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HISTÓRIA DO ESPORTE:
cultura, política, gênero e economia
Realização
&
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Marcius de Almeida Gomes – UNEB/BA
Prof. Dr. Paulo Cezar Borges Martins – UNEB/BA
Profa. Me. Margaret Pereira Arbués – UFG/GO
Prof. Me. Edson Matias Dias – PUC/GO
Profa. Dra. Sueli Ribeiro Mota Souza – UNEB/BA
Prof. Dr. Antônio Lopes Ribeiro – FATEO/DF
Profa. Dra. Sandra Célia Coelho G. S. S. de Oliveira – UNEB/BA
Prof. Dr. Krzysztof Dworak – PUC/SP
Prof. Dr. Luís Flávio Reis Godinho – UFRB/BA
Prof. Dr. Itamar Pereira de Aguiar – UESB/BA
Profa. Me. Larissa Silva de Abreu Rodrigues – UNEB/BA
Profa. Me. Ivanete Prado Fernandes – UNEB/BA
Dra. Berta Leni Costa Cardoso - UNEB/BA
Felipe Eduardo Ferreira Marta
Leila Maria Prates Teixeira Mussi
Berta Leni Costa Cardoso
(Orgs.)
HISTÓRIA DO ESPORTE:
cultura, política, gênero e economia
Coleção MovimentAção: debates e propostas
Volume 3
Goiânia – GO
Kelps, 2017
Copyright © 2017 by Felipe Eduardo Ferreira Marta; Leila Maria Prates Teixeira Mussi; Berta
Leni Costa Cardoso.
Editora Kelps
Rua 19 nº 100 — St. Marechal Rondon- CEP 74.560-460 — Goiânia — GO
Fone: (62) 3211-1616 - Fax: (62) 3211-1075
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a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98)
é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2017
MAR	 Marta, Felipe Eduardo Ferreira.
his			 Historia da esporte: cultura, política, gênero e economia -
Felipe Eduardo Ferreira Marta; Leila Maria Prates Teixeira Mussi;
Berta Leni Costa Cardoso. (orgs.) - Goiânia: / Kelps, 2017
	 182 p.: il.
	 ISBN: 978-85-400-2065-8
	 1. Análise 2. Artigos 3. História 4. Esporte I. Título.
CDU: 796:(045)
CIP - Brasil - Catalogação na Fonte
BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS
Índice para catálogo sistemático:
CDU: 796:(045)
5
APRESENTAÇÃO
A ‘Coleção MovimentAção: debates e propostas’ vem oportuni-
zar aos pesquisadores, docentes e extensionistas divulgarem pesqui-
sas e intervenções, atividades singulares, que são desenvolvidas nos
seus cotidianos acadêmicos, versando sobre questões teóricas e prá-
ticas, permitindo que as mais diferentes comunidades (re)conheçam
a riqueza dessas ações, se apropriem e dialoguem com os escritores.
O terceiro volume, tematizado na “História do Esporte”, apresen-
ta produções que versam sobre sua interação com questões culturais,
políticas, de gênero e econômicas, que representam importante cam-
po de atuação profissional para uma diversidade de profissões.
Prof. Me. Ricardo Franklin de Freitas Mussi
7
PREFÁCIO
CELEBRANDO UMA NOVA ETAPA NOS ESTUDOS
HISTÓRICOS DO ESPORTE NO BRASIL
Ainda que existam estudos anteriores, a conformação de um
campo acadêmico ao redor da história do esporte se dá na transição
dos séculos XX e XXI. No âmbito da Educação Física, os primórdios
desse movimento se encontram nos anos 1980. Na História, isso se
deu mais tardiamente, nos anos 2000, fortalecendo e sendo funda-
mental na melhor definição das iniciativas em curso.
A despeito de recente, o campo tem dados passos alvissareiros.
Nesses cerca de 20 anos de caminhada, é crescente o número de pes-
quisadores envolvidos; de investigações que resultaram na publica-
ção de livros, capítulos, artigos em periódicos, teses e dissertações; de
localidades envolvidas. Esta última, a meu ver, é a grande novidade
dos últimos anos.
A princípio, a quase totalidade dos estudos se referia ao eixo Sul-
-Sudeste, com destaque para investigações e pesquisadores de Rio de
Janeiro e São Paulo. Certamente contribuíram para tal o fato de que a
pós-graduação e os mecanismos de pesquisa se encontravam melhor
estruturados nessas cidades, bem como sua importância na história
nacional.
De um lado, não há como negar a contribuição e importância
dessas iniciativas – nessas capitais continuam em desenvolvimento
importantes ações relacionadas à história do esporte. De outro lado,
gestaram-se modelos que, não poucas vezes, acabaram por equivo-
cadamente pautar os estudos que começaram a ser desenvolvidos em
outras localidades do país.
Pari passu com o crescimento da universidade brasileira, inclusi-
ve da pós-graduação, em outras regiões nacionais – Nordeste, Cen-
tro-Oeste e Norte, os estudos históricos do esporte se espraiaram,
envolvendo novos pesquisadores que passaram também a lançar no-
8
vos olhares sobre o tema, aportar importantes contribuições para o
debate, arejar o conjunto de reflexões acerca do assunto. Trata-se de
um sinal de dupla via – é tanto um retrato da consolidação do cam-
po acadêmico quanto uma relevante contribuição para sua melhor
estruturação.
Este livro que tenho a honra de prefaciar é um claro exemplo des-
se processo. Ainda que envolva pesquisadores da região sudeste, bem
como apresente capítulos dedicados a abordagens dessa parte do país
ou de caráter mais nacional, pode-se dizer que sua grande potenciali-
dade é lançar olhares para arranjos locais ainda pouco conhecidos (e
reconhecidos), oriundos do trabalho de pesquisa de jovens pesquisa-
dores, majoritariamente atuando no Estado da Bahia.
Esse balanço de novos temas, novas abordagens e novos pesqui-
sadores (é verdade, alguns nem tão novos, já há alguns anos frequen-
tadores e construtores do campo da História do Esporte) é o ponto
forte deste livro que já nasce com o perfil de que marcará esse novo
tempo dos estudos históricos do esporte brasileiro.
Certamente a grande contribuição se dará na sequência. A leitura
deste material desencadeará debates (oxalá muitas sejam as críticas
que permitam avançar o conhecimento!) e inspirará jovens pesqui-
sadores que começam a se encantar com o tema. Novos estudos sur-
girão, outros livros serão lançados, eventos organizados: o campo
continuará em movimento, mais múltiplo, diverso, aberto à inovação
e novidade.
O leitor perceberá que não são exagerados esses prognósticos, o
futuro nos demonstrará se essas ideias são ou não exageradas. Por
ora, cabe nos deleitar com este livro, desfrutar da leitura agradável e
saudar essa notável iniciativa.
Victor Andrade de Melo
Verão de 2017
Professor do Programa de Pós-Graduação em História Comparada e do
Programa em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Professor do Programa de Pós-graduação em Estudos do Lazer da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
9
SOBRE OS ORGANIZADORES
FELIPE EDUARDO FERREIRA MARTA
Licenciado em Educação Física (UNESP/SP), Doutor em Histó-
ria (PUC/SP), Pós-Doutor (Virginia Tech/USA). Professor Titular do
Departamento de Ciências Naturais da Universidade do Sudoeste da
Bahia (DCN/UESB/BA) e docente do Programa de Pós-Graduação
em Memória: linguagem e sociedade (UESB/BA). Coordenador do
Grupo de Pesquisa CORPORHIS – História, Corpo e Cultura.
LEILA MARIA PRATES TEIXEIRA MUSSI
Licenciada em História (UNEB/BA), mestre em História (UNEB/
BA). Professora da Faculdade Santo Agostinho de Vitória da Con-
quista (FASAVIC/BA) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/
BA). Líder do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação,
Cultura e Saúde (GEPEECS/CNPq).
BERTA LENI COSTA CARDOSO
Graduada em Educação Física (UNIMONTES/MG); especialista
em Docência do Ensino Superior (FIJ/RJ); mestre e doutora em Edu-
cação Física (UCB/DF). Pós-doutoranda em Educação (UESB/BA)
Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/BA). Pes-
quisadora do Grupo de Pesquisa sobre Mulher, Gênero e Saúde, do
Grupo de Estudos Sociopedagógicos da Educação Física e da Linha
de Estudo, Pesquisa e Extensão em Atividade Física
11
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................. 5
PREFÁCIO......................................................................................... 7
Victor Andrade de Melo
SOBRE OS ORGANIZADORES...................................................... 9
CAPÍTULO I
MEMÓRIAS DO CORPO NA IMPRENSA SOTEROPOLITANA:
A TARDE 1912 A 1914.......................................................................13
Prof. Dr. Felipe Eduardo Ferreira Marta
Profa. Joalice Santos Batista
Prof. Me. Natanael Vaz Sampaio Junior
CAPÍTULO II
PROFISSIONALIZAÇÃO DO ATLETA DE HANDEBOL
NA BAHIA DA DÉCADA DE 1980? UMA ANÁLISE
DOCUMENTAL................................................................................... 29
Profa. Ma. Leila Maria Prates Teixeira Mussi
Prof. Me. Ricardo Franklin de Freitas Mussi
Prof. Me. Angelo Maurício de Amorim
CAPÍTULO III
HISTÓRIA DO BOXE FEMININO: UMA LUTA ALÉM DOS
RINGUES................................................................................................ 47
Profa. Dra. Berta Leni Costa Cardoso
Profa. Dra. Tania Mara Vieira Sampaio
CAPÍTULO IV
DO ESCANTEIO PARA O MEIO DA ÁREA: EM BUSCA
DA VISIBILIDADE E RESPEITO AO FUTEBOL FEMININO
BRASILEIRO.......................................................................................... 65
Profa. Dra. Enny Vieira Moraes
Profa. Dra. Zuleika Stefânia Sabino Roque
12
CAPÍTULO V
FUTEBOL EM CAPIM GROSSO E SUA RELAÇÃO COM AS
POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS – 1964 A
1985.......................................................................................................... 85
Prof. Gildison Alves de Souza
Prof. Me. Osni Oliveira Noberto da Silva
CAPÍTULO VI
A CAIXA DE GUARDADOS: MEMÓRIAS DO FUTEBOL DE
FÁBRICA................................................................................................. 97
Profa. Dra. Estefânia Knotz Canguçú Fraga
Profa. Dra. Zuleika Stefânia Sabino Roque
CAPÍTULO VII
O DISSÍDIO E INTERVENÇÃO ESTATAL NO FUTEBOL NA
DÉCADA DE 1930.............................................................................. 115
Dr. Jorge Miguel Acosta Soares
CAPÍTULO VIII
ESPORTE PARA TODOS E A EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS NA
DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA (1964-1985).......... 131
Profa. Dra. Nailze Pereira de Azevêdo Pazin
Profa. Ma. Denize Pereira de Azevêdo Freitas
CAPÍTULO IX
JEQUIÉ TÊNIS CLUBE: INSPIRADOR DA MODERNIDADE
ESPORTIVA LOCAL.......................................................................... 147
Prof. Dr. Roberto Gondim Pires
Prof. Dr. Cleber Augusto Gonçalves Dias
Marcos Cesar Meira Leite
CAPÍTULO X
A MODERNIDADE EM DUAS RODAS: CULTURA E PODER NA
PRÁTICA DO CICLISMO NA CIDADE DE SÃO PAULO (1890-
1904)...................................................................................................... 165
Prof. Me. Yuri Vasquez Souza
Profa. Dra. Estefânia Knotz Canguçú Fraga
SOBRE OS AUTORES.................................................................. 179
13
CAPÍTULO I
MEMÓRIAS DO CORPO NA IMPRENSA
SOTEROPOLITANA: A TARDE 1912 A 1914
Prof. Dr. Felipe Eduardo Ferreira Marta
Profa. Joalice Santos Batista
Prof. Me. Natanael Vaz Sampaio Junior
Introdução
Este estudo desenvolveu-se em uma perspectiva histórica a partir
das análises das manchetes do Jornal A TARDE que versavam so-
bre as atividades físico-esportivas praticadas na cidade de Salvador,
sobretudo, o contexto sócio histórico e cultural em que tais práticas
eram desenvolvidas, nos permitindo utilizar da memória enquanto
ciência que propiciou a análise de fenômenos que envolvem as dis-
cussões sobre o corpo naquela sociedade.
A importância de se apropriar da memória na qualidade de re-
curso para este estudo, se deve ao fato da memória ter possibilitado a
reminiscência de um passado vivificado por diferentes grupos sociais
que, de certa forma, determinavam o que era memorável, mas, tam-
bém, as formas pelas quais seriam lembrados, sendo a memória fruto
dos testemunhos de uma época (HALBWACHS, 2003).
Nora (1993), ao elencar acerca dos lugares de memória traz que
o que chamamos de memória é a constituição gigantesca e “vertigi-
nosa” daquilo que nos é impossível lembrar, daí, o autor se utiliza do
pensamento de Leibniz para dizer que a memória de papel tornou-se
um instrumento autônomo de museus, bibliotecas depósitos, centros
de documentação e bancos de dados. Assim, conforme desaparece a
memória tradicional nos sentimos obrigados a acumular religiosa-
mente vestígios do que foi (LE GOFF, 1996). Neste sentido, o arquivo
público da Biblioteca Pública do Estado da Bahia constitui-se en-
quanto lugares de memória registradora, ao dá ao arquivo o cuidado
de se lembrar por ela.
