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EXCELENTÍSSIMA SENHORA PROCURADORA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE
VOLTA REDONDA
EDGARD TONOLLI BEDÊ, brasileiro, casado, RG nº 04XXXX79-2, CPF
nº517.XXX.XXX-68; ALEX MARTINS RODRIGUES, brasileiro, casado, RG n° 11XXXX37-
7, CPF n° 081.6XXX.XXX-08 e RAPHAEL JONATHAS LIMA, brasileiro, casado, RG
n°11XXXXX3-3, CPF n° 086.XXX.XXX-48, inconformados com o teor da decisão que
promoveu o arquivamento do Inquérito Civil Público nº 1.30.010.000436/2014-07 e anulou
o Termo de Ajustamento de Conduta nº 03/2016-PRM-VTR-RJ-0010481/2016, celebrado
em 24/11/2016 entre o MPF e o Município de Barra Mansa, vêm apresentar RAZÕES
ESCRITAS para a rejeição da promoção, nos termos do art. 17, §§ 1º e 3º da Resolução
CSMPF nº 87, de 6 de abril de 2010.
Requer o imediato encaminhamento do inquérito ao órgão revisor, nos
termos do art. 17, § 2º, da referida resolução, e, dada a importância do caso e a
existência de diversas medidas em curso que conferem concretude a recomendações e
obrigações oriundas do referido inquérito, requer seja conferida urgência ao trâmite da
análise da promoção de arquivamento.
RAZÕES DA IMPUGNAÇÃO
1) OS FUNDAMENTOS DA PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO
No último dia 29 de maio de 2018, o pesquisador que esteve à frente das
investigações da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (2013-2015), Edgard
Bedê, recebeu por e-mail o comunicado da promoção de arquivamento do inquérito civil
público que estabeleceu um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Município de Barra
Mansa e o MPF.
A promoção, da lavra da Procuradora da República Bianca Britto de Araújo,
contém, em apertada síntese, os seguintes fundamentos:
i) A Lei nº 6.683/1979 concedeu anistia a todos que cometeram crimes
políticos ou conexos a estes no período de setembro de 1961 a agosto de 1979. A
despeito do posicionamento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da 2ª
Câmara de Coordenação e Revisão (2ª CCR), ambas do Ministério Público Federal
(MPF), e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), a Procuradora
subscritora embasou-se na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF nº
153/2010 para afastar qualquer vício da referida norma;
ii) Com base em outro posicionamento do STF (ext. 1362/DF), a promoção
afastou a “imprescritibilidade” de crimes de lesa-humanidade;
iii) Segundo a promoção, a investigação de delitos cujos agentes não mais
podem ser responsabilizados não faria sentido, por isso o prosseguimento do presente
inquérito tampouco. Sobre a possibilidade de indenização no plano cível, este já teria sido
realizado pelo MPF por meio de pedidos junto à Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça (fl. 120-v);
iv) Quanto ao direito à memória e à verdade, que estariam materializados na
obrigação de instalação de centro de memória no imóvel onde funcionou o 1º Batalhão de
Infantaria Blindada (1º BIB), a Procuradora utilizou o argumento da prescrição para
igualmente afastar qualquer tipo de reparação simbólica;
v) Segundo a promoção, “os direitos à memória e à verdade, abstrações
concebidas no arcabouço do sistema de direitos humanos e da chamada 'justiça de
transição', (…), englobam ou referem-se a toda a gama de violações jurídicas, não sendo
razoável que se dê tratamento diverso a categorias de violações, segundo o viés político
ou ideologia do grupo que 'encabeçou' movimentos como o de instalação de Comissão
Nacional da Verdade”. Por isso, tais direitos deveriam guiar-se pelas demais regras
vigentes no ordenamento jurídico, “como a regra da prescrição civil comum ou a regra da
prescrição contra o poder público, ou, ainda, a regra da anistia”.
vi) Na sequência, a Procuradora trouxe à baila novamente o argumento da
prescrição e do grande lapso temporal para enfatizar a desnecessidade de novas
diligências. Em nome da estabilidade das relações, a promoção considerou temerárias as
iniciativas dos operadores do direito que busquem “tornar padrão a conduta oficial
institucional dos órgãos públicos independentemente dos patamares estabelecidos no
ordenamento jurídico interno”;
vii) Fazendo menção a outras leis, como a Lei nº 9.140/95 e a Lei nº
10.559/02, a Procuradora ressalva a possibilidade de pleito de indenização por vítimas e
familiares em razão de morte e outras circunstâncias, conforme atuação de fls. 119/120-v;
viii) Quanto ao MPF, porém, a Procuradora afirma que não compete a esse
órgão diligenciar “no sentido de apurar a verdade acerca da morte dos quatro soldados
presos no 1º BIB e das torturas sofridas pelos demais, sendo fundamental que se entenda
que a verdade possível de ser alcançada pelos operadores do direito é a verdade jurídica,
a qual não admite ser contaminada pela coloração política de quem maneja sua busca”.
Ainda que se entendesse cabível a busca dessa verdade, afirma a promoção, houve
esgotamento após a pronúncia do órgão jurisdicional que condenou os militares pela
prática dos crimes ocorridos no 1º BIB em 1971;
ix) Quanto ao TAC, a Procuradora assevera que entende que “não incumbe
ao Ministério Público Federal ditar as espécies de políticas ou instrumentos públicos
adotados pelo gestor público municipal para implementação de suas finalidades”. Nesse
ponto, afirma que a qualificação dos direitos à memória e à verdade como difusos não
poderiam “dar azo ao afastamento ou contingenciamento de demais direitos de interesse
social”;
x) Nesse contexto, menciona a destinação de emenda parlamentar de R$
400.000,00 à execução do projeto mencionado no TAC, que representaria uma preterição
de outros serviços, sendo descabida a atuação do MPF em favor dessa destinação, dada
a carência de políticas públicas básicas no país;
xi) Assim, afirma a procuradora, ausente qualquer conduta ilegal por parte do
município, não poderia o MPF ditar política pública a ser adotada por aquele, já que “a
atuação não pode descurar do fato de que não há como implementar o que consta do
Termo de Ajustamento de Conduta sem dinheiro”;
xii) Conclui, assim, a Procuradora que “não há direito de fundo a subsidiar o
ajuste, em especial com previsão de medidas a cargo do município, o qual não foi
responsável por quaisquer condutas ilícitas”, de modo que não haveria “conduta a ser
ajustada”. Considerando que o TAC demanda exercício de autocontenção, e que não
pode se descurar de temática que possa ser objeto de ação civil pública, pressupondo um
dever legal descumprido, haveria, segundo a Procuradora, causa de nulidade do termo;
xiii) Com base nesses argumentos, a Procuradora declarou nulo o TAC e
promoveu o arquivamento do inquérito civil.
Apesar do esforço da Procuradora em externalizar suas razões e buscar
fundamento no ordenamento jurídico para conferir sobriedade à decisão que estava
sendo tomada, houve a desconsideração de diversos textos internacionais,
constitucionais, legais e infralegais. Com a devida vênia, a pré-compreensão acerca do
tema justiça de transição obnubilou a análise sobre as diversas formas de reparação,
além de ter desconsiderado que o campo da responsabilização não se confunde com as
políticas públicas de memória.
Além disso, ao tratar o descumprimento de dever jurídico sob uma lógica
civilista, baseada na noção de negócio jurídico, a Procuradora adotou uma compreensão
que afasta todo o papel promocional do MPF no campo dos direitos econômicos, sociais e
culturais (DESC), o qual compreende a adoção progressiva de medidas de concretização
de direitos pelo Estado. Por fim, a tese de nulidade do TAC não encontra qualquer
fundamento legal, já que, ainda que a tese da promoção estivesse correta ou
constitucionalmente adequada, não existe qualquer vício no termo. É o que se pretende
demonstrar na sequência.
A presente impugnação abordará os seguintes temas:
- Justiça de Transição: justiça, memória e verdade;
- O papel do MPF na implementação dos chamados DESC: as diversas formas de
atuação quanto a fatos ocorridos na ditadura militar;
- O TAC nº 03/2016 e os seus impactos para o sul fluminense e para o país:
antecedentes e efeitos concretos;
- Pleito de impugnação e solicitação de designação de outro Procurador para atuar
no caso, tendo em vista o caráter da promoção, que desqualifica esta pauta de
direitos humanos e a legislação sobre ela existente.
2) A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA
A luta pelo direito à verdade e à memória, que encontra no TAC nº 03/2016
uma contribuição de suma importância para a região sul fluminense, é fruto de um longo
percurso trilhado por meio dos esforços de defensores de direitos humanos em todo o
mundo, tendo como referência pregressa os impactos do holocausto contra judeus e a
necessidade de criação de mecanismos que impeçam a repetição de atrocidades
massivas pelo Estado ou por seus agentes.
No Brasil, o avanço dessa pauta no campo dos direitos humanos está
relacionado ao esforço de ex-presos e perseguidos políticos e de familiares de mortos e
desaparecidos durante a ditadura militar, ao qual se somou uma nova geração de pessoas
comprometidas com a luta por memória, verdade e justiça.
A memória é a forma pela qual o passado funciona no presente,
influenciando tanto o presente como o futuro. Ela inclui componentes da História, mas não
é a mesma coisa. A História, com “h” maiúsculo, é aquela que os vencedores escrevem,
por isso não inclui todos os fatos e eventos do passado. Os livros de história seriam
diferentes se a Alemanha tivesse ganhado a Segunda Guerra Mundial ou se o apartheid
nunca tivesse sido abolido na África do Sul. É exatamente por isso que a memória é vital:
ela obriga-nos a reconhecer que o passado segue presente, desempenhando um
papel fundamental nas nossas vidas cotidianas.
