio das Velhas, Minas Gerais (MG), entre elas a gruta de Lagoa
Santa. Do seu trabalho resultou descobertas de ossos humanos e de diversos animais, datados com idade de 20 000
anos.
Além de Lund, vários estrangeiros promoveram, durante a década de 1950, escavações arqueológicas no
território nacional, nos estados do Amazonas (AM), Pará (PA), Piauí (PI), Mato Grosso (MT) e no litoral brasileiro, entre
eles os importantes trabalhos da norte-americana, Drª Anna Curtenius Roosevelt, que estudou as pinturas rupestres
da caverna de Pedra Pintada, PA, datando-as com cerca de 11 000 anos e os sítios cerâmicos do AM, com idade de
9 000 anos.
Entre os arqueólogos brasileiros, merecem destaque, a partir da década de 1970, (1) os trabalhos da Drª Niède
Guidon em Pedra Furada, PI, que analisou não só as pinturas rupestres que ali ocorrem em número extraordinário,
mas também de restos de alimentos e de carvão, cujas datações apontam para idades superiores a 45 000 anos, (2)
as escavações do Pe. Dr. Pedro Ignácio Schmitz, SJ, em sítios de ancestrais nativos que habitavam os estados do RS,
Goiás (GO), Santa Catarina (SC) e Mato Grosso do Sul (MS), (3) os projetos do Dr. Arno Alvarez Kern efetivados nos
sítios arqueológicos correspondentes as ex-reduções jesuítico-guaranis do RS. Desde 2 000 intensificaram-se as
pesquisas arqueológicas em todo o país, um dos fatores propulsores para a criação de cursos de graduação em
Arqueologia no BR.
A formação de arqueólogos no BR ocorria, anteriormente, a partir da colação de grau em História e a matrícula
(e conclusão) do historiador em algum programa de pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu) em Arqueologia.
Algumas disciplinas de cursos de graduação eram (e ainda são) ofertadas, de modo eletivo, para os interessados, tais
como, Geoarqueologia e Estratigrafia no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Porto Alegre, e, Geoarqueologia no curso de Geologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São
Leopoldo, ambas no RS.
Há alguns anos (década de 1990), o curso de Arqueologia da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro (RJ),
encerrou as suas atividades, mas em 2018, o Ministério da Educação, regulamentou a profissão de Arqueólogo,
impelindo a procura por cursos de formação na dita profissão. Em 2018 existiam 14 cursos de graduação que titulam
os seus alunos em Arqueologia, no BR. A sua distribuição, por estados, era a seguinte: AM (um, público, Manaus),
Bahia (BA) (um, público, Paulo Afonso), GO (um, privado, Goiânia), MG (um, público, Belo Horizonte), PA (um, público,
Santarém), Pernambuco (PE) (um, público, Recife), PI (dois, públicos, Teresina e São Raimundo Nonato), RJ (um,
público, Rio de Janeiro), RS (dois, públicos, Rio Grande e Pelotas), Rondônia (RO) (um, público, Porto Velho), São
Paulo (SP) (um, privado, Santos) e Sergipe (SE) (um, público, Laranjeiras). Destes, a maioria (sete) ofertavam
Geoarqueologia como disciplina obrigatória e dois como optativa. Aparentemente a minoria (cinco) não dispunha de
tais conteúdos nos seus currículos.
O autor deste compêndio não tem a pretensão de esgotar o tema proposto, mas sim o de oportunizar ao maior
número de pessoas, em especial aos futuros arqueólogos e geoarqueólogos, a possibilidade de desvendar, ainda que
de modo elementar, o mundo maravilhoso da Geoarqueologia. A presente obra compõe-se por 7 capítulos, a maioria
com subdivisões:
1. A Geoarqueologia
As rochas e os sedimentos
2. Constituição da Crosta Terrestre
Os sedimentos e o transporte
Modificações pós-deposicionais
Sedimentos clásticos
Sedimentos químicos
Sedimentos piroclásticos
Sedimentos orgânicos
Estruturas sedimentares
3. Os solos
Paleossolos
4. Estratigrafia
Litoestratigrafia
Continuidades e descontinuidades
Pedoestratigrafia
Cronoestratigrafia
Correlação
Instrumentos básicos para orientação em campo: a bússola e o GPS
5. A ocupação humana da paisagem
Fácies, ambiente e sistema deposicional
Ambiente glacial
Ambiente eólico
Ambiente em leque aluvial
Ambiente fluvial
Ambiente litorâneo
Planícies de maré
Deltas
Praias
Ambiente espélico
6. Alteração de um sítio arqueológico
7. Referências bibliográficas
Barra Velha, dezembro de 2019.
Carlos Henrique Nowatzki
1. A Geoarqueologia
A evolução e o aprimoramento dos estudos arqueológicos implicaram na associação da Arqueologia com
outras ciências, entre as quais a Biologia e a Física, de onde se originaram a Arqueobotânica, a Zooarqueologia e a
Arqueometria. As duas primeiras estudam a reconstituição das assembleias biológicas pré-históricas, propiciando a
interpretação do modo de subsistência e a dieta das antigas comunidades humanas e, por extensão, dos constituintes
florísticos e faunísticos da região. A Arqueometria, no que lhe concerne, realiza a datação de objetos arqueológicos e
prospeta geofisicamente sítios enterrados.
A Geoarqueologia é uma disciplina (ou, segundo outros uma subdisciplina) que utiliza os princípios e as
técnicas das Ciências da Terra na solução de problemas arqueológicos. As Ciências da Terra disponibilizam aos
arqueólogos, entre outros saberes, a Geomorfologia, a Sedimentologia, a Pedologia, a Geocronologia, a Geofísica e a
Estratigrafia.
Como o ambiente físico é o local onde se desenvolvem as ações humanas, estudam-se as inter-relações entre
as populações ancestrais e o ambiente que ocupavam (Figura 1.1) por meio das possíveis alterações promovidas por
elas no território, como, por exemplo, o uso dos recursos naturais disponíveis e os processos que conduziram à
formação, preservação e destruição dos sítios arqueológicos e o consequente impacto ambiental.
A Geomorfologia é a ciência que estuda as formas de relevo, o que implica conhecer as suas origens, rochas,
climas e ações endógenas e exógenas que determinaram a morfologia do terreno. Essa ciência pode ser dividida em
Geomorfologia Aplicada, Geomorfologia Climática, Geomorfologia Submarina, etc., merecendo destaque aqui a
Geomorfologia Antropogênica, que analisa a ação humana sobre as formas que constituem a superfície terrestre, como
é o caso do desaterro (desnudação, erosão) e o do aterro antropogênico (acumulação).
Ainda que grandes modificações geológicas na superfície da Terra tenham ocorrido no decurso de milhões de
anos antes da existência do ser humano e não tenham causado interferência direta sobre a nossa espécie, as
mudanças em escala menor de tempo desencadeadas após o surgimento do homem ocasionaram impactos sobre o
nosso modus vivendi. No primeiro caso, estão a formação das grandes cadeias de montanhas e a disposição dos
oceanos e continentes atuais e, no segundo, a posição dos rios e das linhas de costa nas últimas dezenas de milhares
de anos. Independente da escala, qualquer comunidade humana convive com a flora e a fauna de uma região que é
estruturada sobre uma forma de relevo específica, durante determinado tempo.
Já a Sedimentologia é a ciência que estuda os depósitos de materiais sólidos acumulados na superfície ou
próximos a ela, sob baixas temperaturas e pressões. Esses corpos constituem-se por sedimentos que, graças aos
processos diagenéticos1, transformam-se em rochas sedimentares. Os sedimentos são fragmentos de litossomas2 pré-
existentes ou elementos e compostos dissolvidos na água sendo eles, respetivamente, resultantes da ação
desagregadora e/ou decompositora de agentes intempéricos atuando sobre as rochas expostas na superfície.
Entre os objetivos do estudo de um sedimentito3, destacam-se a sua descrição, classificação e interpretação
paleoambiental. A descrição e a classificação são importantes para associar o corpo rochoso aos processos de
formação e para vinculá-lo a um agrupamento de rochas assemelhadas. A interpretação paleoambiental auxilia na
reconstituição do ambiente (paisagem) de deposição ocorrente num ponto da superfície terrestre num certo momento
da história da Terra.
Portanto, é bastante clara a relação entre a Geomorfologia e a Sedimentologia, ainda que nem todos os relevos
reflitam a presença de rochas sedimentares. Contudo, por ocuparem 80% da superfície da Terra as rochas
sedimentares além de assumirem grande importância geomorfológica são também fundamentais para os homens, pois,
é basicamente sobre este espaço que as populações humanas se distribuem.
1
Conjunto de processos físicos e químicos ocorrentes sob baixas temperaturas e pressões que levam a litificação dos sedimentos.
2
Sinônimo de rocha.
3
Rocha sedimentar.
FLORA
Comunidade 2
Comunidade 1 FAUNA
PAISAGEM
CLIMA
Figura 1.1. Ecossistema humano mostrando as relações entre comunidades vizinhas e o meio
ambiente composto por flora, fauna, clima e entorno (paisagem). Fonte: modificado de Fedele 1976.
A Pedologia é a ciência que estuda a origem e o desenvolvimento dos solos. Num sentido mais amplo,
corresponde à parte da superfície terrestre que suporta e mantém as plantas. O seu limite inferior coincide com aquele
da ação dos organismos e do clima; o superior, com a própria superfície terrestre e os limites laterais, com os outros
solos, rochas ou água.
Para o geólogo solo, no sentido lato, compreende todo o manto de intemperismo, camada constituída por
detritos de rochas e minerais e por elementos e compostos químicos. Contudo, para outros profissionais, especialmente
para aqueles que se dedicam à agricultura, compreende a porção delgada da superfície do manto de intemperismo ou
a profundidade penetrada pelas pequenas formas de vegetação e que passa, gradativamente, para o subsolo e, em
subsuperfície, para a rocha sã.
As atividades antrópicas terrestres, quando não realizadas sobre as rochas, o são sobre os solos. Sobre eles
deslocaram-se grandes contingentes humanos à procura de regiões mais favoráveis à sobrevivência, para a fuga da
perseguição de grupos rivais, ou simplesmente para o lazer. Essas movimentações ocorrem desde há muito por
estradas traçadas, na maioria das vezes, sobre os solos. É neles que o homem tem erigido as suas fortificações,
moradias, templos e sepulturas, e é deles que ele extrai a maior parte dos seus alimentos.
Por todas essas razões, não é de surpreender que o solo seja o guardião maior dos tesouros arqueológicos.
A Geocronologia estuda o tempo em relação à geo-história. A cronologia dos eventos pode ser feita de modo
absoluto (idade absoluta) quando se utilizam isótopos de Rb, Sr, Sm, Nd, Pb, U, etc., ou de maneira relativa (idade
relativa). As unidades geocronológicas dispostas hierarquicamente são Éons4, Eras5, Períodos6, Épocas7, Idades8 e
Cronos9. Ossos humanos, peças de cerâmica, restos de fogueiras e alguns utensílios de bronze encontrados em sítios
arqueológicos estão entre os itens possíveis de serem datados. As peças de cerâmica e algumas de bronze podem
ser datadas por termoluminescência, um método de datação absoluta com alcance confiável em torno de 10 mil anos.
A argila possui pequenas quantidades de minerais radioativos, que bombardeiam minerais de quartzo, retirando os
elétrons da sua posição, aprisionando-os na lama. Aquecendo-se a argila a mais de 380 °C, os elétrons retornam à
sua posição original e emitem luz. Medindo-se a quantidade de luz emitida e a de material radioativo ainda restante,
determina-se o tempo transcorrido desde o cozimento da argila.
A matéria orgânica pode ser analisada pelo método do Carbono 14 (14C), cujo alcance, segundo alguns, atinge
40 mil ou 50 mil anos. O 14C é um isótopo instável do Carbono, que surge na parte superior da atmosfera por colisão
entre raios cósmicos e o núcleo do Nitrogênio 14. (14N). Este 14C faz parte da atmosfera e é absorvido pelos animais e
vegetais enquanto vivos. Ao morrerem deixam de absorvê-lo e ele decai para 14N à medida que o tempo passa. Essa
diferença entre a quantidade de 14C e 14N presente nos restos orgânicos é utilizada para datar a matéria orgânica.
A Geofísica estuda, entre outros fenômenos, a gravidade terrestre, o magnetismo, a sismicidade e as
propriedades físicas da crosta terrestre. Um método geofísico muito empregado é o do Radar de Penetração do Solo
(GPR, Ground Penetrating Radar), por meio do qual se obtém uma “radiografia” do subsolo.
O aparelho consiste, basicamente, numa antena transmissora-recetora por onde são enviadas ondas
eletromagnéticas para o interior da Terra (Figura 1.2). Estas são refletidas ao atravessarem corpos com texturas
diferentes, retornando à antena, onde são recebidas e remetidas a um computador que a ela encontra-se acoplado.
Softwares apropriados analisam os dados e transformam-nos, em presença de anomalias, em hipérboles, que
aparecem na tela do computador, as quais, após passarem por tratamento com programas específicos, em laboratório,
tornam-se auxiliares importantes na delimitação de locais de escavação.
Finalmente, a Estratigrafia é o ramo que estuda a sucessão e a idade das rochas e todos os seus caracteres,
propriedades, atributos e paleoambientes. Pode ser estudada sob dois enfoques: o litoestratigráfico e o de sequências
deposicionais. A Estratigrafia tradicional, denominada de Litoestratigrafia, analisa a disposição dos litossomas
dispondo-se as camadas mais velhas na base e as mais novas no topo da unidade. Na Estratigrafia de Sequências,
estuda-se uma sucessão de estratos limitada, na base e no topo, por discordâncias, por não deposição ou por suas
conformidades correlatas, o que corresponde a uma sequência deposicional. Essa é, portanto, uma unidade constituída
por uma sucessão relativamente concordante de estratos relacionados geneticamente.
Entre os diversos métodos de averiguação arqueológica, está o estratigráfico, por meio do qual se promove o
cuidadoso desaterramento da sucessão de camadas que constitui o sítio investigado (Figura 1.3).
Do exposto, podemos concluir que a Geoarqueologia auxilia na (1) avaliação do contexto temporal de
um sítio por meio da Estratigrafia e da Geocronologia, (2) interpretação dos processos naturais de formação de um
sítio e (3) no estudo do contexto da paisagem pré-histórica de um sítio.
4
Maior unidade geocronológica divisora do tempo geológico.
5
Unidade geocronológica que compreende vários Períodos.
6
Unidades geocronológicas que constituem subdivisões de uma Era.
7
Unidades geocronológicas que correspondem a subdivisões de um Período.
8
Subdivisão cronológica com amplitude inferior à de Época.
9
Menor unidade geocronológica.
As rochas e os sedimentos
A matriz de um sítio arqueológico é composta por uma variedade de detritos orgânicos e inorgânicos, tais como
artefatos, ossos humanos e de outros animais, fragmentos de vegetais, sedimentos, solo, etc. Ela constitui-se de
camadas e horizontes que ficam expostos à medida que prosseguem as escavações à busca de informações sobre
determinada comunidade ancestral.
Sedimentos e solos, os principais elementos formadores da matriz, se originam por ação de agentes
intempéricos físicos, entre eles, variações de temperatura, congelação da água em fissuras das rochas, esforço de
crescimento de sais e raízes em rachaduras de litossomas, ou químicos, como dissolução de sais, hidrólise, oxidação,
carbonatação, que ou desagregam (ação física) ou decompõem (ação química) as rochas na superfície da Terra.
2. Constituição da Crosta Terrestre
A Crosta Terrestre é a camada mais superficial da Terra (Figura 2.1). Ela pode ficar exposta, como é o caso
das regiões emersas (continentes ou ilhas) ou se situar sob uma lâmina de águas com maior, ou menor espessura
(lagos, rios, mares, oceanos, etc.). Três são as categorias de rochas que constituem a crosta: as ígneas, as
metamórficas e as sedimentares.
Figura 1.2. Operação com o GPR. A antena transmissora-recetora é deslocada por um
dos geólogos ao longo de linhas-guia estendidas no solo. O outro membro da equipe
transporta baterias às costas e uma plataforma à frente onde descansa um laptop.
Varredura realizada no Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões, São Miguel das
Missões, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Figura 1.3. Escavação arqueológica realizada segundo o método estratigráfico. Ruínas
maias de Chizén Itzá, Tinum, Yucatán, MX. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
As rochas ígneas originam-se do resfriamento do magma, uma massa líquido-pastosa-gasosa que se dispõe
em subsuperfície nas câmaras magmáticas, sendo o produto da fusão de rochas por aquecimento. Essa matéria
fundida pode se resfriar abaixo da superfície quando então se formam as ígneas intrusivas (Figura 2.2) ou em superfície
por ejeção do magma (lava) num processo vulcânico (Figura 2.3).
Figura 2.1. Esquema da Crosta Terrestre e a sua divisão em Crosta Oceânica e Crosta
Continental. O esboço mostra ainda a camada estrutural subjacente denominada
Manto. Fonte: Press e Siever 1999, modificado.
Figura 2.2. Exposição de diabásio, rocha ígnea intrusiva, Formação Serra Geral,
Cretáceo da Bacia Intracratônica do Paraná. Pântano Grande, RS. Créditos: Carlos
Henrique Nowatzki.
As rochas metamórficas (Figura 2.4 A) constituem-se a partir de rochas preexistentes, os protolitos, por ação
de agentes metamórficos, especialmente altas temperaturas e pressões. Os protolitos podem ser rochas ígneas,
sedimentares, ou mesmo outras metamórficas formadas sob grau de metamorfismo mais baixo.
Já as rochas sedimentares podem ser classificadas como (1) clásticas, quando compostas por detritos (também
chamados clastos) advindos de rochas preexistentes por ação do intemperismo (Figura 2.4 B), (2) químicas, se
constituídas por elementos ou compostos químicos que estavam dissolvidos na água, os quais por razões diversas se
precipitaram e cristalizaram (Figura 2.5) e (3) orgânicas, se formadas por restos de organismos (Figura 2.6) ou se a
sua origem estiver associada à atividade metabólica deles.
As rochas têm sido usadas pelo homem desde tempos primevos como utensílios domésticos, armas e material
de construção ou, se providas de cavidades (grutas e cavernas), para moradia, cerimônias religiosas ou sepultamento
de entes queridos. Existem fortes indicativos de que rochas consideradas especiais, como as obsidianas, tenham sido
comercializadas e exportadas por alguns povos durante a Idade do Bronze10.
Nas grutas e cavernas têm sido encontrados vestígios antrópicos importantes, entre eles cinzas de
fogueiras, esqueletos, arte rupestre, restos de alimentos e objetos manufaturados, os quais, além de permitir uma
avaliação sobre o significado que esses abrigos naturais exerciam no imaginário dos nossos antepassados, são
também úteis na reconstituição das suas relações grupais e familiares.
Os sedimentos e o transporte
Quando uma rocha aflora11 torna-se sujeita ao ataque do intemperismo que é condicionado pelo clima
existente na região. Se o clima for árido ou semiárido, quente ou frio, as rochas sofrem desagregação, ato físico de
10
Bronze é uma liga de cobre e não mais que 11% de estanho. O período da história da humanidade que leva o seu nome iniciou em 3,5 mil anos
a.C. no Oriente Médio, em seguimento à Idade da Pedra e precedendo a Idade do Ferro.
11
Fica exposta na superfície.
Figura 2.3. Basalto da Formação Serra Geral (Cretáceo) sobrepostos a arenitos do
Grupo Santa Maria (Triássico). Bacia Intracratônica do Paraná. Novo Cabrais, RS.
Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
A B
a
p
Figura 2.4. A. Gnaisse do Complexo Cambaí, Arqueano do Escudo Sul rio grandense. Vila Nova do Sul, RS. B. Intercalações de
arenitos (a) e pelitos (p), Eopaleozoico da Bacia do Camaquã, Caçapava do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
partição em pedaços menores os quais, mineralogicamente, são iguais à rocha-mãe. Os mais importantes agentes de
intemperismo físico são a variação da temperatura, o crescimento de sais, a congelação da água e o crescimento de
raízes. Contudo, se o clima dominante for úmido ou semiúmido as rochas estarão sujeitas ao intemperismo químico,
decompondo-se e originando produtos diferenciados daqueles da rocha-fonte. A carbonatação, a oxidação e a
dissolução estão entre as principais causas de intemperismo químico. Independentemente de serem originados física
ou quimicamente, os produtos do intemperismo constituem os sedimentos.
Existem cinco categorias de sedimentos: (1) os clásticos, originados pela desagregação da rocha-mãe, (2) os
químicos, oriundos da ação do intemperismo químico, (3) os orgânicos, resultantes da atividade de organismos, (4) os
piroclásticos, provenientes de erupções vulcânicas e (5) os depósitos construídos pelo homem (sambaquis, por
exemplo), os quais se denominam arqueossedimentos (Figura 2.7).
As feições arqueológicas (pinturas e gravações, por exemplo) e utensílios de manufatura antrópica expostos
estão igualmente sujeitos aos ataques do intemperismo, desagregando-se e/ou decompondo-se, constituindo os
chamados artefatos12 (Figura 2.8) em contexto primário13 ou secundário14.
Ainda que muitas vezes essas peças estejam extremamente quebradas elas fornecem preciosas informações
sobre o relevo, a idade e o ambiente onde ocorreu a ocupação humana, bem como sobre os processos responsáveis
pelo registro arqueológico. Por essas razões, os artefatos correspondem a um tipo especial de sedimentação geológica,
pois, são formados por sedimentos arqueológicos podendo esse nível ser considerado um depósito bioestratigráfico15
do ponto de vista geoarqueológico. Os artefatos e as feições arqueológicas resultantes da direta atividade humana
passada encontrada no contexto primário constituem depósitos denominados arqueossedimentos. Contudo, se
artefatos forem encontrados muito afastados de seu contexto inicial devem ser tratados como se fossem sedimentos
comuns e são designados de articlastos.
O transporte dos sedimentos pode se processar fundamentalmente de duas maneiras: a gravitacional e a
hidrodinâmica. Nos fluxos gravitacionais a quantidade de detritos transportados supera em muito a de água no sistema
enquanto no hidrodinâmico observa-se o inverso. As avalanches correspondem ao transporte e à deposição de
sedimentos com tamanhos diversos, realizados por ação da gravidade os quais, uma vez embebidos em abundante
quantidade de lama, originam os chamados fluxos de detritos (debris flow). Já os fluxos hidrodinâmicos subaéreos ou
subaquáticos transportam granulometrias menores, especialmente areias e lamas, sendo os cascalhos deslocados por
cursos de água uma exceção. Não deve ser esquecido que a movimentação de geleiras pode ser responsável por
processos erosivos e deposicionais muito importantes.
É possível, pois, que fluxos gravitacionais, migração de geleiras, fortes correntes eólicas e chuvas torrenciais
que acarretam cheias de grande envergadura desloquem sedimentos naturais e artefatos desde o seu contexto primário
e os ressedimentem em outro sítio (Figura 2.9) ou soterrem povoados e populações inteiras, especialmente se de
caráter catastrófico (Figura 6.1).
12
Artefato designa todo e qualquer material arqueológico.
13
Artefato encontrado na posição em que foi usado ou afetado pelo comportamento humano.
14
Artefato removido do contexto primário.
15
A Bioestratigrafia estuda a distribuição dos fósseis e das rochas que os hospedam no espaço e no tempo.
Figura 2.5. Afloramento de gesso da Formação Santana,
Cretáceo da Bacia do Araripe, Araripina, PE. Créditos: Carlos
Henrique Nowatzki.
Figura 2.6. Rocha sedimentar orgânica constituída por
algas, corais, moluscos, restos de peixes, etc. Litoral da
BA. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Os detritos são transportados pelos fluxos subaquáticos e subaéreos por tração ou suspensão. As
granulometrias mais grossas como os seixos sofrem transporte trativo (arraste e rolamento) enquanto as mais finas
(lamas) deslocam-se por suspensão. As areias são conduzidas por saltação, um processo misto entre tração e
suspensão (Figura 2.10).