14
História do Esporte
O jornal A TARDE, caracterizar-se-á como meio produtor de
memória na medida em que foi escrito em uma determinada épo-
ca por um grupo, tornando-se documento histórico ao se encontrar
distante no tempo e ser analisado criticamente pelo historiador. As-
sim, cabe ao historiador identificar nestes lugares de memória, meios
para escrever a história. Neste sentido, a intenção deste estudo foi
identificar memórias do corpo nas páginas do jornal A TARDE no
período de 1912 a 1914. Para desenvolvê-lo, foram analisadas 518
edições do referido Jornal, iniciando-se em outubro de 1912 e fin-
dando-se em junho de 1914.
É importante salientar que no período de janeiro a junho de 1913,
não foram encontradas edições do jornal. Os dados foram coletados
na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, localizada na cidade de
Salvador no período de Setembro de 2013 a março de 2014.
Se tratando de um estudo norteado pela análise do discurso jor-
nalístico, reforça o papel da imprensa escrita na qualidade de meio
difusor de informação que tinha como leitores a camada mais ele-
vada da população onde, nela “[…] as tensões e articulações entre a
cultura letrada, campo privilegiado de expressão das elites, e a ora-
lidade constituem dimensão fundamental da formação das culturas
urbanas e das relações de poder na cidade moderna” (CRUZ, 2013,
p.30).
Assim, “é importante atentar-se que, para um país inserido no
contexto da modernidade, os corpos e suas práticas também deve-
riam expressá-la” (MARTA, 2013, p.4.). Corroborando com o autor,
percebemos o quanto era imprescindível europeizar, a visão dos cor-
pos apregoada na pele, sendo necessário que sua conduta corpórea
expressasse o protótipo ocidental, levando-nos então a questionar
qual a memória de corpo que o jornal enquanto força ativa buscou
construir? Como se constituiu a memória do corpo dentro de suas
diferentes possibilidades neste espaço movido por ideais de moder-
nização?
15
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
Memórias do Corpo na Imprensa Soteropolitana
[...] é possível discutir o corpo como uma construção cultural, já
que cada sociedade se expressa diferentemente por meio de corpos
diferentes.
Jocimar Daolio
O pensamento de trazer Daolio (1995) para esta discussão re-
força a ideia de que não foi tarefa simples discutir sobre o corpo,
sobretudo, em uma sociedade em transformação, onde os ideais de
civilidade e modernidade são constantemente reafirmados como ne-
cessários para o avanço dos lugares. Lugares marcados pela experi-
ência da industrialização, do avanço tecnológico, do capitalismo e
do processo de urbanização, caracterizados pelas novas formas de
organização dos espaços, onde, higiene, saúde, beleza, tornam-se
desejos a serem impregnados no corpo, e nos espaços, tornando-se
uma construção cultural da sociedade.
Do corpo nascem e se propagam as significações que fundamentam
a existência individual e coletiva; ele é o eixo da relação com o mun-
do, o lugar e o tempo nos quais a existência toma forma através da
fisionomia singular de um ator, Através do corpo, o homem apro-
pria-se da substância de sua vida traduzindo-a para os outros, ser-
vindo-se dos sistemas simbólicos que compartilha com os membros
da comunidade (LÊ BRETON, 2007, p.7).
Em outras palavras, são nos corpos que estão presentes as es-
tratégias de sobrevivência humana, onde se experimentam diversas
sensações: andar, correr, saltar, pensar, comunicar-se, entre outros.
Todas as ações humanas perpassam pela corporeidade, antes de tudo
o homem é um ser corpóreo. Corpos que falam que desejam, que
através de suas ações transformam realidades, mudam cenários e
constroem espaços novos, criam e recriam, inventam e se reinventam
na busca incessante por melhorias para si e para o outro.
Estes corpos são colocados nas páginas dos periódicos A TARDE
sobre diferentes perspectivas, dentre elas estão: corpo, espaço urba-
no e higienização; corpo esportivo; corpo e moda; e corpo enquan-
16
História do Esporte
to objeto de consumo. No entanto, para este estudo desenvolvemos
nossas análises a partir do corpo na relação com o espaço urbano e o
corpo esportivo, demonstrando o pensamento presente na sociedade
soteropolitana no período elencado e, assim, resgatar memórias do
corpo nesses espaços que ele emerge.
Corpo, higiene e espaço urbano
Compreendendo que o homem é antes de tudo um ser corporal
e nele todas as ações acontecem, o corpo não pode ser compreen-
dido sem uma análise do contexto onde o mesmo se insere. Neste
sentido, Caxilé (2007, p.377) assevera que “a imagem idealizada do
corpo transfere seus valores para as cidades. As pedras urbanas con-
tam experiências de povos – homens e mulheres que sentem e vivem
determinadas épocas e lugares”. Assim, no contexto da cidade transi-
ta diferentes corpos aumentando a possibilidade de contágio por di-
ferentes tipos de epidemias e doenças, deste modo, os cuidados com
a saúde no início do século XX, perpassavam pela prevenção e cura
de uma “infinidade de febres [...]. Para tais casos, asseio significava
principalmente proteção” (SANT’ANA, 2011, p.288).
Preocupados com a proliferação de epidemias os representantes
da cidade soteropolitana buscavam então, formas de proteger a po-
pulação dos males que poderiam acometê-los, objetivando resguar-
dá-los de possíveis enfermidades. No fragmento que segue, o Jornal
explicita o texto da seguinte forma: “em relação à saúde pública foi
solicitado ao diretor da estatística demográfica sanitária o resumo do
movimento de vacinação, durante o mês de novembro último, comu-
nicando a higiene municipal o péssimo estado dos prédios números
236, 230 e 226, armazéns de secos e molhados situados em zona afe-
tada por peste” (A TARDE, ed. 51, dezembro de 1912, p.2).
As evidências demonstravam a inquietação no que diz respeito à
limpeza dos espaços, e a preocupação com a conservação dos alimen-
tos em lugares limpos e devidamente higienizados tornava-se uma
das principais preocupações elencadas nas páginas do jornal. Deste
17
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
modo, há indícios de que a elite soteropolitana estava preocupada
com o desenvolvimento do espaço urbano, e o corpo imerso nes-
te espaço não poderia passar despercebido, as apreensões elencadas
nas páginas do jornal, que em sua maioria diziam muito a respeito
da corporeidade e da higienização destes corpos imersos no espaço
citadino, reforçando os conflitos entre as classes.
Os conflitos que abalam a sociedade moderna, “a procura in-
fatigável por novas legitimidades são, entre outros fatores, os que
contribuíram logicamente para comprovar o enraizamento físico da
condição humana” (LE BRETON, 2007, p.10). Assim sendo, a mo-
dernidade traz consigo grandes transformações em diversos aspectos
da vida humana. Novos comportamentos são adquiridos em decor-
rência das constantes mutações sociais. Neste sentido, o corpo como
parte representante deste espaço, necessita ser cuidado de formas
diferenciadas dos modos existentes no período colonial. Conforme
menciona o jornal quando traz que “enfermos pobres ainda são car-
regados em canapés” questionando o processo/desejo de civilização
da cidade no fragmento que diz o seguinte:
Dizem que a cidade se cívilisa. Os autos, os cinemas e as avenidas
em projecto, requintam seus costumes sacudindo os velhos hábitos,
que nos trouxeram o primeiro governador geral e que amigos como
somos das tradições, conservamos com certo carinho.
Pode ser que assim seja, mas nem tudo ainda desprezamos da velha
herança colonial.
Entre seus legados, há um que perdura, embora há muito já deveste
ter desaparecido: é o transporte dos enfermos pobres em canapês (A
TARDE ed.64, 27 de dezembro de 1912, p.1).
E foi nesse contexto que a população menos favorecida começou
a aspirar por acesso à instrução, e isto fica elucidado na edição nº 247
publicada no dia 7 de agosto de 1913 em sua primeira página o jornal
A TARDE faz um apelo solicitado por moradores de um povoado
carente acerca da necessidade de uma escola, colocando o seguinte:
“Há ali cerca de 500 crianças privadas de ensino por falta de escola.
Para frequentarem os educandos têm necessidade de melhores rou-
pas, sendo-lhes impossível voltar para casa na hora do recreio para
18
História do Esporte
fazer suas refeições”. Portanto, a população procura civilizar-se, e vê
na educação um meio para tal, elencando também as necessidades
presentes no corpo como alimento e vestimenta. Assim, o homem
age no corpo e pelo corpo, seus desejos, suas ânsias, suas idealizações
são impregnadas através do lugar onde estão imersos.
Segundo o jornal as pessoas que leem “os diários da capital” (jor-
nal veiculado no Rio de Janeiro), fora da cidade soteropolitana, supõe
que a cidade é civilizada. Enfatizando que de fato há muita gente feliz
e tranquila vivendo no palácio confortável nos bairros aristocráticos
que nega a miséria, porém, as pessoas carentes durante a noite vão
dormir no lajedo frio dos bancos das praças e jardins ou nas rodas
das igrejas:
Assim, os cegos, que encontramos, dia a dia, nas portas dos ascen-
sores, ou das igrejas, esfarrapados e quase nus, como se quizessem
zombar com uma ironia pungente das nossas pretenções de civili-
sação.
[...]quanta miséria vai pôr ahi aos nossos olhos, no coração da cida-
de, nas chambergas fétidas onde homens, mulheres e creanças ha-
bitam numa promiscuidade de sujeira, turca, com a tuberculose e a
peste? (A TARDE ed. 313, 23 de Outubro de 1913, p.1).
Os “corpos” esquecidos e maltratados são jogados ao relento nas
praças públicas, enquanto outros “corpos” se esbanjam na fartura em
estabelecimentos confortáveis e luxuosos. As contradições presentes
nos espaços citadinos são refletidas em diferentes comportamentos,
onde, de um lado estão os corpos maltratados pela miséria e de outro
os corpos imersos em espaços confortáveis e luxuosos.
A higienização dos espaços e o anseio pela retirada da população
carente que com seus corpos maltratados e enfermos, circulavam no
centro de Salvador, causava grande inquietação a população burgue-
sa, estando esses, preocupados com a forma como a cidade seria vista
pelos visitantes e com o contágio por doenças como a peste, a tuber-
culose entre outras. Assim, a preocupação com os indivíduos que
transitam na cidade de Salvador deveria ser priorizada, tanto quanto
a modernização da mesma, isto é exposto nas páginas do jornal em
diferentes edições, quando são mencionadas questões relacionadas
19
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
à saúde pública, e as necessidades de saneamento básico, a fim de
evitar proliferação das epidemias.
Ao constituir-se enquanto cidade as demandas sociais aumen-
tam, surgindo a necessidade de um planejamento urbano, tendo em
vista que é preciso oferecer à população que se encontra condensada
no espaço urbano, melhores condições de higiene, trabalho, educa-
ção, saúde e moradia. A esse despeito Cruz (2013, p.36) destaca que
as alterações “econômicas, políticas e sociais (a abolição da escravi-
dão, a proclamação da República, os processos de industrialização,
a ampliação acelerada do mercado interno, a imigração massiva)”
foram fatores que contribuíram para o rápido processo de urbaniza-
ção. Com isto os corpos residentes nesse espaço, aos poucos vão se
adequando a ele.
Neste sentido, diante das múltiplas questões colocadas nas pági-
nas do Jornal A TARDE há indícios que a população residente em
Salvador desejava estar imersa em um espaço civilizado e higieniza-
do de acordo com padrões vindo de países como: França, Inglaterra
e Estados Unidos e, que lhes proporcionassem múltiplas possibilida-
des de lazer e interação, vendo como uma dessas possibilidades de
socialização os espaços das práticas esportivas.
Corpo Esportivo
Ao tratar das questões relacionadas a prática de esportes, o jor-
nal A TARDE em uma de suas reportagens, alude que a ausência da
cultura esportiva foi um problema que abalava os homens públicos,
nos países de civilização modelar. Preocupado com a ascensão da
prática esportiva, o jornal coloca que esta deverá ser motivo de ze-
los e meditação, pois é um divertimento que beneficia o desenvolvi-
mento psicológico, educa o espírito e contribui para despertar forças
adormecidas. Porque, admirável será um povo viril, feito de perseve-
rança, força e tranquilidade com grandes vantagens, podendo então,
adquirir a cultura do psíquico por meio da ginástica e dos jogos ao
ar livre se forem praticados de forma inteligente (A TARDE, ed. 1, 15
de outubro de 1912).
20
História do Esporte
Diz, ainda, A TARDE, que:
Aqui, no Brasil, o homem da cidade passa depressa, vive pouquíssi-
mo é fraco sem harmonia de linhas, consequentemente deselegante.
Age, pode agir, mais quando o faz é propelido por exaltações mór-
bidas.
Que infelizes se nós não podermos corrigir! Mirem-se todos no
espelho da nova geração do sul ou encarem os que fazem aqui, a
despeito de mal orientados, um pouco de sport; prometem alguma
coisa. (A TARDE, 1º ed. 15 de outubro de 1912, p.2).