Em sociedades que vivenciaram atrocidades massivas ou períodos autoritários, a
justiça transicional diz respeito exatamente à forma como elas vão lidar com o passado no
presente.
A memória está plenamente ligada à justiça e à verdade.
A justiça de transição não se limita à discussão de responsabilização
criminal. É comum haver visibilidade de comissões da verdade ou de persecuções
criminais, que recebem uma atenção elevada, porém há diversos outros modos menos
visíveis de assegurar formas de reparação e estratégias de não repetição. As reformas
institucionais, nesse sentido, são fundamentais, pois previnem a ocorrência de violências.
A reforma institucional tem por objetivo demonstrar às vítimas e ao resto da
população o compromisso de enfrentar o passado e prevenir novas situações de
violência. Medidas como reformas estruturais, fiscalização, transformação de marcos
legais e capacitação são exemplos.
Outro campo importante é o das reparações. O termo “reparações”, por
exemplo, comporta diferentes sentidos ao redor do mundo. Na América Latina, é utilizado
de forma ampla, referindo-se a qualquer medida que possa ser adotada para “reparar” os
danos. Já nos Estados Unidos o termo está ligado a reparações econômicas, como
indenizações.
É recorrente, no entanto, pensar as reparações de duas formas, como
aponta o ICTJ (International Center for Transitional Justice): reparações materiais, que
podem incluir dinheiro (reparação econômica) ou serviços sociais como saúde, atenção
psicossocial, educação etc; e reparações simbólicas, que podem abranger monumentos,
cerimônias públicas de pedidos de desculpas, festas comemorativas etc.
A promoção ora impugnada, embora não o afirme expressamente, parece
reconhecer que houve uma ditadura civil-militar no Brasil, que teria causado diversas
violações. Contudo, aparenta admitir somente a reparação econômica das vítimas como
válida, com base no direito civil. Para tanto, invoca a prescrição, o direito das vítimas e
afasta a perspectiva transicional com base na transição democrática materializada na
Constituição.
A promoção de arquivamento fundamenta-se, ainda, na ausência de amparo
legal ou constitucional para a atuação da instituição, chegando a afirmar que a
perspectiva da justiça de transição denotaria um viés ideológico do Procurador que a
precedeu. Com o devido respeito, tal entendimento não deve prosperar.
Para utilizar apenas os parâmetros adotados na promoção como referência,
deve-se ter em conta que a falta de esclarecimentos sobre o paradeiro de diversos ex-
presos políticos, o desaparecimento forçado de pessoas e a simples declaração das
violações praticadas pelo Estado brasileiro são alguns exemplos que encontram pleno
respaldo na legislação utilizada como fundamento pela Procuradora, tendo em vista que
ou não há prescrição, em alguns casos (dada a permanência do ilícito), ou a relação não
é baseada no binômio dever jurídico-direito subjetivo, implicando direitos potestativos cuja
declaração não depende de prazo decadencial.
Deve-se ressaltar que o inquérito possui claro vínculo com dois aspectos da
justiça transicional: o dever de informação (memória), a busca de esclarecimentos
(verdade) e o dever de reparação (justiça), buscando-se formas de garanti-la.
Indo além da percepção meramente civilista, é possível avançar para uma
perspectiva mais global, como tem feito a Corte IDH e o próprio Ministério Público
Federal. No sistema interamericano, a Convenção Americana de Direitos Humanos faz
menção a diversos dispositivos que buscam a proteção especial quanto à violação dos
direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, à
liberdade pessoal, às garantias judiciais, à liberdade de pensamento e expressão e à
proteção judicial, previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 13° e 25° da Convenção,
respectivamente. A falta de garantia de investigação, apuração ou adoção de medidas de
reparação pelo Estado gera sua responsabilidade no campo internacional, mesmo que os
fatos tenham ocorrido em momento anterior à aceitação da jurisdição da Corte, como
ocorreu com o Brasil no Caso Gomes Lund.
A Constituição de 1988 é igualmente importante na compreensão das
medidas de proteção à memória, verdade e justiça. A promoção se apoia no debate da
jurisdição constitucional acerca da aplicabilidade da lei de anistia, mas olvida-se que há
uma série de medidas albergadas pela Constituição sem qualquer polêmica de
interpretação.
Nesse sentido, cumpre asseverar que o direito à informação, contido no art.
5º, XIV, é de fundamental importância para o esclarecimento da atuação do Estado e para
que a sociedade possa receber esclarecimentos acerca da forma como as práticas
autoritárias se deram no período ditatorial. A Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, veio
reforçar esta garantia constitucional, ao garantir o acesso a informações públicas,
constituindo-se como elemento fundamental para a elucidação do funcionamento do
aparato repressivo estatal e de episódios ocorridos durante a ditadura, cujo acesso havia
sido recorrentemente vetado ao cidadão interessado. Recentemente, a divulgação de
documentos oficiais dos Estados Unidos que tratam da postura da ditadura acerca dos
adversários do regime é elucidativa sobre a quantidade de questões que ainda precisam
ser desvendadas.
No âmbito do inquérito civil, foi graças à atuação do MPF que as vítimas e a
sociedade do sul fluminense puderam ter acesso à cópia integral do processo que
condenou os militares pela prática de tortura, o que representa a única condenação do
Estado brasileiro por essa prática no período. Não há, como a promoção de arquivamento
insinua, um intuito revanchista, mas sim o de buscar esclarecimentos sobre a forma de
atuação do Estado com o fim de que as violações não mais se repitam.
Ademais, a proteção do patrimônio histórico, de natureza material e
imaterial, encontra respaldo no direito fundamental enunciado no art. 5º, LXXIII, de modo
que a valorização da memória e a atuação proativa do Estado em sua defesa possui
amparo constitucional.
Cabe destacar ainda que, no âmbito das políticas públicas, o Plano Nacional
de Direitos Humanos nº 3, de 2009, possui um eixo dedicado exclusivamente ao direito à
memória e à verdade. Ao admitir as dificuldades de resgate da memória e da verdade
sobre o que ocorreu com as vítimas atingidas pela repressão política durante a ditadura
civil-militar brasileira, fruto de um processo de justiça de transição ainda incompleto, o
Plano estabelece como fundamental a investigação sobre esse passado histórico
traumático para a construção da cidadania e da identidade nacional.
Somente pela recuperação da memória e da verdade e sem reduzir a
experiência do sofrimento e das perdas à esfera do conflito individual e subjetivo, mas
reconhecendo sua dimensão coletiva e seu interesse público, é que o Estado brasileiro
poderá formular uma narrativa mais complexa e inclusiva, assim como garantir o
reconhecimento oficial de tais violações, para que os cidadãos brasileiros possam refletir
e estabelecer coletivamente seus valores sociais e políticos, de modo a orientar suas
práticas e convicções no tempo presente.
A Lei 12.528, de 2011, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV)
também recomendou a “adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação
de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação
nacional” (CNV, 2014: 962). Dentre suas conclusões, consta a comprovação de prática
sistemática de detenções ilegais e arbitrárias, de tortura, bem como de execuções,
desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro
durante o período ditatorial (1964-85).
Tais violações, segundo consta do relatório final da CNV, voz oficial do
Estado, foram caracterizadas como crimes de lesa humanidade, uma vez que, ancorados
em tratados internacionais de direitos humanos e de direito internacional penal,
constituem “atos desumanos, cometidos no contexto de um ataque contra a população
civil, de forma generalizada ou sistemática e com o conhecimento dessa abrangência por
parte de seus autores” (CNV, 2014: 963).
Dentre as recomendações feitas ao Estado brasileiro, merece destaque,
para os fins que aqui nos interessam, em primeiro lugar, a segunda recomendação, que
trata da revisão da Lei n° 6.683/1979, conhecida como Lei de Anistia, no que se refere à
aplicação dos dispositivos concessivos de anistia aos agentes públicos que procederam
as violações acima elencadas, por constituírem crime de lesa humanidade, portanto
imprescritíveis e não passíveis de anistia.
No entendimento da Comissão, “prevalece o dever jurídico do Estado de
prevenir, processar, punir e reparar os crimes contra a humanidade, de modo a assegurar
o direito à justiça e à prestação jurisdicional efetiva. A esse dever correspondem os
direitos à justiça e à verdade, os quais abrangem o direito a uma investigação rápida,
séria, imparcial e efetiva, e a que sejam instaurados processos voltados à
responsabilização dos autores das violações, inclusive na esfera criminal, bem como o
direito das vítimas e seus familiares à obtenção de reparação” (CNV, 2014: 966).
No entanto, apesar do entendimento da CNV com relação à necessidade de
revisão da Lei de Anistia, toda a condução do inquérito ou o próprio TAC nº 03/2016
sequer mencionam qualquer ação no sentido de punição ou responsabilização civil ou
criminal dos agentes envolvidos em tais atos criminosos na região, estando mais voltados
ao estabelecimento de formas de reparação por parte dos órgãos do Estado brasileiro.
No que se refere a outra das recomendações que integram o relatório, o
TAC encontra respaldo nas medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV.
Nelas encontramos a recomendação 28, que determina a preservação da memória das
graves violações de diretos humanos durante o período ditatorial, com especial destaque
para a preservação, restauração e promoção de tombamento ou criação de marcas de
memória em imóveis urbanos ou rurais onde ocorreram tais violações (CNV, 2014: 974).
Em âmbito estadual, a Lei n° 6.335/2012, que instituiu a Comissão Estadual
da Verdade do Rio (CEV-Rio), também representou uma contribuição importante para a
efetivação do direito à memória e à verdade histórica no âmbito do estado do Rio de
Janeiro. O relatório final da CEV-Rio identificou o 1° BIB como um dos 21 espaços de
prisão e tortura localizados no estado do Rio, colaborando para a elucidação do
funcionamento do aparato repressivo estatal em nível local e estadual.