Figura 2.8. Artefato de sílex (ponta de flecha) encontrado em sambaqui, Capão da
Canoa, RS. Os habitantes daquela região litorânea viveram no local entre 3 mil a 1 mil
anos a.P. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
SEDIMENTOS
NATURAIS
MATRIZ DO SÍTIO
MATRIZ DO SEDIMENTO MATRIZ DO SOLO
SEDIMENTOS
HUMANOS
ARQUEOSEDIMENTOS CLÁSTICOS QUÍMICOS ORGÂNICOS PIROCLÁSTICOS
Figura 2.7. Esquema de formação da matriz de um sítio arqueológico. Fonte: Waters 1992, modificado.
CONTEXTO
PRIMÁRIO OU
INICIAL
INTEMPERISMO
TRANSPORTE E
DEPOSIÇÃO
SECUNDÁRIA
ALTERAÇÃO
CONTEXTO
FINAL:
DESCOBERTA
E ESTUDO
Figura 2.9. Formação de depósitos sedimentares em que o contexto primário ou inicial se constitui por rochas ígneas, sedimentares
ou metamórficas inalteradas, ou por artefatos. A ação do intemperismo sobre as rochas ou artefatos promove a sua quebra
(desagregação) em pedaços menores ou a sua decomposição, originando os sedimentos que são transportados e depositados num
contexto secundário. A alterações podem ocorrer sobre esse depósito antes da sua descoberta e estudo. Fonte: Rapp Jr. e Hill 1998,
modificado.
Os animais e os vegetais também podem ser responsáveis pelo deslocamento de sedimentos e artefatos. O
pisoteio realizado por animais pode deslocar artefatos menores para níveis inferiores enquanto os maiores se dispõem
sobre eles. Uma mistura de sedimentos ou artefatos pode ser causada pelo movimento de rotação das raízes de
vegetais e pela atividade escavadora de vermes terrestres.
Modificações pós-deposicionais
Uma grande variedade de modificações pode ocorrer num depósito sedimentar ou em leito arqueológico. Elas
são indicativas da sobreposição dos climas e dos ambientes pós-deposicionais e pós-ocupacionais sobre as feições
dos depósitos originais. Em razão do recomeço da ação intempérica sobre esses novos depósitos, surgem solos,
alterações secundárias e acumulações sobre a sedimentação anterior. Todos esses níveis podem ser cimentados por
elementos ou compostos químicos (óxidos de ferro, carbonatos, sílica, etc.), durante os processos diagenéticos,
resultando na litificação dos sedimentos e artefatos o que contribui para a preservação do sítio.
Sedimentos clásticos
Já vimos que o intemperismo físico desagrega as rochas produzindo os chamados sedimentos clásticos. Esses
detritos podem ter tamanhos diferentes sendo classificados e dispostos nas chamadas escalas granulométricas. A
Tabela 2.1 mostra a equivalência entre os tamanhos de sedimentos detríticos naturais (Ingram–Wentworth) e os
artefatos (objetos líticos, metálicos ou cerâmicos).
A composição mineralógica dos detritos é fundamental para a determinação da proveniência do material, pois,
a mineralogia dos sedimentos é dependente da mineralogia das rochas-fonte e do intemperismo que elas sofreram.
O tamanho das partículas (detritos), um dos componentes da textura16, é um dos atributos mais importantes
para classificar geologicamente o depósito. Os clastos maiores que 2 mm incluem os grânulos, os pedregulhos, os
matacões e os blocos de rocha usando-se, às vezes, o termo cascalho (Figura 2.11 A) para citá-los. As dimensões
entre 2 mm e 0,062 mm correspondem as areias (Figura 2.11 B), posicionando-se as lamas (Figura 2.12) abaixo
delas, pois, se tratam de partículas diminutas (de 0,0625 mm a 0,00024 mm) apenas visíveis com o auxílio de lupa ou
microscópio. Os siltes e as argilas são as duas frações que compõem as lamas.
A matriz de um sítio arqueológico pode ser composta por partículas de tamanhos similares ou não, o que a
torna bem ou mal selecionada, respetivamente, refletindo o transporte e o grau de retrabalhamento do depósito,
importantes subsídios para a interpretação paleoambiental.
O grau de seleção é avaliado a partir da medida da dispersão (desvio-padrão) dos tamanhos de grãos em
relação ao tamanho médio de grão do depósito, com valores expressos em phi. Isto não impede que a matriz seja
analisada, em campo, por comparação visual: se 68% das partículas estão entre 1,00 e 2,00 phi, a matriz é pobremente
selecionada, mas, se 68% situam-se entre 0,35 e 0,50 ela será bem selecionada (Figura 2.13). Se 68% dos clastos de
um depósito ou matriz se situam dentro de limites phi específicos em torno do tamanho médio das partículas, eles são
classificados em uma das sete categorias que compõem a escala (Tabela 2.2).
A análise da morfologia e da fábrica das partículas auxiliará na identificação do agente responsável pelo seu
transporte e por sua deposição. O estudo morfológico de uma partícula compreende a classificação da sua forma,
arredondamento, esfericidade e textura superficial.
A forma, nos cascalhos, pode ser oblata, equidimensional, laminar ou prolata e, nas areias, ela refere-se a seu
grau de esfericidade. O arredondamento corresponde ao relacionamento que é feito com a agudeza dos vértices e
arestas das partículas. A esfericidade é a análise comparativa entre uma esfera e o detrito estudado e, finalmente, a
textura superficial se refere aos micros relevos que ocorrem nos grãos. A Figura 2.14 mostra o arredondamento e a
esfericidade dos clastos.
16
A textura é composta pelas partículas, detritos de maior dimensão observada numa rocha sedimentar clástica, matriz, clastos de menor
dimensão que aquelas consideradas partículas e cimento, composto ou elemento químico que cimenta todos os fragmentos.
A B C D
Figura 2.10. Esboço das modalidades de transporte de clastos no meio aquoso. A. Transporte por arraste, fenômeno reservado a
muito grossas granulometrias que migram de arrasto sobre o substrato. B. Transporte por rolamento, meio comum de deslocamento
de seixos os quais rolam sobre o seu eixo maior. C. Transporte por saltação, uma modalidade corriqueira de deslocamento das areias
(misto de suspensão e tração). D. Transporte por suspensão, onde as finas granulometrias (lamas) viajam suspensas no meio
transportante. Fonte: Nowatzki e Zeltzer 1979, modificado.
Tamanho do artefato mm Ingram - Wentworth
Maiores
Acima de 256
Cascalho
Bloco de rocha
256 - 64 Matacão
64 - 32 Seixo muito grande
32 - 16 Seixo grande
16 - 8 Seixo médio
8 - 4 Seixo pequeno
4 - 2 Grânulo
Micro
2 – 1
Areia
Areia muito grossa
1 – 1/2 Areia grossa
1/2 – 1/4 Areia Média
1/4 – 1/8 Areia fina
1/8 – 1/16 Areia muito fina
1/16 – 1/32
Lama
Silte grosso
1/32 – 1/64 Silte médio
1/64 – 1/128 Silte fino
1/128 – 1/256 Silte muito fino
1/256 – 1/512 Argila grossa
1/512 – 1/1024 Argila média
1/1024 – 1/2048 Argila fina
1/2048 – 1/4096 Argila muito fina
ø
A fábrica compreende a análise da disposição dos clastos no depósito (orientação) e do seu espaçamento ou
densidade e as suas relações tridimensionais, grão a grão (empacotamento). As partículas, especialmente os
cascalhos, orientam-se com o seu eixo maior paralelo ou perpendicular à direção do fluxo, sedimentando-se
mergulhados para a montante17, fenômeno denominado, imbricação (Figura 2.11 A).
O empacotamento pode constituir uma fábrica do tipo grão-suportado ou matriz-suportado. O primeiro ocorre
quando clastos da mesma categoria de tamanho encontram-se em contacto, e o segundo, quando o depósito for
pobremente selecionado e grãos da mesma dimensão não se tocarem (Figura 2.15).
Caso o depósito seja composto por frações diferentes são utilizadas terminologias compostas como, por
exemplo, areia siltosa ou silte argiloso.
A presença de cascalhos numa rocha clástica denota que o depósito foi constituído por fluxo hidrodinâmico
(subaquático) de alta energia, por corrente gravitacional ou por ação de geleiras.
17
Os seixos imbricam-se e da sua análise obtém-se a provável localização das cabeceiras de um rio.
Tabela 2.1. Equivalência entre as dimensões de artefatos e de partículas naturais. Os maiores artefatos correspondem a detritos com
dimensões superiores a 2 mm e os menores (micro), aos tamanhos areia e lama (siltes e argilas). Fonte: Rapp Jr. e Hill 1998, com modificações.
A B
Figura 2.11. A. Barra fluvial de canal composta por pedregulhos, seixos e matacões imbricados. A seta indica a direção e o
sentido da corrente. Arroio Arenal, Cachoeira do Sul, RS. B. Marcas de ondulações de interferência em areias de antepraia. A
seta amarela assinala a direção e o sentido do fluxo que originou as marcas onduladas principais, enquanto a seta menor indica
o sentido de deslocamento das correntes que determinaram as ondulações secundárias. Referência: 5 cm de ø. Fortaleza, CE.
Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Desvio padrão Categorias de seleção
Menor que 0,35 Muito bem selecionado
De 0,35 a 0,50 Bem selecionado
De 0,50 a 0,71 Moderadamente bem selecionado
De 0,71 a 1,00 Moderadamente selecionado
De 1,00 a 2,00 Pobremente selecionado
De 2,00 a 4,00 Muito pobremente selecionado
Maior que 4,00 Extremamente mal selecionado
Figura 2.12. Lamas com gretas de contração, estruturas originadas pela
desidratação dos sedimentos. Zona de várzea de ambiente de planície de inundação.
Referência: 15 cm de comprimento. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Tabela 2.2. Relação entre o desvio padrão e as categorias de seleção das partículas de depósitos clásticos ou matriz
arqueológica. Fonte: modificado de Suguio 1973.
Figura 2.13. Escala comparativa visual de seleção dos clastos. Fonte: Compton Jr. 1962, modificado.
A semelhança entre alguns cascalhos e fragmentos trabalhados antropicamente, levou os geoarqueólogos a
denominar de geofatos (Figura 2.16) os clastos naturais, podendo um único sítio abrigar ambos dificultando a
separação deles. Os processos naturais podem criar objetos muitíssimo parecidos com os gerados pela ação humana,
fato que causa problemas, tais como correlacionar um pseudossítio arqueológico com outros já consagrados. Nesse
particular, pode-se usar como exemplo o Sítio Arqueológico de Pedra Furada, localizado no PI, nordeste brasileiro,
pois, estão em debate a idade e a presença de objetos tidos como artefatos, os quais, para alguns membros da
comunidade arqueológica, correspondem a geofatos. Nesse mesmo sítio, a idade atribuída às cinzas de fogueiras (±
50 mil anos a.P.) não é compatível com as teorias que vigoram sobre a cronologia da ocupação do continente
americano pelo homem.
A composição mineralógica das areias pode ser variada, porém, normalmente é de quartzo, um dos minerais
mais resistentes. Apesar de sua pequena dimensão, areias podem ser produzidas por humanos durante o processo
de fabrico de artefatos, sendo denominadas de micro artefatos. Cuidados devem ser tomados para não os confundir
com microgeofatos que são produzidos por abrasão mecânica natural.
Quando presentes com artefatos, os microgeofatos areias podem auxiliar na interpretação do contexto em que
viviam os antepassados, pois, elas são depositadas em ambientes diversos, tais como fluvial, praial (lago, mar, oceano,
laguna), desértico, etc.
Os depósitos de lamas ocorrem em ambientes diversos entre os quais as regiões mais profundas de oceanos,
lagos, mares e estuários, mas também em várzeas de rios e praias dominadas por marés. Por essa razão, é necessário
analisar a associação dos depósitos para definir o paleoambiente em que foram gerados.
Figura 2.14. Escala comparativa visual do arredondamento e da esfericidade dos detritos. Enquanto o grau de arredondamento
aumenta na horizontal, no sentido da seta, o de esfericidade, cresce na vertical, de baixo para cima. Os desenhos inferiores
são de classes com baixa esfericidade e os superiores de alta. Fonte: Compton Jr. 1962, modificado.
Figura 2.15. Em seção delgada, o índice de empacotamento é obtido por meio da percentagem de contatos grão a grão, identificados
ao longo de uma “travessia”, em relação ao número total de contatos registrados ao longo de uma mesma “travessia”. Fonte: Oliveira
2003, modificado de Pettijohn 1975.
As acumulações de lama refletem o baixo nível de energia do agente transportante (água). Contudo, ocorrem
acumulações de silte de origem eólica, denominadas de loess, as quais são desprovidas de estruturas sedimentares
internas.
Enquanto os siltes são, por norma, compostos por quartzo, as argilas apresentam composição mineralógica
variada, tais como caulinita [Al2Si2O5 (OH)4, Figura 2.17], montmorilonita [(Al, Mg)2-3 Si4O10(OH)2.nH2O], ilita [KAl2
(Si,Al)4 O10 (OH)2.nH2O], etc.
As lamas são constituintes básicos usados pelos humanos no fabrico de tijolos, pisos, potes, estátuas, etc.
Significativos depósitos de lamas podem estar refletindo o movimento de subida ou descida do nível das águas
de lagos, oceanos ou mares o que afeta, consequentemente, as populações que habitam as suas margens. Aumento
e queda do nível das águas pode ter expressão mundial, como é o caso das transgressões18 e regressões19 (Figura
2.18) marinhas, movimentos eustáticos20 que atingem os povos litorâneos.
18
Subida do nível das águas oceânicas e a consequente invasão de áreas continentais. O processo é devido, principalmente, ao aumento da
temperatura global que descongela parte das geleiras polares e de altitude.
19
Descida do nível dos oceanos e exposição de regiões costeiras (plataforma continental). Corresponde a períodos de glaciação, quando, por
diminuição da temperatura global aumentam as dimensões das calotas polares e das geleiras de montanhas.
20
Mudança do nível dos oceanos.
Figura 2.16. Desenho de uma lasca de rocha interpretada como artefato (Sítio Arqueológico de
Pedra Furada, PI, Brasil). Este e outros objetos semelhantes recolhidos naquele local, contudo,
são considerados geofatos por alguns arqueólogos. Fonte: Peopling of the Americas, modificado.
Figura 2.17. Fotomicrografia de secção delgada de arenito. 1. Caulinita,
2. Calcita, 3. Quartzo e 4. Poro. Escala (canto inferior esquerdo): 0,1 mm.
Créditos: Dr. Antônio Jorge Vasconcelos Garcia.
1
2
4
3
No registro de um evento transgressivo as lamas das porções mais profundas do corpo de água que avançou
sobre o continente se dispõem sobre os artefatos aí deixados pelos habitantes locais que se deslocaram para as áreas
mais altas. Já no registro de uma fase regressiva, como os moradores se movimentaram no mesmo sentido de
descenso das águas, seus artefatos podem ser encontrados sob deposições transicionais ou continentais que
avançaram à medida que o grande corpo de água regrediu.
Sedimentos químicos
Os sedimentos químicos, compostos ou elementos solubilizados na água, podem se precipitar e cristalizar
nesse meio por saturação, reações entre os compostos ou elementos, ou por evaporação do líquido. Alguns compostos
são muito comuns na formação desses depósitos como, por exemplo, calcita (CaCO3, Figura 2.19 A), sílica (SiO2,
Figura 2.19 B), hematita (Fe2O3), halita (NaCl). Quando as precipitações químicas ocorrem nos poros de sedimentos
clásticos ocasionam a sua cimentação. Constata-se também a presença de carbonatos como produto de processos
pedogenéticos. Além disso, eles podem ser auxiliares na resolução de problemas climáticos, hidrológicos, biológicos e
químicos pretéritos.
O carbonato de cálcio é a sedimentação química mais comum da natureza, podendo se apresentar em formas
diversas: calcário, rocha formada por mais de 50% de carbonato não-detrítico, marga, rocha carbonática com mais do
que 50% de pelitos, giz, carbonato marinho com, no mínimo, 90% de calcita, travertino, rocha densa e compacta
formada em torno de mananciais de água, etc. Em grutas e cavernas onde foram deixados artefatos o travertino, se
ocorrente, envolverá os objetos, possibilitando a sua datação.
Se a origem da rocha sedimentar química for detrítica a classificação segue os mesmos parâmetros dos
sedimentos clásticos. Assim, calcirruditos (figura 2.20) são calcários compostos por partículas maiores do que 2,0 mm,
calcarenitos, aqueles formados por areias carbonáticas e calcilutitos (Figura 2.21), os constituídos por lamas calcárias.
São importantes também para a Geoarqueologia os evaporitos, sedimentitos salinos produzidos pela
evaporação da água, pois, são bons indicadores paleoclimáticos. Deve-se considerar que eles se precipitam em uma
ordem particular, que é inversa à da solubilidade dos sais que se formarão, estabelecendo-se, assim, a sucessão das
mudanças nas condições químicas da água da bacia e nas condições de evaporação.
Figura 2.18. Perfis colunares de depósitos transgressivos (esquerda) e regressivos (direita). A
sucessão transgressiva é de Elias, 1999, e se refere à Formação Rio Bonito, Permiano da Bacia
do Paraná, exposta em Cambai Grande, Vila Nova do Sul, RS. A sucessão regressiva, de autoria
de Paim, 1994, é da Aloformação Serra dos Lanceiros, Bacia de Santa Bárbara, Eopaleozoico,
Caçapava do Sul, RS. Na escala numérica na base do perfil regressivo os números 1 e 2
correspondem a rochas pelíticas. De 3 a 7 a arenitos e de 8 a 10 aos ruditos.
Figura 2.20. Exemplar de calcirrudito. Sx, seixos de calcários retrabalhados. Formação Irati,
Permiano da Bacia do Paraná. Passo São Borja, São Gabriel, RS. Créditos: Carlos Henrique
Nowatzki.
Figura 2.19. A. Minerais de calcita. B. Quartzo (ametista), uma das formas de cristalização da sílica. Créditos: Dr. Marco Antônio
Fontoura Hansen.
A B
A
Sx
3 cm
A calcita, a halita, a gipsita (CaSO4.2H2O, Figura 2.22) e a anidrita (CaSO4), são minerais que podem surgir
por evaporação da água sendo então chamados de evaporitos.
Análises quantitativas e qualitativas de fosfatos têm sido propostas como indicadoras do uso do solo pelos
humanos. Nas áreas de cultivo há concentração de fosfato de alumínio e ferro, muito solúvel, e um limite nítido entre
eles e a apatita e o fosfato de cálcio, outras duas categorias de fosfatos. Nas regiões de florestas ocorre uma pequena
quantidade de apatita e fosfato de cálcio em proporções grosseiramente semelhantes às do fosfato de alumínio e às
do ferro. Em locais outrora habitados, as quantidades daqueles fosfatos são praticamente as mesmas.
Sedimentos piroclásticos
Os sedimentos piroclásticos, às vezes referidos como tefra (Figura 2.23), são compostos por partículas sólidas
ejetadas durante erupções vulcânicas explosivas. Esses materiais compostos de detritos das rochas encaixantes,
daquelas que formavam o conduto vulcânico, de fragmentos de litossomas geradas em processos eruptivos
precedentes e de vidro, podem constituir a matriz de um sítio.
Blocos, bombas, lapilli e cinza são os termos designativos dos tamanhos de sedimentos piroclásticos. Os
blocos, detritos angulares, e as bombas, lavas ejetadas que resfriam no ar e são arredondadas ou fusiformes, possuem
dimensões maiores do que 64 mm. Já os lapilli que acumulados formam um depósito chamado de tufo vulcânico, o
tufito, quando consolidado (Figura 2.24), apresentam detritos com tamanhos entre 64 mm e 2 mm e as cinzas,
fragmentos com diâmetros inferiores a 2 mm, podem ser transportadas muito além da área vulcânica.
Os depósitos piroclásticos podem ser datados diretamente (datação absoluta), o que torna possível determinar
a idade de camadas de outros sedimentos ou de solos com os quais estejam intercalados.
A
B
Figura 2.21. Amostra de calcilutito laminado da
Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe,
Crato, CE. A. Vista geral da amostra. B. Detalhe que
destaca a delicadeza das lâminas. Créditos: Carlos
Henrique Nowatzki.
Figura 2.22. Gipsita, um mineral do grupo dos evaporitos. Créditos: Dr. Marco Antônio Fontoura
Hansen.
O termo vulcanoclástico designa um depósito formado por mais do que 50% de fragmentos piroclásticos que
foram erodidos de seus sítios originais, transportados e redepositados misturados com sedimentos clásticos.
Sedimentos orgânicos
Detritos de animais e de vegetais podem ter origem autóctone21 ou alóctone22 sendo, nesse último caso,
transportados e acumulados como se fossem sedimentos terrígenos23. Alguns desses depósitos, além de serem muito
importantes na interpretação paleoambiental e nos processos de formação dos solos, possibilitam a sua datação
relativa ou absoluta. Quando os sedimentos apresentam alta concentração de matéria orgânica, eles são chamados
de carbonosos, fenômeno devido à expressiva taxa de sedimentação, portanto, rápido soterramento, bem como das
condições anóxicas24 do meio onde se sedimentaram. A ausência ou escassez de oxigênio livre tem proporcionado,
em alguns sítios arqueológicos, excelente preservação de sementes, vestimentas, artefatos de madeira, cabelos,
polens e restos humanos, como em alguns lagos suíços e do norte da Inglaterra e pântanos de Tollund (Dinamarca) e
da Florida (USA). São igualmente importantes para a preservação dos organismos, além da anoxia do habitat, a
espessura da lâmina de água para prevenir o ataque de carniceiros e de insetos, a baixa temperatura do líquido e a
presença do ácido tânico (tanino) para preservar as partes externas do corpo.
21
Formado in situ.
22
Material provindo de fora do local onde se encontra sedimentado.
23
Sedimentos compostos por clastos de rochas intemperizadas e erodidas no continente que foram transportados e depositados em outra área
continental ou marinha.
24
Ausência de oxigênio.
Figura 2.23. Rocha piroclástica composta por lapilli (A) mergulhados em malha de cinzas (B).
Origem: Cordilheira dos Andes, Chile. Amostra da coleção da Drª Delia Pilar Montecinos de Almeida.
Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Figura 2.24. Amostra de tufito, Antártica, coletada pelo Dr. Marco Antônio Fontoura Hansen. Créditos:
Carlos Henrique Nowatzki.
2 cm
A
B
2 cm
Turfa e sapropel são as formas mais comuns de depósitos carbonosos: a primeira originada de restos vegetais,
e a segunda, de vegetais e animais. Na turfa, os clastos estão praticamente ausentes, mas as estruturas vegetais são
ainda visíveis, pois, a decomposição é incipiente; no sapropel, em que se observa uma acumulação de material
orgânico muito fino no fundo, de lagos, pântanos e lagunas, há uma mistura com silte e argila.
Estruturas sedimentares
Estruturas sedimentares são feições que ocorrem em sedimentos podendo ser preservadas quando os
mesmos são, posteriormente, litificados. As estruturas correspondem aos aspectos principais da organização do topo,
da porção interna e da base das camadas sedimentares.
Elas podem ser classificadas em estruturas inorgânicas e orgânicas. As inorgânicas subdividem-se em pré-
deposicionais, se formadas antes da sedimentação dos leitos imediatamente superpostos, singenéticas, quando
devidas a processos físicos ocorrentes durante a deposição dos sedimentos e epigenéticas, se originadas após o
assentamento deles. As estruturas orgânicas são resultantes da ação de animais e vegetais sobre os sedimentos já
depositados.