A ideia de nação forte aparece no discurso jornalístico como algo
belo e vantajoso. O homem soteropolitano é descrito como um ser
fraco e feio, sem harmonia em sua estrutura corporal, isto é, coloca-
do pelo jornal como um problema de carácter econômico e social.
Segundo o Jornal A TARDE, os governantes de países vistos pela
população burguesa de Salvador como modelo de civilização (Euro-
pa, Estados Unidos, Japão e Argentina) estão estimulando a prática
esportiva com prêmios. Como prova deste interesse os povos cultos
realizam a festa pública universal dos jogos olímpicos, a cada qua-
tro anos nas capitais Europeias (A TARDE, ed. 1, 15 de outubro de
1912). Neste sentido, entende-se que:
Interações implicam em códigos, em sistemas de espera e de reci-
procidade aos quais os atores se sujeitam. Não importam quais se-
jam as circunstâncias da vida social, uma etiqueta corporal é usada
e o ator a adota espontaneamente em função das normas implícitas
que o guiam (LE BRETON, 2007, p.47).
À medida que a sociedade se desenvolve, as cidades começam a
estabelecer conexões com outras cidades e com outros continentes,
às notícias se espalham pelo mundo, no caso de Salvador, as atuali-
dades vigentes no exterior eram trazidas em embarcações náuticas e
levava dias para chegar, porém, logo que chegava o jornal A TARDE
se incumbia de divulgar em suas edições acerca do que havia de mais
atual no continente europeu, dando ao povo letrado, a incumbência
de buscar se atualizar, procurando se apropriar ao máximo do que
havia de mais culto em outros países, e o esporte era uma das práticas
21
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
consideradas como algo que deveria estar presente em uma cidade
considerada civilizada e culta.
Assim, em um de seus fragmentos, o jornal A TARDE aborda
que houve um homem que compreendeu a necessidade de oferecer
subsídio para as práticas esportivas, ele foi o reformador do Rio de
Janeiro, o prefeito Pereira Passos, um homem alto de ombros lar-
gos e aparência saudável, compreendeu a necessidade de povoar as
avenidas e modernizar os espaços, pensando patrioticamente. De
fato, precisamos de avenidas belas e edifícios para que os estrangeiros
nos vejam mais dignos, e entendemos estes sentimentos como justos,
pois eles correspondem a carência de um novo povoamento. Esta é
uma segunda necessidade, complemento da primeira (A TARDE, ed.
01, 15 de outubro de 1912, p.3). A primeira necessidade foi colocada
pelo jornal no fragmento a seguir, da seguinte forma:
[...] carecemos de atividade, de vida, de beleza nos homens e nas
mulheres – e só se adquirem essas qualidades dando a todos os mús-
culos do organismo trabalho regular, ou seja, cultivando o sport com
inteligência.
Remodelamos tudo, mais antes de tudo, remodelamo-nos.
Diremos aos que nos procurem: vamos a terra da vida fácil, das belas
cidades, da força que sorri com beleza.
E nós, por nossa vez porque seremos fortes, não nos deixamos ab-
sorver.
Prevenimo-nos para o futuro se tanto nos lisonjeia uma solidarieda-
de universal. (A TARDE, 1º ed. 15 de outubro de 1912, p.2).
Segundo o jornal, cabe aos governos terem boas intenções, e não
esquecerem este problema, assim também, a imprensa precisa provo-
car o desejo de resolvê-lo. Os corpos físicos revelavam então um ima-
ginário de corpo como algo passível de intervenção, a necessidade de
melhorar a condição física, a beleza e a elegância são colocadas como
fatores que podem ser aprimorados através da prática esportiva.
As exigências em relação à corporeidade dos indivíduos são di-
versas, o homem precisava passar por transformação, a fim de aten-
der aos critérios estabelecidos, assumido diferentes valores, onde o
magro, o musculoso e o forte fisicamente e intelectualmente, apare-
22
História do Esporte
cem como valor distintivo nas sociedades modernas. A esse despeito,
Magalhães e Sabatine (2011, p. 134) trazem que no corpo incidem
as estratégias de poder, tornando-o objeto dos investimentos sociais
que dão passagem à produção das diferenças, reproduzidas na atu-
alidade através da valorização dos símbolos da saúde, da beleza, da
felicidade e da qualidade de vida.
Em uma das reportagens sobre o esporte veiculada no A TAR-
DE (Ed. 2, 16 de outubro de 1912 p. 03), o jornal coloca que entre
os competidores estão inscritos os páreos de maior importância. Na
disputa do campeonato baiano do remo, veremos o mais importante
“pareô” do dia, o já três vezes campeão, um dos poucos atletas, que
vem sabendo competir. Não sendo um Hercules, fez-se grande atleta.
Ao descrever a respeito de outro atleta inscrito no campeonato, o
jornal menciona o seguinte: “Hrill também favorito no campeonato
e talvez o mais forte, o mais belo conjunto de músculos em destaque”
(A TARDE, ed. 2, 16 de outubro de 1912 p. 3).
Os símbolos atribuídos ao corpo são construídos na interação
com os indivíduos à medida que as sociedades se desenvolvem, os
corpos adquirem novas características tornando-se algo marcante na
modernidade. Os indícios encontrados nas edições do jornal A TAR-
DE reafirmam o pensamento destacado por Le Breton (2007, p.9),
para quem: “a expressão corporal é socialmente modulável, mesmo
sendo vivida de acordo com o estilo particular do indivíduo”.
O corpo elencado pelo discurso midiático do Jornal A TARDE
leva-nos, a hipotética ideia de que suas raízes estão centradas nos
valores culturais vigentes em países do exterior, dentre eles a Euro-
pa. A cidade soteropolitana objetivando alcançar a civilidade, deve-
ria então educar os seus corpos respeitando tais padrões e normas.
No discurso do jornal A TARDE evidência mais uma vez as caracte-
rísticas físicas dos esportistas, quando coloca que “A guarnição está
composta dos melhores competidores. Este povo prefere o partido de
sua grande força, ao da arte de remar bem. É valente a guarnição” (A
TARDE, ed. 3, 17 de outubro de 1912, p. 2).
Diz, ainda, que:
23
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
[...] toma parte na bancada de sola voga um dos nossos mais belos
sportmem: peito 1 m, 11: bisceps; 0,41 e força de gênio: grau máxi-
mo mais pouco duradouro – Felizmente. E fortíssima esta guarni-
ção, e perde, talvez, um pouco com isto. Dela destaca-se Alberta-
zzi, incontestavelmente um tipo exemplar de perseverança, calma
e persistência. Sabe aliar a sua extraordinária força, cultivada com
carinho, meios inteligentes de aperfeiçoamento. (A TARDE Ed. 3, 17
de outubro de 1912, p.2).
Percebe-se uma valorização das medidas antropométrica dos es-
portistas, o que mais uma vez nos remete a imaginação de que exis-
tia um ideal originário do exterior veiculado nas edições do Jornal.
Segundo a reportagem do Jornal A TARDE, a preparação física dos
esportistas era algo considerado peculiar para que se chegue à vitó-
ria, os competidores no geral estão bem preparados e com aspecto
feroz. Os esportistas devem mostrar a alegria, a força e a agilidade de
seus músculos para as senhoritas (A TARDE, ed. 7, 22 de outubro de
1912, p.3).
A mulher ocupava lugar de submissão, sua participação nas prá-
ticas esportivas se limitava a contemplação dos eventos ficando na
condição de plateia, consideradas pelo jornal A TARDE, as respon-
sáveis por embelezar os ambientes de socialização com suas lindas
vestes, era também um dos motivos pelos quais os esportistas deviam
exibir seus corpos a fim de serem admirados por elas.
O Esporte era tido como uma prática que promovia diversos
benefícios ao ser humano, tanto para os praticantes quanto para os
admiradores, sendo praticado em sua maioria pela classe burguesa
e, considerado também, como algo distintivo e culto presente nas
sociedades europeias, sendo necessário um lugar próprio para pra-
ticá-lo. Por outro lado às práticas corporais realizadas pela classe
subalterna eram consideradas como atos de vandalismo e vadiagem
praticados na rua, neste sentido, a prática da capoeira era vista como
algo negativo para a imagem da cidade de Salvador, que buscando se
modernizar não a considerava como algo civilizado e culto, especial-
mente por fazer parte da cultura negra.
24
História do Esporte
Tal fato fortaleceu os conflitos sociais entre a burguesia e a classe
subalterna, onde de um lado a burguesia tentava inibir e acabar com
as práticas da capoeira, inclusive, mandando prender seus pratican-
tes. Por outro lado, os capoeiristas resistiam e fortaleciam seus gru-
pos expandindo assim sua cultura.
Segundo Lima e Carvalho (2011, p.238) o surgimento dos espa-
ços citadino sugeria inovações necessárias para o desempenho de ati-
vidades sociais laicas que se tornavam cada vez mais públicas, onde
de acordo com os autores, “os esportes, as festas e os piqueniques ao
ar livre, as comemorações cívicas” começam a ganhar relevância nas
sociedades modernas estimulando o consumo, a exibição dos corpos
e a valorização da moda, sendo que, essa passa a ser algo marcante
nas sociedades modernas.
Considerações Finais
Para identificar as memórias do corpo na imprensa soteropolita-
no, A TARDE no período de 1912 a 1914 percebemos destaques para
quatro pontos considerados como fundamentais dentro do processo
de transformação pelo qual a cidade soteropolitana estava passando:
a urbanização da cidade e o processo de higienização dos espaços, as
práticas esportivas, a moda e as propagandas.
As questões relacionadas ao processo de modernidade na cida-
de de Salvador estão presentes nas páginas do jornal A TARDE de
forma enfática e explícita no período estudado. As notícias de aqui-
sição de empréstimos no exterior, pavimentação das ruas e ao me-
lhoramento dos espaços, surgem em todas as edições do jornal. No
entanto, percebe-se que questões relacionadas ao corpo aparecem de
forma implícita nas edições analisadas. Ainda, no que diz respeito
à urbanização da cidade foram encontrados vestígios do corpo em
diferentes perspectivas, entre elas estão às questões relacionadas, ao
saneamento básico, aos cuidados com o corpo (higiene, alimentação,
prática de exercício físico etc), a organização dos espaços citadinos e
a preocupação com a proliferação das epidemias.
25
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
Em relação às práticas esportivas as memórias do corpo são co-
locadas nas páginas do jornal enfatizando as questões relacionadas
ao ser fisicamente capaz, como o ser forte, musculoso e resistente,
características consideradas como fundamentais para o desenvolvi-
mento de uma nação bela. Vale salientar que nos primeiros periódi-
cos as notícias acerca do esporte aparecem em quase todas as edições
e nelas são colocadas diversas questões, dente elas estão: preparação
física dos esportistas e as condições físicas dos mesmos.
Identificamos então, que de acordo com discursos presentes no
Jornal A TARDE, o processo de inserção em determinada prática es-
portiva enquanto elemento sistematizado perpassa por um arsenal
de exigências atribuídas ao corpo. Historicamente, um desportista
precisa ser forte, saudável, bem preparado, a fim de ter um bom de-
sempenho objetivando alcançar resultados, o corpo precisa ser mol-
dado, buscando atender as exigências.
Neste sentido, o discurso jornalístico nos leva a desconfiar que o
ideal de corpo esportivo vigente tenha relações com os tipos físicos
dos europeus visto e colocados como modelo de uma sociedade mo-
derna, bela e civilizada. Salientamos ainda que, apenas uma camada
mínima da população soteropolitana atendia aos critérios colocados
nas páginas dos jornais como bons, finos e civilizados. A higiene pes-
soal e dos espaços são questões que circulavam em cada nova edição
do jornal, elas eram colocadas de diferentes maneiras buscando rea-
firmar ideais de países do exterior.
Ao analisar as páginas de propaganda deve-se levar em conside-
ração os objetivos do mercado produtor em disseminar o produto
propagandeado. Assim, ainda que os indícios encontrados nas pági-
nas do jornal surgiram à ideia de que as questões inerentes ao corpo
eram algo em ascensão voltada para questões de beleza e saúde, não
se podem desconsiderar questões como o desenvolvimento do capi-
talismo e da industrialização, fatores relevantes neste contexto.
Os resultados até então encontrados não são conclusivos, contu-
do, têm nos conduzido a uma reflexão de que assim como o ambiente
citadino passava por mudanças influenciadas pelo ideal de moderni-
dade presente na Europa, essas mudanças também diziam respeito
26
História do Esporte
ao comportamento humano influenciando as questões de higiene,
saúde e beleza, o que leva-nos a indagar se a sociedade soteropolitana
já apresentava naquele momento histórico sintomas da busca de um
corpo idealizado.
Fontes Escritas
A TARDE Ed. 1 ,15 de outubro de 1912.
A TARDE Ed. 2, 16 de outubro de 1912.
A TARDE Ed. 3, 17 de outubro de 1912.
A TARDE Ed. 7, 22 de outubro de 1912.
A TARDE Ed. 51, dezembro de 1912.
A TARDE Ed. 64, 27 de dezembro de 1912.
A TARDE Ed. 313, 23 de outubro de 1913.