No item destinado às políticas públicas de memória e de educação em
direitos humanos, a recomendação 27 propõe, ainda, a criação de “espaços de memória e
memoriais em locais que serviram, no período da ditadura militar, como centro de prisão,
tortura e morte no estado do Rio de Janeiro, levando em consideração a diversidade
social, racial, de gênero e dos segmentos LGBT” (CEV-Rio, 2015: 447-448), referindo-se
explícitamente ao 1° BIB de Barra Mansa como um desses espaços de memória, o que
demonstra sua importância histórica não apenas para a região, mas também para o
estado e o país.
Em âmbito municipal, a Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda
(CMV-VR), presidida por Alex Martins, cumpriu papel fundamental para a elucidação das
violações ocorridas na localidade e foi responsável por fomentar uma rede de antigos
militantes perseguidos pelo regime, despertando inclusive o interesse das novas gerações
para a temática. Vale destacar que, sem o apoio do MPF junto à CMV-VR, dificilmente a
Comissão poderia ter tido acesso aos arquivos da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN), até então sistematicamente negados aos pesquisadores interessados, acervo este
central para o estudo realizado. Além disso, houve também a criação de comissão
municipal da verdade em Barra Mansa, por meio do Decreto nº 7.6/71/2014.
Destaca-se também o papel do MPF junto aos familiares dos quatro
soldados mortos, todas famílias muito humildes, que não puderam receber até hoje
sequer a reparação pecuniária que lhes é devida pelo Estado. De todas as
recomendações realizadas pela CMV-VR, a recomendação 14, que trata da construção de
um centro de memória no espaço do antigo 1° BIB, é a única que se encontra em estágio
mais avançado de desenvolvimento, graças ao TAC cuja anulação se impugna neste
recurso.
No bojo da formulação de políticas públicas e da ação de movimentos
sociais voltados para o campo da memória e da verdade, a instalação da CNV, em 2012,
impulsionou o campo de estudos voltado para as violações aos direitos humanos
ocorridas durante a ditadura civil-militar brasileira. A partir de então, uma série de
comissões da verdade, em âmbito estadual, municipal e, mesmo, em universidades e
sindicatos, se proliferou pelo país, resultando em relatórios e testemunhos que não
apenas elucidaram diversas histórias silenciadas ou obscurecidas, como proporcionaram
a oportunidade de reflexão em torno das violações praticadas pelo Estado no tempo
presente, seus elos de continuidade com as instituições políticas democráticas e os atores
sociais envolvidos.
Em meio a este processo, os espaços de tortura, mortes e
desaparecimentos, bem como os espaços de luta e resistência vêm sendo alvo de
debates e projetos, que visam à preservação e disseminação das histórias e memórias
das vítimas da ditadura civil-militar brasileira.
No estado do Rio de Janeiro, a CEV-Rio foi uma das mais ativas do país,
fomentando a criação de comissões da verdade em âmbito municipal e estimulando o
aprofundamento das investigações sobre o período ditatorial, através de parceria travada
com a Faperj, aproveitando-se da expertise de núcleos e centro de pesquisa
universitários. Fruto desta articulação, nasceu a CMV-VR, em 2013, e o grupo de
pesquisa da UFF-VR, em 2014, responsável pela investigação das violações ocorridas no
1° BIB, em Barra Mansa (RJ).
No âmbito deste projeto, e atendendo a uma antiga demanda dos
pesquisadores e defensores de direitos humaos locais, foi criado o Centro de Memória do
Sul Fluminense Genival Luis da Silva (CEMESF), em março de 2015. Atualmente, o
CEMESF abriga o acervo da CMV-VR e o banco de dados relativo à documentação da
CSN, bem como cópias de documentos oficiais e acervos pessoais referentes ao período
da ditadura militar.
3) O PAPEL DO MPF NA IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DESC E A
AGENDA HISTÓRICA DA INSTITUIÇÃO NA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO – O
ESTABELECIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E AS DIVERSAS FORMAS DE
ATUAÇÃO QUANTO A FATOS OCORRIDOS NA DITADURA MILITAR
A promoção de arquivamento pretende limitar a atuação do MPF, em termos
de ajustamento de conduta, a situações em que o dever de agir do Estado esteja
claramente delineado, com obrigações de fazer claramente estipuladas e previamente
definidas em lei. Contudo, no campo dos chamados direitos econômicos, sociais e
culturais – os chamados DESC -, tal postura é pouco plausível, uma vez que se trata de
direitos cuja concretização é tão justiciável quanto a de direitos de liberdades. Assim, a
omissão estatal e a falta de planejamento específico de políticas públicas para a área
podem ensejar a intervenção do órgão ministerial, na qualidade de defensor da ordem
jurídica e dos direitos coletivos e difusos.
Tal questão remonta à superada perspectiva que coloca os chamados
direitos civis e políticos (1ª dimensão) em posição privilegiada, colocando os direitos
sociais, econômicos e culturais (2ª e 3ª dimensões) em posição inferior. A literalidade de
diplomas internacionais – como o Pacto de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) – dariam a entender que os DESC
deveriam ter uma implementação progressiva, carente de maior controle, o que esvaziaria
as previsões constitucionais e a tornaria mera carta de intenções quanto a esses últimos.
Ocorre que a justiciabilidade e a efetividade de normas que tratam desses
direitos vêm ganhando a devida densificação ao longo dos anos. O fato de a
implementação implicar de direitos como saúde, educação, meio ambiente saudável e
proteção do patrimônio histórico e cultural demandar obrigações de fazer que são
aparentemente mais custosas que a proteção da propriedade e da liberdade de imprensa
não pode representar uma carta branca para que o gestor deixe de atuar para
efetivamente implementá-los.
Nesse sentido, discute-se a necessidade de haver a observância de núcleos
essenciais desses direitos e a possibilidade de efetivo controle da omissão ou da proteção
deficiente de tais bens jurídicos. Afinal, todos os direitos – negativos ou positivos, de
defesa ou prestacionais – comportam um custo, de modo que qualquer atuação do MPF
que interfira na atuação do Poder Executivo implicará redirecionamento de gastos e
redefinição das prioridades pelo gestor em exercício. Não há, assim, ilegalidade nesta
atuação, desde que esteja embasada em atribuições próprias do órgão, como ocorre no
caso.
No âmbito da justiça de transição, existem medidas que possuem as duas
características. De um lado, a proteção da memória por meio do estabelecimento de
novos nomes a logradouros e a garantia de informação sobre fatos ocorridos em período
autoritário não importam grandes custos. De outro, a adoção de medidas concretas como
a construção de monumentos e centros de memória se inserem no âmbito mais
prestacional.
No caso em exame, a postura do MPF se coaduna com o esforço de que o
Estado adote medidas positivas para a proteção da memória, tanto no âmbito negativo
quanto no âmbito positivo. A construção de um centro de memória, por envolver custos e
estar situada num âmbito onde, apesar da necessidade de observância de um núcleo
essencial, a discricionariedade do Estado é maior, se insere em um leque de obrigações
que podem ser dialogicamente estabelecidas com o gestor, com vistas a reparar um
cenário de grave omissão no âmbito da justiça de transição. Note-se, inclusive, que o TAC
tomou o cuidado de manter as instalações miliitares no local, não estabelece prazos e
exige a realização de audiências públicas, justamente com o objetivo de garantir que a
implementação desses direitos seja feita com efetiva participação social.
4) O TAC Nº 03/2006 E A SUA IMPORTÂNCIA PARA O SUL FLUMINENSE
E PARA O PAÍS
O TAC tem o intuito de impulsionar a apuração das violações aos direitos
humanos ocorridas no interior do 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército (1° BIB),
durante a ditadura civil-militar (1964-88), o que atende ao direito à verdade e à memória
da população, bem como assegurar o direito à reparação, material e simbólica, das
vítimas e seus familiares.
Diante de tal decisão e da eventual falta de entendimento do valor histórico e
político do antigo 1° BIB como espaço de memória para a população brasileira, é
necessário esclarecer à Procuradoria da República alguns pontos fundamentais e
questionar a interpretação restrita em torno do que se entende por justiça de transição e
por direito à verdade e à memória.
O 1° BIB, sediado na cidade de Barra Mansa, foi criado em 1950 com a
função de “assegurar a ordem pública” na região. No início da ditadura, o batalhão
comandou o indiciamento e prisão dos operários da CSN, ao ponto de, dois meses depois
do Golpe de 1964, já terem sido presos todos os principais líderes sindicalistas. Ainda
antes do AI-5, de dezembro de 1968, foi empreendida uma verdadeira “caça às bruxas” à
Igreja de Volta Redonda, sobretudo à pessoa do bispo Dom Waldyr Calheiros. Padres e
militantes católicos foram intimados, obrigados a prestarem depoimentos, presos e
torturados, sempre sob as ordens do comandante do 1° BIB.
Após 1969, a tortura foi institucionalizada no batalhão e este se tornou um
centro militar de tortura para opositores do regime, inclusive de maneira integrada ao
sistema DOI-CODI que funcionava na capital do Rio de Janeiro. Por lá, passaram
trabalhadores, sindicalistas, militantes católicos e militantes de organizações
revolucionárias, sofrendo as mais diversas violações aos direitos humanos. Em 1973, o
batalhão foi desativado, devido à comprovação da prática de tortura seguida de morte de
quatro jovens soldados que prestavam serviço no 1° BIB. Apesar da condenação dos
militares envolvidos nos crimes de tortura e assassinato ser inédito na história brasileira,
as vítimas (os soldados sobreviventes) e os familiares dos soldados assassinados ainda
não receberam a reparação material por parte do Estado pelos danos causados às
vítimas e pela morte de seus entes queridos.