A sedimentação aparentemente ocorre de maneira contínua, mas, ela é alternada a períodos de não-deposição
e até mesmo de erosão. Esses depósitos limitados alternadamente a fases não-deposicionais ou erosivas são
designados estratos (strata), enquanto os planos que os separam são os de estratificação (bedding planes). Assim, um
estrato (stratum) é um leito de sedimentos que é litológica, textural ou estruturalmente diferente dos estratos, ou leitos
superpostos, soto-postos ou adjacentes. Ele será uma camada se sua espessura for superior a 1 cm e uma lâmina, se
inferior. Uma camada pode ser originada em um único evento rápido, como cheias, ou em um processo lento, como a
decantação das lamas em um corpo de água. Já as lâminas representam flutuações do fluxo durante a fase de
construção da camada.
A análise das estruturas sedimentares é um importante auxiliar na interpretação paleoambiental do depósito
sedimentar e do meio ambiente ocupado pelos primitivos seres humanos habitantes do local.
A variedade de estruturas sedimentares é muito grande, porém, aqui serão tratadas apenas as mais
corriqueiras.
As gretas de contração e as marcas de pingos de chuva, feições inorgânicas pré-deposicionais, são estruturas
que se desenvolvem no topo de camadas sedimentares lamíticas depositadas subaquaticamente, mas, posteriormente
expostas. As primeiras surgem pela desidratação das lamas, daí resultando esforços de tensão com o consequente
surgimento das gretas (rachaduras) que podem se encurvar pelo ressecamento (Figura 2.25 A). No segundo caso, as
lamas expostas e ainda plásticas recebem os impactos das gotas de forte, mas efêmera, chuva, cujo registro
corresponde a pequenas e numerosas cavidades como crateras (Figura 2.25 B).
Também os turboglifos são estruturas sedimentares pré-deposicionais subaquáticas formadas
inorganicamente. Um fluxo de água se desloca de maneira turbulenta formando vórtices (redemoinhos), que cavarão
o substrato se ele for lamoso e estiver em estado plástico. Essas marcas de desbaste são depressões digitiformes,
cuja porção mais profunda e estreita indica a montante e a região mais rasa e larga, a jusante. A feição (cavidade) é
posteriormente preenchida por sedimentos (areias, por norma), originando às chamadas marcas de sola, pois, se
situam na base do arenito superposto (Figura 2.26).
A B
3 cm
Figura 2.25. Estruturas sedimentares formadas no topo de camadas. A. Gretas de contração encurvadas em fino leito de
lamas. Referência: 5 cm de ø. B. Marcas de pingos de chuva sobre depósito lamítico. Ambas são estruturas inorgânicas pré-
deposicionais. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
As laminações e as estratificações cruzadas, as laminações e estratificações paralelas horizontais, as
laminações cruzadas cavalgantes (climbing-ripples laminations), o acamamento lenticular (lenticular bedding), o
acamamento ondulado (wavy bedding), o acamamento flaser (drapeamento de lama, flaser bedding) e a laminação ou
estratificação cruzada espinha de peixe (herringbone cross-lamination, herringbone cross-stratification) são estruturas
singenéticas inorgânicas localizadas no interior das camadas.
As primeiras são lâminas ou camadas sedimentadas em um, ou mais ângulos em relação ao mergulho original
da unidade, o que ocorre devido ao deslocamento de formas de leito25 onduladas de pequeno, médio ou grande porte.
Correspondem às deposições de sedimentos, normalmente areias, na região frontal das marcas de ondulações. As
dunas26 eólicas, por serem formas de leito (marcas de ondulações) de grandes dimensões, dão origem a estratificações
cruzadas de grande porte (Figura 2.27 A).
Quando as lâminas e os estratos são paralelos ao plano de estratificação ou entre si, formam a laminação ou
a estratificação paralela horizontal. A gênese da feição, se em depósitos areníticos, é devida ao transporte e à
deposição das areias em alta velocidade (regime de fluxo superior) e, se em sedimentação lamítica (Figura 2.27 B), à
deposição por decantação a partir de um fluxo em baixíssima velocidade ou até mesmo parado (regime de fluxo
inferior). Em ambos os casos, a forma de leito é plana.
A laminação cruzada cavalgante (Figura 2.28) é originada pela migração de marcas de ondulações deslocadas
por corrente ou por onda (crescimento lateral realizado pela corrente ou onda), atuando sobre sedimentos não-
coesivos, normalmente silte ou areia, e seu simultâneo crescimento vertical (crescimento vertical por decantação de
sedimentos). A laminação cruzada cavalgante (climbing-ripple lamination) e o acamadamento lenticular (lenticular
bedding) também são estruturas sedimentares singenéticas.
Ocorrem todas as transições entre os acamadamentos lenticular e ondulado e o drapeamento de lama. No
primeiro, lentes (linsen) de silte ou areia, isoladas ou conectadas, encontram-se mergulhadas em leitos de argilas
(Figura 2.29). No acamadamento ondulado (wavy), os leitos contínuos de areia (ou silte) alternam-se com os níveis
também contínuos de argilas (Figura 2.30). Já no drapeamento de lama (flaser), níveis contínuos ou descontínuos de
lama estão dispostos sobre marcas de ondulações (Figura 2.30). Tais marcas subaquáticas, originadas por tração,
podem ser cobertas por lama decantada durante uma fase de quietude do fluxo ou das ondas. Com a posterior
reativação da corrente (ou ondas), mais sedimentos siltosos ou arenosos são tracionados e depositados sobre as
lamas. Nesse processo, pode haver erosão total ou parcial dos sedimentos lamíticos, sendo bastante comum sua
preservação nas calhas das marcas de ondulação.
A laminação (ou estratificação) cruzada espinha de peixe (Figura 2.31) é aquela cujas camadas adjacentes
apresentam lâminas (ou estratos) frontais com direções opostas separadas por fino leito de lama depositada durante
o intervalo que separa a maré cheia da vazante.
A estrutura se origina em regiões costeiras marinhas (oceânicas) rasas, onde a reversibilidade completa no
sentido do fluxo é possível, isto é, onde haja a ação dominante de marés.
25
É o depósito visto de cima.
26
São marcas de ondulações de grande porte que podem ter a crista reta, dunas 2D, ou sinuosa, dunas 3D.
Figura 2.26. Turboglifos (marcas de sola) em camada de arenito. A seta indica a direção e o sentido
da paleocorrente. Referência 2 cm de ø. Aloformação Varzinha, Ordoviciano da Bacia do Camaquã,
Caçapava do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Figura 2.28. Laminação cruzada cavalgante (climbing-ripple lamination) em arenito da Formação Sanga do Cabral,
Permotriássico da Bacia do Paraná. Cerro Partido, Encruzilhada do Sul, RS. Corrente no sentido da parte inferior
direita para a superior esquerda. As finas lâminas amarronzadas mais escuras são de argilas depositadas no lee das
marcas de ondulações. Fotografia: Juliana Missiaggia Vargas.
Figura 2.27. Estruturas sedimentares singenéticas. A. Estratificação cruzada festonada de grande porte originada por
migração de dunas eólicas (dunas 3D). Seta: direção e sentido médio das paleocorrentes. Aloformação Pedra Pintada,
Ordoviciano da Bacia do Camaquã, Santana da Boa Vista, RS. B. Laminação paralela horizontal em ritmitos
psamíticos (amarelos) e lamíticos (roxos) lacustres. Referência: cabeça do martelo com 15 cm de comprimento.
Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, Araripina, PE. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
A
3 m B
Figura 2.29. Marca de ondulação por corrente unidirecional, em corte longitudinal, evidenciando laminação cruzada
tangencial. A ondulação está contida entre lâminas de argilas constituindo uma linsen. Os grânulos e areias ocorrentes
nos foresets e nas lâminas de argilas são clastos pingados. A corrente desloca-se da esquerda para a direita.
Referência: 2 cm de ø. Formação Itararé, Permocarbonífero da Bacia do Paraná, Trombudo Central, SC. Créditos:
Juliana Missiaggia Vargas.
W
D
F
Figura 2.30. Acamamento ondulado (wavy) composto por lâminas de arenitos intercaladas a leitos de argilas. Os
círculos destacam bioturbações. Membro Serrinha, Formação Rio do Rasto, Permotriássico da Bacia do Paraná, São
Gabriel, RS. Créditos: Juliana Missiaggia Vargas.
As estruturas sedimentares epigenéticas apresentam uma grande variedade de tipos. Elas podem ser formadas
durante a sedimentação dos detritos da camada superposta por deformação dos níveis inferiores e superiores ainda
plásticos, por processos químicos desenvolvidos sobre ou dentro da camada que passa, então, a hospedar a estrutura
ou, ainda, por ação bioturbadora de seres vivos.
Os pseudonódulos são estruturas sedimentares deformacionais. Quando sedimentos mais densos, tais como
areia, assentam-se sobre níveis de detritos mais finos (v.g. lamas), portanto, menos densos, as camadas ou lâminas
perturbam-se de tal forma que o nível superior pode chegar a se fracionar, e as partes desprendidas mergulham no
leito inferior (Figura 2.32 A). Estas estruturas também podem ser devidas ao deslocamento de ondas sísmicas geradas,
talvez, por terremotos.
Talvez o exemplo mais comum de estrutura resultante de processos químicos seja a concreção (Figura 2.32
B), cuja origem, contudo, pode ser singenética ou epigenética. As singenéticas são aquelas formadas na interface
água-sedimento, e as epigenéticas surgem durante os processos diagenéticos, dispondo-se no interior da rocha. A sua
morfologia é esferoidal, discoidal ou esférica com tamanho e composição variáveis (CaCO3, FeO2, SiO2, etc.). O
processo de formação implica a existência de um núcleo, orgânico ou inorgânico, em torno do qual se colocam,
concentricamente, elementos ou compostos com afinidade química.
A B
Figura 2.32. Estruturas sedimentares epigenéticas. A. Afloramento com níveis de arenitos (amarelos) intercalados a lamitos
(roxos). Logo abaixo da referência (5 cm de ø) são visíveis diversos pseudonódulos de arenitos mergulhados numa camada
lamítica. Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, Araripina, PE. B. Concreção calcária (1 m de ø) em folhelhos
da Formação Serra Alta, Permiano da Bacia do Paraná, SC. Fotografias: Carlos Henrique Nowatzki.
Figura 2.31. Arenito com laminação cruzada espinha de peixe. No destaque as lâminas da porção inferior
indicam paleocorrente para a direita e as superiores para a esquerda. Separando os dois níveis, há uma
fina lâmina de argilas com cor clara depositada durante a parada da corrente e reversão da maré.
Formação Rio Bonito, Referência: 5 cm de ø. Permiano da Bacia do Paraná, afloramento da Barrocada,
Caçapava do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Os oólitos (Figura 2.33 A) e pisólitos (Figura 2.33 B) são casos particulares de concreções. Correspondem a
corpos esferoidais que se originam pela agitação da água onde se formam (marinhas rasas ou em cavernas). Um
núcleo, normalmente inorgânico (areia de quartzo, por exemplo), dá início à deposição de carbonato de cálcio por
atração química, enquanto o fluxo gira lentamente o esferoide que, paulatinamente, aumenta de dimensão. Os oólitos
possuem tamanhos entre 0,2 mm e 2 mm, e os pisólitos, acima desta dimensão.
Já as estruturas orgânicas ou bioturbações surgem da atividade orgânica e resultam na bioturbação, ou mesmo
na destruição das estruturas primárias inorgânicas dos sedimentos (Figura 2.34 A e B). Quando essas feições estão
presentes em rochas, denominam-se icnofósseis.
3. Os solos
O solo, um corpo natural e tridimensional, resulta da ação do intemperismo sobre as rochas expostas na
superfície terrestre, sendo caracteristicamente formado por frações gasosas, líquidas e sólidas, minerais e compostos
Figura 2.34. Icnofósseis. A. A porção mediana inferior do arenito mostra expressiva bioturbação. Formação Rio Bonito.
Testemunho da perfuração IB-98/RS realizada pela CPRM. Permiano da Bacia do Paraná, RS. B. Pegadas de dinossauro em
lamito com gretas de contração da Formação Souza, Cretáceo da Bacia do Rio do Peixe, Souza, PB. Créditos: Carlos
Henrique Nowatzki.
A B
A B
Figura 2.33. Calcário oolítico (A) e pisolítico (B). Paleoceno (Terciário Superior) da Bacia de Itaboraí, Itaboraí, RJ. Referência:
1,7 cm de ø. Créditos: Juliana Missiaggia Vargas.
orgânicos, qualidades que podem permitir que aí se desenvolva vida vegetal. Eventualmente, pode sofrer modificações
de ordem antrópica.
Por se tratar de uma superfície morfológica estabilizada, o que é importante para a agricultura, o solo pode
conter restos humanos ou possuir registros de sua ocupação (v.g. artefatos).
Observado em corte (perfil vertical), consiste em horizontes ou camadas diferentes do material intemperizado
(regolito) resultante da desagregação e/ou decomposição da rocha-mãe que o originou, pois, nele ocorreram
acréscimos, subtrações e deslocamentos de materiais, além de transformações de energia.
Seu limite superior é a atmosfera, enquanto o inferior, não bem definido, é a rocha-mãe ou materiais
inconsolidados (saprolito). Lateralmente, contata com outros solos, rochas, sedimentos, aterros ou corpos de água.
Solo autóctone é aquele gerado diretamente sobre a rocha-mãe, ou seja, ele se forma in situ; solo alóctone
origina-se em local diferente de onde se encontra a rocha-fonte dos sedimentos. Independente desse aspecto, o solo
se caracteriza por se constituir em uma sucessão de distintos horizontes verticais formados por ação intempérica sobre
os sedimentos. As diferenças observadas no perfil são condicionadas pela composição da rocha-mãe e de suas
estruturas (fatores geológicos) e pela ação biótica e climática (fatores pedogenéticos). É exigido, portanto, que o
depósito sedimentar esteja em equilíbrio com o ambiente, pois os processos erosivos e deposicionais devem ser pouco
significativos. Ainda que os solos sejam extensos lateralmente, suas características podem variar em razão da duração
do intemperismo, da variabilidade climática, da rocha-mãe, da cobertura vegetal e da topografia.
Quatro são os processos que atuam para transformar sedimentos em solo: (1) a adição na superfície de clastos,
matéria orgânica, íons, etc., (2) a transformação de substâncias no solo, tais como matéria orgânica em húmus e
minerais primários em argilas, íons e óxidos, (3) a transferência vertical para baixo de materiais no solo, chamada
eluviação, entre os quais compostos húmicos, argilas, íons e óxidos, que irão se acumular em um horizonte inferior
designado iluvial (os materiais sólidos e dissolvidos também podem subir graças à capilaridade da água do lençol
freático ou por ação biológica) e (4) a remoção dos constituintes do solo (v.g. íons e óxidos). Essa remoção pode ser
muito intensa, e o material dissolvido pode ser carreado para a água subterrânea.
Esses quatro processos originam a formação de horizontes diferentes, os quais constituem o perfil de solo. Os
horizontes básicos de um solo completo e bem desenvolvido são designados pelas letras maiúsculas O, A, E, B e C
reservando-se o R para a rocha-mãe (Figura 3.1). Solos ricos em matéria orgânica (Organossolos) são nominados
com a letra H. Às letras maiúsculas podem ser agregados algarismos arábicos, se existirem subdivisões em um
horizonte, ou letras minúsculas, se houver necessidade de realçar alguma característica particular.
O horizonte O é essencialmente composto por restos vegetais; o A, de cor escura, é composto por minerais
misturados a grande quantidade de matéria orgânica; já a cor do horizonte E é clara, pois as argilas, siltes e areias
finas são lixiviadas pelas águas de percolação. Os materiais provenientes dos horizontes superiores que sofreram
lixiviação27 acumulam-se no horizonte B e, por essa razão, ele tende a apresentar cores avermelhadas pelo acúmulo
de óxidos de ferro. O horizonte C é a rocha-mãe decomposta e desagregada, que, no caso de solo autóctone, encontra-
se inalterada logo abaixo, recebendo a letra designativa, R.
As principais propriedades dos solos que podem ser observadas em campo são as cores, as texturas e as
estruturas. O pH, a mistura mineral, o conteúdo em matéria orgânica e em carbonato de cálcio, o tipo e a quantidade
de íons, cambiáveis ou não, podem, normalmente, ser determinadas em laboratório.
A cor, propriedade adquirida durante os processos de formação do solo, corresponde a uma alteração da cor
original dos sedimentos e pode ser indicativa da composição química ou do conteúdo em matéria orgânica que ele
possui. As cores de cinza-claro a branco podem ser devidas à presença de CaCO3 ou de uma intensa lixiviação; o
preto e o marrom-escuro retratam, normalmente, alto conteúdo em matéria orgânica; os tons avermelhados sugerem
a presença de óxidos de ferro e os azulados, a de ferro reduzido.
Os solos possuem uma proporção relativa de argila, silte e areia, denominada textura, que se agregam
naturalmente originando os agregados ou torrões.
A classificação granulométrica dos solos (Tabela 3.1) evidencia a não-coincidência entre todos os limites de
suas frações e aqueles dos clastos que constituem as rochas sedimentares clásticas (Tabela 2.1).
O conteúdo em areia, silte e argila é utilizado para classificar os solos em arenosos, siltosos, argilosos ou
lamíticos, estes últimos, uma mistura de areia, silte e argila, mas com predomínio das duas últimas frações (Gráfico
3.1).
27
Processo de retirada de material solúvel por água de percolação.
Granulometria dos solos
Pedra Acima de 60 mm
Pedregulho grosso 60 mm a 20 mm
Pedregulho médio 20 mm a 6 mm
Pedregulho fino 6 mm a 2 mm
Areia grossa 2 mm a 0,6 mm
Areia média 0,6 mm a 0,2 mm
Areia fina 0,2 mm a 0,06 mm
Silte 0,06 mm a 0,002 mm
Argila Abaixo de 0,002 mm
O
A
E
B
C
R
Horizonte de acumulação orgânica
Horizonte de atividade biótica
Horizonte onde ocorrem processos eluviais (lixiviação de
argilominerais, óxidos, etc.)
Horizonte onde ocorrem processos iluviais (acumulação de
argilominerais, óxidos, etc.)
Saprolito
Rocha-mãe
Figura 3.1. Perfil ideal de solo autóctone e seus horizontes.
Tabela 3.1. Classificação granulométrica dos solos brasileiros, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Os agregados ou torrões formam a estrutura do solo e podem separar-se uns dos outros por rachaduras ou
planos de fraqueza que determinam sua classificação em quatro categorias principais: estrutura prismática, laminar,
em bloco e globular. O solo será considerado maciço (Figura 3.2 E) quando não apresentar rachaduras.
A estrutura prismática tem os topos e as bases dos prismas achatados (Figura 3.2 A); a laminar é aquela
constituída por partículas arranjadas ao longo do plano horizontal (Figura 3.2 B); a estrutura em bloco mostra-se como
cubos imperfeitos com lados relativamente planos (Figura 3.2 C) e, finalmente, a globular (Figura 3.2 D), que é
composta por torrões com superfícies irregulares lembrando esferoides.
Figura 3.2. Estruturas dos solos. A.
Prismática. B. Laminar. C. Em
blocos. D. Globular e E. Maciça (sem
estrutura). Fonte: modificado de
Waters 1992.
A B C
D E
Gráfico 3.1. Gráfico triangular mostrando o domínio dos diversos solos quanto à granulometria.
Fonte: Lepsch 1976, modificado.
A classificação dos solos obedece a alguns parâmetros, tais como, presença ou ausência de horizonte
superficial, ou subsuperficial, clima, componentes químicos, matéria orgânica, etc. A Classificação Brasileira de Solos
compreende 14 diferentes Classes de 1.º Nível Categórico (ordens): Alissolos, Argissolos, Cambissolos, Chernossolos,
Espodossolos, Gleissolos, Latossolos, Luvissolos, Neossolos, Nitossolos, Organossolos, Planossolos, Plintossolos e
Vertissolos.
Alissolos (Figura 3.3 A): são compostos por minerais, apresentam horizonte B textural28 ou nítico29, possuem
alto conteúdo de alumínio extraível. Caso ocorra horizonte plíntico30, ele não se situa acima do horizonte B nem coincide
com a porção superficial desse horizonte; essas mesmas condições são válidas se estiver presente o horizonte glei31,
o qual se inicia, porém, abaixo dos 50 cm de profundidade.
Argissolos (Figura 3.3 B): solos formados por minerais, mostrando horizonte B textural com argila
imediatamente abaixo do horizonte A. Se estiver presente o horizonte plíntico30 ou o glei31, não estarão acima nem
serão coincidentes com a parte superior do horizonte B textural.
Cambissolos (Figura 3.3 C): compostos por material mineral ou hístico no horizonte A, seguido de horizonte B
incipiente altamente saturado com bases e argilas. Este horizonte não coincide com o horizonte glei31 até 50 cm de
profundidade, nem com horizonte plíntico30, nem tampouco com horizonte vértico até 100 cm de profundidade. Não há
horizonte chernozêmico.
Chernossolo (Figura 3.3 D): são solos escuros que, além do material mineral, apresentam alto conteúdo em
argilas, bases e ausência de Al+++. O horizonte A é chernozêmico enquanto o B é textural, incipiente ou nítico29,
podendo, às vezes, estar sobreposto a um horizonte C cálcico ou carbonático. Seu pH varia de levemente ácido a
altamente básico.
Espodossolos (Figura 3.3 E): constituídos por material mineral, cujo horizonte B situa-se logo abaixo do
horizonte E ou A, entre 200 cm a 400 cm de profundidade. A matéria orgânica se concentra no horizonte B.
Gleissolos (Figura 3.3 F): formados por material mineral, cujo horizonte acinzentado (glei31) situa-se logo acima
do horizonte A ou E, nos primeiros 150 cm de profundidade. Caso esteja presente horizonte plíntico30 este localiza-se
em profundidade acima dos 200 cm.
Latossolos (Figura 3.3 G): essa categoria de solo é composta por minerais e apresenta horizonte B latossólico32
abaixo do horizonte A.
Luvissolos (Figura 3.3 H): tais solos são constituídos por minerais e argila com alta saturação por bases e
horizonte B textural ou horizonte B nítico29 soto-postos a horizonte A fraco33, horizonte A moderado34, horizonte A
proeminente35 ou a horizonte E. Caso o horizonte plíntico30, ou o glei31 estejam presentes, não devem coincidir com a
porção superficial do horizonte B textural.
Neossolos (Figura 3.3 I): esses solos não apresentam o horizonte B por serem pouco desenvolvidos.
Nitossolos (Figura 3.4 A): são compostos por minerais e possuem horizonte B nítico29 e argila situada abaixo
do horizonte A ou nos primeiros 50 cm do horizonte B.
Organossolos (Figura 3.4 B): apresentam horizonte O ou H hístico com teor de matéria orgânica cerca de 0,2
kg/kg de solo e espessura mínima de 40 cm.
Planossolos (Figura 3.4 C): solos formados por minerais; ao horizonte A ou ao horizonte E, segue-se o
horizonte B plânico36. Se o horizonte plíntico30 estiver presente, não se mostra como Plintossolo; se ocorrer o horizonte
glei31, este coincide com o horizonte B plânico.
Plintossolos (Figura 3.4 D): correspondem a solos constituídos por minerais, apresentando horizonte plíntico30
ou horizonte litoplíntico37 com cores claras (avermelhadas, amareladas, acinzentadas, brancas).
Vertissolos (Figura 3.4 E): são solos compostos por minerais, apresentam o horizonte vértico e são
desprovidos do horizonte textural B, além de possuírem teor de argila de, no mínimo, 30%; ocorrem fendas verticais
durante a época de estiagem, ausência de material em contato com rocha ou horizonte petrocálcico38, ou duripã39 nos
primeiros 30 cm desde a superfície, ausência do horizonte B acima do horizonte vértico. Quando ocorrentes em áreas
irrigadas, inexistem fendas, e a expansibilidade linear é de 6 cm ou mais.