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LIMA, S. F.; CARVALHO, V. C. O corpo na cidade: gênero, cultura ma-
terial e imagem pública. Estudos Históricos, v.25, n.48, p.231-263, 2011.
27
Memórias do corpo na imprensa soteropolitana
MARTA, F. E. F. O esporte na imprensa soteropolitana da primeira
metade do século XX: A TARDE (1912-1950). In: Encontro Estadual
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blica. In: DEL PRIORI, M.; AMANTINO, M. História do Corpo no
Brasil. São Paulo: Unesp, 2011. p.507-530
29
CAPÍTULO II
PROFISSIONALIZAÇÃO DO ATLETA DE HANDEBOL
NA BAHIA DA DÉCADA DE 1980? UMA ANÁLISE
DOCUMENTAL1
Profa. Ma. Leila Maria Prates Teixeira Mussi
Prof. Me. Ricardo Franklin de Freitas Mussi
Prof. Me. Angelo Maurício de Amorim
Introdução
O esporte é aceito entre as principais e mais relevantes atividades
historicamente desenvolvidas e/ou incorporadas pelas sociedades
humanas. De acordo com Vigarello e Holt (2009), o esporte pode
ter nascido das festas e jogos tradicionais, após a ocorrência de
mudanças estruturantes que tornaram o seu desenvolvimento
possível. Neste sentido, é importante o entendimento das maneiras
como o fenômeno esportivo se constituiu e se constitui, valendo-se
dos debates historiográficos, antropológicos e sociológicos.
Barros (2013, p.12) cita que a atividade esportiva emerge e
interage “como fenômeno e prática sociocultural, a uma rede de
outras práticas e saberes diversos, de instâncias sociais e fenômenos
políticos e culturais”. Em alguns momentos chegando a assumir certo
protagonismo diante do seu uso político, econômico e/ou social.
O esporte moderno está entre as mais relevantes expressões
culturais da humanidade, presente em diferentes regiões do
mundo, muitas vezes atendendo demandas e especificidades locais
determinadaspelomomentohistórico,infraestruturaecaracterísticas
institucionais, financeiras e físicas, que podem facilitar ou dificultar a
aderência de seus praticantes.
Natrajetóriadeconfiguraçãodepopularidadedapráticaesportiva,
muitos foram os desdobramentos e peculiaridades, com destaque a
1
Esse texto é versão ampliada de comunicação oral apresentada no VCONECE, publicada no formato
de trabalho completo intitulado “Ser Atleta de Handebol Competitivo na Bahia da Década de 1980”.
30
História do Esporte
transição do século XIX e XX, quando chegam ao Brasil os ecos do
fluxo internacional de desenvolvimento esportivo (MELO, 2011).
Ressalta-se que, de maneira geral, o esporte moderno brasileiro
não passa pelo processo de desenvolvimento que foi vivenciado na
Europa, mas, é transplantado para atender aos interesses de uma
oligarquia nacional.
Especificamente sobre o handebol, objeto principal desse
texto, Romero e Silva (2009) citam que sua origem é carregada de
contradições, diferentemente do ocorrido com outras modalidades
esportivas coletivas bastante populares no contexto mundial, como
Futebol, Voleibol e Basquete, que apresentam informações bastante
precisas sobre suas origens. Fundamentalmente, as informações
históricas disponíveis são aquelas que versam da sua inserção no
modelo competitivo institucionalizado.
A estruturação institucionalizada confirma que o esporte
modernoestáalicerçadonacompetição,produtividade,secularização,
igualdadedeoportunidades,supremaciadomaishábil,especialização
defunções,quantificaçõesderesultadosefixaçãoderegras(FRANCO
JR, 2007). A qualidade e eficiência esportiva são mensuradas a partir
dos resultados obtidos e os vencedores são premiados com troféus
e medalhas, com prêmios simbólicos ou materiais que atestam a
posição alcançada (GIGLIO; RÚBIO, 2013).
Neste sentido, se verifica que o esporte, diferentemente dos jogos
tradicionais, não atende mais ao mero usufruto do tempo ou mesmo
para o atingimento do prazer, ele passa a representar um novo modelo
de práticas corporais, que coaduna com os objetivos morais, sociais e
ideológicos do momento histórico da humanidade.
Essas caraterísticas são fundamentais para o enfraquecimento da
sua prática amadora e, simultaneamente, para o fortalecimento das
questões relativas a sua profissionalização. Mas, Dias, Fortes e Melo
(2014) alertam que mesmo ao se espraiar pelo mundo os contatos
materiais e simbólicos se relacionam em diferentes graus com as
peculiaridades locais. Assim, são percebidos diferentes níveis de
desenvolvimento nas diversas modalidades esportivas praticadas,
segundo o local, grupo social e momento histórico.
31
Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980
Atendendo a esse modelo de sociedade capitalista, atividades
antes desenvolvidas livremente pelas pessoas e comunidades, passam,
após adequação estrutural, a assumir caráter laboral. O sujeito que
desenvolvia essas atividades de maneira espontânea, agora passará
a executá-la segundo os ditames sociais burgueses, ou seja, “a mão-
de-obra tinha que aprender a responder aos incentivos monetários”
(HOBSBAWN, 2001, p.67), ratificando que “o trabalho mecânico
começa a triunfar sobre o trabalho hábil” (VIGARELLO; HOLT,
2009, p.414).
Deve-se entender a profissionalização esportiva como o
reconhecimento da sua prática enquanto atividade trabalhista, que
passa a exigir disponibilidade maior que aquela relativa ao tempo
livre, demandando dedicação quase que exclusiva às atividades
esportivas (ROMARIZ; MOURÃO, 2006).
A força do mercado encontrou campo propício de atuação no
esporte, onde os atletas eram (e são) instados a apresentar-se em
nível cada vez mais elevado de performance e para isso necessitam
dedicar-se exclusivamente a sua prática (AMARO; MOSTARO;
HELAL, 2014). Mas, é cabível compreender que os processos
de profissionalização esportiva ocorrem de maneira bastante
diferenciada segundo as modalidades, localidade e estrutura social.
Por exemplo, enquanto o futebol contemporâneo apresenta estrutura
econômica contendo contratos milionários, outras modalidades
ainda carecem desse desenvolvimento financeiro, carregados de
dificuldade sobre o funcionamento relativo à contratação e ao salário
dispensado aos atletas e demais personagens envolvidos.
EspecificamenteaoqueserefereàpráticadeHandebolnosdiversos
Estados brasileiros, lacunas sócio-históricas parecem evidentes. Esta
situação demanda investigações capazes de reconstituir narrativa
crítica do seu desenvolvimento e relações institucionais, marcos
históricos que analisados de maneira contextual explicitariam a
implementação, permanência e disseminação de sua prática nas mais
diversas dimensões sociais do esporte.
32
História do Esporte
O handebol, o mais jovem esporte coletivo tradicional (REIS,
2012a), figura dentre as modalidades mais praticadas no mundo,
principalmente na Europa. Neste sentido e, considerando a carência
de investigações relativas à questões históricas do Handebol baiano,
inclusive sobre a profissionalização e dificuldades enfrentadas por
seus atletas, o presente texto tem como objetivo compreender o
processo de profissionalização do atleta de handebol competitivo na
Bahia da década de 1980.
Procedimentos Metodológicos
Os crescentes estudos sobre História do Esporte ampliam a
compreensão, entre desportistas e intelectuais, do desenvolvimento
de uma ‘consciência de historicidade’, aceitando que “o esporte, em
cada uma de suas inúmeras modalidades, constitui um universo em
permanente transformação” (BARROS, 2013, p.11). Permitindo,
segundo o contexto de análise, a aceitação do esporte enquanto
sujeito e/ou produto, além de meio e fonte para a compreensão da
história em sentido mais amplo.
Nesse sentido, a presente investigação apresenta perspectiva
metodológica qualitativa. Para fins de atendimento da proposta
foi desenvolvida pesquisa documental exploratória no acervo da
Federação Bahiana de Handebol (FBHb), considerando o recorte
da década de 1980, importante período historiográfico da Educação
FísicaeEsportebrasileiro(CAVALCANTI,1996),comforteinfluência
da criação da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) em 1979,
e baiano, pela fundação da FBHb em 1980. Neste sentido, ressalta-se
que a partir da década de 1980, análises documentais passaram a ser
mais valorizados em estudos do esporte (GEBARA, 2003).
Para o acesso ao acervo documental da FBHb foi encaminhada
prévia solicitação à instituição, contendo as informações desta
investigação. Após a liberação institucional foram marcadas visitas à
Federação durante o mês de abril de 2014.
33
Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980
Considerando as etapas para desenvolvimento da Análise de
Conteúdo (BARDIN, 2011), o acervo documental foi acessado, após
exploração daqueles relativos à década de 1980 que versavam sobre
questões econômicas e profissionais foi fotografada, e finalmente
ocorreu o tratamento e interpretação das informações.
Sendo importante ressaltar que este trabalho representa recorte
da pesquisa “História do Handebol Baiano”, autorizada pelo CEP/
UESB-BA (CAAE: 23200614.1.0000.0055).
Resultados e Discussão
O processo de democratização e popularização de uma nova
cultura esportiva perpassa por diversos aspectos, dentre os quais,
uns de dimensões mais simples, que envolvem as condições para o
desenvolvimento da modalidade e a necessidade de equipamentos
específicos (quadras, bolas), até aqueles mais complexos, como a
formação dos atletas, técnicos, árbitros e gestores.
A década de 1980 foi importantíssima para o Handebol baiano,
representando período a seguir da criação da CBHb e década
da fundação da FBHb, instituições dedicadas unicamente ao
incentivo, profissionalização e organização dos eventos e atividades
handebolísticas nas múltiplas dimensões esportivas e institucionais,
incluindo a captação de recursos financeiros para investimento nas
atividades esportivas.
Nesse período a sociedade brasileira encontrava-se sob o
domínio político dos militares (1964-1985), que percebia o Esporte
“como uma esfera da cultura capaz de dar visibilidade política aos
feitos da ditadura brasileira no âmbito internacional” (OLIVEIRA,
2009, p.389). Os sucessos da prática esportiva nas competições
internacionais serviriam para exemplificar o modelo de gestão
exitoso do Estado brasileiro.
Em um contexto regional, para os governos militares nos países
do Cone Sul, o Esporte poderia acalmar os ânimos da população,
controlar os jovens que pudessem contestar o regime vigente
34
História do Esporte
que buscava legitimidade dos “atos institucionais” e das atitudes
repressivas como os assassinatos, torturas e desaparecimentos
(PADRÓS, 2012).
O governo naquele período fomentava o modelo esportivo
disciplinador de corpos, a pretensão era atuar na constituição de
uma sociedade submissa e obediente. Assim como “o ideal de uma
vida de ociosidade e de cultura, [...], foi pouco a pouco abandonada”
(VIGARELLO; HOLT, 2009, p.428) nas sociedades europeias no
século XIX, nos países americanos ocorreu, de maneira tardia, já no
século XX.
Mesmo que o governo ditatorial brasileiro tenha implantado
uma política esportiva, essa prática ocorreu menos no que tange
a “movimentação do corpo” e mais ao desenvolvimento de uma
“mentalidade esportiva” (OLIVEIRA, 2009). A campanha midiática
empregada foi muito forte em relação à atividade esportiva, mas
os investimentos econômicos não foram favoráveis para sua
implementação em larga escala na sociedade.
A ditadura, que enxergava na prática esportiva um mecanismo
para o fortalecimento da centralidade do Estado, devido aos recursos
escassos demandados para esse setor, acabou preparando o terreno
(popularização) para o capital privado. As empresas, investidoras
esportivas,namaioriadasvezes,nãosepreocupavamcomadimensão
participativa e inclusão social, o foco era somente na prática de alto
rendimento e sua lucratividade imediata ou potencial.
A luta pela manutenção do amadorismo no esporte moderno
apresenta-se alicerçado na sua origem aristocrática entre seus
praticantes e, também, pelo desejo da manutenção do controle dos
seus processos de organização e institucionalização pela mesma
aristocracia (RÚBIO, 2002). No entanto, a partir da década de 1970,
ocorre o enfraquecimento do amadorismo esportivo competitivo,
frente a dificuldade dos atletas das mais diversas modalidades terem
que se dedicar diariamente aos exercícios e treinamentos, diante das
preocupações com colégio, faculdade, emprego, ou ainda família
(BENELI; RODRIGUES; MONTAGNER, 2006).
35
Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980
Emoutraperspectiva,essasmudançasnocampoesportivopodem
ser percebidas como resultado do desenvolvimento capitalista, com
o corpo tornando-se instrumento a serviço do sistema de forças
produtivas. O atleta profissional é um novo tipo de trabalhador que
vende a um patrão sua força de trabalho (capaz de produzir um
espetáculo que atrai multidões) (RÚBIO, 2002).
Dessa maneira, em 1981, é permitido patrocínios aos clubes
e em 1983 é implementada pela autorização da divulgação desses
patrocínios nos uniformes, mas essa prática só é amplamente
concretizada no final da década 1980 (PRONI, 2000). Assim,
ampliou a possibilidade de remuneração e dedicação exclusiva
aos treinamentos, podendo extrapolar para assistência médica,
odontológica e nutricional, findando os treinamentos pós jornada
laboral e restrição material para as atividades esportivas (FONSECA,
1984).