Além disso, vale ressaltar que parte significativa da população de Volta
Redonda e Barra Mansa ainda desconhece seu passado repressivo e autoritário. Nesse
sentido, a transformação do antigo batalhão em centro de memória não se restringe
apenas à reparação material das vítimas gravemente atingidas por tais ações violadoras,
mas também à reparação simbólica em favor da preservação da memória e do patrimônio
histórico nacional na área correspondente ao antigo batalhão, atual Parque da Cidade. O
referido TAC foi formulado justamente com o intuito de garantir este anseio, partilhado
pelas vítimas diretas e militantes de diretos humanos comprometidos com a luta pela
memória, verdade e justiça, que agora se vê ameaçado diante da anulação do Termo.
O TAC em questão está em consonância com a defesa dos princípios
democráticos garantidos na Constituição de 1988 e em diálogo com as políticas púbicas
formuladas nas últimas décadas pelo Estado brasileiro na área da verdade e da memória.
Para demonstrar sua contribuição, passaremos a enumerar algumas destas iniciativas, no
intuito de possibilitar uma visão mais ampla do que se entende por direito à verdade e à
memória, que, no documento ora questionado por este recurso, parece se restringir
unicamente à dimensão da reparação material, o que, sabemos, não é verdade.
Desde então, vem se desdobrando um conjunto de ações que pretendem
fazer do espaço do antigo 1° BIB um memorial de resistência das vítimas da ditadura.
Iniciado ainda sob a vigência dos mandatos das comissões da verdade e contando com o
apoio central do MPF, através do TAC do BIB, o processo de memorialização do espaço
do antigo batalhão não apenas vem ativando uma rede de ex-militantes e pesquisadores
interessados no tema, como aponta direções e estratégias inéditas para se pensar a luta
política no campo da memória, verdade, justiça e reparação.
Trata-se de uma região com forte tradição de mobilização social, sobretudo
no meio sindical, e de grande centralidade para o projeto de desenvolvimento nacional,
devido à instalação da CSN, na década de 1940. A memória coletiva constituída na região
está concentrada prioritariamente nas experiências operárias dos anos 1980 e pouco se
sabe sobre os movimentos de resistência à ditadura durantes as décadas de 1960 e
1970. Por isso, a criação de um centro de memória não apenas em homenagem às
vítimas da ditadura, mas também de produção de conhecimento sobre o passado histórico
possui uma importância significativa.
Como já foi destacado, o TAC do BIB vem em atendimento a anseios
anteriores que, no contexto das comissões da verdade, encontrou meio propício para
manifestar-se. Ele se constitui, nesse sentido, como um instrumento potente de reparação
simbólica das violações praticadas por agentes públicos durante o regime militar, o que
deixa explícito quando considera que “o direito à memória não constitui mero olhar
retrospectivo ao passado, mas a possibilidade permanente da compreensão coletiva,
permitindo um entendimento também acerca do presente e do futuro” (MPF, 2016: 4) ou,
quando mais adiante, ressalta a importância em se garantir dispositivos protetivos dos
bens culturais, como a criação e gestão de centros de memória. Dessa maneira, o termo
firmado entre o município de Barra Mansa e o MPF não se trata de uma punição ao
município de Barra Mansa por parte do MPF, como interpretou o termo de anulação do
TAC, mas, antes, espelha justamente o compromisso assumido entre ambas as partes,
com a pauta do direito à memória e à verdade.
O TAC, entre outras coisas, prevê “assegurar reparações simbólicas em
favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional na área
correspondente ao quartel onde funcionou o 1° Batalhão de Infantaria Blindada (1° BIB) e
o parque ao redor” (MPF, 2016: 5). Para tal, estabeleceu a formação de um grupo de
trabalho encarregado de elaborar uma proposta para a criação de um “centro de
referência permanente do direito à memória, que se incumbirá da exposição crítica do
material coletado e da continuidade de pesquisas sobre a memória”, resultando, ao final
dos trabalhos, em um projeto físico-logístico de ocupação do local.
Após a assinatura do TAC, o GT do BIB foi constituído, sob a coordenação
do professor Raphael Lima (UFF-VR), e integrado por representantes da Diocese de Volta
Redonda, Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura, Fundação de Cultura de
Barra Mansa, Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro (SEPE) de Barra
Mansa e UFF. Após algumas reuniões operacionais, em março de 2016, o grupo realizou
a primeira audiência pública, a fim de apresentar à sociedade civil o desenvolvimento dos
trabalhos até o momento. Realizada num dos galpões do antigo batalhão, a audiência
lotou o espaço, contando com a presença de lideranças políticas, militantes de
movimentos sociais e estudantes da rede básica de ensino, refletindo o grande interesse
que o uso do espaço começava a despertar na população local.
No dia 10 de junho de 2016, ocorreu uma segunda audiência pública, com o
intuito de apresentar um esboço do projeto em torno da criação do centro de memória
relativo ao antigo batalhão, criando um espaço coletivo para o debate com a comunidade
local.
Para auxiliar os trabalhos do GT do BIB, foi formada uma comissão, de
caráter técnico e executivo, em julho de 2017, coordenada pela professora Alejandra
Estevez (UFF-VR), com o objetivo de auxiliar na formulação do Plano de diretrizes de uso
e ocupação do Parque da Cidade, bem como construir uma agenda de trabalhos e
atividades, com o intuito de 1) informar à população de Barra Mansa e região dos
episódios históricos ocorridos durante a ditadura civil-militar; 2) salvaguardar a memória
das camadas excluídas, perseguidas e violadas em seus direitos básicos no Brasil e na
região; 3) fomentar o debate em torno dos valores democráticos, na linha de uma cultura
e educação em direitos humanos.
O Plano, formulado pela referida Comissão, estabeleceu as diretrizes gerais
para a criação do futuro CENTRO MEMÓRIA, VERDADE E DIREITOS HUMANOS
(CMVDH) e delimitou os espaços de memória do atual Parque da Cidade, divididos em
três partes:
- ARQUIVO, destinado à a) criação de um centro de memória dos direitos humanos, mais
especificamente encarregado de narrar as violações ocorridas durante a ditadura civil-
militar; b) à criação de uma sala de exposição permanente que retrate diferentes aspectos
desse passado repressivo e autoritário; e c) à criação de um centro de documentação
histórica sobre a região sul fluminense, sobretudo no que se refere ao período ditatorial
militar e às violações ainda vigentes no período democrático.
- TULHAS, espaço dedicado à cultura em direitos humanos, que abrigará projetos já em
curso (Direitos Humanos nas escolas; Visitas guiadas ao 1° BIB e Cine Arquivo),
desenvolvidos atualmente no âmbito do CEMESF/UFF, bem como espaços e instalações
destinados à cultura, às artes, ao entretenimento, que contribuam para uma intervenção
crítica na realidade social. Vale destacar que o projeto prevê a permanência de outros
projetos e iniciativas, desenvolvidas em âmbito municipal, neste espaço, demonstrando
uma relação de diálogo e apoio mútuo entre a Prefeitura Municipal de Barra Mansa e
Comissão responsável pela formulação do projeto para o espaço.
- INTENDÊNCIA, espaço destinado à educação em direitos humanos e aos movimentos
sociais.
De maneira geral, o CMVDH pretende constituir-se como um centro de
referência para o intercâmbio cultural, o debate sobre o passado ditatorial, a reflexão
sobre o passado recente e as violações ocorridas no período democrático (pós-1988),
assim como um espaço aberto e integrado à comunidade local e regional, erigindo-se
como um conjunto ativo no qual convivam distintos movimentos, atores sociais e
iniciativas, no campo da memória, da cultura e da produção do conhecimento,
empenhados na preservação da memória e na promoção e defesa dos direitos humanos
nas mais variadas abordagens e perspectivas.
A emenda parlamentar concedida pelo deputado federal Wadih Damous, ex-
presidente da CEV-Rio, no valor de R$ 300.000,00, será destinada à primeira fase de
implementação do Plano de uso e ocupação para o espaço, sem representar qualquer
ônus para o município ou mesmo para a UFF. Nesse sentido, o compromisso assumido
pelo município de Barra Mansa com a pauta da memória e da verdade diz respeito à
garantia de acesso, manutenção e segurança do espaço, bem como apoio logístico para
a realização de algumas das atividades, em parceria que vem sendo travada sobretudo
com a Fundação de Cultura de Barra Mansa, autarquia que já é responsável pela
administração do espaço Tulhas.
5) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar, reitera-se que a promoção de arquivamento é precipitada, pois
desconsidera a enorme gama de diligências que ainda precisa ser empreendida para
garantir formas de reparação à sociedade do sul fluminense pelas violações causadas
durante as atividades do 1º BIB.
Além disso, a promoção despreza o papel do MPF na implementação de
direitos econômicos, sociais e culturais, o que seria inimaginável no âmbito de atuações
há mais tempo estabelecidas, como ocorre na proteção do meio ambiente e do patrimônio
histórico e cultural.
Não há qualquer nulidade no TAC firmado, já que ele busca densificar os
direitos associados a medidas de memória e reparação, por meio do estabelecimento
dialógico de obrigações de fazer ao Município, que também é órgão da estrutura estatal e
possui, sim, deveres de implementação de políticas públicas neste campo. No caso em
tela, isso fica ainda mais evidente diante do fato de que o ente é proprietário da área e
busca conferir usos culturais ao espaço onde funcionou o referido batalhão.
A perspectiva individualista adotada na promoção hierarquiza os direitos de
primeira e segunda e terceira dimensão, além de buscar na noção de “dever jurídico a ser
ajustado” uma interpretação bastante restrita, que limita o papel do Ministério Público na
promoção e efetivação de direitos econômicos, sociais e culturais.