28
Horizonte mineral subsuperficial areno-argiloso. O conteúdo em argila é maior que o do horizonte A.
29
Horizonte mineral subsuperficial não hidromórfico argiloso; a argila não provém, na maior parte, do horizonte A.
30
Horizonte subsuperficial caracterizado pela espessura mínima de 15 cm e pela presença de plintita igual ou acima dos 15% (mistura de argila
com pouco carbono orgânico e rica em ferro ou ferro e alumínio, quartzo e outros materiais).
31
Horizonte subsuperficial caracterizado pela espessura mínima de 15 cm e pela presença de ferro reduzido; é fortemente influenciado pelo lençol
freático e pela atividade biológica consumidora de oxigênio.
32
Horizonte mineral subsuperficial cujos minerais primários menos resistentes estão quase ou totalmente decompostos. Apresenta quantidades
variáveis de óxidos de ferro e de alumínio e argilominerais, quartzo e outros minerais mais resistentes.
33
Horizonte mineral superficial fracamente desenvolvido.
34
Horizonte mineral superficial não enquadrável nas demais definições de horizontes superficiais.
35
Horizonte mineral superficial que difere do horizonte chernozêmico por apresentar saturação por bases inferior a 65%.
36
Horizonte subsuperficial com estrutura colunar, prismática, em blocos angulares, às vezes maciça, de cores acinzentadas.
37
Horizonte subsuperficial endurecida por ferro ou ferro e alumínio, desprovido ou com pouca ocorrência de carbono orgânico.
38
Horizonte subsuperficial endurecido por carbonatos.
39
Horizonte mineral subsuperficial cimentado por sílica e ainda, não raro, óxidos de ferro e carbonato de cálcio.
A B C
D E F
G H I
A
B
C
A
E
B
A
B
C
A
B
C
A
E
B
C
A
C
A
B
A
B
C
A
C
R
Figura 3.3. Perfis esquemáticos de alguns solos. A. Alissolo. B. Argissolo. C. Cambissolo. D. Chernossolo. E.
Espodossolo. F. Gleissolo. G. Latossolo. H. Luvissolo. I. Neossolo.
A B C
E
Paleossolos
Todo solo que vier a ser soterrado constituirá um paleossolo (Figura 3.5), um bom indicador de um intervalo
de não-deposição. Como o solo apenas se desenvolve quando o relevo for estável, o paleossolo também é um
excelente marcador temporal de um período de estabilidade.
Eles podem ser reconhecidos por apresentar raízes fósseis, acúmulo de fitólitos40, nódulos de calcário,
bioturbação e aumento de matéria orgânica no horizonte A fóssil. Há, no paleossolo, enriquecimento em umidade por
aproximação com o lençol freático, em compostos como TiO2, Al2O3 e Fe2O3 e perda em CaO, CaCO3 e P2O5, além da
concentração de vanádio e zinco nas argilas. Suas cores são mais claras que os solos não-soterrados, exceto naqueles
horizontes saturados de água que preservam o carbono orgânico.
Graças à compressão sofrida pelos paleossolos, registra-se neles uma maior quantidade de artefatos ou de
restos humanos quebrados. Esse potencial será tanto maior quanto mais pronunciada for a diferença de
compressibilidade entre a matriz do sítio e a dos objetos arqueológicos.
O paleossolo pode se tornar exposto por erosão da cobertura passando, então, a se denominar paleossolo
exumado. Por outro lado, também existem os paleossolos relictos, ou seja, aqueles que, por razões diversas, não foram
soterrados ou erodidos e, mantiveram-se durante o passar do tempo. Caracteristicamente, representam condições
climáticas e biológicas pretéritas diferentes e mais vigorosas do que as atuais, as quais, por serem mais débeis, são
incapazes de modificar ou destruir o antigo solo, superpondo-se a ele.
A ocorrência de um paleossolo é diagnosticada por meio do levantamento e do reconhecimento de certas
feições em campo e em laboratório, as quais se encontram relacionadas na Tabela 3.2.
Em razão do soterramento, proximidade do lençol freático, compactação, etc., duas categorias de paleossolos
mostram uma pobre ou inexistente separação em horizontes: os Paleoprotossolos, que são solos imaturos, e os
Paleovertissolos, que, por efeito de perturbação, não registram horizoneamento algum. Ocorrendo bom
horizoneamento, pode-se designar o paleossolo de Paleogleissolo.
É comum denominar-se de Calcissolo o paleossolo que apresenta horizonte cálcico (carbonato de cálcio) com
calcretes41 e caliche42; Gipssolo, aquele que é rico em sulfato hidratado de cálcio autigênico; Paleoargissolo, o com
alto conteúdo em argila; Paleoespodossolo, se ele possuir significativa presença de matéria orgânica e ferro, e
Oxissolo, se ele for formado por extensa alteração de minerais in situ.
A experiência tem demonstrado que nem sempre é possível estabelecer uma estreita associação entre os
processos responsáveis pela formação dos solos atuais e aqueles desenvolvidos sobre os antigos solos, pois as ações
40
Depósitos microscópicos de opala ou oxalato de cálcio, formados entre e nas células de plantas.
41
São antigos caliches muito endurecidos.
42
Superfície endurecida que se constitui na superfície de regiões semiáridas ou áridas quentes por ascensão de água subterrânea rica em
carbonato de cálcio. A água evapora, e o carbonato se deposita nos espaços entre os clastos que formam o solo.
A
B
E
A
H
A
B
B
C
A
B
C
Figura 3.4. Perfis esquemáticos de
solos. A. Nitossolo. B. Organossolo.
C. Planossolo. D. Plintossolo. E.
Vertissolo.
D
naturais inorgânicas e orgânicas desencadeadas sobre o solo, após o seu soterramento, podem alterá-lo de modo
significativo.
CRITÉRIOS PARA O RECONHECIMENTO DOS PALEOSSOLOS
CRITÉRIOS DE CAMPO
CRITÉRIOS GEOLÓGICOS
Grande extensão areal: pode atingir quilômetros de extensão.
Espessura reduzida: a média varia entre 0,50 m a 3 m.
Limite superior: é comum que seja bem definido.
Limite inferior: sempre é transicional.
Meia cana: num perfil vertical, o paleossolo é mais erodido que os demais componentes do perfil.
Cor: marrom escuro a negro (+ novos); arroxeados (+ velhos).
Estruturas: em bloco (comum em solos paleozoicos), prismática e esferoidal (comuns em solos quaternários).
Horizontes: horizonte B é o horizonte que pode, normalmente, ser individualizado.
Crostas e concreções químicas.
CRITÉRIOS PALEONTOLÓGICOS
Raízes e troncos: em posição de vida.
Crotovinas: pedotúbulos (vegetais) e escavações de invertebrados e vertebrados (icnofósseis).
Ninhos: de escarabeídeos e vespídeos in situ.
Restos esqueletais e pisadas (icnitos) de vertebrados.
CRITÉRIOS DE LABORATÓRIO
Micromorfologia: estudo de ocos, aspectos pedológico e matriz do paleossolo em seção delgada.
Propriedades texturais: análise da alteração granulométrica do horizonte B por iluviação dos clastos de
horizontes superiores.
Análise de crostas calcárias: interpretação dos processos de mobilização dos carbonatos.
Composição mineralógica: auxilia na caracterização de paleossolos.
Datação: C14, K-Ar, etc.
4. Estratigrafia
Figura 3.5. Paleossolo ou geossolo (seta) exposto em uma boçoroca às margens da RS 508 entre
Santa Bárbara do Sul e Palmeira das Missões, km 8, RS. A rocha-mãe (abaixo da seta) é constituída
por arenitos eólicos, os quais, na região, ocorrem nas formações Serra Geral (intertrápicos),
Botucatu e Sanga do Cabral (Nowatzki et al. 1999). Créditos: Tânia Lindner Dutra.
Tabela 3.2. Critérios de campo e de laboratório, empregados no reconhecimento de paleossolos. Fonte: Andreis 1981, modificado.
Já vimos, no capítulo 1. Geoarqueologia, que o estudo estratigráfico pode ser realizado por meio da
Litoestratigrafia (estratigrafia tradicional) ou da Estratigrafia de Sequências (estratigrafia moderna). Até a presente data
são empregados métodos litoestratigráficos em estudos arqueológicos, pois permitem análises e interpretações em
áreas tão restritas como 1 m2 ou menos (microestratigrafia), ao contrário da Estratigrafia de Sequências.
As relações temporais e espaciais entre sedimentos e solos são estabelecidas porque os ambientes
deposicionais são dinâmicos, estão sujeitos a constantes mudanças que se refletem em estágios de agradação43,
estabilidade44 ou degradação45. Como o reconhecimento dessas relações é importante na interpretação arqueológica,
pode-se facilmente deduzir o papel desempenhado pelas análises estratigráficas na separação temporal de distintas
assembleias de artefatos e de feições de origem antrópica existentes num sítio arqueológico. Além disso, é fundamental
estabelecer os contatos vertical e horizontal entre os sedimentos e os solos antes, durante e após a ocupação humana
do local, bem como determinar se as mudanças ali ocorridas tiveram causas naturais ou se foram provenientes de
desequilíbrios ambientais promovidos pelos indivíduos daquela comunidade.
A investigação estratigráfica é realizada em um sítio arqueológico com a intenção de alcançar os seguintes
objetivos: (1) agrupar o solo e os sedimentos em unidades estratigráficas físicas a partir da observação de suas
características e de seus contatos; (2) ordenar essas unidades estratigráficas na sua sequência temporal original: as
mais velhas deverão posicionar-se na base do perfil, e as mais novas, no topo; (3) determinar as idades das unidades
estratigráficas e o tempo decorrido de agradação, estabilidade e, se for o caso, degradação delas, e (4) correlacionar
as unidades estratigráficas do sítio com a estratigrafia regional e do entorno.
As unidades estratigráficas foram definidas pelos geocientistas de forma a descrever e categorizar o
conhecimento sobre os 4,6 bilhões de anos do nosso planeta. As divisões e combinações de sucessões de sedimentos
e solos são realizadas de acordo com as composições, texturas, idades, discordâncias e conteúdo fossilífero, o que
permite tratá-las como unidades litoestratigráficas46, cronoestratigráficas47, aloestratigráficas48, bioestratigráficas49,
pedoestratigráficas50, litodêmicas51, etc., nem todas adotadas na Arqueologia, pois ela desenvolve suas investigações
sobre objetos e acontecimentos que, normalmente, ocorreram até 30 mil anos a.P. ou pouco mais. Por isso, nas
atividades arqueológicas investigativas, são empregadas, com algumas adaptações, as unidades litoestratigráficas,
pedoestratigráficas e cronoestratigráficas.
Litoestratigrafia
Como já visto anteriormente, o objetivo primordial da litoestratigrafia é dividir e combinar as sucessões de
sedimentos de um sítio arqueológico para ordená-los como pacotes expressivos, reconhecíveis e distintos, constituídos
como unidades litoestratigráficas, que possuem composições, texturas e estruturas diferentes de pacotes laterais,
superpostos e soto-postos. Essas unidades são identificadas apenas pelas características físicas e propriedades dos
sedimentos que as compõem, portanto, os artefatos, os restos da flora, fauna e a idade do pacote não são considerados
na sua definição.
Os sedimentos componentes de uma unidade litoestratigráfica foram depositados durante um dado intervalo
temporal; a quantidade específica de tempo representada numa única unidade pode variar de lugar para lugar. As
unidades litoestratigráficas são, por norma, transgressivas no tempo, colocando-se as mais velhas na base e as mais
novas na direção do topo, fenômeno que também pode ser observado lateralmente quando, então, uma unidade pode
ser mais velha em um local e mais nova em outro. Tal é o caso dos depósitos de barra em pontal, constituídos na
porção convexa das curvas de rios, em particular os meandrantes, que avançam lateralmente na planície de inundação,
percorrendo de um lado do vale ao outro. Em decorrência, a datação radiométrica de elementos da flora e da fauna
indicará idades decrescentes para o depósito no mesmo sentido de deslocamento do canal fluvial.
A grandeza da transgressão também é função do valor temporal representado pela deposição da unidade, ou
seja, a natureza transgressiva do pacote e seus limites diminuirão à medida que a quantidade de tempo representada
pela unidade decresce. Deposições de curta duração correspondem à natureza transgressiva de tempo diminuto, que
são normalmente desprezadas, tais como, por exemplo, os tufos vulcânicos que representam um evento eruptivo rápido
(horas a poucos anos). Já o exemplo da deposição das barras em pontal, citado acima, reflete uma duração maior para
a formação da unidade.
A transgressão no tempo é avaliada pela datação direta da unidade litoestratigráfica estudada e daquelas
superpostas e soto-postas com as quais se limita. Como os artefatos, cinzas de fogueiras, esqueletos, restos de
plantas, etc., componentes dos sítios arqueológicos brasileiros possuem idade normalmente inferior a 15 mil anos, a
datação pelo método do 14C tem apresentado resultados muito satisfatórios. Apesar disso, são exigidos cuidados
especiais na coleta de amostras e na análise dos dados finais, pois os objetos datados podem ter sofrido alguma
contaminação. Esse é o caso da datação de níveis com conchas calcárias, pois o carbonato de cálcio pode ser
dissolvido pelo ácido carbônico (H2CO3) contido na água das chuvas percolantes; o carbonato, assim liberado, desloca-
43
Domínio da deposição.
44
Equilíbrio entre acumulação e erosão, condição essencial para formação de solo.
45
Domínio da erosão que remove os sedimentos e os solos.
46
Unidade composta por um conjunto de rochas distintas e limitada por suas características litológicas, independentemente de sua história
geológica ou de conceitos cronológicos.
47
Unidades imateriais usadas para dividir o tempo com base em elementos geocronológicos.
48
Unidades limitadas por discordâncias.
49
Unidade representada por um pacote de camadas com determinado conteúdo fossilífero distinto das rochas adjacentes.
50
Unidades que consistem em corpos de rochas compostos por um ou mais horizontes pedológicos ocorrentes em uma ou mais unidades
litoestratigráficas, litodêmicas ou aloestratigráficas definidas.
51
Unidades compostas por rochas que, diferentemente das litoestratigráficas, apresentam aspectos litoestruturais diversos daquelas e, também,
por não observarem o princípio da superposição.
se por lixiviação desde um nível superior para outro, inferior, onde se acumula. Se este último também contiver conchas,
há uma grande possibilidade de que a data original do depósito seja mascarada (Figura 4.1).
Segundo o Código Brasileiro de Nomenclatura Estratigráfica, ocorrem as seguintes categorias de unidades
litoestratigráficas formais: Supergrupo, Grupo, Subgrupo, Formação, Membro, Camada, Complexo, Suíte e Corpo
(Tabela 4.1).
UNIDADE CARACTERÍSTICAS
Supergrupo É formado pela reunião de grupos com características litoestratigráficas inter-relacionadas.
Grupo É constituído pela associação de duas ou mais formações com feições ou características litoestratigráficas
comuns. As formações que compõem o grupo não necessariamente são as mesmas em toda a área de ocorrência.
Subgrupo É composto apenas por algumas formações de um grupo.
Formação
Unidade litoestratigráfica fundamental constituída por um corpo de relativa uniformidade litológica, contínuo e
mapeável em subsuperfície ou na superfície. Ela se diferencia fisicamente das formações adjacentes, superpostas
e soto-postas, podendo apresentar espessura e extensão variáveis e representar intervalo de tempo longo ou
curto, mas devendo ser mapeável ou traçável por longas distâncias.
Membro Faz parte de uma formação e apresenta características litológicas próprias que o distinguem do restante da
unidade a que está confinado.
Camada
Unidade litoestratigráfica formal de menor hierarquia, com dimensões milimétricas a métricas. Corresponde a um
litossoma em uma sucessão estratificada, que se distingue das rochas adjacentes pela litologia. Ela não se
apresenta restrita a uma formação ou membro, podendo estender-se para outras unidades formais mantendo sua
denominação.
Complexo É formado pela reunião de rochas de diversos tipos (sedimentares, ígneas ou metamórficas).
Suíte Associação de rochas intrusivas ou metamórficas de alto grau, de diversos tipos.
Corpo Associação de rochas intrusivas ou metamórficas de alto grau, formadas apenas por um tipo de rocha.
Continuidades e descontinuidades
Um aspecto importante na interpretação dos depósitos sedimentares que é extensível à Arqueologia é o do
contato ou limite entre as unidades litoestratigráficas. O limite corresponde a uma superfície contínua entre rochas de
um mesmo grupo (v.g. sedimentares) ou de grupos diferentes (v.g. sedimentar-metamórfica). Enquanto os contatos
abruptos podem estar indicando mudanças rápidas no processo de transporte, os gradacionais retratam as alterações
Figura 4.1. Perfil estratigráfico arqueológico realizado em MS com o objetivo de, entre outros, recolher amostras (conchas)
para datação com 14
C. Os resultados deixam evidentes os problemas de amostragem e a contaminação dos níveis conchíferos,
pois não são continuamente decrescentes em idade para o topo do corte representado. Fonte: Schmitz et al. 1998, modificado.
Tabela 4.1. Unidades litoestratigráficas brasileiras com as suas propriedades destacando a formação, que é a unidade fundamental.
ambientais gradativas mais transgressivas no tempo, e os erosivos evidenciam o término das condições sedimentares
construtivas na área e o advento das destrutivas.
Os contatos de continuidade e descontinuidade são marcados fisicamente por superfícies planas ou irregulares.
Existem duas possibilidades quanto ao limite vertical entre as unidades litoestratigráficas: limites de
conformidade ou de continuidade e os de não-conformidade ou de descontinuidade. Ele é de conformidade quando
aparentemente inexiste quebra importante na sedimentação, ou seja, quando ela for contínua e não houver registro de
evento erosivo maior. O contato conformante pode ser abrupto (abrupt), gradacional (gradational) ou intercalado
(intercalated); por essa razão, os artefatos aí encontrados foram ressedimentados ou estão in situ sendo indicativos da
ocupação humana daquela superfície e do seu rápido e contínuo soterramento.
O contato abrupto (Figura 4.2) caracteriza-se por uma repentina e marcada mudança na composição, textura
ou estrutura dos sedimentitos, ou sedimentos formadores das unidades que se limitam, coincidindo com os planos de
acamadamento deposicional formados pelas variações nas condições locais de deposição. Justamente devido às
flutuações no processo deposicional, esses planos de acamadamento são pequenos hiatos52 de curta duração (poucas
horas ou anos), chamados diastemas. No contato intercalado (Figura 4.3), ocorre uma zona de transição de finos leitos
interestratificados das litologias ou sedimentos das unidades soto-posta e superposta. Finalmente, no limite gradacional
(Figura 4.4), há uma zona de transição onde se misturam rochas sedimentares ou sedimentos das unidades inferior e
superior.
Os limites representam eventos erosivos ou um intervalo temporal de não-deposição. Eles significam uma
ausência de registro entre os sedimentos que constituem o leito soto-posto e o superposto, o que equivale a dizer que
há uma lacuna temporal entre às duas camadas. O geoarqueólogo pode deparar-se, então, com três situações: (a) os
artefatos que, porventura, aí existiram foram erodidos, (b) podem ser encontrados misturados artefatos com idades e
origens diferentes se o limite é uma superfície de ressedimentação e (c), mesmo que pareça tratar-se de um sítio num
contexto primário, os artefatos podem estar representando diversas ocupações sobrepostas em uma superfície
estabilizada.
As descontinuidades, também chamadas discordâncias, são limitadas por superfícies que representam
quebras na sedimentação, com duração de centenas ou milhares de anos de não-deposição (superfície estabilizada)
ou erosão (degradação do relevo). Quando os processos deposicionais reativam-se no local, a superfície estabilizada
é erodida ou soterrada, representando descontinuidade o lapso de tempo decorrido entre os fenômenos pedogenéticos
(superfície estabilizada) ou erosivos e a nova fase deposicional.
52
Intervalo na sedimentação.
Figura 4.2. Contato abrupto entre camadas de arenitos da
Formação Palermo, Permiano da Bacia do Paraná. Na parte
inferior do testemunho ocorre um nível muito bioturbado que
é abruptamente cortado, para o topo (seta), por laminações
cruzadas truncadas por ondas. Testemunho da perfuração
IB-177/RS realizada pela CPRM em Cachoeira do Sul, RS.
Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
Figura 4.3. O retângulo salienta o contato
intercalado entre níveis de arenito muito grosso
na base e arenito muito fino siltoso no topo.
Formação Palermo, Permiano da Bacia do
Paraná. Testemunho da perfuração IB-177/RS
realizada pela CPRM em Cachoeira do Sul, RS.
Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
As discordâncias (Figura 4.5) podem ser de quatro tipos: discordância angular (angular unconformity), quando
duas sucessões sedimentares apresentam mergulhos diferentes, pois o conjunto rochoso mais antigo sofreu
dobramento ou basculamento antes de ser erodido e de, sobre ele, se assentar a sucessão mais jovem; discordância
litológica (nonconformity), quando uma sucessão de rochas sedimentares se assenta sobre rochas ígneas ou
metamórficas, correspondendo a superfície de descontinuidade a diversos ciclos de erosão; discordância erosiva
(disconformity), quando ocorre uma superfície irregular de erosão (paleorrelevo) entre duas sucessões de rochas
sedimentares não-perturbadas, com paralelismo dos planos de estratificação e, finalmente, discordância paralela
(paraconformity), quando duas sucessões de sedimentitos essencialmente paralelos não mostram os sinais da
descontinuidade, o que só pode ser detectado por comparação do conteúdo fossilífero entre elas.
Assim como uma unidade litoestratigráfica é finita na vertical, ela também o é lateralmente (Figura 4.6). O
contato lateral pode ser abrupto (abrupt) quando uma unidade trunca erosivamente outra; em cunha, (pinchout) no
caso de uma unidade extinguir-se progressivamente na forma de cunha; interdigitado (interfingering), quando ocorrer
recorrência entre duas unidades vizinhas cujos níveis deposicionais são em forma de cunha, e gradacional (gradational)
se o contato lateral gradual e indistintamente muda de uma unidade para a outra.
Discordâncias podem ser inferidas pela presença de depósitos residuais (lag), compostos por um conjunto de
artefatos em regiões de deflação53 eólica, de solo ou nível intemperizado soterrado, ou ainda por mudanças no
mergulho de camadas entre unidades litoestratigráficas sedimentares. Seu caráter erosivo é resultado de abrasões
eólicas, fluviais, glaciais, gravitacionais, marinhas ou de processos transgressivos e regressivos costeiros, e, as
discordâncias podem estar indicando que os artefatos encontrados nesses limites foram redepositados e não estão em
contexto primário.
53
Remoção de fragmentos menores pelo vento com consequente acumulação dos detritos maiores.