No entanto, a década de 1980 foi marcado por diversificadas e
importantesdificuldadesdenaturezafinanceiraparaofortalecimento
das práticas competitivas (MUSSI; MUSSI; AMORIM, 2014).
Situação esta resquício da crise econômica que o país vivia naquele
momento de redemocratização.
A profissionalização do esporte de rendimento fez com que
o mundo do esporte e o do trabalho se transformasse em um só
para atletas, técnicos e demais sujeitos diretamente envolvidos
com sua efetivação. Essas relações profissionalizantes elevam a
competitividade, em busca das melhores recompensas financeiras,
consolidação no mercado de trabalho, possibilidade de mobilidade
social (PIRES, 1998).
Especificamente sobre o processo inicial de profissionalização
dos atletas, o amadorismo no handebol competitivo baiano é
evidenciado em vários ofícios trocados pelos clubes e a FBHb
indicando a necessidade de mudança de horários e datas de jogos sob
alegação da indisponibilidade dos jogadores (por motivo de trabalho
ou atividade escolar) que não eram remunerados.
36
História do Esporte
Confirmando essas afirmativas o Clube Olímpico de Natação,
por intermédio do ofício s/n, de 4 de outubro de 19882
, solicitou
formalmente o adiamento de jogo “tendo em vista a greve dos
professores da rede particular de ensino” visto que a equipe “é
composta de atletas (alunos) da rede particular, e os mesmos com a
greve viajaram”.
Neste caso, fica evidenciado que os estudantes-atletas não
recebiam bolsa auxílio capaz de custear o translado dos componentes
da equipe. Essa situação evidencia a falta de profissionalização dos
clubes, mesmo considerando que os jogadores ainda estavam em
período escolar.
Alerta-se que a motivação extrínseca reduz fortemente a
dúvida quanto à manutenção da prática esportiva (EPIPHANIO,
2002). A falta de apoio dificulta o estabelecimento de vínculo e/
ou comprometimento dos jogadores com as atividades esportivas,
possivelmente com reflexos negativos na condição física, técnica e
tática do jogo frente a descontinuidade do processo de preparação
dos atletas e equipes.
A presença do esporte como conteúdo recorrente na Escola
é fundamental para seu desenvolvimento ao longo da história.
De acordo com Vigarello e Holt (2009, p.432) é no “seio dos
estabelecimentos do ambiente da era vitoriana na Grã-Bretanha
que foi elaborado o novo corpo atlético e os valores de fair-play e de
esportividade”.
No entanto é importante citar que os dois campos, esportivo e
educacional, não devem ser concorrentes, mas colaborativos. De
acordocomMonaco(2007),oenvolvimentodaeducaçãonaformação
dos esportistas brasileiros permite a continuidade dos estudos e
formação profissional paralelamente, reduzindo a dependência da
remuneração advinda do esporte.
Neste sentido, Andres (2014), em investigação com mulheres
praticantes de handebol no Rio Grande do Sul, cita que para as
atletas “além de uma profissão referem que o Handebol pode ser um
2
Documento arquivado na sede da Federação Bahiana de Handebol localizada na cidade de Salvador/BA.
37
Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980
meio de viajar e assim conhecer outras cidades ou países, ou ainda
como uma possibilidade de se concluir um curso superior” (p. 65).
É importante ressaltar que uma das práticas comuns realizadas pelos
clubes de handebol no Brasil é conceder uma bolsa de estudos, em
alguma universidade, como pagamento pelos jogos.
Parece que a situação apresentada no documento analisado
confronta-se com a proposta dos governos militares, duradouros até
metade dos anos de 1980, dedicados na sistematização de métodos e
pesquisasutilizandoapráticaesportivacomoaplicaçãoepreocupação
central na preparação do cidadão capaz de tocar o ‘progresso do país’
e de defender as fronteiras (MELO, 2011), sinalizando um conflito
entre a possibilidade de uma formação educacional crítica e uma
formação esportiva doutrinadora dos interesses ditatoriais.
NocasodoHandeboladultoficouevidentequeodesenvolvimento
deatividadeslaborais,quenãoaquelasespecíficasparaodesempenho
atlético, interferiu negativamente para a manutenção do calendário
oficial da FBHb, podendo influenciar em atividades competitivas ou
de exibição esportiva.
Por exemplo, a equipe do Serviço Social da Indústria (SESI/
CIA), no ofício 374 de 28 de setembro de 19883
, solicita que a FBHb
“estude a possibilidade de não incluir as equipes do SESI/CIA” em
programações esportivas durante o intervalo de 22 de dezembro de
1988 até 26 de janeiro de 1989, uma vez que estavam ocorrendo as
“férias coletivas” da instituição.
Sobre o papel do setor industrial no acesso do trabalhador e
a ampliação da prática esportiva, Vigarello e Holt (2009, p.421)
comentam que “se o esporte amador atingia antes de tudo a classe
burguesa no século XIX, a necessidade de oferecer aos operários o que
a época vitoriana chamava de divertimentos racionais desempenhou
também um papel importante na sua difusão”.
Como bem se sabe nesse período de revolução das indústrias,
o controle do tempo dos operários acontecia até mesmo em seu
momento de lazer (KNIJNIK, 2009). O controle desse tempo
3
Idem
38
História do Esporte
certamente ocorria através das regras do jogo, tanto para duração da
atividade como também para que esses operários não “desfalcassem”
as fábricas no dia seguinte.
Portanto, a reorganização do espaço urbano, o advento de uma
classe trabalhadora controlada por uma burguesia que enxergava a
necessidade de extinguir qualquer prática que não fosse considerada
“civilizada”, faz surgir uma necessidade de regulamentar os jogos, até
mesmo aqueles que eram praticados pelos operários em suas raras
horas de lazer. Essa prática é aprimorada na Europa e chega ao Brasil,
durante seu processo de industrialização, ganhando terreno devido
as dificuldades encontradas para a prática de lazer.
AindaquantoapedidosderemarcaçõesdejogosoClubeOlímpico
de Natação no dia 30 de agosto de 19894
oficializa solicitação para
adiamento de partida marcada para o dia 3 de setembro do mesmo
ano alegando que nesse dia nada menos que cinco de seus atletas
trabalhariam no dia do jogo.
Osdoisdocumentosindicamqueaausênciadoatleta-trabalhador,
fundamentalmente os jogadores não assalariados para dedicação
às atividades esportivas pode propiciar que jogadores acabem
trabalhandoematividadesquepodemseconfrontarcomasdemandas
esportivas (GRECO, 2013), uma vez que o profissionalismo do atleta
determina que suas atividades diárias passam a ser determinadas pelo
treinador, clube e/ou patrocinador, o que inclui questões relativas
aos dias, horários e conteúdos do treinamento, da alimentação e do
descanso (PIRES; HUNGER, 2004).
Ao longo da história da humanidade encontramos vários
momentos que evidenciam as capacidades do evento enquanto
aglutinador das forças e motivações dos seres humanos, tanto numa
lógica individual, como nas dinâmicas de grupo (SARMENTO et
al., 2011). Neste sentido, a remarcação de jogos, por motivos até
certo ponto frágeis, dificulta a participação de público e o interesse
de investidores e mídias, diante da incerteza da efetivação da
atividade, o que demonstra a baixa profissionalização e dificulta o
4
Documento arquivado na sede da Federação Bahiana de Handebol localizada na cidade de Salvador/BA.
39
Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980
desenvolvimento esportivo do handebol baiano durante o período
analisado.
No final de década de 1980, ainda é verificado baixa
profissionalização entre os atletas de handebol baianos. Para
confirmar essa afirmativa indica-se que a Associação de Handebol
Hazena, por meio do Ofício no
15 de 25 de julho de 19895
, solicita
a remarcação de jogo respaldada em duas questões dentre as mais
inusitadas. Conforme o próprio documento apresenta, as atividades
necessitariam ter suas datas modificadas porque “seis jogadores não
estarão em Salvador nesta data e um estará casando”.
A análise documental apresentada nesse texto proporciona de
maneira clara e objetiva compreender que o Handebol competitivo
baiano durante a década de 1980 se manteve dentro de uma
perspectiva romântica, de caráter eminentemente amador.
Diferentemente, nesse mesmo recorte temporal, o voleibol
se encontrava em vias de espetacularização e profissionalização
(MARCHI JR, 2005). Em 1975, tem início a profissionalização do
vôlei brasileiro, marcada fundamentalmente pelo vinculo assalariado
dos jogadores (MOREIRA; FERREIRA; MARCHI JR, 2008).
No caso do basquete, a substituição do amadorismo eleva o
quantitativo de pessoas ligadas a esse esporte que passam a receber
reconhecimento financeiro para dedicar-se a sua prática (BENELI;
RODRIGUES; MONTAGNER, 2006).
Já o futebol, após período de falso amadorismo, quando os
jogadores não-profissionais recebiam os famosos “bichos” como
premiação pelos resultados positivos (DRUMOND, 2014: 71), inicia
seu processo de profissionalização a partir do ano de 1933, com a
fundação da primeira Liga Carioca de Football, a primeira do Brasil
(GOMES, 2014).
Até os dias atuais o handebol parece apresentar problemas em seu
processo de profissionalização, que caminha lentamente. Segundo
Greco (2013), no âmbito nacional é percebida a presença de jogadores
com bons rendimentos, mas ainda sem a real profissionalização, sem
que possam se dedicar exclusivamente ao jogo.
5
Idem.
40
História do Esporte
Em contra partida, é importante perceber que o processo de
profissionalização também apresenta aspectos negativos para o
atleta. O atleta amador, antes personificado na figura herói, acaba
transformando-seem,com“commoditie”,ouseja,umsimplesproduto
comercializável, portanto, substituível em caso de vencimento
de sua ‘validade’ (RÚBIO, 2011). Além disso, a estruturação
institucionalizada capitalista coloca os jogadores, os verdadeiros
protagonistas do espetáculo, na base da hierarquia (DAMO, 2008).
Nesse contexto o Esporte profissional também passa a ser
reconhecidocomoferramentaparaalavancarnegócios,ascompetições
esportivas passaram a representar oportunidade empresarial, com as
organizações valorizando os atributos do esporte profissional e da
marca, valendo-se inclusive dos exemplos de vida dos atletas para
inspirar e motivar a juventude, funcionários e clientes (VLASTUIN;
ALMEIDA; MARCHI JR., 2008).
Entre as limitações da presente investigação é importante citar
a dificuldade em dialogar, diante da ausência, com trabalhos sobre
o processo de profissionalização do handebol em outras regiões/
estados, o que, em certo ponto, prejudica a discussão presente no
corpo do texto. Outra questão limitante da presente investigação que
necessita de reconhecimento é a utilização de única origem de fontes
de informação, documentos enviados ou recebido pela FBHb, o que
não permite diálogo direto com os sujeitos envolvidos no processo
de profissionalização investigado.
Considerações Finais
Desde sua origem mundial o Handebol apresenta contradições
históricas. Na Bahia estudos relativos a esta importante modalidade
é tema que demanda exploração. Os registros sobre os ditames
históricos reservam-se a chegada da modalidade no país e há poucos
relatos que tratam da especificidade da vinda dos esportes para os
Estados e regiões brasileiras.
41
Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980
Os principais achados da presente investigação documental
apontam que o Handebol competitivo baiano da década de 1980
não parece representar uma modalidade esportiva profissionalizante
para os seus atletas. Para concretizar a continuidade da participação
dos seus praticantes eram necessárias e recorrentes as concessões
individuais ou coletivas direcionadas aos esportistas.
Nesse sentido, a documentação trocada entre os clubes e à FBHb
analisada demonstra a presença de solicitações para modificações de
datas pré-programadas de partidas, uma vez que os atletas estavam de
férias ou com as atividades suspensas, no caso dos atletas-escolares,
e, no caso dos atletas-trabalhadores, por estarem desenvolvendo
atividades relativas ao trabalho ou mesmo de cunho pessoal.
Os atletas, estudantes ou trabalhadores, são os apaixonados pela
modalidade, cativados pelas características do esporte e engajamento
positivo dos treinadores e, esforçavam-se para alavancar a prática do
esporte de Federação promovido no Estado da Bahia.
Esse quadro representa o pouco avanço no processo de
profissionalização dos atletas do Handebol na Bahia durante à década
de 1980. Esta situação atrapalha, para além do desenvolvimento
individual do atleta, que continua apresentando perfil amador,
o crescimento da modalidade. Essa situação relativa a carência
profissional do atleta de handebol baiano confirma a compreensão
que o fenômeno esportivo só se realiza a partir de determinadas
condições sociais, que no caso analisado não contribuíram para sua
ocorrência.
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46
47
CAPÍTULO III
HISTÓRIA DO BOXE FEMININO: UMA LUTA ALÉM DOS
RINGUES
Profa. Dra. Berta Leni Costa Cardoso
Profa. Dra. Tania Mara Vieira Sampaio
Introdução
Durante muito tempo a participação feminina no esporte
foi reduzida, muitas vezes, cabendo-lhe apenas os espaços de
expectadoras. Havia muito preconceito em relação à participação da
mulher no esporte, pois, acreditava-se que seus corpos não estavam
preparados para a prática esportiva uma vez que houve um momento
na história em que o esporte era utilizado para preparação militar.