Inexistente a nulidade, há uma tentativa de revogação do TAC que não pode
ser admtiida, já que há uma indisponibilidade do interesse em jogo que não confere ao
membro do MP o poder discricionário de afastá-lo. Por essa razão, e tendo em vista a
necessidade de urgência na execução do termo, requerem os subscritores:
i) A não homologação do arquivamento;
ii) A revisão da decisão que anulou o TAC;
iii) A imediata designação de outro Procurador para atuar no caso, bem
como em outros casos que tratem do tema e tramitem perante o 3º ofício da PRM Volta
Redonda;
Nesses termos,
pede deferimento.
______________________________
EDGAR TONOLLI BEDÊ
Coordenador das investigações da CMV-VR
ALEX MARTINS RODRIGUES
Ex-presidente da CMV-VR
RAPHAEL JONATHAS LIMA
Professor da UFF-VR e Coordenador do GT do BIB

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Recurso contra a decisão da procuradora da anular o TAC

  • 1. EXCELENTÍSSIMA SENHORA PROCURADORA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA EDGARD TONOLLI BEDÊ, brasileiro, casado, RG nº 04XXXX79-2, CPF nº517.XXX.XXX-68; ALEX MARTINS RODRIGUES, brasileiro, casado, RG n° 11XXXX37- 7, CPF n° 081.6XXX.XXX-08 e RAPHAEL JONATHAS LIMA, brasileiro, casado, RG n°11XXXXX3-3, CPF n° 086.XXX.XXX-48, inconformados com o teor da decisão que promoveu o arquivamento do Inquérito Civil Público nº 1.30.010.000436/2014-07 e anulou o Termo de Ajustamento de Conduta nº 03/2016-PRM-VTR-RJ-0010481/2016, celebrado em 24/11/2016 entre o MPF e o Município de Barra Mansa, vêm apresentar RAZÕES ESCRITAS para a rejeição da promoção, nos termos do art. 17, §§ 1º e 3º da Resolução CSMPF nº 87, de 6 de abril de 2010. Requer o imediato encaminhamento do inquérito ao órgão revisor, nos termos do art. 17, § 2º, da referida resolução, e, dada a importância do caso e a existência de diversas medidas em curso que conferem concretude a recomendações e obrigações oriundas do referido inquérito, requer seja conferida urgência ao trâmite da análise da promoção de arquivamento.
  • 2. RAZÕES DA IMPUGNAÇÃO 1) OS FUNDAMENTOS DA PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO No último dia 29 de maio de 2018, o pesquisador que esteve à frente das investigações da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (2013-2015), Edgard Bedê, recebeu por e-mail o comunicado da promoção de arquivamento do inquérito civil público que estabeleceu um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Município de Barra Mansa e o MPF. A promoção, da lavra da Procuradora da República Bianca Britto de Araújo, contém, em apertada síntese, os seguintes fundamentos: i) A Lei nº 6.683/1979 concedeu anistia a todos que cometeram crimes políticos ou conexos a estes no período de setembro de 1961 a agosto de 1979. A despeito do posicionamento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (2ª CCR), ambas do Ministério Público Federal (MPF), e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), a Procuradora subscritora embasou-se na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF nº 153/2010 para afastar qualquer vício da referida norma; ii) Com base em outro posicionamento do STF (ext. 1362/DF), a promoção afastou a “imprescritibilidade” de crimes de lesa-humanidade; iii) Segundo a promoção, a investigação de delitos cujos agentes não mais podem ser responsabilizados não faria sentido, por isso o prosseguimento do presente inquérito tampouco. Sobre a possibilidade de indenização no plano cível, este já teria sido realizado pelo MPF por meio de pedidos junto à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (fl. 120-v); iv) Quanto ao direito à memória e à verdade, que estariam materializados na obrigação de instalação de centro de memória no imóvel onde funcionou o 1º Batalhão de
  • 3. Infantaria Blindada (1º BIB), a Procuradora utilizou o argumento da prescrição para igualmente afastar qualquer tipo de reparação simbólica; v) Segundo a promoção, “os direitos à memória e à verdade, abstrações concebidas no arcabouço do sistema de direitos humanos e da chamada 'justiça de transição', (…), englobam ou referem-se a toda a gama de violações jurídicas, não sendo razoável que se dê tratamento diverso a categorias de violações, segundo o viés político ou ideologia do grupo que 'encabeçou' movimentos como o de instalação de Comissão Nacional da Verdade”. Por isso, tais direitos deveriam guiar-se pelas demais regras vigentes no ordenamento jurídico, “como a regra da prescrição civil comum ou a regra da prescrição contra o poder público, ou, ainda, a regra da anistia”. vi) Na sequência, a Procuradora trouxe à baila novamente o argumento da prescrição e do grande lapso temporal para enfatizar a desnecessidade de novas diligências. Em nome da estabilidade das relações, a promoção considerou temerárias as iniciativas dos operadores do direito que busquem “tornar padrão a conduta oficial institucional dos órgãos públicos independentemente dos patamares estabelecidos no ordenamento jurídico interno”; vii) Fazendo menção a outras leis, como a Lei nº 9.140/95 e a Lei nº 10.559/02, a Procuradora ressalva a possibilidade de pleito de indenização por vítimas e familiares em razão de morte e outras circunstâncias, conforme atuação de fls. 119/120-v; viii) Quanto ao MPF, porém, a Procuradora afirma que não compete a esse órgão diligenciar “no sentido de apurar a verdade acerca da morte dos quatro soldados presos no 1º BIB e das torturas sofridas pelos demais, sendo fundamental que se entenda que a verdade possível de ser alcançada pelos operadores do direito é a verdade jurídica, a qual não admite ser contaminada pela coloração política de quem maneja sua busca”. Ainda que se entendesse cabível a busca dessa verdade, afirma a promoção, houve esgotamento após a pronúncia do órgão jurisdicional que condenou os militares pela prática dos crimes ocorridos no 1º BIB em 1971; ix) Quanto ao TAC, a Procuradora assevera que entende que “não incumbe ao Ministério Público Federal ditar as espécies de políticas ou instrumentos públicos adotados pelo gestor público municipal para implementação de suas finalidades”. Nesse
  • 4. ponto, afirma que a qualificação dos direitos à memória e à verdade como difusos não poderiam “dar azo ao afastamento ou contingenciamento de demais direitos de interesse social”; x) Nesse contexto, menciona a destinação de emenda parlamentar de R$ 400.000,00 à execução do projeto mencionado no TAC, que representaria uma preterição de outros serviços, sendo descabida a atuação do MPF em favor dessa destinação, dada a carência de políticas públicas básicas no país; xi) Assim, afirma a procuradora, ausente qualquer conduta ilegal por parte do município, não poderia o MPF ditar política pública a ser adotada por aquele, já que “a atuação não pode descurar do fato de que não há como implementar o que consta do Termo de Ajustamento de Conduta sem dinheiro”; xii) Conclui, assim, a Procuradora que “não há direito de fundo a subsidiar o ajuste, em especial com previsão de medidas a cargo do município, o qual não foi responsável por quaisquer condutas ilícitas”, de modo que não haveria “conduta a ser ajustada”. Considerando que o TAC demanda exercício de autocontenção, e que não pode se descurar de temática que possa ser objeto de ação civil pública, pressupondo um dever legal descumprido, haveria, segundo a Procuradora, causa de nulidade do termo; xiii) Com base nesses argumentos, a Procuradora declarou nulo o TAC e promoveu o arquivamento do inquérito civil. Apesar do esforço da Procuradora em externalizar suas razões e buscar fundamento no ordenamento jurídico para conferir sobriedade à decisão que estava sendo tomada, houve a desconsideração de diversos textos internacionais, constitucionais, legais e infralegais. Com a devida vênia, a pré-compreensão acerca do tema justiça de transição obnubilou a análise sobre as diversas formas de reparação, além de ter desconsiderado que o campo da responsabilização não se confunde com as políticas públicas de memória. Além disso, ao tratar o descumprimento de dever jurídico sob uma lógica civilista, baseada na noção de negócio jurídico, a Procuradora adotou uma compreensão que afasta todo o papel promocional do MPF no campo dos direitos econômicos, sociais e
  • 5. culturais (DESC), o qual compreende a adoção progressiva de medidas de concretização de direitos pelo Estado. Por fim, a tese de nulidade do TAC não encontra qualquer fundamento legal, já que, ainda que a tese da promoção estivesse correta ou constitucionalmente adequada, não existe qualquer vício no termo. É o que se pretende demonstrar na sequência. A presente impugnação abordará os seguintes temas: - Justiça de Transição: justiça, memória e verdade; - O papel do MPF na implementação dos chamados DESC: as diversas formas de atuação quanto a fatos ocorridos na ditadura militar; - O TAC nº 03/2016 e os seus impactos para o sul fluminense e para o país: antecedentes e efeitos concretos; - Pleito de impugnação e solicitação de designação de outro Procurador para atuar no caso, tendo em vista o caráter da promoção, que desqualifica esta pauta de direitos humanos e a legislação sobre ela existente. 2) A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA A luta pelo direito à verdade e à memória, que encontra no TAC nº 03/2016 uma contribuição de suma importância para a região sul fluminense, é fruto de um longo percurso trilhado por meio dos esforços de defensores de direitos humanos em todo o mundo, tendo como referência pregressa os impactos do holocausto contra judeus e a necessidade de criação de mecanismos que impeçam a repetição de atrocidades massivas pelo Estado ou por seus agentes. No Brasil, o avanço dessa pauta no campo dos direitos humanos está relacionado ao esforço de ex-presos e perseguidos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, ao qual se somou uma nova geração de pessoas comprometidas com a luta por memória, verdade e justiça. A memória é a forma pela qual o passado funciona no presente,