Figura 4.4. Testemunho de perfuração com contato gradacional granodecrescente para o topo
entre brecha e arenito. Formação Sanga do Cabral, Triássico da Bacia do Paraná. São
Leopoldo, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
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  • 1. Carlos Henrique Nowatzki NOÇÕES DE GEOARQUEOLOGIA 2019
  • 2. CAPA Fotografia superior: Arqueólogos escavando o solo no Sítio Arqueológico de Chichén Itzá, Tinum, Yucatán, México (MX), usando o método estratigráfico. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Fotografia intermediária: Arenito silicificado com marcas de entalhamento cujo objetivo era separar um bloco a ser utilizado como verga em porta ou janela de uma estrutura. Pedreira missioneira próximo à Esquina Ezequiel, São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul (RS), Brasil (BR). Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Fotografia inferior: Parede da igreja da antiga Reducción de San Miguel Arcánjel evidenciando uma grande verga disposta sobre uma porta do templo. Ruínas do Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões, São Miguel das Missões, RS, BR. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 3. INTRODUÇÃO A Geoarqueologia é considerada, por alguns, uma disciplina, portanto, um ramo da ciência capaz de ter “luz própria”. Contudo, para outros, é uma subdisciplina da Arqueologia. Independente do ponto de vista, a Geoarqueologia usa técnicas e tecnologias das Ciências da Terra na investigação arqueológica. Por algum tempo empregaram-se os termos Geoarqueologia e Geologia Arqueológica indistintamente e com o mesmo significado. Há algumas décadas prevaleceu a denominação primeira, basicamente porque é mais abrangente por envolver outras Ciências da Terra (v.g. Climatologia e Geografia), enquanto esta é restrita aos saberes geológicos colocados à disposição da Arqueologia. De modo genérico é possível afirmar que a Geoarqueologia investiga tanto as modificações realizadas pelos seres humanos no conteúdo sedimentar, quanto aquelas em que o registro sedimentar interfere sobre os artefatos. Por estas razões, os geoarqueólogos concentram as suas ações investigativas, geralmente, em sítios arqueológicos para tentar entender as razões da sua localização, da construção do depósito, dos artefatos, das estruturas e da sua eventual preservação, além do seu significado como registro da história humana. O passo inicial para a criação da Geoarqueologia foi dado pelo advogado e geólogo escocês Sir Charles Lyell ao publicar, em 1863, o livro Geological Evidences of the Antiquity of Man with remarks on the origin of species by variation, onde propunha soluções para alguns problemas arqueológicos empregando métodos geológicos. Muitos estudiosos da época aderiram às propostas de Lyell, o que contribuiu para a consolidação do ideário geoarqueológico, o que foi viabilizado por inúmeras publicações. Entre elas citam-se Revue archeólogique (1864) de Édouard Lartet, paleontólogo francês, Pre-Historic Times (1865) de Sir John Lubbock, banqueiro, filantropo, político e cientista inglês, Le préhistorique, antiquité de l'homme (1882) de Louis Laurent Gabriel de Mortilllet, arqueólogo e antropólogo francês, The Antiquity Man in Europe (1914) de James Murdock Geikie, geólogo escocês. A par disto, arqueólogos realizaram durante aquele período, várias escavações nas quais empregaram as técnicas e os métodos geocientíficos, em especial o estratigráfico. São exemplos os trabalhos do arqueólogo italiano, Giuseppe Fiorelli, em 1860, em Pompeia, Itália, de Alexander Christian Leopold Conze, arqueólogo alemão, nas escavações levadas a efeito na ilha grega Samothrace, em 1873, de Ernst Curtius, historiador e arqueólogo alemão, em 1875, em Olímpia, Grécia, de Sir William Matthew Flinders Petrie, egiptólogo inglês, em escavações no Egito na década de 1880, de Cyrus Thomas, entomologista, advogado, climatologista e arqueólogo norte-americano, durante as décadas de 1880 - 1890. A Arqueologia chegou ao BR em 1834 com o Dr. Peter Wilhelm Lund, naturalista dinamarquês que pesquisou por mais de 10 anos, grutas calcárias ao longo do Rio das Velhas, Minas Gerais (MG), entre elas a gruta de Lagoa Santa. Do seu trabalho resultou descobertas de ossos humanos e de diversos animais, datados com idade de 20 000 anos. Além de Lund, vários estrangeiros promoveram, durante a década de 1950, escavações arqueológicas no território nacional, nos estados do Amazonas (AM), Pará (PA), Piauí (PI), Mato Grosso (MT) e no litoral brasileiro, entre eles os importantes trabalhos da norte-americana, Drª Anna Curtenius Roosevelt, que estudou as pinturas rupestres da caverna de Pedra Pintada, PA, datando-as com cerca de 11 000 anos e os sítios cerâmicos do AM, com idade de 9 000 anos. Entre os arqueólogos brasileiros, merecem destaque, a partir da década de 1970, (1) os trabalhos da Drª Niède Guidon em Pedra Furada, PI, que analisou não só as pinturas rupestres que ali ocorrem em número extraordinário, mas também de restos de alimentos e de carvão, cujas datações apontam para idades superiores a 45 000 anos, (2) as escavações do Pe. Dr. Pedro Ignácio Schmitz, SJ, em sítios de ancestrais nativos que habitavam os estados do RS, Goiás (GO), Santa Catarina (SC) e Mato Grosso do Sul (MS), (3) os projetos do Dr. Arno Alvarez Kern efetivados nos sítios arqueológicos correspondentes as ex-reduções jesuítico-guaranis do RS. Desde 2 000 intensificaram-se as pesquisas arqueológicas em todo o país, um dos fatores propulsores para a criação de cursos de graduação em Arqueologia no BR. A formação de arqueólogos no BR ocorria, anteriormente, a partir da colação de grau em História e a matrícula (e conclusão) do historiador em algum programa de pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu) em Arqueologia. Algumas disciplinas de cursos de graduação eram (e ainda são) ofertadas, de modo eletivo, para os interessados, tais como, Geoarqueologia e Estratigrafia no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, e, Geoarqueologia no curso de Geologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, ambas no RS. Há alguns anos (década de 1990), o curso de Arqueologia da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro (RJ), encerrou as suas atividades, mas em 2018, o Ministério da Educação, regulamentou a profissão de Arqueólogo, impelindo a procura por cursos de formação na dita profissão. Em 2018 existiam 14 cursos de graduação que titulam os seus alunos em Arqueologia, no BR. A sua distribuição, por estados, era a seguinte: AM (um, público, Manaus), Bahia (BA) (um, público, Paulo Afonso), GO (um, privado, Goiânia), MG (um, público, Belo Horizonte), PA (um, público, Santarém), Pernambuco (PE) (um, público, Recife), PI (dois, públicos, Teresina e São Raimundo Nonato), RJ (um, público, Rio de Janeiro), RS (dois, públicos, Rio Grande e Pelotas), Rondônia (RO) (um, público, Porto Velho), São Paulo (SP) (um, privado, Santos) e Sergipe (SE) (um, público, Laranjeiras). Destes, a maioria (sete) ofertavam Geoarqueologia como disciplina obrigatória e dois como optativa. Aparentemente a minoria (cinco) não dispunha de tais conteúdos nos seus currículos.
  • 4. O autor deste compêndio não tem a pretensão de esgotar o tema proposto, mas sim o de oportunizar ao maior número de pessoas, em especial aos futuros arqueólogos e geoarqueólogos, a possibilidade de desvendar, ainda que de modo elementar, o mundo maravilhoso da Geoarqueologia. A presente obra compõe-se por 7 capítulos, a maioria com subdivisões: 1. A Geoarqueologia As rochas e os sedimentos 2. Constituição da Crosta Terrestre Os sedimentos e o transporte Modificações pós-deposicionais Sedimentos clásticos Sedimentos químicos Sedimentos piroclásticos Sedimentos orgânicos Estruturas sedimentares 3. Os solos Paleossolos 4. Estratigrafia Litoestratigrafia Continuidades e descontinuidades Pedoestratigrafia Cronoestratigrafia Correlação Instrumentos básicos para orientação em campo: a bússola e o GPS 5. A ocupação humana da paisagem Fácies, ambiente e sistema deposicional Ambiente glacial Ambiente eólico Ambiente em leque aluvial Ambiente fluvial Ambiente litorâneo Planícies de maré Deltas Praias Ambiente espélico 6. Alteração de um sítio arqueológico 7. Referências bibliográficas Barra Velha, dezembro de 2019. Carlos Henrique Nowatzki
  • 5. 1. A Geoarqueologia A evolução e o aprimoramento dos estudos arqueológicos implicaram na associação da Arqueologia com outras ciências, entre as quais a Biologia e a Física, de onde se originaram a Arqueobotânica, a Zooarqueologia e a Arqueometria. As duas primeiras estudam a reconstituição das assembleias biológicas pré-históricas, propiciando a interpretação do modo de subsistência e a dieta das antigas comunidades humanas e, por extensão, dos constituintes florísticos e faunísticos da região. A Arqueometria, no que lhe concerne, realiza a datação de objetos arqueológicos e prospeta geofisicamente sítios enterrados. A Geoarqueologia é uma disciplina (ou, segundo outros uma subdisciplina) que utiliza os princípios e as técnicas das Ciências da Terra na solução de problemas arqueológicos. As Ciências da Terra disponibilizam aos arqueólogos, entre outros saberes, a Geomorfologia, a Sedimentologia, a Pedologia, a Geocronologia, a Geofísica e a Estratigrafia. Como o ambiente físico é o local onde se desenvolvem as ações humanas, estudam-se as inter-relações entre as populações ancestrais e o ambiente que ocupavam (Figura 1.1) por meio das possíveis alterações promovidas por elas no território, como, por exemplo, o uso dos recursos naturais disponíveis e os processos que conduziram à formação, preservação e destruição dos sítios arqueológicos e o consequente impacto ambiental. A Geomorfologia é a ciência que estuda as formas de relevo, o que implica conhecer as suas origens, rochas, climas e ações endógenas e exógenas que determinaram a morfologia do terreno. Essa ciência pode ser dividida em Geomorfologia Aplicada, Geomorfologia Climática, Geomorfologia Submarina, etc., merecendo destaque aqui a Geomorfologia Antropogênica, que analisa a ação humana sobre as formas que constituem a superfície terrestre, como é o caso do desaterro (desnudação, erosão) e o do aterro antropogênico (acumulação). Ainda que grandes modificações geológicas na superfície da Terra tenham ocorrido no decurso de milhões de anos antes da existência do ser humano e não tenham causado interferência direta sobre a nossa espécie, as mudanças em escala menor de tempo desencadeadas após o surgimento do homem ocasionaram impactos sobre o nosso modus vivendi. No primeiro caso, estão a formação das grandes cadeias de montanhas e a disposição dos oceanos e continentes atuais e, no segundo, a posição dos rios e das linhas de costa nas últimas dezenas de milhares de anos. Independente da escala, qualquer comunidade humana convive com a flora e a fauna de uma região que é estruturada sobre uma forma de relevo específica, durante determinado tempo. Já a Sedimentologia é a ciência que estuda os depósitos de materiais sólidos acumulados na superfície ou próximos a ela, sob baixas temperaturas e pressões. Esses corpos constituem-se por sedimentos que, graças aos processos diagenéticos1, transformam-se em rochas sedimentares. Os sedimentos são fragmentos de litossomas2 pré- existentes ou elementos e compostos dissolvidos na água sendo eles, respetivamente, resultantes da ação desagregadora e/ou decompositora de agentes intempéricos atuando sobre as rochas expostas na superfície. Entre os objetivos do estudo de um sedimentito3, destacam-se a sua descrição, classificação e interpretação paleoambiental. A descrição e a classificação são importantes para associar o corpo rochoso aos processos de formação e para vinculá-lo a um agrupamento de rochas assemelhadas. A interpretação paleoambiental auxilia na reconstituição do ambiente (paisagem) de deposição ocorrente num ponto da superfície terrestre num certo momento da história da Terra. Portanto, é bastante clara a relação entre a Geomorfologia e a Sedimentologia, ainda que nem todos os relevos reflitam a presença de rochas sedimentares. Contudo, por ocuparem 80% da superfície da Terra as rochas sedimentares além de assumirem grande importância geomorfológica são também fundamentais para os homens, pois, é basicamente sobre este espaço que as populações humanas se distribuem. 1 Conjunto de processos físicos e químicos ocorrentes sob baixas temperaturas e pressões que levam a litificação dos sedimentos. 2 Sinônimo de rocha. 3 Rocha sedimentar. FLORA Comunidade 2 Comunidade 1 FAUNA PAISAGEM CLIMA Figura 1.1. Ecossistema humano mostrando as relações entre comunidades vizinhas e o meio ambiente composto por flora, fauna, clima e entorno (paisagem). Fonte: modificado de Fedele 1976.
  • 6. A Pedologia é a ciência que estuda a origem e o desenvolvimento dos solos. Num sentido mais amplo, corresponde à parte da superfície terrestre que suporta e mantém as plantas. O seu limite inferior coincide com aquele da ação dos organismos e do clima; o superior, com a própria superfície terrestre e os limites laterais, com os outros solos, rochas ou água. Para o geólogo solo, no sentido lato, compreende todo o manto de intemperismo, camada constituída por detritos de rochas e minerais e por elementos e compostos químicos. Contudo, para outros profissionais, especialmente para aqueles que se dedicam à agricultura, compreende a porção delgada da superfície do manto de intemperismo ou a profundidade penetrada pelas pequenas formas de vegetação e que passa, gradativamente, para o subsolo e, em subsuperfície, para a rocha sã. As atividades antrópicas terrestres, quando não realizadas sobre as rochas, o são sobre os solos. Sobre eles deslocaram-se grandes contingentes humanos à procura de regiões mais favoráveis à sobrevivência, para a fuga da perseguição de grupos rivais, ou simplesmente para o lazer. Essas movimentações ocorrem desde há muito por estradas traçadas, na maioria das vezes, sobre os solos. É neles que o homem tem erigido as suas fortificações, moradias, templos e sepulturas, e é deles que ele extrai a maior parte dos seus alimentos. Por todas essas razões, não é de surpreender que o solo seja o guardião maior dos tesouros arqueológicos. A Geocronologia estuda o tempo em relação à geo-história. A cronologia dos eventos pode ser feita de modo absoluto (idade absoluta) quando se utilizam isótopos de Rb, Sr, Sm, Nd, Pb, U, etc., ou de maneira relativa (idade relativa). As unidades geocronológicas dispostas hierarquicamente são Éons4, Eras5, Períodos6, Épocas7, Idades8 e Cronos9. Ossos humanos, peças de cerâmica, restos de fogueiras e alguns utensílios de bronze encontrados em sítios arqueológicos estão entre os itens possíveis de serem datados. As peças de cerâmica e algumas de bronze podem ser datadas por termoluminescência, um método de datação absoluta com alcance confiável em torno de 10 mil anos. A argila possui pequenas quantidades de minerais radioativos, que bombardeiam minerais de quartzo, retirando os elétrons da sua posição, aprisionando-os na lama. Aquecendo-se a argila a mais de 380 °C, os elétrons retornam à sua posição original e emitem luz. Medindo-se a quantidade de luz emitida e a de material radioativo ainda restante, determina-se o tempo transcorrido desde o cozimento da argila. A matéria orgânica pode ser analisada pelo método do Carbono 14 (14C), cujo alcance, segundo alguns, atinge 40 mil ou 50 mil anos. O 14C é um isótopo instável do Carbono, que surge na parte superior da atmosfera por colisão entre raios cósmicos e o núcleo do Nitrogênio 14. (14N). Este 14C faz parte da atmosfera e é absorvido pelos animais e vegetais enquanto vivos. Ao morrerem deixam de absorvê-lo e ele decai para 14N à medida que o tempo passa. Essa diferença entre a quantidade de 14C e 14N presente nos restos orgânicos é utilizada para datar a matéria orgânica. A Geofísica estuda, entre outros fenômenos, a gravidade terrestre, o magnetismo, a sismicidade e as propriedades físicas da crosta terrestre. Um método geofísico muito empregado é o do Radar de Penetração do Solo (GPR, Ground Penetrating Radar), por meio do qual se obtém uma “radiografia” do subsolo. O aparelho consiste, basicamente, numa antena transmissora-recetora por onde são enviadas ondas eletromagnéticas para o interior da Terra (Figura 1.2). Estas são refletidas ao atravessarem corpos com texturas diferentes, retornando à antena, onde são recebidas e remetidas a um computador que a ela encontra-se acoplado. Softwares apropriados analisam os dados e transformam-nos, em presença de anomalias, em hipérboles, que aparecem na tela do computador, as quais, após passarem por tratamento com programas específicos, em laboratório, tornam-se auxiliares importantes na delimitação de locais de escavação. Finalmente, a Estratigrafia é o ramo que estuda a sucessão e a idade das rochas e todos os seus caracteres, propriedades, atributos e paleoambientes. Pode ser estudada sob dois enfoques: o litoestratigráfico e o de sequências deposicionais. A Estratigrafia tradicional, denominada de Litoestratigrafia, analisa a disposição dos litossomas dispondo-se as camadas mais velhas na base e as mais novas no topo da unidade. Na Estratigrafia de Sequências, estuda-se uma sucessão de estratos limitada, na base e no topo, por discordâncias, por não deposição ou por suas conformidades correlatas, o que corresponde a uma sequência deposicional. Essa é, portanto, uma unidade constituída por uma sucessão relativamente concordante de estratos relacionados geneticamente. Entre os diversos métodos de averiguação arqueológica, está o estratigráfico, por meio do qual se promove o cuidadoso desaterramento da sucessão de camadas que constitui o sítio investigado (Figura 1.3). Do exposto, podemos concluir que a Geoarqueologia auxilia na (1) avaliação do contexto temporal de um sítio por meio da Estratigrafia e da Geocronologia, (2) interpretação dos processos naturais de formação de um sítio e (3) no estudo do contexto da paisagem pré-histórica de um sítio. 4 Maior unidade geocronológica divisora do tempo geológico. 5 Unidade geocronológica que compreende vários Períodos. 6 Unidades geocronológicas que constituem subdivisões de uma Era. 7 Unidades geocronológicas que correspondem a subdivisões de um Período. 8 Subdivisão cronológica com amplitude inferior à de Época. 9 Menor unidade geocronológica.
  • 7. As rochas e os sedimentos A matriz de um sítio arqueológico é composta por uma variedade de detritos orgânicos e inorgânicos, tais como artefatos, ossos humanos e de outros animais, fragmentos de vegetais, sedimentos, solo, etc. Ela constitui-se de camadas e horizontes que ficam expostos à medida que prosseguem as escavações à busca de informações sobre determinada comunidade ancestral. Sedimentos e solos, os principais elementos formadores da matriz, se originam por ação de agentes intempéricos físicos, entre eles, variações de temperatura, congelação da água em fissuras das rochas, esforço de crescimento de sais e raízes em rachaduras de litossomas, ou químicos, como dissolução de sais, hidrólise, oxidação, carbonatação, que ou desagregam (ação física) ou decompõem (ação química) as rochas na superfície da Terra. 2. Constituição da Crosta Terrestre A Crosta Terrestre é a camada mais superficial da Terra (Figura 2.1). Ela pode ficar exposta, como é o caso das regiões emersas (continentes ou ilhas) ou se situar sob uma lâmina de águas com maior, ou menor espessura (lagos, rios, mares, oceanos, etc.). Três são as categorias de rochas que constituem a crosta: as ígneas, as metamórficas e as sedimentares. Figura 1.2. Operação com o GPR. A antena transmissora-recetora é deslocada por um dos geólogos ao longo de linhas-guia estendidas no solo. O outro membro da equipe transporta baterias às costas e uma plataforma à frente onde descansa um laptop. Varredura realizada no Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões, São Miguel das Missões, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 1.3. Escavação arqueológica realizada segundo o método estratigráfico. Ruínas maias de Chizén Itzá, Tinum, Yucatán, MX. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 8. As rochas ígneas originam-se do resfriamento do magma, uma massa líquido-pastosa-gasosa que se dispõe em subsuperfície nas câmaras magmáticas, sendo o produto da fusão de rochas por aquecimento. Essa matéria fundida pode se resfriar abaixo da superfície quando então se formam as ígneas intrusivas (Figura 2.2) ou em superfície por ejeção do magma (lava) num processo vulcânico (Figura 2.3). Figura 2.1. Esquema da Crosta Terrestre e a sua divisão em Crosta Oceânica e Crosta Continental. O esboço mostra ainda a camada estrutural subjacente denominada Manto. Fonte: Press e Siever 1999, modificado. Figura 2.2. Exposição de diabásio, rocha ígnea intrusiva, Formação Serra Geral, Cretáceo da Bacia Intracratônica do Paraná. Pântano Grande, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 9. As rochas metamórficas (Figura 2.4 A) constituem-se a partir de rochas preexistentes, os protolitos, por ação de agentes metamórficos, especialmente altas temperaturas e pressões. Os protolitos podem ser rochas ígneas, sedimentares, ou mesmo outras metamórficas formadas sob grau de metamorfismo mais baixo. Já as rochas sedimentares podem ser classificadas como (1) clásticas, quando compostas por detritos (também chamados clastos) advindos de rochas preexistentes por ação do intemperismo (Figura 2.4 B), (2) químicas, se constituídas por elementos ou compostos químicos que estavam dissolvidos na água, os quais por razões diversas se precipitaram e cristalizaram (Figura 2.5) e (3) orgânicas, se formadas por restos de organismos (Figura 2.6) ou se a sua origem estiver associada à atividade metabólica deles. As rochas têm sido usadas pelo homem desde tempos primevos como utensílios domésticos, armas e material de construção ou, se providas de cavidades (grutas e cavernas), para moradia, cerimônias religiosas ou sepultamento de entes queridos. Existem fortes indicativos de que rochas consideradas especiais, como as obsidianas, tenham sido comercializadas e exportadas por alguns povos durante a Idade do Bronze10. Nas grutas e cavernas têm sido encontrados vestígios antrópicos importantes, entre eles cinzas de fogueiras, esqueletos, arte rupestre, restos de alimentos e objetos manufaturados, os quais, além de permitir uma avaliação sobre o significado que esses abrigos naturais exerciam no imaginário dos nossos antepassados, são também úteis na reconstituição das suas relações grupais e familiares. Os sedimentos e o transporte Quando uma rocha aflora11 torna-se sujeita ao ataque do intemperismo que é condicionado pelo clima existente na região. Se o clima for árido ou semiárido, quente ou frio, as rochas sofrem desagregação, ato físico de 10 Bronze é uma liga de cobre e não mais que 11% de estanho. O período da história da humanidade que leva o seu nome iniciou em 3,5 mil anos a.C. no Oriente Médio, em seguimento à Idade da Pedra e precedendo a Idade do Ferro. 11 Fica exposta na superfície. Figura 2.3. Basalto da Formação Serra Geral (Cretáceo) sobrepostos a arenitos do Grupo Santa Maria (Triássico). Bacia Intracratônica do Paraná. Novo Cabrais, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. A B a p Figura 2.4. A. Gnaisse do Complexo Cambaí, Arqueano do Escudo Sul rio grandense. Vila Nova do Sul, RS. B. Intercalações de arenitos (a) e pelitos (p), Eopaleozoico da Bacia do Camaquã, Caçapava do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 10. partição em pedaços menores os quais, mineralogicamente, são iguais à rocha-mãe. Os mais importantes agentes de intemperismo físico são a variação da temperatura, o crescimento de sais, a congelação da água e o crescimento de raízes. Contudo, se o clima dominante for úmido ou semiúmido as rochas estarão sujeitas ao intemperismo químico, decompondo-se e originando produtos diferenciados daqueles da rocha-fonte. A carbonatação, a oxidação e a dissolução estão entre as principais causas de intemperismo químico. Independentemente de serem originados física ou quimicamente, os produtos do intemperismo constituem os sedimentos. Existem cinco categorias de sedimentos: (1) os clásticos, originados pela desagregação da rocha-mãe, (2) os químicos, oriundos da ação do intemperismo químico, (3) os orgânicos, resultantes da atividade de organismos, (4) os piroclásticos, provenientes de erupções vulcânicas e (5) os depósitos construídos pelo homem (sambaquis, por exemplo), os quais se denominam arqueossedimentos (Figura 2.7). As feições arqueológicas (pinturas e gravações, por exemplo) e utensílios de manufatura antrópica expostos estão igualmente sujeitos aos ataques do intemperismo, desagregando-se e/ou decompondo-se, constituindo os chamados artefatos12 (Figura 2.8) em contexto primário13 ou secundário14. Ainda que muitas vezes essas peças estejam extremamente quebradas elas fornecem preciosas informações sobre o relevo, a idade e o ambiente onde ocorreu a ocupação humana, bem como sobre os processos responsáveis pelo registro arqueológico. Por essas razões, os artefatos correspondem a um tipo especial de sedimentação geológica, pois, são formados por sedimentos arqueológicos podendo esse nível ser considerado um depósito bioestratigráfico15 do ponto de vista geoarqueológico. Os artefatos e as feições arqueológicas resultantes da direta atividade humana passada encontrada no contexto primário constituem depósitos denominados arqueossedimentos. Contudo, se artefatos forem encontrados muito afastados de seu contexto inicial devem ser tratados como se fossem sedimentos comuns e são designados de articlastos. O transporte dos sedimentos pode se processar fundamentalmente de duas maneiras: a gravitacional e a hidrodinâmica. Nos fluxos gravitacionais a quantidade de detritos transportados supera em muito a de água no sistema enquanto no hidrodinâmico observa-se o inverso. As avalanches correspondem ao transporte e à deposição de sedimentos com tamanhos diversos, realizados por ação da gravidade os quais, uma vez embebidos em abundante quantidade de lama, originam os chamados fluxos de detritos (debris flow). Já os fluxos hidrodinâmicos subaéreos ou subaquáticos transportam granulometrias menores, especialmente areias e lamas, sendo os cascalhos deslocados por cursos de água uma exceção. Não deve ser esquecido que a movimentação de geleiras pode ser responsável por processos erosivos e deposicionais muito importantes. É possível, pois, que fluxos gravitacionais, migração de geleiras, fortes correntes eólicas e chuvas torrenciais que acarretam cheias de grande envergadura desloquem sedimentos naturais e artefatos desde o seu contexto primário e os ressedimentem em outro sítio (Figura 2.9) ou soterrem povoados e populações inteiras, especialmente se de caráter catastrófico (Figura 6.1). 12 Artefato designa todo e qualquer material arqueológico. 13 Artefato encontrado na posição em que foi usado ou afetado pelo comportamento humano. 14 Artefato removido do contexto primário. 15 A Bioestratigrafia estuda a distribuição dos fósseis e das rochas que os hospedam no espaço e no tempo. Figura 2.5. Afloramento de gesso da Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, Araripina, PE. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 2.6. Rocha sedimentar orgânica constituída por algas, corais, moluscos, restos de peixes, etc. Litoral da BA. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 11. Os detritos são transportados pelos fluxos subaquáticos e subaéreos por tração ou suspensão. As granulometrias mais grossas como os seixos sofrem transporte trativo (arraste e rolamento) enquanto as mais finas (lamas) deslocam-se por suspensão. As areias são conduzidas por saltação, um processo misto entre tração e suspensão (Figura 2.10). Figura 2.8. Artefato de sílex (ponta de flecha) encontrado em sambaqui, Capão da Canoa, RS. Os habitantes daquela região litorânea viveram no local entre 3 mil a 1 mil anos a.P. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. SEDIMENTOS NATURAIS MATRIZ DO SÍTIO MATRIZ DO SEDIMENTO MATRIZ DO SOLO SEDIMENTOS HUMANOS ARQUEOSEDIMENTOS CLÁSTICOS QUÍMICOS ORGÂNICOS PIROCLÁSTICOS Figura 2.7. Esquema de formação da matriz de um sítio arqueológico. Fonte: Waters 1992, modificado. CONTEXTO PRIMÁRIO OU INICIAL INTEMPERISMO TRANSPORTE E DEPOSIÇÃO SECUNDÁRIA ALTERAÇÃO CONTEXTO FINAL: DESCOBERTA E ESTUDO Figura 2.9. Formação de depósitos sedimentares em que o contexto primário ou inicial se constitui por rochas ígneas, sedimentares ou metamórficas inalteradas, ou por artefatos. A ação do intemperismo sobre as rochas ou artefatos promove a sua quebra (desagregação) em pedaços menores ou a sua decomposição, originando os sedimentos que são transportados e depositados num contexto secundário. A alterações podem ocorrer sobre esse depósito antes da sua descoberta e estudo. Fonte: Rapp Jr. e Hill 1998, modificado.