Aos poucos a mulher foi ocupando espaços principalmente
participando das Olimpíadas como atletas e não apenas como as
“meninas” que entregavam as medalhas. Algumas modalidades
esportivas se revezaram com a participação feminina, em algumas
edições entraram, depois saíram e depois retornaram. O boxe era a
única modalidade em que não se havia participação feminina quando
da sua inserção nas Olimpíadas 2012.
Essa participação ainda é reduzida em relação à masculina, pois
apenas três categorias femininas participaram em 2012 e em 2016, e
dezmasculinasnasduasedições,sendoessascategoriasdeterminadas
por peso.
Embora essa configuração da participação feminina nos esportes
esteja mudando, verifica-se que essa reduzida participação ainda tem
relação com preconceitos e estereótipos criados socialmente sobre o
papel da mulher na sociedade de uma maneira geral.
O boxe ainda é uma modalidade que sofre preconceitos e
discriminações, não apenas a participação feminina, mas também
pelo seu histórico que durante muito tempo esteve relacionado
a práticas marginais em que apenas pessoas de classes menos
48
História do Esporte
abastadas e consideradas de “más condutas” praticavam. Aos poucos
a modalidade vem ganhando destaque nas academias de ginástica e
alterando sua concepção. No entanto, ainda se percebe sua prática
apenas como atividade física e não como modalidade esportiva.
História do boxe
Há divergência quanto à data exata em que o boxe começou a ser
praticado, um dos motivos seria o das transformações ocorridas no
esporte ao longo dos séculos. Algumas publicações informam que o
surgimento se deu por volta de 7 mil anos antes de Cristo, sendo a luta
realizada com o uso exclusivo das mãos (VIEIRA; FREITAS, 2007).
Por sua vez, Rojo (2010) sustenta que o boxe surgiu aproximadamente
no ano de 4000 a.C., na região que é hoje denominada Etiópia, no
continente Africano, de onde se espalhou para o Egito Antigo e
eventualmente para toda a área do Mediterrâneo.
Achados arqueológicos no norte da África confirmam registros
da existência de formas rudimentares de lutas com as mãos de
homens pré-históricos. Os “combates” constituíam uma prática
informal, sem regras, em que dois oponentes ficavam frente a frente
e atacavam-se mutuamente, com golpes de mãos. Acredita-se que,
até chegar à forma atual, o boxe sofreu inúmeras transformações
(VIEIRA; FREITAS, 2007).
Verifica-se, também, a existência de um desencontro quanto às
datas das descrições de como os lutadores se preparavam para as
disputas. Os egípcios e o gregos usavam tiras de tecido envolvendo
as mãos, algo como bandagens que mais tarde foram substituídas
por faixas de couro rígido incrustadas com esferas cortantes ou
tachas pontiagudas (VIEIRA; FREITAS, 2007). Queiroz (1989), a
esse respeito, sustenta que essas tiras de couro, chamadas de “cestos”,
possuíam um dedo de largura e um metro e meio de comprimento,
e envolviam cuidadosamente cada mão e antebraço, de forma a
permitir a constituição de um sistema, papel hoje desempenhado
pela bandagem. De acordo com esse autor, quando a emoção popular
49
História do boxe feminino
exigiu combates mais arriscados, brutais, os “cestos” passaram a
apresentar incrustações de chumbo ou bronze (myrmex) e, mais
tarde, pontiagudos cravos metálicos.
O pugilato foi admitido no rol de esportes olímpicos dos Jogos da
Antiguidade na edição de número 23 da competição, no ano 668 a.C.
Se, por um lado, o boxe se beneficiava do status olímpico e seguia
uma trilha de fortalecimento como um nobre desporto, de outro,
crescia nos submundos, entre a população menos abastada, como
uma atividade marginal – o boxe underground, caracterizado pela
violência extrema (VIEIRA, FREITAS, 2007).
As lutas continuaram com o surgimento do Império Romano e,
tal como ocorria com os gladiadores, os pugilistas eram escolhidos
entre os prisioneiros de guerra e submetidos a intenso treinamento
nas escolas para esse fim, que havia em Roma. O advento do
Cristianismo e o sofrimento causado para seus praticantes, mesmo
a punho nu, fizeram com que o boxe fosse proibido. Assim, durante
séculos, viveu marginalizado pela lei, o que não impedia que, de
quando em quando, houvesse combates dramáticos entre homens
gigantescos (QUEIROZ, 1989).
A decisão de suspender as competições veio do imperador
Teodósio e, com essa medida, o pugilato, a exemplo de outras
modalidades olímpicas, saiu temporariamente de cena, retornando
séculos mais tarde (VIEIRA, FREITAS, 2007).
O pugilismo nunca deixou de ser praticado, não obstante ter
havido muita confusão e irregularidades; as regras eram inventadas
e, às vezes, desprezadas, conforme as conveniências (QUEIROZ,
1989). Após séculos de obscurantismo, o pugilismo reapareceu na
Inglaterra, onde, em 1719, James Figg fundou a Arena Figg, na qual
ensinava defesa pessoal, e dela fazia demonstrações (OATES, 1987;
QUEIROZ, 1989).
Por mais de cem anos (1743 - 1838), na Inglaterra, as normas
defendidas por Jack Broughton, um dos campeões que sucederam
Figg, vigoraram e só vieram a ser alteradas com a renovação do
boxe pelas regras do marquês de Queensberry. Oficializada na
50
História do Esporte
segunda metade do século XIX, essa regulamentação, entre outras
determinações, fixava categorias diferentes de competição, de acordo
com o peso dos lutadores (peso leve, médio e pesado), bem como
uso obrigatório de luvas especiais, protegendo toda a mão e também
os dedos, e a duração dos assaltos de três minutos, com intervalos de
um minuto entre eles (VIEIRA, FREITAS, 2007).
O boxe apareceu timidamente nos Estados Unidos, no início
do século XIX, sendo considerado ilegal na maioria dos estados
americanos. Seus praticantes e fãs precisavam estar atentos à ação da
polícia e de outras autoridades que combatiam a prática do esporte,
uma vez que corriam o risco de serem presos. Portanto, nos Estados
Unidos, as primeiras lutas por títulos foram travadas em locais
afastados, rurais, escondidos do grande público. Além das alegadas
razões de segurança, naquela época, assim como hoje, o boxe era uma
oportunidade para as classes menos abastadas superarem a pobreza e
a discriminação. A elite não via tal situação com bons olhos (FLORES
Jr., 2001).
Nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, o boxe integrou a agenda
de competições e passou a ser reconhecido como esporte olímpico
nos Jogos de Londres, em 1908 (VIEIRA, FREITAS, 2007).
De acordo com Flores Jr. (2001), após 1910 a transmissão de filmes
de boxe foi proibida nos Estados Unidos. O objetivo da censura era
evitar a propagação do triunfo e da habilidade dos negros sobre os
brancos; foi revogada a proibição em 1919.
De acordo com a Confederação Brasileira de Boxe (CBBOXE,
2010), no início do século XX essa prática desportiva era quase
totalmente desconhecida no Brasil. Os raros esportistas se limitavam
a membros das comunidades de imigrantes alemães e italianos, nos
estados do Rio Grande do Sul e São Paulo.
Além da falta de tradição esportiva, outra característica
desfavorecia a introdução do boxe no Brasil: no final do século XIX
e início do XX, lutar era, equivocadamente, associado à “coisa de
capoeiristas”, ou seja, a práticas de pessoas consideradas “malandros”
e marginais (CBBOXE, 2010). Esse preconceito era especialmente
51
História do boxe feminino
forte entre os membros das classes mais abastadas. Vale ressaltar,
segundo Yahn (2009), que a capoeira foi proibida no Código de 1890
por meio do Decreto № 847, sob o título “Dos Vadios e Capoeiras”,
tendo sua proibição revogada em 1930.
Em1913,foidocumentadaamaisantigalutadeboxeemterritório
brasileiro. Foi uma luta de exibição realizada em São Paulo, entre um
ex-boxeador profissional, que fazia parte de uma companhia de ópera
francesa, e o atleta Luís Sucupira, conhecido como “Apolo Brasileiro”.
O lutador “Apolo” tornou-se um grande entusiasta do boxe e um de
seus primeiros divulgadores. A propaganda de Sucupira entusiasmou
alguns jovens que eram membros da tradicional “Societá dei
Canotiere Esperia”, de São Paulo, os quais tentaram incluir o boxe
entre as atividades dessa associação. Esse esforço durou entre 1914 e
1915, mas não frutificou (CBBOXE, 2010).
Nesse mesmo período, no ano de 1919, no Rio de Janeiro, outro
grande divulgador do boxe, Goes Neto, marinheiro carioca que
havia feito várias viagens à Europa, lugar em que aprendeu a boxear,
retornara ao Brasil e fez várias exibições no Rio de Janeiro. Um
sobrinho do Presidente da República, Rodrigues Alves, encantou-
se pela “nobre arte”, e o apoio do presidente facilitou a difusão do
boxe. Começaram a surgir academias, e logo esse esporte ganhou o
status de legalidade, de esporte regulamentado, a partir da criação
das comissões municipais de boxe, entre 1920 e 1921, em São Paulo,
em Santos e no Rio de Janeiro (MATTEUCCI, 1988).
Até 1923, os treinamentos eram improvisados, e os treinadores,
amadores.AsituaçãocomeçouamelhorarquandoBatistaBertagnolli
estabeleceu-se, em 1923, como organizador de lutas no Clube
Espéria, de São Paulo. Ainda em 1923, no Rio de Janeiro, foi criada a
primeira academia de boxe no Brasil: era o Brasil Boxing Club, que
muito difundiu o boxe entre os cariocas. No final do ano de 1922,
Benedito dos Santos, “Ditão”, iniciou os treinamentos de boxe numa
academia de São Paulo e em poucos meses, no início de 1923, estreou
como profissional (CBBOXE, 2010).
52
História do Esporte
Foi organizada uma luta entre Ditão e Hermínio Spalla (campeão
europeu), que rendeu muito dinheiro naquela época. O italiano
venceu a luta e Ditão, como resultado da luta, teve um derrame
cerebral, mas sobreviveu, terminando seus dias como inválido.
Imediatamente após a derrota de Ditão, os jornais iniciaram uma
campanha contra o boxe, o que levou o governador de São Paulo
a proibir sua prática. O impacto da tragédia de Ditão fez com que
os empresários brasileiros ficassem receosos de trazer boxeadores
estrangeiros (CBBOXE, 2010).
Depois de revogada a proibição, em abril de 1925, conforme a
Confederação (2010), o boxe brasileiro voltou a crescer.
De acordo com a Confederação Brasileira de Boxe (2010), o
maior boxeador brasileiro de todos os tempos nasceu em uma
família de pugilistas, Éder Jofre, e este motivou o surgimento de
muitos boxeadores brasileiros, dentre os quais se destacaram Servílio
de Oliveira e Miguel de Oliveira.
Noiníciodosanosoitenta,pelaprimeiraveznoBrasil,umaredede
TV (a TV Bandeirantes) resolveu investir no boxe, transformando-o
em espetáculo de massa (CBBOXE, 2010).
Os primeiros boxeadores que tiveram destaque na TV brasileira
foram Francisco Thomás da Cruz (peso super-pena) e Rui Barbosa
Bonfim (meio-peso), que tiveram relativo sucesso; mas foi com
Adilson “Maguila” Rodrigues que as transmissões de lutas de boxe
pela TV alcançaram absoluta liderança de audiência. Chegou a ser
campeão mundial pela WBF (Federação Mundial de Boxe) e, por
falta de patrocínio, pouco tempo depois, Maguila foi destituído do
título por inatividade (CBBOXE, 2010).
A partir do ocorrido com Maguila, o boxe brasileiro rapidamente
perdeu o enorme espaço que havia tido na televisão. No final dos
anos noventa, surgiu uma nova promessa: Acelino de Freitas, o
Popó. Patrocinado pela Rede Globo de Televisão, chegou ao título de
campeão mundial pelo WBO (CBBOXE, 2010).
53
História do boxe feminino
Participação de homens e mulheres no boxe
Historicamente o boxe tem sido um esporte eminentemente
masculino, reduzindo e marginalizando a participação feminina. No
final do século passado, Oates (1987, p.69) publicou: “Embora haja
mulheres pugilistas – facto que parece surpreender, alarmar, divertir
– o papel das mulheres no desporto tem sido extremamente marginal
[...]”, a autora admite que o boxe é para homens e diz respeito a eles,
sendo masculino.
Oates (1987) chama a atenção para o papel das mulheres no
universo do boxe, o qual, segundo ela, limita-se ao da mulher de
cartaz e ocasional cantora do hino nacional – funções estereotipadas.
“Soa o gongo, e a garota do cartaz pula pro ringue, rebolando e
sacudindo seu traseiro” (TOOLE, 2005, p.80).
Wacquant (2002) admite que o salão de treinamento de boxe é
um espaço masculino, no interior do qual a intromissão do gênero
feminino é tolerada somente à proporção em que permanece
incidental. “O boxe é para homens, sobre os homens, ele é os homens.