  • 6. influenciando tanto o presente como o futuro. Ela inclui componentes da História, mas não é a mesma coisa. A História, com “h” maiúsculo, é aquela que os vencedores escrevem, por isso não inclui todos os fatos e eventos do passado. Os livros de história seriam diferentes se a Alemanha tivesse ganhado a Segunda Guerra Mundial ou se o apartheid nunca tivesse sido abolido na África do Sul. É exatamente por isso que a memória é vital: ela obriga-nos a reconhecer que o passado segue presente, desempenhando um papel fundamental nas nossas vidas cotidianas. Em sociedades que vivenciaram atrocidades massivas ou períodos autoritários, a justiça transicional diz respeito exatamente à forma como elas vão lidar com o passado no presente. A memória está plenamente ligada à justiça e à verdade. A justiça de transição não se limita à discussão de responsabilização criminal. É comum haver visibilidade de comissões da verdade ou de persecuções criminais, que recebem uma atenção elevada, porém há diversos outros modos menos visíveis de assegurar formas de reparação e estratégias de não repetição. As reformas institucionais, nesse sentido, são fundamentais, pois previnem a ocorrência de violências. A reforma institucional tem por objetivo demonstrar às vítimas e ao resto da população o compromisso de enfrentar o passado e prevenir novas situações de violência. Medidas como reformas estruturais, fiscalização, transformação de marcos legais e capacitação são exemplos. Outro campo importante é o das reparações. O termo “reparações”, por exemplo, comporta diferentes sentidos ao redor do mundo. Na América Latina, é utilizado de forma ampla, referindo-se a qualquer medida que possa ser adotada para “reparar” os danos. Já nos Estados Unidos o termo está ligado a reparações econômicas, como indenizações. É recorrente, no entanto, pensar as reparações de duas formas, como aponta o ICTJ (International Center for Transitional Justice): reparações materiais, que podem incluir dinheiro (reparação econômica) ou serviços sociais como saúde, atenção psicossocial, educação etc; e reparações simbólicas, que podem abranger monumentos,
  • 7. cerimônias públicas de pedidos de desculpas, festas comemorativas etc. A promoção ora impugnada, embora não o afirme expressamente, parece reconhecer que houve uma ditadura civil-militar no Brasil, que teria causado diversas violações. Contudo, aparenta admitir somente a reparação econômica das vítimas como válida, com base no direito civil. Para tanto, invoca a prescrição, o direito das vítimas e afasta a perspectiva transicional com base na transição democrática materializada na Constituição. A promoção de arquivamento fundamenta-se, ainda, na ausência de amparo legal ou constitucional para a atuação da instituição, chegando a afirmar que a perspectiva da justiça de transição denotaria um viés ideológico do Procurador que a precedeu. Com o devido respeito, tal entendimento não deve prosperar. Para utilizar apenas os parâmetros adotados na promoção como referência, deve-se ter em conta que a falta de esclarecimentos sobre o paradeiro de diversos ex- presos políticos, o desaparecimento forçado de pessoas e a simples declaração das violações praticadas pelo Estado brasileiro são alguns exemplos que encontram pleno respaldo na legislação utilizada como fundamento pela Procuradora, tendo em vista que ou não há prescrição, em alguns casos (dada a permanência do ilícito), ou a relação não é baseada no binômio dever jurídico-direito subjetivo, implicando direitos potestativos cuja declaração não depende de prazo decadencial. Deve-se ressaltar que o inquérito possui claro vínculo com dois aspectos da justiça transicional: o dever de informação (memória), a busca de esclarecimentos (verdade) e o dever de reparação (justiça), buscando-se formas de garanti-la. Indo além da percepção meramente civilista, é possível avançar para uma perspectiva mais global, como tem feito a Corte IDH e o próprio Ministério Público Federal. No sistema interamericano, a Convenção Americana de Direitos Humanos faz menção a diversos dispositivos que buscam a proteção especial quanto à violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às garantias judiciais, à liberdade de pensamento e expressão e à proteção judicial, previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 13° e 25° da Convenção, respectivamente. A falta de garantia de investigação, apuração ou adoção de medidas de
  • 8. reparação pelo Estado gera sua responsabilidade no campo internacional, mesmo que os fatos tenham ocorrido em momento anterior à aceitação da jurisdição da Corte, como ocorreu com o Brasil no Caso Gomes Lund. A Constituição de 1988 é igualmente importante na compreensão das medidas de proteção à memória, verdade e justiça. A promoção se apoia no debate da jurisdição constitucional acerca da aplicabilidade da lei de anistia, mas olvida-se que há uma série de medidas albergadas pela Constituição sem qualquer polêmica de interpretação. Nesse sentido, cumpre asseverar que o direito à informação, contido no art. 5º, XIV, é de fundamental importância para o esclarecimento da atuação do Estado e para que a sociedade possa receber esclarecimentos acerca da forma como as práticas autoritárias se deram no período ditatorial. A Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, veio reforçar esta garantia constitucional, ao garantir o acesso a informações públicas, constituindo-se como elemento fundamental para a elucidação do funcionamento do aparato repressivo estatal e de episódios ocorridos durante a ditadura, cujo acesso havia sido recorrentemente vetado ao cidadão interessado. Recentemente, a divulgação de documentos oficiais dos Estados Unidos que tratam da postura da ditadura acerca dos adversários do regime é elucidativa sobre a quantidade de questões que ainda precisam ser desvendadas. No âmbito do inquérito civil, foi graças à atuação do MPF que as vítimas e a sociedade do sul fluminense puderam ter acesso à cópia integral do processo que condenou os militares pela prática de tortura, o que representa a única condenação do Estado brasileiro por essa prática no período. Não há, como a promoção de arquivamento insinua, um intuito revanchista, mas sim o de buscar esclarecimentos sobre a forma de atuação do Estado com o fim de que as violações não mais se repitam. Ademais, a proteção do patrimônio histórico, de natureza material e imaterial, encontra respaldo no direito fundamental enunciado no art. 5º, LXXIII, de modo que a valorização da memória e a atuação proativa do Estado em sua defesa possui amparo constitucional. Cabe destacar ainda que, no âmbito das políticas públicas, o Plano Nacional
  • 9. de Direitos Humanos nº 3, de 2009, possui um eixo dedicado exclusivamente ao direito à memória e à verdade. Ao admitir as dificuldades de resgate da memória e da verdade sobre o que ocorreu com as vítimas atingidas pela repressão política durante a ditadura civil-militar brasileira, fruto de um processo de justiça de transição ainda incompleto, o Plano estabelece como fundamental a investigação sobre esse passado histórico traumático para a construção da cidadania e da identidade nacional. Somente pela recuperação da memória e da verdade e sem reduzir a experiência do sofrimento e das perdas à esfera do conflito individual e subjetivo, mas reconhecendo sua dimensão coletiva e seu interesse público, é que o Estado brasileiro poderá formular uma narrativa mais complexa e inclusiva, assim como garantir o reconhecimento oficial de tais violações, para que os cidadãos brasileiros possam refletir e estabelecer coletivamente seus valores sociais e políticos, de modo a orientar suas práticas e convicções no tempo presente. A Lei 12.528, de 2011, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV) também recomendou a “adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional” (CNV, 2014: 962). Dentre suas conclusões, consta a comprovação de prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias, de tortura, bem como de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro durante o período ditatorial (1964-85). Tais violações, segundo consta do relatório final da CNV, voz oficial do Estado, foram caracterizadas como crimes de lesa humanidade, uma vez que, ancorados em tratados internacionais de direitos humanos e de direito internacional penal, constituem “atos desumanos, cometidos no contexto de um ataque contra a população civil, de forma generalizada ou sistemática e com o conhecimento dessa abrangência por parte de seus autores” (CNV, 2014: 963). Dentre as recomendações feitas ao Estado brasileiro, merece destaque, para os fins que aqui nos interessam, em primeiro lugar, a segunda recomendação, que trata da revisão da Lei n° 6.683/1979, conhecida como Lei de Anistia, no que se refere à aplicação dos dispositivos concessivos de anistia aos agentes públicos que procederam as violações acima elencadas, por constituírem crime de lesa humanidade, portanto
  • 10. imprescritíveis e não passíveis de anistia. No entendimento da Comissão, “prevalece o dever jurídico do Estado de prevenir, processar, punir e reparar os crimes contra a humanidade, de modo a assegurar o direito à justiça e à prestação jurisdicional efetiva. A esse dever correspondem os direitos à justiça e à verdade, os quais abrangem o direito a uma investigação rápida, séria, imparcial e efetiva, e a que sejam instaurados processos voltados à responsabilização dos autores das violações, inclusive na esfera criminal, bem como o direito das vítimas e seus familiares à obtenção de reparação” (CNV, 2014: 966). No entanto, apesar do entendimento da CNV com relação à necessidade de revisão da Lei de Anistia, toda a condução do inquérito ou o próprio TAC nº 03/2016 sequer mencionam qualquer ação no sentido de punição ou responsabilização civil ou criminal dos agentes envolvidos em tais atos criminosos na região, estando mais voltados ao estabelecimento de formas de reparação por parte dos órgãos do Estado brasileiro. No que se refere a outra das recomendações que integram o relatório, o TAC encontra respaldo nas medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV. Nelas encontramos a recomendação 28, que determina a preservação da memória das graves violações de diretos humanos durante o período ditatorial, com especial destaque para a preservação, restauração e promoção de tombamento ou criação de marcas de memória em imóveis urbanos ou rurais onde ocorreram tais violações (CNV, 2014: 974). Em âmbito estadual, a Lei n° 6.335/2012, que instituiu a Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio), também representou uma contribuição importante para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica no âmbito do estado do Rio de Janeiro. O relatório final da CEV-Rio identificou o 1° BIB como um dos 21 espaços de prisão e tortura localizados no estado do Rio, colaborando para a elucidação do funcionamento do aparato repressivo estatal em nível local e estadual. No item destinado às políticas públicas de memória e de educação em direitos humanos, a recomendação 27 propõe, ainda, a criação de “espaços de memória e memoriais em locais que serviram, no período da ditadura militar, como centro de prisão, tortura e morte no estado do Rio de Janeiro, levando em consideração a diversidade social, racial, de gênero e dos segmentos LGBT” (CEV-Rio, 2015: 447-448), referindo-se