  • 12. Os animais e os vegetais também podem ser responsáveis pelo deslocamento de sedimentos e artefatos. O pisoteio realizado por animais pode deslocar artefatos menores para níveis inferiores enquanto os maiores se dispõem sobre eles. Uma mistura de sedimentos ou artefatos pode ser causada pelo movimento de rotação das raízes de vegetais e pela atividade escavadora de vermes terrestres. Modificações pós-deposicionais Uma grande variedade de modificações pode ocorrer num depósito sedimentar ou em leito arqueológico. Elas são indicativas da sobreposição dos climas e dos ambientes pós-deposicionais e pós-ocupacionais sobre as feições dos depósitos originais. Em razão do recomeço da ação intempérica sobre esses novos depósitos, surgem solos, alterações secundárias e acumulações sobre a sedimentação anterior. Todos esses níveis podem ser cimentados por elementos ou compostos químicos (óxidos de ferro, carbonatos, sílica, etc.), durante os processos diagenéticos, resultando na litificação dos sedimentos e artefatos o que contribui para a preservação do sítio. Sedimentos clásticos Já vimos que o intemperismo físico desagrega as rochas produzindo os chamados sedimentos clásticos. Esses detritos podem ter tamanhos diferentes sendo classificados e dispostos nas chamadas escalas granulométricas. A Tabela 2.1 mostra a equivalência entre os tamanhos de sedimentos detríticos naturais (Ingram–Wentworth) e os artefatos (objetos líticos, metálicos ou cerâmicos). A composição mineralógica dos detritos é fundamental para a determinação da proveniência do material, pois, a mineralogia dos sedimentos é dependente da mineralogia das rochas-fonte e do intemperismo que elas sofreram. O tamanho das partículas (detritos), um dos componentes da textura16, é um dos atributos mais importantes para classificar geologicamente o depósito. Os clastos maiores que 2 mm incluem os grânulos, os pedregulhos, os matacões e os blocos de rocha usando-se, às vezes, o termo cascalho (Figura 2.11 A) para citá-los. As dimensões entre 2 mm e 0,062 mm correspondem as areias (Figura 2.11 B), posicionando-se as lamas (Figura 2.12) abaixo delas, pois, se tratam de partículas diminutas (de 0,0625 mm a 0,00024 mm) apenas visíveis com o auxílio de lupa ou microscópio. Os siltes e as argilas são as duas frações que compõem as lamas. A matriz de um sítio arqueológico pode ser composta por partículas de tamanhos similares ou não, o que a torna bem ou mal selecionada, respetivamente, refletindo o transporte e o grau de retrabalhamento do depósito, importantes subsídios para a interpretação paleoambiental. O grau de seleção é avaliado a partir da medida da dispersão (desvio-padrão) dos tamanhos de grãos em relação ao tamanho médio de grão do depósito, com valores expressos em phi. Isto não impede que a matriz seja analisada, em campo, por comparação visual: se 68% das partículas estão entre 1,00 e 2,00 phi, a matriz é pobremente selecionada, mas, se 68% situam-se entre 0,35 e 0,50 ela será bem selecionada (Figura 2.13). Se 68% dos clastos de um depósito ou matriz se situam dentro de limites phi específicos em torno do tamanho médio das partículas, eles são classificados em uma das sete categorias que compõem a escala (Tabela 2.2). A análise da morfologia e da fábrica das partículas auxiliará na identificação do agente responsável pelo seu transporte e por sua deposição. O estudo morfológico de uma partícula compreende a classificação da sua forma, arredondamento, esfericidade e textura superficial. A forma, nos cascalhos, pode ser oblata, equidimensional, laminar ou prolata e, nas areias, ela refere-se a seu grau de esfericidade. O arredondamento corresponde ao relacionamento que é feito com a agudeza dos vértices e arestas das partículas. A esfericidade é a análise comparativa entre uma esfera e o detrito estudado e, finalmente, a textura superficial se refere aos micros relevos que ocorrem nos grãos. A Figura 2.14 mostra o arredondamento e a esfericidade dos clastos. 16 A textura é composta pelas partículas, detritos de maior dimensão observada numa rocha sedimentar clástica, matriz, clastos de menor dimensão que aquelas consideradas partículas e cimento, composto ou elemento químico que cimenta todos os fragmentos. A B C D Figura 2.10. Esboço das modalidades de transporte de clastos no meio aquoso. A. Transporte por arraste, fenômeno reservado a muito grossas granulometrias que migram de arrasto sobre o substrato. B. Transporte por rolamento, meio comum de deslocamento de seixos os quais rolam sobre o seu eixo maior. C. Transporte por saltação, uma modalidade corriqueira de deslocamento das areias (misto de suspensão e tração). D. Transporte por suspensão, onde as finas granulometrias (lamas) viajam suspensas no meio transportante. Fonte: Nowatzki e Zeltzer 1979, modificado.
  • 13. Tamanho do artefato mm Ingram - Wentworth Maiores Acima de 256 Cascalho Bloco de rocha 256 - 64 Matacão 64 - 32 Seixo muito grande 32 - 16 Seixo grande 16 - 8 Seixo médio 8 - 4 Seixo pequeno 4 - 2 Grânulo Micro 2 – 1 Areia Areia muito grossa 1 – 1/2 Areia grossa 1/2 – 1/4 Areia Média 1/4 – 1/8 Areia fina 1/8 – 1/16 Areia muito fina 1/16 – 1/32 Lama Silte grosso 1/32 – 1/64 Silte médio 1/64 – 1/128 Silte fino 1/128 – 1/256 Silte muito fino 1/256 – 1/512 Argila grossa 1/512 – 1/1024 Argila média 1/1024 – 1/2048 Argila fina 1/2048 – 1/4096 Argila muito fina ø A fábrica compreende a análise da disposição dos clastos no depósito (orientação) e do seu espaçamento ou densidade e as suas relações tridimensionais, grão a grão (empacotamento). As partículas, especialmente os cascalhos, orientam-se com o seu eixo maior paralelo ou perpendicular à direção do fluxo, sedimentando-se mergulhados para a montante17, fenômeno denominado, imbricação (Figura 2.11 A). O empacotamento pode constituir uma fábrica do tipo grão-suportado ou matriz-suportado. O primeiro ocorre quando clastos da mesma categoria de tamanho encontram-se em contacto, e o segundo, quando o depósito for pobremente selecionado e grãos da mesma dimensão não se tocarem (Figura 2.15). Caso o depósito seja composto por frações diferentes são utilizadas terminologias compostas como, por exemplo, areia siltosa ou silte argiloso. A presença de cascalhos numa rocha clástica denota que o depósito foi constituído por fluxo hidrodinâmico (subaquático) de alta energia, por corrente gravitacional ou por ação de geleiras. 17 Os seixos imbricam-se e da sua análise obtém-se a provável localização das cabeceiras de um rio. Tabela 2.1. Equivalência entre as dimensões de artefatos e de partículas naturais. Os maiores artefatos correspondem a detritos com dimensões superiores a 2 mm e os menores (micro), aos tamanhos areia e lama (siltes e argilas). Fonte: Rapp Jr. e Hill 1998, com modificações. A B Figura 2.11. A. Barra fluvial de canal composta por pedregulhos, seixos e matacões imbricados. A seta indica a direção e o sentido da corrente. Arroio Arenal, Cachoeira do Sul, RS. B. Marcas de ondulações de interferência em areias de antepraia. A seta amarela assinala a direção e o sentido do fluxo que originou as marcas onduladas principais, enquanto a seta menor indica o sentido de deslocamento das correntes que determinaram as ondulações secundárias. Referência: 5 cm de ø. Fortaleza, CE. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 14. Desvio padrão Categorias de seleção Menor que 0,35 Muito bem selecionado De 0,35 a 0,50 Bem selecionado De 0,50 a 0,71 Moderadamente bem selecionado De 0,71 a 1,00 Moderadamente selecionado De 1,00 a 2,00 Pobremente selecionado De 2,00 a 4,00 Muito pobremente selecionado Maior que 4,00 Extremamente mal selecionado Figura 2.12. Lamas com gretas de contração, estruturas originadas pela desidratação dos sedimentos. Zona de várzea de ambiente de planície de inundação. Referência: 15 cm de comprimento. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Tabela 2.2. Relação entre o desvio padrão e as categorias de seleção das partículas de depósitos clásticos ou matriz arqueológica. Fonte: modificado de Suguio 1973. Figura 2.13. Escala comparativa visual de seleção dos clastos. Fonte: Compton Jr. 1962, modificado.
  • 15. A semelhança entre alguns cascalhos e fragmentos trabalhados antropicamente, levou os geoarqueólogos a denominar de geofatos (Figura 2.16) os clastos naturais, podendo um único sítio abrigar ambos dificultando a separação deles. Os processos naturais podem criar objetos muitíssimo parecidos com os gerados pela ação humana, fato que causa problemas, tais como correlacionar um pseudossítio arqueológico com outros já consagrados. Nesse particular, pode-se usar como exemplo o Sítio Arqueológico de Pedra Furada, localizado no PI, nordeste brasileiro, pois, estão em debate a idade e a presença de objetos tidos como artefatos, os quais, para alguns membros da comunidade arqueológica, correspondem a geofatos. Nesse mesmo sítio, a idade atribuída às cinzas de fogueiras (± 50 mil anos a.P.) não é compatível com as teorias que vigoram sobre a cronologia da ocupação do continente americano pelo homem. A composição mineralógica das areias pode ser variada, porém, normalmente é de quartzo, um dos minerais mais resistentes. Apesar de sua pequena dimensão, areias podem ser produzidas por humanos durante o processo de fabrico de artefatos, sendo denominadas de micro artefatos. Cuidados devem ser tomados para não os confundir com microgeofatos que são produzidos por abrasão mecânica natural. Quando presentes com artefatos, os microgeofatos areias podem auxiliar na interpretação do contexto em que viviam os antepassados, pois, elas são depositadas em ambientes diversos, tais como fluvial, praial (lago, mar, oceano, laguna), desértico, etc. Os depósitos de lamas ocorrem em ambientes diversos entre os quais as regiões mais profundas de oceanos, lagos, mares e estuários, mas também em várzeas de rios e praias dominadas por marés. Por essa razão, é necessário analisar a associação dos depósitos para definir o paleoambiente em que foram gerados. Figura 2.14. Escala comparativa visual do arredondamento e da esfericidade dos detritos. Enquanto o grau de arredondamento aumenta na horizontal, no sentido da seta, o de esfericidade, cresce na vertical, de baixo para cima. Os desenhos inferiores são de classes com baixa esfericidade e os superiores de alta. Fonte: Compton Jr. 1962, modificado. Figura 2.15. Em seção delgada, o índice de empacotamento é obtido por meio da percentagem de contatos grão a grão, identificados ao longo de uma “travessia”, em relação ao número total de contatos registrados ao longo de uma mesma “travessia”. Fonte: Oliveira 2003, modificado de Pettijohn 1975.
  • 16. As acumulações de lama refletem o baixo nível de energia do agente transportante (água). Contudo, ocorrem acumulações de silte de origem eólica, denominadas de loess, as quais são desprovidas de estruturas sedimentares internas. Enquanto os siltes são, por norma, compostos por quartzo, as argilas apresentam composição mineralógica variada, tais como caulinita [Al2Si2O5 (OH)4, Figura 2.17], montmorilonita [(Al, Mg)2-3 Si4O10(OH)2.nH2O], ilita [KAl2 (Si,Al)4 O10 (OH)2.nH2O], etc. As lamas são constituintes básicos usados pelos humanos no fabrico de tijolos, pisos, potes, estátuas, etc. Significativos depósitos de lamas podem estar refletindo o movimento de subida ou descida do nível das águas de lagos, oceanos ou mares o que afeta, consequentemente, as populações que habitam as suas margens. Aumento e queda do nível das águas pode ter expressão mundial, como é o caso das transgressões18 e regressões19 (Figura 2.18) marinhas, movimentos eustáticos20 que atingem os povos litorâneos. 18 Subida do nível das águas oceânicas e a consequente invasão de áreas continentais. O processo é devido, principalmente, ao aumento da temperatura global que descongela parte das geleiras polares e de altitude. 19 Descida do nível dos oceanos e exposição de regiões costeiras (plataforma continental). Corresponde a períodos de glaciação, quando, por diminuição da temperatura global aumentam as dimensões das calotas polares e das geleiras de montanhas. 20 Mudança do nível dos oceanos. Figura 2.16. Desenho de uma lasca de rocha interpretada como artefato (Sítio Arqueológico de Pedra Furada, PI, Brasil). Este e outros objetos semelhantes recolhidos naquele local, contudo, são considerados geofatos por alguns arqueólogos. Fonte: Peopling of the Americas, modificado. Figura 2.17. Fotomicrografia de secção delgada de arenito. 1. Caulinita, 2. Calcita, 3. Quartzo e 4. Poro. Escala (canto inferior esquerdo): 0,1 mm. Créditos: Dr. Antônio Jorge Vasconcelos Garcia. 1 2 4 3
  • 17. No registro de um evento transgressivo as lamas das porções mais profundas do corpo de água que avançou sobre o continente se dispõem sobre os artefatos aí deixados pelos habitantes locais que se deslocaram para as áreas mais altas. Já no registro de uma fase regressiva, como os moradores se movimentaram no mesmo sentido de descenso das águas, seus artefatos podem ser encontrados sob deposições transicionais ou continentais que avançaram à medida que o grande corpo de água regrediu. Sedimentos químicos Os sedimentos químicos, compostos ou elementos solubilizados na água, podem se precipitar e cristalizar nesse meio por saturação, reações entre os compostos ou elementos, ou por evaporação do líquido. Alguns compostos são muito comuns na formação desses depósitos como, por exemplo, calcita (CaCO3, Figura 2.19 A), sílica (SiO2, Figura 2.19 B), hematita (Fe2O3), halita (NaCl). Quando as precipitações químicas ocorrem nos poros de sedimentos clásticos ocasionam a sua cimentação. Constata-se também a presença de carbonatos como produto de processos pedogenéticos. Além disso, eles podem ser auxiliares na resolução de problemas climáticos, hidrológicos, biológicos e químicos pretéritos. O carbonato de cálcio é a sedimentação química mais comum da natureza, podendo se apresentar em formas diversas: calcário, rocha formada por mais de 50% de carbonato não-detrítico, marga, rocha carbonática com mais do que 50% de pelitos, giz, carbonato marinho com, no mínimo, 90% de calcita, travertino, rocha densa e compacta formada em torno de mananciais de água, etc. Em grutas e cavernas onde foram deixados artefatos o travertino, se ocorrente, envolverá os objetos, possibilitando a sua datação. Se a origem da rocha sedimentar química for detrítica a classificação segue os mesmos parâmetros dos sedimentos clásticos. Assim, calcirruditos (figura 2.20) são calcários compostos por partículas maiores do que 2,0 mm, calcarenitos, aqueles formados por areias carbonáticas e calcilutitos (Figura 2.21), os constituídos por lamas calcárias. São importantes também para a Geoarqueologia os evaporitos, sedimentitos salinos produzidos pela evaporação da água, pois, são bons indicadores paleoclimáticos. Deve-se considerar que eles se precipitam em uma ordem particular, que é inversa à da solubilidade dos sais que se formarão, estabelecendo-se, assim, a sucessão das mudanças nas condições químicas da água da bacia e nas condições de evaporação. Figura 2.18. Perfis colunares de depósitos transgressivos (esquerda) e regressivos (direita). A sucessão transgressiva é de Elias, 1999, e se refere à Formação Rio Bonito, Permiano da Bacia do Paraná, exposta em Cambai Grande, Vila Nova do Sul, RS. A sucessão regressiva, de autoria de Paim, 1994, é da Aloformação Serra dos Lanceiros, Bacia de Santa Bárbara, Eopaleozoico, Caçapava do Sul, RS. Na escala numérica na base do perfil regressivo os números 1 e 2 correspondem a rochas pelíticas. De 3 a 7 a arenitos e de 8 a 10 aos ruditos.
  • 18. Figura 2.20. Exemplar de calcirrudito. Sx, seixos de calcários retrabalhados. Formação Irati, Permiano da Bacia do Paraná. Passo São Borja, São Gabriel, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 2.19. A. Minerais de calcita. B. Quartzo (ametista), uma das formas de cristalização da sílica. Créditos: Dr. Marco Antônio Fontoura Hansen. A B A Sx 3 cm
  • 19. A calcita, a halita, a gipsita (CaSO4.2H2O, Figura 2.22) e a anidrita (CaSO4), são minerais que podem surgir por evaporação da água sendo então chamados de evaporitos. Análises quantitativas e qualitativas de fosfatos têm sido propostas como indicadoras do uso do solo pelos humanos. Nas áreas de cultivo há concentração de fosfato de alumínio e ferro, muito solúvel, e um limite nítido entre eles e a apatita e o fosfato de cálcio, outras duas categorias de fosfatos. Nas regiões de florestas ocorre uma pequena quantidade de apatita e fosfato de cálcio em proporções grosseiramente semelhantes às do fosfato de alumínio e às do ferro. Em locais outrora habitados, as quantidades daqueles fosfatos são praticamente as mesmas. Sedimentos piroclásticos Os sedimentos piroclásticos, às vezes referidos como tefra (Figura 2.23), são compostos por partículas sólidas ejetadas durante erupções vulcânicas explosivas. Esses materiais compostos de detritos das rochas encaixantes, daquelas que formavam o conduto vulcânico, de fragmentos de litossomas geradas em processos eruptivos precedentes e de vidro, podem constituir a matriz de um sítio. Blocos, bombas, lapilli e cinza são os termos designativos dos tamanhos de sedimentos piroclásticos. Os blocos, detritos angulares, e as bombas, lavas ejetadas que resfriam no ar e são arredondadas ou fusiformes, possuem dimensões maiores do que 64 mm. Já os lapilli que acumulados formam um depósito chamado de tufo vulcânico, o tufito, quando consolidado (Figura 2.24), apresentam detritos com tamanhos entre 64 mm e 2 mm e as cinzas, fragmentos com diâmetros inferiores a 2 mm, podem ser transportadas muito além da área vulcânica. Os depósitos piroclásticos podem ser datados diretamente (datação absoluta), o que torna possível determinar a idade de camadas de outros sedimentos ou de solos com os quais estejam intercalados. A B Figura 2.21. Amostra de calcilutito laminado da Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, Crato, CE. A. Vista geral da amostra. B. Detalhe que destaca a delicadeza das lâminas. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 2.22. Gipsita, um mineral do grupo dos evaporitos. Créditos: Dr. Marco Antônio Fontoura Hansen.