Homens que lutam com homens para determinar seu valor, isto é,
sua masculinidade, excluindo as mulheres” (WACQUANT, 2002,
p.69). Ele concebe o gym como uma escola de moralidade, isto é, uma
máquina de fabricar o espírito de disciplina, a ligação com o grupo,
o respeito ao outro assim como a si próprio, a autonomia da vontade,
todos indispensáveis na vocação de um pugilista. O autor considera
o salão de boxe um vetor de uma desbanalização da vida cotidiana,
porque o pugilista faz da rotina e da remodelagem corporais o meio
de acesso a um universo distintivo, em que se misturam aventura,
honra masculina e prestígio.
Oboxeaindaapresenta-secomotípicodomundomasculino,tanto
no aspecto físico (ginásios de treinamento, arenas de competição)
quanto devido à característica da técnica corporal e, ainda, por se
tratar de um mundo dos negócios, esfera tradicionalmente concebida
como lugar de ações dos homens (MELO; VAZ, 2009).
54
História do Esporte
Wacquant (2002) acrescenta que, embora não haja barreira formal
que proiba a participação feminina, alguns treinadores chegam
a negar qualquer restrição com relação ao boxe feminino, mas
admitem que as mulheres não são bem-vindas à academia, porque
sua presença atrapalha, se não o bom funcionamento material,
pelo menos a ordenação simbólica do universo pugilístico. O autor
relata que, quando havia alguma mulher no gym de Woodlawn, os
pugilistas não estavam autorizados a sair dos vestiários de tronco nu
para ir pesar-se na balança, que ficava na sala dos fundos.
“Respeito é parte da magia do boxe. Muita gente fora do circuito
boxista espera que os vitoriosos humilhem os derrotados. Isso
destruiria a magia” (TOOLE, 2005, p.22). Quando um boxeador
sai humilhado de um assalto, o que se diz a ele é que vá lá e ganhe
respeito, pois trata-se de uma pequena família, cujos integrantes
precisam um do outro, não só por causa do dinheiro, mas também
para que possam, no final das contas, testar uns aos outros. “Os fãs
pensam que boxe é sobre ser durão. Para os realmente interessados, a
luta é sobre conseguir respeito” (TOOLE, 2005, p.31).
Wacquant (2002) destaca que o ensino do boxe é uma empreitada
coletiva, na qual o treinador é assistido, em suas funções, por todos os
membros da academia. No início, pelos boxeadores profissionais mais
experimentados, que colaboram de maneira informal, mas ativa, na
formação dos noviços, assim como pelos outros treinadores ou pelos
veteranos que vêm de vez em quando passar uma tarde na academia.
“Cada membro do clube passa para aqueles que estão abaixo dele na
hierarquia objetiva e subjetiva do gym o saber que recebeu daqueles
que estão situados mais acima” (WACQUANT, 2002, p.140).
Esse autor acrescenta que muitos profissionais admitiram que,
muito provavelmente, teriam caído na criminalidade se não fosse a
descoberta do boxe. Percebe-se que a maioria dos pugilistas faz do
esporte sua profissão, seu meio de vida.
Wacquant (2002) relata que a esmagadora maioria dos boxistas
vem dos meios populares, e que os pugilistas profissionais são mais
frequentemente originários de famílias intactas e, na maioria das
vezes, são casados e pais de família.
55
História do boxe feminino
DeacordocomFloresJr.(2001),arealidadesocial,historicamente,
sempre exerceu influência sobre os jovens que escolheram ingressar
no boxe. Treinar até seis dias em uma semana pode parecer mais
fácil do que ir à escola ou ficar esperando um emprego por horas em
uma fila interminável, no entanto é difícil determinar um perfil para
o boxeador.
Conforme Melo e Vaz (2009), o boxe foi, inicialmente, preferido
pelas classes subalternas e com ele estavam envolvidos os imigrantes,
os com poucas oportunidades de trabalho, os que moravam nos
cortiços, os que suportavam mais facilmente a dor, o sofrimento,
os representantes do tipo de sensibilidade “brutal” do boxe. Esses
autores admitem que o esporte, com o passar do tempo, passou a ser
apreciado pelos grupos sociais mais favorecidos economicamente,
com críticas ou desconfianças sobre sua civilidade.
Schaap (2007), ao publicar a biografia de James Braddock, em
2007, fê-lo, resgatando-o dos anais do boxe esquecidos por décadas.
Esse autor, ao posicionar o boxe socialmente, afirma que, ao
contrário do beisebel, que foi sinônimo dos valores de classe média
nos EUA, acredita que o boxe era, e ainda é, um esporte das classes
empobrecidas. Ele postula que, se houvesse outro caminho possível
para chegar à segurança econômica e à elevação do status social,
ninguém em seu juízo perfeito escolheria fazer carreira no boxe, pois
trata-se de uma forma muito dura de ganhar a vida.
Wacquant (2002) estimou haver uma taxa de evasão habitual
que ultrapassa 90% para um gym, estimando que em torno de 100 a
150 pessoas vão treinar durante o ano, mas que a vasta maioria não
permanece além de algumas semanas, porque descobre depressa que
o treinamento é muito exigente para o gosto deles. Em conformidade
com esse autor, as motivações dos participantes variam de acordo
com o status deles, sendo que os mais regulares boxeiam oficialmente
com amadores ou com profissionais, e a academia é, para eles, o local
de uma preparação intensiva para a competição. Muitos vão ao clube
apenas para se manter em forma física; outros, para perder peso;
alguns, apenas para permancer em contato com os amigos e outros,
56
História do Esporte
para adquirir técnicas de autodefesa. No entanto, segundo Wacquant
(2002), para o técnico de Woodlawn, só conta de verdade o boxe de
competição.
Para Wacquant (2002), o boxe amador e o boxe profissional
formam dois universos gêmeos e estreitamente interdependentes,
sendo, no entanto, muito distantes no plano da experiência. No
boxe amador, a finalidade é acumular pontos, tocando o adversário
o maior número de vezes possível, com séries de golpes rápidos. O
árbitro dispõe de uma grande liberdade para cessar o confronto,
quando um dos combatentes pareça impossibilitado de continuar
lutando. Entre os profissionais, que não usam capecete e cujas luvas
são menores, o objetivo máximo é derrubar o adversário, atingindo-o
com golpes. O confronto prolonga-se até que um dos participantes
não tenha condições de continuar. Segundo esse autor, grande parte
dos boxistas amadores não vira profissional.
Mulher no boxe
Sobre a participação feminina no boxe, Mennesson (2000), ao
realizar uma pesquisa com lutadoras, verificou que elas tiveram
comportamentos diferentes na infância e na adolescência em
relação a outras meninas. A autora identificou que as lutadoras
eram desordeiras, gostavam de competição, vestiam-se de forma
semelhante aos meninos e preferiam a presença deles à das meninas,
além de possuírem uma coordenação motora incomum para
meninas. Segundo a autora, a maioria das boxeadoras afirmou ter-
se identificado com modelos masculinos durante a infância e, ao
chegar a adolescência e a fase adulta, adaptou seus comportamentos
aos padrões hegemônicos da feminilidade; e, mesmo estando em
um esporte com características socialmente determinadas como
masculinas, elas se esforçaram para parecerem femininas, mas
sem parecerem frágeis ou passivas, características socialmente
determinadas como femininas.
57
História do boxe feminino
Segundo a autora, as lutadoras que começaram o boxe após os
20 anos preferem a forma mais suave do esporte [apenas treinos em
academias], enquanto que as que começaram mais cedo preferem
a versão mais dura (pesada) do esporte [lutadoras amadoras e
profissionais].
Fernandes e Dantas (2007) analisaram a presença do boxe nas
academias de ginástica de Campina Grande/PB, sob a dimensão
dos comportamentos de risco e de estilos de vida saudáveis,
entrevistando homens e mulheres. Esses autores admitem que o boxe
vem invadindo as academias de ginástica, apoiado nos apelos de uma
cultura de consumo fixada em padrões corporais universais de beleza
e saúde. Os autores destacam que o boxe vem ganhando espaço nas
academias de ginástica de Campina Grande-PB, mesmo se tratando
de uma atividade em que o risco e a dor estão muito presentes.
Segundo os autores, o boxe, juntamente com a capoeira, a dança
e as artes marciais em geral, vem, nos últimos anos, tornando-se uma
prática bastante difundida e em ascensão na sociedade moderna,
sendo, muitas vezes, submetido a um processo de mercadorização e
esportivização de suas características. Afirmam, ainda, que, seja em
busca da saúde, da beleza, da autodefesa ou competição, a prática
do boxe nas sociedades contemporâneas vem-se constituindo num
fenômeno complexo, muitas vezes contraditório, uma vez que o risco
da prática contrapõe-se à impossibilidade do controle total da vida.
Fernandes e Dantas (2007) destacam, em sua pesquisa,
a predominância da presença masculina, mas afirmam ser
significativa a presença das mulheres não só nas aulas, mas também
observando, com curiosidade e interesse, sua realização. Apesar de
dois dos entrevistados não terem tido contato com artes marciais
anteriormente à prática do boxe, os autores consideram que a
vivência de outras experiências com lutas seja um fator que facilita o
acesso ao boxe: “A proximidade de outras artes marciais pode ter sido
o motivo também de os praticantes se mostrarem dispostos a realizar
o boxe fora das academias de ginástica” (FERNANDES; DANTAS,
2007, p.7). Em conformidade com os autores, é interessante ressaltar
58
História do Esporte
aspectos psicológicos, citados por uma das entrevistadas, como uma
compreensão de saúde mais próxima a um bem-estar psicológico.
Os autores afirmam que, para a maioria dos entrevistados, o boxe
não é considerado um esporte arriscado, mesmo que já se tenham
machucado praticando-o, o que evidencia uma certa tolerância
dos indivíduos em conviver com o risco e a dor, numa perspectiva
existencial da saúde.
Ferretti e Knijnik (2007) investigaram lutadoras universitárias
(boxeadoras, capoeiristas e caratecas), sob a dimensão das
representações sociais. Esses autores consideram que essas
representações possibilitam uma análise de significados e de
aspectos simbólicos, relativos às configurações de gênero em
constante mutação, sobretudo por serem as lutas uma atividade,
no imaginário social sobre gêneros, como “coisa de homem”. Os
autores, ao discutirem o papel social das mulheres lutadoras décadas
atrás, afirmam que muitas delas, além de correrem o risco de serem
rotuladas de lésbicas, foram impedidas de praticar as lutas.
Eles realizaram a pesquisa com sete universitárias, entre 26 e
36 anos, das quais três eram boxeadoras, duas capoeristas e duas
caratecas. Em conformidade com os autores, todas as entrevistadas
se envolveram com o esporte na escola na infância, embora tenham
relatado ter diminuído a prática de atividades físicas na adolescência.
Segundo eles, as lutadoras ressaltaram a dificuldade em conciliar a
casa com o esporte, e algumas reclamaram que a mídia as ignora.
Todavia, elas reconhecem as melhoras e os avanços, apesar da
existência de preconceitos antigos.
O boxe praticado na universidade não visa ao profissionalismo,
o que pode explicar o fato de a maioria das alunas não perceber
diretamente um preconceito contra as lutadoras, ou contra elas
mesmas. Ao serem questionadas se o esporte “tem sexo”, ou seja, o
que elas pensavam sobre o fato de existirem esportes classificados
como “masculinos” ou como “femininos”, a fala de que “não tem sexo,
mas homem é diferente de mulher” predominou entre as lutadoras,
pois, segundo elas, as mulheres são mais fracas, lutando de modo
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História do esporte no Brasil: cultura, política e sociedade

  • 1.