  • 11. explícitamente ao 1° BIB de Barra Mansa como um desses espaços de memória, o que demonstra sua importância histórica não apenas para a região, mas também para o estado e o país. Em âmbito municipal, a Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (CMV-VR), presidida por Alex Martins, cumpriu papel fundamental para a elucidação das violações ocorridas na localidade e foi responsável por fomentar uma rede de antigos militantes perseguidos pelo regime, despertando inclusive o interesse das novas gerações para a temática. Vale destacar que, sem o apoio do MPF junto à CMV-VR, dificilmente a Comissão poderia ter tido acesso aos arquivos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), até então sistematicamente negados aos pesquisadores interessados, acervo este central para o estudo realizado. Além disso, houve também a criação de comissão municipal da verdade em Barra Mansa, por meio do Decreto nº 7.6/71/2014. Destaca-se também o papel do MPF junto aos familiares dos quatro soldados mortos, todas famílias muito humildes, que não puderam receber até hoje sequer a reparação pecuniária que lhes é devida pelo Estado. De todas as recomendações realizadas pela CMV-VR, a recomendação 14, que trata da construção de um centro de memória no espaço do antigo 1° BIB, é a única que se encontra em estágio mais avançado de desenvolvimento, graças ao TAC cuja anulação se impugna neste recurso. No bojo da formulação de políticas públicas e da ação de movimentos sociais voltados para o campo da memória e da verdade, a instalação da CNV, em 2012, impulsionou o campo de estudos voltado para as violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura civil-militar brasileira. A partir de então, uma série de comissões da verdade, em âmbito estadual, municipal e, mesmo, em universidades e sindicatos, se proliferou pelo país, resultando em relatórios e testemunhos que não apenas elucidaram diversas histórias silenciadas ou obscurecidas, como proporcionaram a oportunidade de reflexão em torno das violações praticadas pelo Estado no tempo presente, seus elos de continuidade com as instituições políticas democráticas e os atores sociais envolvidos. Em meio a este processo, os espaços de tortura, mortes e desaparecimentos, bem como os espaços de luta e resistência vêm sendo alvo de
  • 12. debates e projetos, que visam à preservação e disseminação das histórias e memórias das vítimas da ditadura civil-militar brasileira. No estado do Rio de Janeiro, a CEV-Rio foi uma das mais ativas do país, fomentando a criação de comissões da verdade em âmbito municipal e estimulando o aprofundamento das investigações sobre o período ditatorial, através de parceria travada com a Faperj, aproveitando-se da expertise de núcleos e centro de pesquisa universitários. Fruto desta articulação, nasceu a CMV-VR, em 2013, e o grupo de pesquisa da UFF-VR, em 2014, responsável pela investigação das violações ocorridas no 1° BIB, em Barra Mansa (RJ). No âmbito deste projeto, e atendendo a uma antiga demanda dos pesquisadores e defensores de direitos humaos locais, foi criado o Centro de Memória do Sul Fluminense Genival Luis da Silva (CEMESF), em março de 2015. Atualmente, o CEMESF abriga o acervo da CMV-VR e o banco de dados relativo à documentação da CSN, bem como cópias de documentos oficiais e acervos pessoais referentes ao período da ditadura militar. 3) O PAPEL DO MPF NA IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DESC E A AGENDA HISTÓRICA DA INSTITUIÇÃO NA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO – O ESTABELECIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E AS DIVERSAS FORMAS DE ATUAÇÃO QUANTO A FATOS OCORRIDOS NA DITADURA MILITAR A promoção de arquivamento pretende limitar a atuação do MPF, em termos de ajustamento de conduta, a situações em que o dever de agir do Estado esteja claramente delineado, com obrigações de fazer claramente estipuladas e previamente definidas em lei. Contudo, no campo dos chamados direitos econômicos, sociais e culturais – os chamados DESC -, tal postura é pouco plausível, uma vez que se trata de direitos cuja concretização é tão justiciável quanto a de direitos de liberdades. Assim, a omissão estatal e a falta de planejamento específico de políticas públicas para a área podem ensejar a intervenção do órgão ministerial, na qualidade de defensor da ordem jurídica e dos direitos coletivos e difusos. Tal questão remonta à superada perspectiva que coloca os chamados direitos civis e políticos (1ª dimensão) em posição privilegiada, colocando os direitos
  • 13. sociais, econômicos e culturais (2ª e 3ª dimensões) em posição inferior. A literalidade de diplomas internacionais – como o Pacto de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) – dariam a entender que os DESC deveriam ter uma implementação progressiva, carente de maior controle, o que esvaziaria as previsões constitucionais e a tornaria mera carta de intenções quanto a esses últimos. Ocorre que a justiciabilidade e a efetividade de normas que tratam desses direitos vêm ganhando a devida densificação ao longo dos anos. O fato de a implementação implicar de direitos como saúde, educação, meio ambiente saudável e proteção do patrimônio histórico e cultural demandar obrigações de fazer que são aparentemente mais custosas que a proteção da propriedade e da liberdade de imprensa não pode representar uma carta branca para que o gestor deixe de atuar para efetivamente implementá-los. Nesse sentido, discute-se a necessidade de haver a observância de núcleos essenciais desses direitos e a possibilidade de efetivo controle da omissão ou da proteção deficiente de tais bens jurídicos. Afinal, todos os direitos – negativos ou positivos, de defesa ou prestacionais – comportam um custo, de modo que qualquer atuação do MPF que interfira na atuação do Poder Executivo implicará redirecionamento de gastos e redefinição das prioridades pelo gestor em exercício. Não há, assim, ilegalidade nesta atuação, desde que esteja embasada em atribuições próprias do órgão, como ocorre no caso. No âmbito da justiça de transição, existem medidas que possuem as duas características. De um lado, a proteção da memória por meio do estabelecimento de novos nomes a logradouros e a garantia de informação sobre fatos ocorridos em período autoritário não importam grandes custos. De outro, a adoção de medidas concretas como a construção de monumentos e centros de memória se inserem no âmbito mais prestacional. No caso em exame, a postura do MPF se coaduna com o esforço de que o Estado adote medidas positivas para a proteção da memória, tanto no âmbito negativo quanto no âmbito positivo. A construção de um centro de memória, por envolver custos e estar situada num âmbito onde, apesar da necessidade de observância de um núcleo essencial, a discricionariedade do Estado é maior, se insere em um leque de obrigações
  • 14. que podem ser dialogicamente estabelecidas com o gestor, com vistas a reparar um cenário de grave omissão no âmbito da justiça de transição. Note-se, inclusive, que o TAC tomou o cuidado de manter as instalações miliitares no local, não estabelece prazos e exige a realização de audiências públicas, justamente com o objetivo de garantir que a implementação desses direitos seja feita com efetiva participação social. 4) O TAC Nº 03/2006 E A SUA IMPORTÂNCIA PARA O SUL FLUMINENSE E PARA O PAÍS O TAC tem o intuito de impulsionar a apuração das violações aos direitos humanos ocorridas no interior do 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército (1° BIB), durante a ditadura civil-militar (1964-88), o que atende ao direito à verdade e à memória da população, bem como assegurar o direito à reparação, material e simbólica, das vítimas e seus familiares. Diante de tal decisão e da eventual falta de entendimento do valor histórico e político do antigo 1° BIB como espaço de memória para a população brasileira, é necessário esclarecer à Procuradoria da República alguns pontos fundamentais e questionar a interpretação restrita em torno do que se entende por justiça de transição e por direito à verdade e à memória. O 1° BIB, sediado na cidade de Barra Mansa, foi criado em 1950 com a função de “assegurar a ordem pública” na região. No início da ditadura, o batalhão comandou o indiciamento e prisão dos operários da CSN, ao ponto de, dois meses depois do Golpe de 1964, já terem sido presos todos os principais líderes sindicalistas. Ainda antes do AI-5, de dezembro de 1968, foi empreendida uma verdadeira “caça às bruxas” à Igreja de Volta Redonda, sobretudo à pessoa do bispo Dom Waldyr Calheiros. Padres e militantes católicos foram intimados, obrigados a prestarem depoimentos, presos e torturados, sempre sob as ordens do comandante do 1° BIB. Após 1969, a tortura foi institucionalizada no batalhão e este se tornou um centro militar de tortura para opositores do regime, inclusive de maneira integrada ao sistema DOI-CODI que funcionava na capital do Rio de Janeiro. Por lá, passaram trabalhadores, sindicalistas, militantes católicos e militantes de organizações revolucionárias, sofrendo as mais diversas violações aos direitos humanos. Em 1973, o