  • 20. O termo vulcanoclástico designa um depósito formado por mais do que 50% de fragmentos piroclásticos que foram erodidos de seus sítios originais, transportados e redepositados misturados com sedimentos clásticos. Sedimentos orgânicos Detritos de animais e de vegetais podem ter origem autóctone21 ou alóctone22 sendo, nesse último caso, transportados e acumulados como se fossem sedimentos terrígenos23. Alguns desses depósitos, além de serem muito importantes na interpretação paleoambiental e nos processos de formação dos solos, possibilitam a sua datação relativa ou absoluta. Quando os sedimentos apresentam alta concentração de matéria orgânica, eles são chamados de carbonosos, fenômeno devido à expressiva taxa de sedimentação, portanto, rápido soterramento, bem como das condições anóxicas24 do meio onde se sedimentaram. A ausência ou escassez de oxigênio livre tem proporcionado, em alguns sítios arqueológicos, excelente preservação de sementes, vestimentas, artefatos de madeira, cabelos, polens e restos humanos, como em alguns lagos suíços e do norte da Inglaterra e pântanos de Tollund (Dinamarca) e da Florida (USA). São igualmente importantes para a preservação dos organismos, além da anoxia do habitat, a espessura da lâmina de água para prevenir o ataque de carniceiros e de insetos, a baixa temperatura do líquido e a presença do ácido tânico (tanino) para preservar as partes externas do corpo. 21 Formado in situ. 22 Material provindo de fora do local onde se encontra sedimentado. 23 Sedimentos compostos por clastos de rochas intemperizadas e erodidas no continente que foram transportados e depositados em outra área continental ou marinha. 24 Ausência de oxigênio. Figura 2.23. Rocha piroclástica composta por lapilli (A) mergulhados em malha de cinzas (B). Origem: Cordilheira dos Andes, Chile. Amostra da coleção da Drª Delia Pilar Montecinos de Almeida. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 2.24. Amostra de tufito, Antártica, coletada pelo Dr. Marco Antônio Fontoura Hansen. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. 2 cm A B 2 cm
  • 21. Turfa e sapropel são as formas mais comuns de depósitos carbonosos: a primeira originada de restos vegetais, e a segunda, de vegetais e animais. Na turfa, os clastos estão praticamente ausentes, mas as estruturas vegetais são ainda visíveis, pois, a decomposição é incipiente; no sapropel, em que se observa uma acumulação de material orgânico muito fino no fundo, de lagos, pântanos e lagunas, há uma mistura com silte e argila. Estruturas sedimentares Estruturas sedimentares são feições que ocorrem em sedimentos podendo ser preservadas quando os mesmos são, posteriormente, litificados. As estruturas correspondem aos aspectos principais da organização do topo, da porção interna e da base das camadas sedimentares. Elas podem ser classificadas em estruturas inorgânicas e orgânicas. As inorgânicas subdividem-se em pré- deposicionais, se formadas antes da sedimentação dos leitos imediatamente superpostos, singenéticas, quando devidas a processos físicos ocorrentes durante a deposição dos sedimentos e epigenéticas, se originadas após o assentamento deles. As estruturas orgânicas são resultantes da ação de animais e vegetais sobre os sedimentos já depositados. A sedimentação aparentemente ocorre de maneira contínua, mas, ela é alternada a períodos de não-deposição e até mesmo de erosão. Esses depósitos limitados alternadamente a fases não-deposicionais ou erosivas são designados estratos (strata), enquanto os planos que os separam são os de estratificação (bedding planes). Assim, um estrato (stratum) é um leito de sedimentos que é litológica, textural ou estruturalmente diferente dos estratos, ou leitos superpostos, soto-postos ou adjacentes. Ele será uma camada se sua espessura for superior a 1 cm e uma lâmina, se inferior. Uma camada pode ser originada em um único evento rápido, como cheias, ou em um processo lento, como a decantação das lamas em um corpo de água. Já as lâminas representam flutuações do fluxo durante a fase de construção da camada. A análise das estruturas sedimentares é um importante auxiliar na interpretação paleoambiental do depósito sedimentar e do meio ambiente ocupado pelos primitivos seres humanos habitantes do local. A variedade de estruturas sedimentares é muito grande, porém, aqui serão tratadas apenas as mais corriqueiras. As gretas de contração e as marcas de pingos de chuva, feições inorgânicas pré-deposicionais, são estruturas que se desenvolvem no topo de camadas sedimentares lamíticas depositadas subaquaticamente, mas, posteriormente expostas. As primeiras surgem pela desidratação das lamas, daí resultando esforços de tensão com o consequente surgimento das gretas (rachaduras) que podem se encurvar pelo ressecamento (Figura 2.25 A). No segundo caso, as lamas expostas e ainda plásticas recebem os impactos das gotas de forte, mas efêmera, chuva, cujo registro corresponde a pequenas e numerosas cavidades como crateras (Figura 2.25 B). Também os turboglifos são estruturas sedimentares pré-deposicionais subaquáticas formadas inorganicamente. Um fluxo de água se desloca de maneira turbulenta formando vórtices (redemoinhos), que cavarão o substrato se ele for lamoso e estiver em estado plástico. Essas marcas de desbaste são depressões digitiformes, cuja porção mais profunda e estreita indica a montante e a região mais rasa e larga, a jusante. A feição (cavidade) é posteriormente preenchida por sedimentos (areias, por norma), originando às chamadas marcas de sola, pois, se situam na base do arenito superposto (Figura 2.26). A B 3 cm Figura 2.25. Estruturas sedimentares formadas no topo de camadas. A. Gretas de contração encurvadas em fino leito de lamas. Referência: 5 cm de ø. B. Marcas de pingos de chuva sobre depósito lamítico. Ambas são estruturas inorgânicas pré- deposicionais. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 22. As laminações e as estratificações cruzadas, as laminações e estratificações paralelas horizontais, as laminações cruzadas cavalgantes (climbing-ripples laminations), o acamamento lenticular (lenticular bedding), o acamamento ondulado (wavy bedding), o acamamento flaser (drapeamento de lama, flaser bedding) e a laminação ou estratificação cruzada espinha de peixe (herringbone cross-lamination, herringbone cross-stratification) são estruturas singenéticas inorgânicas localizadas no interior das camadas. As primeiras são lâminas ou camadas sedimentadas em um, ou mais ângulos em relação ao mergulho original da unidade, o que ocorre devido ao deslocamento de formas de leito25 onduladas de pequeno, médio ou grande porte. Correspondem às deposições de sedimentos, normalmente areias, na região frontal das marcas de ondulações. As dunas26 eólicas, por serem formas de leito (marcas de ondulações) de grandes dimensões, dão origem a estratificações cruzadas de grande porte (Figura 2.27 A). Quando as lâminas e os estratos são paralelos ao plano de estratificação ou entre si, formam a laminação ou a estratificação paralela horizontal. A gênese da feição, se em depósitos areníticos, é devida ao transporte e à deposição das areias em alta velocidade (regime de fluxo superior) e, se em sedimentação lamítica (Figura 2.27 B), à deposição por decantação a partir de um fluxo em baixíssima velocidade ou até mesmo parado (regime de fluxo inferior). Em ambos os casos, a forma de leito é plana. A laminação cruzada cavalgante (Figura 2.28) é originada pela migração de marcas de ondulações deslocadas por corrente ou por onda (crescimento lateral realizado pela corrente ou onda), atuando sobre sedimentos não- coesivos, normalmente silte ou areia, e seu simultâneo crescimento vertical (crescimento vertical por decantação de sedimentos). A laminação cruzada cavalgante (climbing-ripple lamination) e o acamadamento lenticular (lenticular bedding) também são estruturas sedimentares singenéticas. Ocorrem todas as transições entre os acamadamentos lenticular e ondulado e o drapeamento de lama. No primeiro, lentes (linsen) de silte ou areia, isoladas ou conectadas, encontram-se mergulhadas em leitos de argilas (Figura 2.29). No acamadamento ondulado (wavy), os leitos contínuos de areia (ou silte) alternam-se com os níveis também contínuos de argilas (Figura 2.30). Já no drapeamento de lama (flaser), níveis contínuos ou descontínuos de lama estão dispostos sobre marcas de ondulações (Figura 2.30). Tais marcas subaquáticas, originadas por tração, podem ser cobertas por lama decantada durante uma fase de quietude do fluxo ou das ondas. Com a posterior reativação da corrente (ou ondas), mais sedimentos siltosos ou arenosos são tracionados e depositados sobre as lamas. Nesse processo, pode haver erosão total ou parcial dos sedimentos lamíticos, sendo bastante comum sua preservação nas calhas das marcas de ondulação. A laminação (ou estratificação) cruzada espinha de peixe (Figura 2.31) é aquela cujas camadas adjacentes apresentam lâminas (ou estratos) frontais com direções opostas separadas por fino leito de lama depositada durante o intervalo que separa a maré cheia da vazante. A estrutura se origina em regiões costeiras marinhas (oceânicas) rasas, onde a reversibilidade completa no sentido do fluxo é possível, isto é, onde haja a ação dominante de marés. 25 É o depósito visto de cima. 26 São marcas de ondulações de grande porte que podem ter a crista reta, dunas 2D, ou sinuosa, dunas 3D. Figura 2.26. Turboglifos (marcas de sola) em camada de arenito. A seta indica a direção e o sentido da paleocorrente. Referência 2 cm de ø. Aloformação Varzinha, Ordoviciano da Bacia do Camaquã, Caçapava do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 23. Figura 2.28. Laminação cruzada cavalgante (climbing-ripple lamination) em arenito da Formação Sanga do Cabral, Permotriássico da Bacia do Paraná. Cerro Partido, Encruzilhada do Sul, RS. Corrente no sentido da parte inferior direita para a superior esquerda. As finas lâminas amarronzadas mais escuras são de argilas depositadas no lee das marcas de ondulações. Fotografia: Juliana Missiaggia Vargas. Figura 2.27. Estruturas sedimentares singenéticas. A. Estratificação cruzada festonada de grande porte originada por migração de dunas eólicas (dunas 3D). Seta: direção e sentido médio das paleocorrentes. Aloformação Pedra Pintada, Ordoviciano da Bacia do Camaquã, Santana da Boa Vista, RS. B. Laminação paralela horizontal em ritmitos psamíticos (amarelos) e lamíticos (roxos) lacustres. Referência: cabeça do martelo com 15 cm de comprimento. Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, Araripina, PE. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. A 3 m B
  • 24. Figura 2.29. Marca de ondulação por corrente unidirecional, em corte longitudinal, evidenciando laminação cruzada tangencial. A ondulação está contida entre lâminas de argilas constituindo uma linsen. Os grânulos e areias ocorrentes nos foresets e nas lâminas de argilas são clastos pingados. A corrente desloca-se da esquerda para a direita. Referência: 2 cm de ø. Formação Itararé, Permocarbonífero da Bacia do Paraná, Trombudo Central, SC. Créditos: Juliana Missiaggia Vargas. W D F Figura 2.30. Acamamento ondulado (wavy) composto por lâminas de arenitos intercaladas a leitos de argilas. Os círculos destacam bioturbações. Membro Serrinha, Formação Rio do Rasto, Permotriássico da Bacia do Paraná, São Gabriel, RS. Créditos: Juliana Missiaggia Vargas.
  • 25. As estruturas sedimentares epigenéticas apresentam uma grande variedade de tipos. Elas podem ser formadas durante a sedimentação dos detritos da camada superposta por deformação dos níveis inferiores e superiores ainda plásticos, por processos químicos desenvolvidos sobre ou dentro da camada que passa, então, a hospedar a estrutura ou, ainda, por ação bioturbadora de seres vivos. Os pseudonódulos são estruturas sedimentares deformacionais. Quando sedimentos mais densos, tais como areia, assentam-se sobre níveis de detritos mais finos (v.g. lamas), portanto, menos densos, as camadas ou lâminas perturbam-se de tal forma que o nível superior pode chegar a se fracionar, e as partes desprendidas mergulham no leito inferior (Figura 2.32 A). Estas estruturas também podem ser devidas ao deslocamento de ondas sísmicas geradas, talvez, por terremotos. Talvez o exemplo mais comum de estrutura resultante de processos químicos seja a concreção (Figura 2.32 B), cuja origem, contudo, pode ser singenética ou epigenética. As singenéticas são aquelas formadas na interface água-sedimento, e as epigenéticas surgem durante os processos diagenéticos, dispondo-se no interior da rocha. A sua morfologia é esferoidal, discoidal ou esférica com tamanho e composição variáveis (CaCO3, FeO2, SiO2, etc.). O processo de formação implica a existência de um núcleo, orgânico ou inorgânico, em torno do qual se colocam, concentricamente, elementos ou compostos com afinidade química. A B Figura 2.32. Estruturas sedimentares epigenéticas. A. Afloramento com níveis de arenitos (amarelos) intercalados a lamitos (roxos). Logo abaixo da referência (5 cm de ø) são visíveis diversos pseudonódulos de arenitos mergulhados numa camada lamítica. Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, Araripina, PE. B. Concreção calcária (1 m de ø) em folhelhos da Formação Serra Alta, Permiano da Bacia do Paraná, SC. Fotografias: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 2.31. Arenito com laminação cruzada espinha de peixe. No destaque as lâminas da porção inferior indicam paleocorrente para a direita e as superiores para a esquerda. Separando os dois níveis, há uma fina lâmina de argilas com cor clara depositada durante a parada da corrente e reversão da maré. Formação Rio Bonito, Referência: 5 cm de ø. Permiano da Bacia do Paraná, afloramento da Barrocada, Caçapava do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 26. Os oólitos (Figura 2.33 A) e pisólitos (Figura 2.33 B) são casos particulares de concreções. Correspondem a corpos esferoidais que se originam pela agitação da água onde se formam (marinhas rasas ou em cavernas). Um núcleo, normalmente inorgânico (areia de quartzo, por exemplo), dá início à deposição de carbonato de cálcio por atração química, enquanto o fluxo gira lentamente o esferoide que, paulatinamente, aumenta de dimensão. Os oólitos possuem tamanhos entre 0,2 mm e 2 mm, e os pisólitos, acima desta dimensão. Já as estruturas orgânicas ou bioturbações surgem da atividade orgânica e resultam na bioturbação, ou mesmo na destruição das estruturas primárias inorgânicas dos sedimentos (Figura 2.34 A e B). Quando essas feições estão presentes em rochas, denominam-se icnofósseis. 3. Os solos O solo, um corpo natural e tridimensional, resulta da ação do intemperismo sobre as rochas expostas na superfície terrestre, sendo caracteristicamente formado por frações gasosas, líquidas e sólidas, minerais e compostos Figura 2.34. Icnofósseis. A. A porção mediana inferior do arenito mostra expressiva bioturbação. Formação Rio Bonito. Testemunho da perfuração IB-98/RS realizada pela CPRM. Permiano da Bacia do Paraná, RS. B. Pegadas de dinossauro em lamito com gretas de contração da Formação Souza, Cretáceo da Bacia do Rio do Peixe, Souza, PB. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. A B A B Figura 2.33. Calcário oolítico (A) e pisolítico (B). Paleoceno (Terciário Superior) da Bacia de Itaboraí, Itaboraí, RJ. Referência: 1,7 cm de ø. Créditos: Juliana Missiaggia Vargas.
  • 27. orgânicos, qualidades que podem permitir que aí se desenvolva vida vegetal. Eventualmente, pode sofrer modificações de ordem antrópica. Por se tratar de uma superfície morfológica estabilizada, o que é importante para a agricultura, o solo pode conter restos humanos ou possuir registros de sua ocupação (v.g. artefatos). Observado em corte (perfil vertical), consiste em horizontes ou camadas diferentes do material intemperizado (regolito) resultante da desagregação e/ou decomposição da rocha-mãe que o originou, pois, nele ocorreram acréscimos, subtrações e deslocamentos de materiais, além de transformações de energia. Seu limite superior é a atmosfera, enquanto o inferior, não bem definido, é a rocha-mãe ou materiais inconsolidados (saprolito). Lateralmente, contata com outros solos, rochas, sedimentos, aterros ou corpos de água. Solo autóctone é aquele gerado diretamente sobre a rocha-mãe, ou seja, ele se forma in situ; solo alóctone origina-se em local diferente de onde se encontra a rocha-fonte dos sedimentos. Independente desse aspecto, o solo se caracteriza por se constituir em uma sucessão de distintos horizontes verticais formados por ação intempérica sobre os sedimentos. As diferenças observadas no perfil são condicionadas pela composição da rocha-mãe e de suas estruturas (fatores geológicos) e pela ação biótica e climática (fatores pedogenéticos). É exigido, portanto, que o depósito sedimentar esteja em equilíbrio com o ambiente, pois os processos erosivos e deposicionais devem ser pouco significativos. Ainda que os solos sejam extensos lateralmente, suas características podem variar em razão da duração do intemperismo, da variabilidade climática, da rocha-mãe, da cobertura vegetal e da topografia. Quatro são os processos que atuam para transformar sedimentos em solo: (1) a adição na superfície de clastos, matéria orgânica, íons, etc., (2) a transformação de substâncias no solo, tais como matéria orgânica em húmus e minerais primários em argilas, íons e óxidos, (3) a transferência vertical para baixo de materiais no solo, chamada eluviação, entre os quais compostos húmicos, argilas, íons e óxidos, que irão se acumular em um horizonte inferior designado iluvial (os materiais sólidos e dissolvidos também podem subir graças à capilaridade da água do lençol freático ou por ação biológica) e (4) a remoção dos constituintes do solo (v.g. íons e óxidos). Essa remoção pode ser muito intensa, e o material dissolvido pode ser carreado para a água subterrânea. Esses quatro processos originam a formação de horizontes diferentes, os quais constituem o perfil de solo. Os horizontes básicos de um solo completo e bem desenvolvido são designados pelas letras maiúsculas O, A, E, B e C reservando-se o R para a rocha-mãe (Figura 3.1). Solos ricos em matéria orgânica (Organossolos) são nominados com a letra H. Às letras maiúsculas podem ser agregados algarismos arábicos, se existirem subdivisões em um horizonte, ou letras minúsculas, se houver necessidade de realçar alguma característica particular. O horizonte O é essencialmente composto por restos vegetais; o A, de cor escura, é composto por minerais misturados a grande quantidade de matéria orgânica; já a cor do horizonte E é clara, pois as argilas, siltes e areias finas são lixiviadas pelas águas de percolação. Os materiais provenientes dos horizontes superiores que sofreram lixiviação27 acumulam-se no horizonte B e, por essa razão, ele tende a apresentar cores avermelhadas pelo acúmulo de óxidos de ferro. O horizonte C é a rocha-mãe decomposta e desagregada, que, no caso de solo autóctone, encontra- se inalterada logo abaixo, recebendo a letra designativa, R. As principais propriedades dos solos que podem ser observadas em campo são as cores, as texturas e as estruturas. O pH, a mistura mineral, o conteúdo em matéria orgânica e em carbonato de cálcio, o tipo e a quantidade de íons, cambiáveis ou não, podem, normalmente, ser determinadas em laboratório. A cor, propriedade adquirida durante os processos de formação do solo, corresponde a uma alteração da cor original dos sedimentos e pode ser indicativa da composição química ou do conteúdo em matéria orgânica que ele possui. As cores de cinza-claro a branco podem ser devidas à presença de CaCO3 ou de uma intensa lixiviação; o preto e o marrom-escuro retratam, normalmente, alto conteúdo em matéria orgânica; os tons avermelhados sugerem a presença de óxidos de ferro e os azulados, a de ferro reduzido. Os solos possuem uma proporção relativa de argila, silte e areia, denominada textura, que se agregam naturalmente originando os agregados ou torrões. A classificação granulométrica dos solos (Tabela 3.1) evidencia a não-coincidência entre todos os limites de suas frações e aqueles dos clastos que constituem as rochas sedimentares clásticas (Tabela 2.1). O conteúdo em areia, silte e argila é utilizado para classificar os solos em arenosos, siltosos, argilosos ou lamíticos, estes últimos, uma mistura de areia, silte e argila, mas com predomínio das duas últimas frações (Gráfico 3.1). 27 Processo de retirada de material solúvel por água de percolação.
  • 28. Granulometria dos solos Pedra Acima de 60 mm Pedregulho grosso 60 mm a 20 mm Pedregulho médio 20 mm a 6 mm Pedregulho fino 6 mm a 2 mm Areia grossa 2 mm a 0,6 mm Areia média 0,6 mm a 0,2 mm Areia fina 0,2 mm a 0,06 mm Silte 0,06 mm a 0,002 mm Argila Abaixo de 0,002 mm O A E B C R Horizonte de acumulação orgânica Horizonte de atividade biótica Horizonte onde ocorrem processos eluviais (lixiviação de argilominerais, óxidos, etc.) Horizonte onde ocorrem processos iluviais (acumulação de argilominerais, óxidos, etc.) Saprolito Rocha-mãe Figura 3.1. Perfil ideal de solo autóctone e seus horizontes. Tabela 3.1. Classificação granulométrica dos solos brasileiros, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
  • 29. Os agregados ou torrões formam a estrutura do solo e podem separar-se uns dos outros por rachaduras ou planos de fraqueza que determinam sua classificação em quatro categorias principais: estrutura prismática, laminar, em bloco e globular. O solo será considerado maciço (Figura 3.2 E) quando não apresentar rachaduras. A estrutura prismática tem os topos e as bases dos prismas achatados (Figura 3.2 A); a laminar é aquela constituída por partículas arranjadas ao longo do plano horizontal (Figura 3.2 B); a estrutura em bloco mostra-se como cubos imperfeitos com lados relativamente planos (Figura 3.2 C) e, finalmente, a globular (Figura 3.2 D), que é composta por torrões com superfícies irregulares lembrando esferoides. Figura 3.2. Estruturas dos solos. A. Prismática. B. Laminar. C. Em blocos. D. Globular e E. Maciça (sem estrutura). Fonte: modificado de Waters 1992. A B C D E Gráfico 3.1. Gráfico triangular mostrando o domínio dos diversos solos quanto à granulometria. Fonte: Lepsch 1976, modificado.