  • 15. batalhão foi desativado, devido à comprovação da prática de tortura seguida de morte de quatro jovens soldados que prestavam serviço no 1° BIB. Apesar da condenação dos militares envolvidos nos crimes de tortura e assassinato ser inédito na história brasileira, as vítimas (os soldados sobreviventes) e os familiares dos soldados assassinados ainda não receberam a reparação material por parte do Estado pelos danos causados às vítimas e pela morte de seus entes queridos. Além disso, vale ressaltar que parte significativa da população de Volta Redonda e Barra Mansa ainda desconhece seu passado repressivo e autoritário. Nesse sentido, a transformação do antigo batalhão em centro de memória não se restringe apenas à reparação material das vítimas gravemente atingidas por tais ações violadoras, mas também à reparação simbólica em favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional na área correspondente ao antigo batalhão, atual Parque da Cidade. O referido TAC foi formulado justamente com o intuito de garantir este anseio, partilhado pelas vítimas diretas e militantes de diretos humanos comprometidos com a luta pela memória, verdade e justiça, que agora se vê ameaçado diante da anulação do Termo. O TAC em questão está em consonância com a defesa dos princípios democráticos garantidos na Constituição de 1988 e em diálogo com as políticas púbicas formuladas nas últimas décadas pelo Estado brasileiro na área da verdade e da memória. Para demonstrar sua contribuição, passaremos a enumerar algumas destas iniciativas, no intuito de possibilitar uma visão mais ampla do que se entende por direito à verdade e à memória, que, no documento ora questionado por este recurso, parece se restringir unicamente à dimensão da reparação material, o que, sabemos, não é verdade. Desde então, vem se desdobrando um conjunto de ações que pretendem fazer do espaço do antigo 1° BIB um memorial de resistência das vítimas da ditadura. Iniciado ainda sob a vigência dos mandatos das comissões da verdade e contando com o apoio central do MPF, através do TAC do BIB, o processo de memorialização do espaço do antigo batalhão não apenas vem ativando uma rede de ex-militantes e pesquisadores interessados no tema, como aponta direções e estratégias inéditas para se pensar a luta política no campo da memória, verdade, justiça e reparação. Trata-se de uma região com forte tradição de mobilização social, sobretudo no meio sindical, e de grande centralidade para o projeto de desenvolvimento nacional,
  • 16. devido à instalação da CSN, na década de 1940. A memória coletiva constituída na região está concentrada prioritariamente nas experiências operárias dos anos 1980 e pouco se sabe sobre os movimentos de resistência à ditadura durantes as décadas de 1960 e 1970. Por isso, a criação de um centro de memória não apenas em homenagem às vítimas da ditadura, mas também de produção de conhecimento sobre o passado histórico possui uma importância significativa. Como já foi destacado, o TAC do BIB vem em atendimento a anseios anteriores que, no contexto das comissões da verdade, encontrou meio propício para manifestar-se. Ele se constitui, nesse sentido, como um instrumento potente de reparação simbólica das violações praticadas por agentes públicos durante o regime militar, o que deixa explícito quando considera que “o direito à memória não constitui mero olhar retrospectivo ao passado, mas a possibilidade permanente da compreensão coletiva, permitindo um entendimento também acerca do presente e do futuro” (MPF, 2016: 4) ou, quando mais adiante, ressalta a importância em se garantir dispositivos protetivos dos bens culturais, como a criação e gestão de centros de memória. Dessa maneira, o termo firmado entre o município de Barra Mansa e o MPF não se trata de uma punição ao município de Barra Mansa por parte do MPF, como interpretou o termo de anulação do TAC, mas, antes, espelha justamente o compromisso assumido entre ambas as partes, com a pauta do direito à memória e à verdade. O TAC, entre outras coisas, prevê “assegurar reparações simbólicas em favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional na área correspondente ao quartel onde funcionou o 1° Batalhão de Infantaria Blindada (1° BIB) e o parque ao redor” (MPF, 2016: 5). Para tal, estabeleceu a formação de um grupo de trabalho encarregado de elaborar uma proposta para a criação de um “centro de referência permanente do direito à memória, que se incumbirá da exposição crítica do material coletado e da continuidade de pesquisas sobre a memória”, resultando, ao final dos trabalhos, em um projeto físico-logístico de ocupação do local. Após a assinatura do TAC, o GT do BIB foi constituído, sob a coordenação do professor Raphael Lima (UFF-VR), e integrado por representantes da Diocese de Volta Redonda, Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura, Fundação de Cultura de Barra Mansa, Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro (SEPE) de Barra Mansa e UFF. Após algumas reuniões operacionais, em março de 2016, o grupo realizou
  • 17. a primeira audiência pública, a fim de apresentar à sociedade civil o desenvolvimento dos trabalhos até o momento. Realizada num dos galpões do antigo batalhão, a audiência lotou o espaço, contando com a presença de lideranças políticas, militantes de movimentos sociais e estudantes da rede básica de ensino, refletindo o grande interesse que o uso do espaço começava a despertar na população local. No dia 10 de junho de 2016, ocorreu uma segunda audiência pública, com o intuito de apresentar um esboço do projeto em torno da criação do centro de memória relativo ao antigo batalhão, criando um espaço coletivo para o debate com a comunidade local. Para auxiliar os trabalhos do GT do BIB, foi formada uma comissão, de caráter técnico e executivo, em julho de 2017, coordenada pela professora Alejandra Estevez (UFF-VR), com o objetivo de auxiliar na formulação do Plano de diretrizes de uso e ocupação do Parque da Cidade, bem como construir uma agenda de trabalhos e atividades, com o intuito de 1) informar à população de Barra Mansa e região dos episódios históricos ocorridos durante a ditadura civil-militar; 2) salvaguardar a memória das camadas excluídas, perseguidas e violadas em seus direitos básicos no Brasil e na região; 3) fomentar o debate em torno dos valores democráticos, na linha de uma cultura e educação em direitos humanos. O Plano, formulado pela referida Comissão, estabeleceu as diretrizes gerais para a criação do futuro CENTRO MEMÓRIA, VERDADE E DIREITOS HUMANOS (CMVDH) e delimitou os espaços de memória do atual Parque da Cidade, divididos em três partes: - ARQUIVO, destinado à a) criação de um centro de memória dos direitos humanos, mais especificamente encarregado de narrar as violações ocorridas durante a ditadura civil- militar; b) à criação de uma sala de exposição permanente que retrate diferentes aspectos desse passado repressivo e autoritário; e c) à criação de um centro de documentação histórica sobre a região sul fluminense, sobretudo no que se refere ao período ditatorial militar e às violações ainda vigentes no período democrático. - TULHAS, espaço dedicado à cultura em direitos humanos, que abrigará projetos já em curso (Direitos Humanos nas escolas; Visitas guiadas ao 1° BIB e Cine Arquivo), desenvolvidos atualmente no âmbito do CEMESF/UFF, bem como espaços e instalações destinados à cultura, às artes, ao entretenimento, que contribuam para uma intervenção
  • 18. crítica na realidade social. Vale destacar que o projeto prevê a permanência de outros projetos e iniciativas, desenvolvidas em âmbito municipal, neste espaço, demonstrando uma relação de diálogo e apoio mútuo entre a Prefeitura Municipal de Barra Mansa e Comissão responsável pela formulação do projeto para o espaço. - INTENDÊNCIA, espaço destinado à educação em direitos humanos e aos movimentos sociais. De maneira geral, o CMVDH pretende constituir-se como um centro de referência para o intercâmbio cultural, o debate sobre o passado ditatorial, a reflexão sobre o passado recente e as violações ocorridas no período democrático (pós-1988), assim como um espaço aberto e integrado à comunidade local e regional, erigindo-se como um conjunto ativo no qual convivam distintos movimentos, atores sociais e iniciativas, no campo da memória, da cultura e da produção do conhecimento, empenhados na preservação da memória e na promoção e defesa dos direitos humanos nas mais variadas abordagens e perspectivas. A emenda parlamentar concedida pelo deputado federal Wadih Damous, ex- presidente da CEV-Rio, no valor de R$ 300.000,00, será destinada à primeira fase de implementação do Plano de uso e ocupação para o espaço, sem representar qualquer ônus para o município ou mesmo para a UFF. Nesse sentido, o compromisso assumido pelo município de Barra Mansa com a pauta da memória e da verdade diz respeito à garantia de acesso, manutenção e segurança do espaço, bem como apoio logístico para a realização de algumas das atividades, em parceria que vem sendo travada sobretudo com a Fundação de Cultura de Barra Mansa, autarquia que já é responsável pela administração do espaço Tulhas. 5) CONSIDERAÇÕES FINAIS Para finalizar, reitera-se que a promoção de arquivamento é precipitada, pois desconsidera a enorme gama de diligências que ainda precisa ser empreendida para garantir formas de reparação à sociedade do sul fluminense pelas violações causadas durante as atividades do 1º BIB. Além disso, a promoção despreza o papel do MPF na implementação de direitos econômicos, sociais e culturais, o que seria inimaginável no âmbito de atuações
  • 19. há mais tempo estabelecidas, como ocorre na proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Não há qualquer nulidade no TAC firmado, já que ele busca densificar os direitos associados a medidas de memória e reparação, por meio do estabelecimento dialógico de obrigações de fazer ao Município, que também é órgão da estrutura estatal e possui, sim, deveres de implementação de políticas públicas neste campo. No caso em tela, isso fica ainda mais evidente diante do fato de que o ente é proprietário da área e busca conferir usos culturais ao espaço onde funcionou o referido batalhão. A perspectiva individualista adotada na promoção hierarquiza os direitos de primeira e segunda e terceira dimensão, além de buscar na noção de “dever jurídico a ser ajustado” uma interpretação bastante restrita, que limita o papel do Ministério Público na promoção e efetivação de direitos econômicos, sociais e culturais. Inexistente a nulidade, há uma tentativa de revogação do TAC que não pode ser admtiida, já que há uma indisponibilidade do interesse em jogo que não confere ao membro do MP o poder discricionário de afastá-lo. Por essa razão, e tendo em vista a necessidade de urgência na execução do termo, requerem os subscritores: i) A não homologação do arquivamento; ii) A revisão da decisão que anulou o TAC; iii) A imediata designação de outro Procurador para atuar no caso, bem como em outros casos que tratem do tema e tramitem perante o 3º ofício da PRM Volta Redonda; Nesses termos, pede deferimento. ______________________________ EDGAR TONOLLI BEDÊ Coordenador das investigações da CMV-VR
  • 20. ALEX MARTINS RODRIGUES Ex-presidente da CMV-VR RAPHAEL JONATHAS LIMA Professor da UFF-VR e Coordenador do GT do BIB