  • 30. A classificação dos solos obedece a alguns parâmetros, tais como, presença ou ausência de horizonte superficial, ou subsuperficial, clima, componentes químicos, matéria orgânica, etc. A Classificação Brasileira de Solos compreende 14 diferentes Classes de 1.º Nível Categórico (ordens): Alissolos, Argissolos, Cambissolos, Chernossolos, Espodossolos, Gleissolos, Latossolos, Luvissolos, Neossolos, Nitossolos, Organossolos, Planossolos, Plintossolos e Vertissolos. Alissolos (Figura 3.3 A): são compostos por minerais, apresentam horizonte B textural28 ou nítico29, possuem alto conteúdo de alumínio extraível. Caso ocorra horizonte plíntico30, ele não se situa acima do horizonte B nem coincide com a porção superficial desse horizonte; essas mesmas condições são válidas se estiver presente o horizonte glei31, o qual se inicia, porém, abaixo dos 50 cm de profundidade. Argissolos (Figura 3.3 B): solos formados por minerais, mostrando horizonte B textural com argila imediatamente abaixo do horizonte A. Se estiver presente o horizonte plíntico30 ou o glei31, não estarão acima nem serão coincidentes com a parte superior do horizonte B textural. Cambissolos (Figura 3.3 C): compostos por material mineral ou hístico no horizonte A, seguido de horizonte B incipiente altamente saturado com bases e argilas. Este horizonte não coincide com o horizonte glei31 até 50 cm de profundidade, nem com horizonte plíntico30, nem tampouco com horizonte vértico até 100 cm de profundidade. Não há horizonte chernozêmico. Chernossolo (Figura 3.3 D): são solos escuros que, além do material mineral, apresentam alto conteúdo em argilas, bases e ausência de Al+++. O horizonte A é chernozêmico enquanto o B é textural, incipiente ou nítico29, podendo, às vezes, estar sobreposto a um horizonte C cálcico ou carbonático. Seu pH varia de levemente ácido a altamente básico. Espodossolos (Figura 3.3 E): constituídos por material mineral, cujo horizonte B situa-se logo abaixo do horizonte E ou A, entre 200 cm a 400 cm de profundidade. A matéria orgânica se concentra no horizonte B. Gleissolos (Figura 3.3 F): formados por material mineral, cujo horizonte acinzentado (glei31) situa-se logo acima do horizonte A ou E, nos primeiros 150 cm de profundidade. Caso esteja presente horizonte plíntico30 este localiza-se em profundidade acima dos 200 cm. Latossolos (Figura 3.3 G): essa categoria de solo é composta por minerais e apresenta horizonte B latossólico32 abaixo do horizonte A. Luvissolos (Figura 3.3 H): tais solos são constituídos por minerais e argila com alta saturação por bases e horizonte B textural ou horizonte B nítico29 soto-postos a horizonte A fraco33, horizonte A moderado34, horizonte A proeminente35 ou a horizonte E. Caso o horizonte plíntico30, ou o glei31 estejam presentes, não devem coincidir com a porção superficial do horizonte B textural. Neossolos (Figura 3.3 I): esses solos não apresentam o horizonte B por serem pouco desenvolvidos. Nitossolos (Figura 3.4 A): são compostos por minerais e possuem horizonte B nítico29 e argila situada abaixo do horizonte A ou nos primeiros 50 cm do horizonte B. Organossolos (Figura 3.4 B): apresentam horizonte O ou H hístico com teor de matéria orgânica cerca de 0,2 kg/kg de solo e espessura mínima de 40 cm. Planossolos (Figura 3.4 C): solos formados por minerais; ao horizonte A ou ao horizonte E, segue-se o horizonte B plânico36. Se o horizonte plíntico30 estiver presente, não se mostra como Plintossolo; se ocorrer o horizonte glei31, este coincide com o horizonte B plânico. Plintossolos (Figura 3.4 D): correspondem a solos constituídos por minerais, apresentando horizonte plíntico30 ou horizonte litoplíntico37 com cores claras (avermelhadas, amareladas, acinzentadas, brancas). Vertissolos (Figura 3.4 E): são solos compostos por minerais, apresentam o horizonte vértico e são desprovidos do horizonte textural B, além de possuírem teor de argila de, no mínimo, 30%; ocorrem fendas verticais durante a época de estiagem, ausência de material em contato com rocha ou horizonte petrocálcico38, ou duripã39 nos primeiros 30 cm desde a superfície, ausência do horizonte B acima do horizonte vértico. Quando ocorrentes em áreas irrigadas, inexistem fendas, e a expansibilidade linear é de 6 cm ou mais. 28 Horizonte mineral subsuperficial areno-argiloso. O conteúdo em argila é maior que o do horizonte A. 29 Horizonte mineral subsuperficial não hidromórfico argiloso; a argila não provém, na maior parte, do horizonte A. 30 Horizonte subsuperficial caracterizado pela espessura mínima de 15 cm e pela presença de plintita igual ou acima dos 15% (mistura de argila com pouco carbono orgânico e rica em ferro ou ferro e alumínio, quartzo e outros materiais). 31 Horizonte subsuperficial caracterizado pela espessura mínima de 15 cm e pela presença de ferro reduzido; é fortemente influenciado pelo lençol freático e pela atividade biológica consumidora de oxigênio. 32 Horizonte mineral subsuperficial cujos minerais primários menos resistentes estão quase ou totalmente decompostos. Apresenta quantidades variáveis de óxidos de ferro e de alumínio e argilominerais, quartzo e outros minerais mais resistentes. 33 Horizonte mineral superficial fracamente desenvolvido. 34 Horizonte mineral superficial não enquadrável nas demais definições de horizontes superficiais. 35 Horizonte mineral superficial que difere do horizonte chernozêmico por apresentar saturação por bases inferior a 65%. 36 Horizonte subsuperficial com estrutura colunar, prismática, em blocos angulares, às vezes maciça, de cores acinzentadas. 37 Horizonte subsuperficial endurecida por ferro ou ferro e alumínio, desprovido ou com pouca ocorrência de carbono orgânico. 38 Horizonte subsuperficial endurecido por carbonatos. 39 Horizonte mineral subsuperficial cimentado por sílica e ainda, não raro, óxidos de ferro e carbonato de cálcio.
  • 31. A B C D E F G H I A B C A E B A B C A B C A E B C A C A B A B C A C R Figura 3.3. Perfis esquemáticos de alguns solos. A. Alissolo. B. Argissolo. C. Cambissolo. D. Chernossolo. E. Espodossolo. F. Gleissolo. G. Latossolo. H. Luvissolo. I. Neossolo.
  • 32. A B C E Paleossolos Todo solo que vier a ser soterrado constituirá um paleossolo (Figura 3.5), um bom indicador de um intervalo de não-deposição. Como o solo apenas se desenvolve quando o relevo for estável, o paleossolo também é um excelente marcador temporal de um período de estabilidade. Eles podem ser reconhecidos por apresentar raízes fósseis, acúmulo de fitólitos40, nódulos de calcário, bioturbação e aumento de matéria orgânica no horizonte A fóssil. Há, no paleossolo, enriquecimento em umidade por aproximação com o lençol freático, em compostos como TiO2, Al2O3 e Fe2O3 e perda em CaO, CaCO3 e P2O5, além da concentração de vanádio e zinco nas argilas. Suas cores são mais claras que os solos não-soterrados, exceto naqueles horizontes saturados de água que preservam o carbono orgânico. Graças à compressão sofrida pelos paleossolos, registra-se neles uma maior quantidade de artefatos ou de restos humanos quebrados. Esse potencial será tanto maior quanto mais pronunciada for a diferença de compressibilidade entre a matriz do sítio e a dos objetos arqueológicos. O paleossolo pode se tornar exposto por erosão da cobertura passando, então, a se denominar paleossolo exumado. Por outro lado, também existem os paleossolos relictos, ou seja, aqueles que, por razões diversas, não foram soterrados ou erodidos e, mantiveram-se durante o passar do tempo. Caracteristicamente, representam condições climáticas e biológicas pretéritas diferentes e mais vigorosas do que as atuais, as quais, por serem mais débeis, são incapazes de modificar ou destruir o antigo solo, superpondo-se a ele. A ocorrência de um paleossolo é diagnosticada por meio do levantamento e do reconhecimento de certas feições em campo e em laboratório, as quais se encontram relacionadas na Tabela 3.2. Em razão do soterramento, proximidade do lençol freático, compactação, etc., duas categorias de paleossolos mostram uma pobre ou inexistente separação em horizontes: os Paleoprotossolos, que são solos imaturos, e os Paleovertissolos, que, por efeito de perturbação, não registram horizoneamento algum. Ocorrendo bom horizoneamento, pode-se designar o paleossolo de Paleogleissolo. É comum denominar-se de Calcissolo o paleossolo que apresenta horizonte cálcico (carbonato de cálcio) com calcretes41 e caliche42; Gipssolo, aquele que é rico em sulfato hidratado de cálcio autigênico; Paleoargissolo, o com alto conteúdo em argila; Paleoespodossolo, se ele possuir significativa presença de matéria orgânica e ferro, e Oxissolo, se ele for formado por extensa alteração de minerais in situ. A experiência tem demonstrado que nem sempre é possível estabelecer uma estreita associação entre os processos responsáveis pela formação dos solos atuais e aqueles desenvolvidos sobre os antigos solos, pois as ações 40 Depósitos microscópicos de opala ou oxalato de cálcio, formados entre e nas células de plantas. 41 São antigos caliches muito endurecidos. 42 Superfície endurecida que se constitui na superfície de regiões semiáridas ou áridas quentes por ascensão de água subterrânea rica em carbonato de cálcio. A água evapora, e o carbonato se deposita nos espaços entre os clastos que formam o solo. A B E A H A B B C A B C Figura 3.4. Perfis esquemáticos de solos. A. Nitossolo. B. Organossolo. C. Planossolo. D. Plintossolo. E. Vertissolo. D
  • 33. naturais inorgânicas e orgânicas desencadeadas sobre o solo, após o seu soterramento, podem alterá-lo de modo significativo. CRITÉRIOS PARA O RECONHECIMENTO DOS PALEOSSOLOS CRITÉRIOS DE CAMPO CRITÉRIOS GEOLÓGICOS Grande extensão areal: pode atingir quilômetros de extensão. Espessura reduzida: a média varia entre 0,50 m a 3 m. Limite superior: é comum que seja bem definido. Limite inferior: sempre é transicional. Meia cana: num perfil vertical, o paleossolo é mais erodido que os demais componentes do perfil. Cor: marrom escuro a negro (+ novos); arroxeados (+ velhos). Estruturas: em bloco (comum em solos paleozoicos), prismática e esferoidal (comuns em solos quaternários). Horizontes: horizonte B é o horizonte que pode, normalmente, ser individualizado. Crostas e concreções químicas. CRITÉRIOS PALEONTOLÓGICOS Raízes e troncos: em posição de vida. Crotovinas: pedotúbulos (vegetais) e escavações de invertebrados e vertebrados (icnofósseis). Ninhos: de escarabeídeos e vespídeos in situ. Restos esqueletais e pisadas (icnitos) de vertebrados. CRITÉRIOS DE LABORATÓRIO Micromorfologia: estudo de ocos, aspectos pedológico e matriz do paleossolo em seção delgada. Propriedades texturais: análise da alteração granulométrica do horizonte B por iluviação dos clastos de horizontes superiores. Análise de crostas calcárias: interpretação dos processos de mobilização dos carbonatos. Composição mineralógica: auxilia na caracterização de paleossolos. Datação: C14, K-Ar, etc. 4. Estratigrafia Figura 3.5. Paleossolo ou geossolo (seta) exposto em uma boçoroca às margens da RS 508 entre Santa Bárbara do Sul e Palmeira das Missões, km 8, RS. A rocha-mãe (abaixo da seta) é constituída por arenitos eólicos, os quais, na região, ocorrem nas formações Serra Geral (intertrápicos), Botucatu e Sanga do Cabral (Nowatzki et al. 1999). Créditos: Tânia Lindner Dutra. Tabela 3.2. Critérios de campo e de laboratório, empregados no reconhecimento de paleossolos. Fonte: Andreis 1981, modificado.
  • 34. Já vimos, no capítulo 1. Geoarqueologia, que o estudo estratigráfico pode ser realizado por meio da Litoestratigrafia (estratigrafia tradicional) ou da Estratigrafia de Sequências (estratigrafia moderna). Até a presente data são empregados métodos litoestratigráficos em estudos arqueológicos, pois permitem análises e interpretações em áreas tão restritas como 1 m2 ou menos (microestratigrafia), ao contrário da Estratigrafia de Sequências. As relações temporais e espaciais entre sedimentos e solos são estabelecidas porque os ambientes deposicionais são dinâmicos, estão sujeitos a constantes mudanças que se refletem em estágios de agradação43, estabilidade44 ou degradação45. Como o reconhecimento dessas relações é importante na interpretação arqueológica, pode-se facilmente deduzir o papel desempenhado pelas análises estratigráficas na separação temporal de distintas assembleias de artefatos e de feições de origem antrópica existentes num sítio arqueológico. Além disso, é fundamental estabelecer os contatos vertical e horizontal entre os sedimentos e os solos antes, durante e após a ocupação humana do local, bem como determinar se as mudanças ali ocorridas tiveram causas naturais ou se foram provenientes de desequilíbrios ambientais promovidos pelos indivíduos daquela comunidade. A investigação estratigráfica é realizada em um sítio arqueológico com a intenção de alcançar os seguintes objetivos: (1) agrupar o solo e os sedimentos em unidades estratigráficas físicas a partir da observação de suas características e de seus contatos; (2) ordenar essas unidades estratigráficas na sua sequência temporal original: as mais velhas deverão posicionar-se na base do perfil, e as mais novas, no topo; (3) determinar as idades das unidades estratigráficas e o tempo decorrido de agradação, estabilidade e, se for o caso, degradação delas, e (4) correlacionar as unidades estratigráficas do sítio com a estratigrafia regional e do entorno. As unidades estratigráficas foram definidas pelos geocientistas de forma a descrever e categorizar o conhecimento sobre os 4,6 bilhões de anos do nosso planeta. As divisões e combinações de sucessões de sedimentos e solos são realizadas de acordo com as composições, texturas, idades, discordâncias e conteúdo fossilífero, o que permite tratá-las como unidades litoestratigráficas46, cronoestratigráficas47, aloestratigráficas48, bioestratigráficas49, pedoestratigráficas50, litodêmicas51, etc., nem todas adotadas na Arqueologia, pois ela desenvolve suas investigações sobre objetos e acontecimentos que, normalmente, ocorreram até 30 mil anos a.P. ou pouco mais. Por isso, nas atividades arqueológicas investigativas, são empregadas, com algumas adaptações, as unidades litoestratigráficas, pedoestratigráficas e cronoestratigráficas. Litoestratigrafia Como já visto anteriormente, o objetivo primordial da litoestratigrafia é dividir e combinar as sucessões de sedimentos de um sítio arqueológico para ordená-los como pacotes expressivos, reconhecíveis e distintos, constituídos como unidades litoestratigráficas, que possuem composições, texturas e estruturas diferentes de pacotes laterais, superpostos e soto-postos. Essas unidades são identificadas apenas pelas características físicas e propriedades dos sedimentos que as compõem, portanto, os artefatos, os restos da flora, fauna e a idade do pacote não são considerados na sua definição. Os sedimentos componentes de uma unidade litoestratigráfica foram depositados durante um dado intervalo temporal; a quantidade específica de tempo representada numa única unidade pode variar de lugar para lugar. As unidades litoestratigráficas são, por norma, transgressivas no tempo, colocando-se as mais velhas na base e as mais novas na direção do topo, fenômeno que também pode ser observado lateralmente quando, então, uma unidade pode ser mais velha em um local e mais nova em outro. Tal é o caso dos depósitos de barra em pontal, constituídos na porção convexa das curvas de rios, em particular os meandrantes, que avançam lateralmente na planície de inundação, percorrendo de um lado do vale ao outro. Em decorrência, a datação radiométrica de elementos da flora e da fauna indicará idades decrescentes para o depósito no mesmo sentido de deslocamento do canal fluvial. A grandeza da transgressão também é função do valor temporal representado pela deposição da unidade, ou seja, a natureza transgressiva do pacote e seus limites diminuirão à medida que a quantidade de tempo representada pela unidade decresce. Deposições de curta duração correspondem à natureza transgressiva de tempo diminuto, que são normalmente desprezadas, tais como, por exemplo, os tufos vulcânicos que representam um evento eruptivo rápido (horas a poucos anos). Já o exemplo da deposição das barras em pontal, citado acima, reflete uma duração maior para a formação da unidade. A transgressão no tempo é avaliada pela datação direta da unidade litoestratigráfica estudada e daquelas superpostas e soto-postas com as quais se limita. Como os artefatos, cinzas de fogueiras, esqueletos, restos de plantas, etc., componentes dos sítios arqueológicos brasileiros possuem idade normalmente inferior a 15 mil anos, a datação pelo método do 14C tem apresentado resultados muito satisfatórios. Apesar disso, são exigidos cuidados especiais na coleta de amostras e na análise dos dados finais, pois os objetos datados podem ter sofrido alguma contaminação. Esse é o caso da datação de níveis com conchas calcárias, pois o carbonato de cálcio pode ser dissolvido pelo ácido carbônico (H2CO3) contido na água das chuvas percolantes; o carbonato, assim liberado, desloca- 43 Domínio da deposição. 44 Equilíbrio entre acumulação e erosão, condição essencial para formação de solo. 45 Domínio da erosão que remove os sedimentos e os solos. 46 Unidade composta por um conjunto de rochas distintas e limitada por suas características litológicas, independentemente de sua história geológica ou de conceitos cronológicos. 47 Unidades imateriais usadas para dividir o tempo com base em elementos geocronológicos. 48 Unidades limitadas por discordâncias. 49 Unidade representada por um pacote de camadas com determinado conteúdo fossilífero distinto das rochas adjacentes. 50 Unidades que consistem em corpos de rochas compostos por um ou mais horizontes pedológicos ocorrentes em uma ou mais unidades litoestratigráficas, litodêmicas ou aloestratigráficas definidas. 51 Unidades compostas por rochas que, diferentemente das litoestratigráficas, apresentam aspectos litoestruturais diversos daquelas e, também, por não observarem o princípio da superposição.
  • 35. se por lixiviação desde um nível superior para outro, inferior, onde se acumula. Se este último também contiver conchas, há uma grande possibilidade de que a data original do depósito seja mascarada (Figura 4.1). Segundo o Código Brasileiro de Nomenclatura Estratigráfica, ocorrem as seguintes categorias de unidades litoestratigráficas formais: Supergrupo, Grupo, Subgrupo, Formação, Membro, Camada, Complexo, Suíte e Corpo (Tabela 4.1). UNIDADE CARACTERÍSTICAS Supergrupo É formado pela reunião de grupos com características litoestratigráficas inter-relacionadas. Grupo É constituído pela associação de duas ou mais formações com feições ou características litoestratigráficas comuns. As formações que compõem o grupo não necessariamente são as mesmas em toda a área de ocorrência. Subgrupo É composto apenas por algumas formações de um grupo. Formação Unidade litoestratigráfica fundamental constituída por um corpo de relativa uniformidade litológica, contínuo e mapeável em subsuperfície ou na superfície. Ela se diferencia fisicamente das formações adjacentes, superpostas e soto-postas, podendo apresentar espessura e extensão variáveis e representar intervalo de tempo longo ou curto, mas devendo ser mapeável ou traçável por longas distâncias. Membro Faz parte de uma formação e apresenta características litológicas próprias que o distinguem do restante da unidade a que está confinado. Camada Unidade litoestratigráfica formal de menor hierarquia, com dimensões milimétricas a métricas. Corresponde a um litossoma em uma sucessão estratificada, que se distingue das rochas adjacentes pela litologia. Ela não se apresenta restrita a uma formação ou membro, podendo estender-se para outras unidades formais mantendo sua denominação. Complexo É formado pela reunião de rochas de diversos tipos (sedimentares, ígneas ou metamórficas). Suíte Associação de rochas intrusivas ou metamórficas de alto grau, de diversos tipos. Corpo Associação de rochas intrusivas ou metamórficas de alto grau, formadas apenas por um tipo de rocha. Continuidades e descontinuidades Um aspecto importante na interpretação dos depósitos sedimentares que é extensível à Arqueologia é o do contato ou limite entre as unidades litoestratigráficas. O limite corresponde a uma superfície contínua entre rochas de um mesmo grupo (v.g. sedimentares) ou de grupos diferentes (v.g. sedimentar-metamórfica). Enquanto os contatos abruptos podem estar indicando mudanças rápidas no processo de transporte, os gradacionais retratam as alterações Figura 4.1. Perfil estratigráfico arqueológico realizado em MS com o objetivo de, entre outros, recolher amostras (conchas) para datação com 14 C. Os resultados deixam evidentes os problemas de amostragem e a contaminação dos níveis conchíferos, pois não são continuamente decrescentes em idade para o topo do corte representado. Fonte: Schmitz et al. 1998, modificado. Tabela 4.1. Unidades litoestratigráficas brasileiras com as suas propriedades destacando a formação, que é a unidade fundamental.
  • 36. ambientais gradativas mais transgressivas no tempo, e os erosivos evidenciam o término das condições sedimentares construtivas na área e o advento das destrutivas. Os contatos de continuidade e descontinuidade são marcados fisicamente por superfícies planas ou irregulares. Existem duas possibilidades quanto ao limite vertical entre as unidades litoestratigráficas: limites de conformidade ou de continuidade e os de não-conformidade ou de descontinuidade. Ele é de conformidade quando aparentemente inexiste quebra importante na sedimentação, ou seja, quando ela for contínua e não houver registro de evento erosivo maior. O contato conformante pode ser abrupto (abrupt), gradacional (gradational) ou intercalado (intercalated); por essa razão, os artefatos aí encontrados foram ressedimentados ou estão in situ sendo indicativos da ocupação humana daquela superfície e do seu rápido e contínuo soterramento. O contato abrupto (Figura 4.2) caracteriza-se por uma repentina e marcada mudança na composição, textura ou estrutura dos sedimentitos, ou sedimentos formadores das unidades que se limitam, coincidindo com os planos de acamadamento deposicional formados pelas variações nas condições locais de deposição. Justamente devido às flutuações no processo deposicional, esses planos de acamadamento são pequenos hiatos52 de curta duração (poucas horas ou anos), chamados diastemas. No contato intercalado (Figura 4.3), ocorre uma zona de transição de finos leitos interestratificados das litologias ou sedimentos das unidades soto-posta e superposta. Finalmente, no limite gradacional (Figura 4.4), há uma zona de transição onde se misturam rochas sedimentares ou sedimentos das unidades inferior e superior. Os limites representam eventos erosivos ou um intervalo temporal de não-deposição. Eles significam uma ausência de registro entre os sedimentos que constituem o leito soto-posto e o superposto, o que equivale a dizer que há uma lacuna temporal entre às duas camadas. O geoarqueólogo pode deparar-se, então, com três situações: (a) os artefatos que, porventura, aí existiram foram erodidos, (b) podem ser encontrados misturados artefatos com idades e origens diferentes se o limite é uma superfície de ressedimentação e (c), mesmo que pareça tratar-se de um sítio num contexto primário, os artefatos podem estar representando diversas ocupações sobrepostas em uma superfície estabilizada. As descontinuidades, também chamadas discordâncias, são limitadas por superfícies que representam quebras na sedimentação, com duração de centenas ou milhares de anos de não-deposição (superfície estabilizada) ou erosão (degradação do relevo). Quando os processos deposicionais reativam-se no local, a superfície estabilizada é erodida ou soterrada, representando descontinuidade o lapso de tempo decorrido entre os fenômenos pedogenéticos (superfície estabilizada) ou erosivos e a nova fase deposicional. 52 Intervalo na sedimentação. Figura 4.2. Contato abrupto entre camadas de arenitos da Formação Palermo, Permiano da Bacia do Paraná. Na parte inferior do testemunho ocorre um nível muito bioturbado que é abruptamente cortado, para o topo (seta), por laminações cruzadas truncadas por ondas. Testemunho da perfuração IB-177/RS realizada pela CPRM em Cachoeira do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki. Figura 4.3. O retângulo salienta o contato intercalado entre níveis de arenito muito grosso na base e arenito muito fino siltoso no topo. Formação Palermo, Permiano da Bacia do Paraná. Testemunho da perfuração IB-177/RS realizada pela CPRM em Cachoeira do Sul, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.
  • 37. As discordâncias (Figura 4.5) podem ser de quatro tipos: discordância angular (angular unconformity), quando duas sucessões sedimentares apresentam mergulhos diferentes, pois o conjunto rochoso mais antigo sofreu dobramento ou basculamento antes de ser erodido e de, sobre ele, se assentar a sucessão mais jovem; discordância litológica (nonconformity), quando uma sucessão de rochas sedimentares se assenta sobre rochas ígneas ou metamórficas, correspondendo a superfície de descontinuidade a diversos ciclos de erosão; discordância erosiva (disconformity), quando ocorre uma superfície irregular de erosão (paleorrelevo) entre duas sucessões de rochas sedimentares não-perturbadas, com paralelismo dos planos de estratificação e, finalmente, discordância paralela (paraconformity), quando duas sucessões de sedimentitos essencialmente paralelos não mostram os sinais da descontinuidade, o que só pode ser detectado por comparação do conteúdo fossilífero entre elas. Assim como uma unidade litoestratigráfica é finita na vertical, ela também o é lateralmente (Figura 4.6). O contato lateral pode ser abrupto (abrupt) quando uma unidade trunca erosivamente outra; em cunha, (pinchout) no caso de uma unidade extinguir-se progressivamente na forma de cunha; interdigitado (interfingering), quando ocorrer recorrência entre duas unidades vizinhas cujos níveis deposicionais são em forma de cunha, e gradacional (gradational) se o contato lateral gradual e indistintamente muda de uma unidade para a outra. Discordâncias podem ser inferidas pela presença de depósitos residuais (lag), compostos por um conjunto de artefatos em regiões de deflação53 eólica, de solo ou nível intemperizado soterrado, ou ainda por mudanças no mergulho de camadas entre unidades litoestratigráficas sedimentares. Seu caráter erosivo é resultado de abrasões eólicas, fluviais, glaciais, gravitacionais, marinhas ou de processos transgressivos e regressivos costeiros, e, as discordâncias podem estar indicando que os artefatos encontrados nesses limites foram redepositados e não estão em contexto primário. 53 Remoção de fragmentos menores pelo vento com consequente acumulação dos detritos maiores. Figura 4.4. Testemunho de perfuração com contato gradacional granodecrescente para o topo entre brecha e arenito. Formação Sanga do Cabral, Triássico da Bacia do Paraná. São Leopoldo, RS. Créditos: Carlos Henrique Nowatzki.