  • 2. HISTÓRIA DO ESPORTE: cultura, política, gênero e economia
  • 3. Realização & CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Marcius de Almeida Gomes – UNEB/BA Prof. Dr. Paulo Cezar Borges Martins – UNEB/BA Profa. Me. Margaret Pereira Arbués – UFG/GO Prof. Me. Edson Matias Dias – PUC/GO Profa. Dra. Sueli Ribeiro Mota Souza – UNEB/BA Prof. Dr. Antônio Lopes Ribeiro – FATEO/DF Profa. Dra. Sandra Célia Coelho G. S. S. de Oliveira – UNEB/BA Prof. Dr. Krzysztof Dworak – PUC/SP Prof. Dr. Luís Flávio Reis Godinho – UFRB/BA Prof. Dr. Itamar Pereira de Aguiar – UESB/BA Profa. Me. Larissa Silva de Abreu Rodrigues – UNEB/BA Profa. Me. Ivanete Prado Fernandes – UNEB/BA Dra. Berta Leni Costa Cardoso - UNEB/BA
  • 4. Felipe Eduardo Ferreira Marta Leila Maria Prates Teixeira Mussi Berta Leni Costa Cardoso (Orgs.) HISTÓRIA DO ESPORTE: cultura, política, gênero e economia Coleção MovimentAção: debates e propostas Volume 3 Goiânia – GO Kelps, 2017
  • 5. Copyright © 2017 by Felipe Eduardo Ferreira Marta; Leila Maria Prates Teixeira Mussi; Berta Leni Costa Cardoso. Editora Kelps Rua 19 nº 100 — St. Marechal Rondon- CEP 74.560-460 — Goiânia — GO Fone: (62) 3211-1616 - Fax: (62) 3211-1075 E-mail: kelps@kelps.com.br / homepage: www.kelps.com.br Programação Visual: Alcides Pessoni Imagem da capa: Projetado por Freepik DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Impresso no Brasil Printed in Brazil 2017 MAR Marta, Felipe Eduardo Ferreira. his Historia da esporte: cultura, política, gênero e economia - Felipe Eduardo Ferreira Marta; Leila Maria Prates Teixeira Mussi; Berta Leni Costa Cardoso. (orgs.) - Goiânia: / Kelps, 2017 182 p.: il. ISBN: 978-85-400-2065-8 1. Análise 2. Artigos 3. História 4. Esporte I. Título. CDU: 796:(045) CIP - Brasil - Catalogação na Fonte BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS Índice para catálogo sistemático: CDU: 796:(045)
  • 6. 5 APRESENTAÇÃO A ‘Coleção MovimentAção: debates e propostas’ vem oportuni- zar aos pesquisadores, docentes e extensionistas divulgarem pesqui- sas e intervenções, atividades singulares, que são desenvolvidas nos seus cotidianos acadêmicos, versando sobre questões teóricas e prá- ticas, permitindo que as mais diferentes comunidades (re)conheçam a riqueza dessas ações, se apropriem e dialoguem com os escritores. O terceiro volume, tematizado na “História do Esporte”, apresen- ta produções que versam sobre sua interação com questões culturais, políticas, de gênero e econômicas, que representam importante cam- po de atuação profissional para uma diversidade de profissões. Prof. Me. Ricardo Franklin de Freitas Mussi
  • 7.
  • 8. 7 PREFÁCIO CELEBRANDO UMA NOVA ETAPA NOS ESTUDOS HISTÓRICOS DO ESPORTE NO BRASIL Ainda que existam estudos anteriores, a conformação de um campo acadêmico ao redor da história do esporte se dá na transição dos séculos XX e XXI. No âmbito da Educação Física, os primórdios desse movimento se encontram nos anos 1980. Na História, isso se deu mais tardiamente, nos anos 2000, fortalecendo e sendo funda- mental na melhor definição das iniciativas em curso. A despeito de recente, o campo tem dados passos alvissareiros. Nesses cerca de 20 anos de caminhada, é crescente o número de pes- quisadores envolvidos; de investigações que resultaram na publica- ção de livros, capítulos, artigos em periódicos, teses e dissertações; de localidades envolvidas. Esta última, a meu ver, é a grande novidade dos últimos anos. A princípio, a quase totalidade dos estudos se referia ao eixo Sul- -Sudeste, com destaque para investigações e pesquisadores de Rio de Janeiro e São Paulo. Certamente contribuíram para tal o fato de que a pós-graduação e os mecanismos de pesquisa se encontravam melhor estruturados nessas cidades, bem como sua importância na história nacional. De um lado, não há como negar a contribuição e importância dessas iniciativas – nessas capitais continuam em desenvolvimento importantes ações relacionadas à história do esporte. De outro lado, gestaram-se modelos que, não poucas vezes, acabaram por equivo- cadamente pautar os estudos que começaram a ser desenvolvidos em outras localidades do país. Pari passu com o crescimento da universidade brasileira, inclusi- ve da pós-graduação, em outras regiões nacionais – Nordeste, Cen- tro-Oeste e Norte, os estudos históricos do esporte se espraiaram, envolvendo novos pesquisadores que passaram também a lançar no-
  • 9. 8 vos olhares sobre o tema, aportar importantes contribuições para o debate, arejar o conjunto de reflexões acerca do assunto. Trata-se de um sinal de dupla via – é tanto um retrato da consolidação do cam- po acadêmico quanto uma relevante contribuição para sua melhor estruturação. Este livro que tenho a honra de prefaciar é um claro exemplo des- se processo. Ainda que envolva pesquisadores da região sudeste, bem como apresente capítulos dedicados a abordagens dessa parte do país ou de caráter mais nacional, pode-se dizer que sua grande potenciali- dade é lançar olhares para arranjos locais ainda pouco conhecidos (e reconhecidos), oriundos do trabalho de pesquisa de jovens pesquisa- dores, majoritariamente atuando no Estado da Bahia. Esse balanço de novos temas, novas abordagens e novos pesqui- sadores (é verdade, alguns nem tão novos, já há alguns anos frequen- tadores e construtores do campo da História do Esporte) é o ponto forte deste livro que já nasce com o perfil de que marcará esse novo tempo dos estudos históricos do esporte brasileiro. Certamente a grande contribuição se dará na sequência. A leitura deste material desencadeará debates (oxalá muitas sejam as críticas que permitam avançar o conhecimento!) e inspirará jovens pesqui- sadores que começam a se encantar com o tema. Novos estudos sur- girão, outros livros serão lançados, eventos organizados: o campo continuará em movimento, mais múltiplo, diverso, aberto à inovação e novidade. O leitor perceberá que não são exagerados esses prognósticos, o futuro nos demonstrará se essas ideias são ou não exageradas. Por ora, cabe nos deleitar com este livro, desfrutar da leitura agradável e saudar essa notável iniciativa. Victor Andrade de Melo Verão de 2017 Professor do Programa de Pós-Graduação em História Comparada e do Programa em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Professor do Programa de Pós-graduação em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
  • 10. 9 SOBRE OS ORGANIZADORES FELIPE EDUARDO FERREIRA MARTA Licenciado em Educação Física (UNESP/SP), Doutor em Histó- ria (PUC/SP), Pós-Doutor (Virginia Tech/USA). Professor Titular do Departamento de Ciências Naturais da Universidade do Sudoeste da Bahia (DCN/UESB/BA) e docente do Programa de Pós-Graduação em Memória: linguagem e sociedade (UESB/BA). Coordenador do Grupo de Pesquisa CORPORHIS – História, Corpo e Cultura. LEILA MARIA PRATES TEIXEIRA MUSSI Licenciada em História (UNEB/BA), mestre em História (UNEB/ BA). Professora da Faculdade Santo Agostinho de Vitória da Con- quista (FASAVIC/BA) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/ BA). Líder do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação, Cultura e Saúde (GEPEECS/CNPq). BERTA LENI COSTA CARDOSO Graduada em Educação Física (UNIMONTES/MG); especialista em Docência do Ensino Superior (FIJ/RJ); mestre e doutora em Edu- cação Física (UCB/DF). Pós-doutoranda em Educação (UESB/BA) Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/BA). Pes- quisadora do Grupo de Pesquisa sobre Mulher, Gênero e Saúde, do Grupo de Estudos Sociopedagógicos da Educação Física e da Linha de Estudo, Pesquisa e Extensão em Atividade Física
  • 11.
  • 12. 11 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO............................................................................. 5 PREFÁCIO......................................................................................... 7 Victor Andrade de Melo SOBRE OS ORGANIZADORES...................................................... 9 CAPÍTULO I MEMÓRIAS DO CORPO NA IMPRENSA SOTEROPOLITANA: A TARDE 1912 A 1914.......................................................................13 Prof. Dr. Felipe Eduardo Ferreira Marta Profa. Joalice Santos Batista Prof. Me. Natanael Vaz Sampaio Junior CAPÍTULO II PROFISSIONALIZAÇÃO DO ATLETA DE HANDEBOL NA BAHIA DA DÉCADA DE 1980? UMA ANÁLISE DOCUMENTAL................................................................................... 29 Profa. Ma. Leila Maria Prates Teixeira Mussi Prof. Me. Ricardo Franklin de Freitas Mussi Prof. Me. Angelo Maurício de Amorim CAPÍTULO III HISTÓRIA DO BOXE FEMININO: UMA LUTA ALÉM DOS RINGUES................................................................................................ 47 Profa. Dra. Berta Leni Costa Cardoso Profa. Dra. Tania Mara Vieira Sampaio CAPÍTULO IV DO ESCANTEIO PARA O MEIO DA ÁREA: EM BUSCA DA VISIBILIDADE E RESPEITO AO FUTEBOL FEMININO BRASILEIRO.......................................................................................... 65 Profa. Dra. Enny Vieira Moraes Profa. Dra. Zuleika Stefânia Sabino Roque
  • 13. 12 CAPÍTULO V FUTEBOL EM CAPIM GROSSO E SUA RELAÇÃO COM AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS – 1964 A 1985.......................................................................................................... 85 Prof. Gildison Alves de Souza Prof. Me. Osni Oliveira Noberto da Silva CAPÍTULO VI A CAIXA DE GUARDADOS: MEMÓRIAS DO FUTEBOL DE FÁBRICA................................................................................................. 97 Profa. Dra. Estefânia Knotz Canguçú Fraga Profa. Dra. Zuleika Stefânia Sabino Roque CAPÍTULO VII O DISSÍDIO E INTERVENÇÃO ESTATAL NO FUTEBOL NA DÉCADA DE 1930.............................................................................. 115 Dr. Jorge Miguel Acosta Soares CAPÍTULO VIII ESPORTE PARA TODOS E A EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS NA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA (1964-1985).......... 131 Profa. Dra. Nailze Pereira de Azevêdo Pazin Profa. Ma. Denize Pereira de Azevêdo Freitas CAPÍTULO IX JEQUIÉ TÊNIS CLUBE: INSPIRADOR DA MODERNIDADE ESPORTIVA LOCAL.......................................................................... 147 Prof. Dr. Roberto Gondim Pires Prof. Dr. Cleber Augusto Gonçalves Dias Marcos Cesar Meira Leite CAPÍTULO X A MODERNIDADE EM DUAS RODAS: CULTURA E PODER NA PRÁTICA DO CICLISMO NA CIDADE DE SÃO PAULO (1890- 1904)...................................................................................................... 165 Prof. Me. Yuri Vasquez Souza Profa. Dra. Estefânia Knotz Canguçú Fraga SOBRE OS AUTORES.................................................................. 179
  • 14. 13 CAPÍTULO I MEMÓRIAS DO CORPO NA IMPRENSA SOTEROPOLITANA: A TARDE 1912 A 1914 Prof. Dr. Felipe Eduardo Ferreira Marta Profa. Joalice Santos Batista Prof. Me. Natanael Vaz Sampaio Junior Introdução Este estudo desenvolveu-se em uma perspectiva histórica a partir das análises das manchetes do Jornal A TARDE que versavam so- bre as atividades físico-esportivas praticadas na cidade de Salvador, sobretudo, o contexto sócio histórico e cultural em que tais práticas eram desenvolvidas, nos permitindo utilizar da memória enquanto ciência que propiciou a análise de fenômenos que envolvem as dis- cussões sobre o corpo naquela sociedade. A importância de se apropriar da memória na qualidade de re- curso para este estudo, se deve ao fato da memória ter possibilitado a reminiscência de um passado vivificado por diferentes grupos sociais que, de certa forma, determinavam o que era memorável, mas, tam- bém, as formas pelas quais seriam lembrados, sendo a memória fruto dos testemunhos de uma época (HALBWACHS, 2003). Nora (1993), ao elencar acerca dos lugares de memória traz que o que chamamos de memória é a constituição gigantesca e “vertigi- nosa” daquilo que nos é impossível lembrar, daí, o autor se utiliza do pensamento de Leibniz para dizer que a memória de papel tornou-se um instrumento autônomo de museus, bibliotecas depósitos, centros de documentação e bancos de dados. Assim, conforme desaparece a memória tradicional nos sentimos obrigados a acumular religiosa- mente vestígios do que foi (LE GOFF, 1996). Neste sentido, o arquivo público da Biblioteca Pública do Estado da Bahia constitui-se en- quanto lugares de memória registradora, ao dá ao arquivo o cuidado de se lembrar por ela.
  • 15. 14 História do Esporte O jornal A TARDE, caracterizar-se-á como meio produtor de memória na medida em que foi escrito em uma determinada épo- ca por um grupo, tornando-se documento histórico ao se encontrar distante no tempo e ser analisado criticamente pelo historiador. As- sim, cabe ao historiador identificar nestes lugares de memória, meios para escrever a história. Neste sentido, a intenção deste estudo foi identificar memórias do corpo nas páginas do jornal A TARDE no período de 1912 a 1914. Para desenvolvê-lo, foram analisadas 518 edições do referido Jornal, iniciando-se em outubro de 1912 e fin- dando-se em junho de 1914. É importante salientar que no período de janeiro a junho de 1913, não foram encontradas edições do jornal. Os dados foram coletados na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, localizada na cidade de Salvador no período de Setembro de 2013 a março de 2014. Se tratando de um estudo norteado pela análise do discurso jor- nalístico, reforça o papel da imprensa escrita na qualidade de meio difusor de informação que tinha como leitores a camada mais ele- vada da população onde, nela “[…] as tensões e articulações entre a cultura letrada, campo privilegiado de expressão das elites, e a ora- lidade constituem dimensão fundamental da formação das culturas urbanas e das relações de poder na cidade moderna” (CRUZ, 2013, p.30). Assim, “é importante atentar-se que, para um país inserido no contexto da modernidade, os corpos e suas práticas também deve- riam expressá-la” (MARTA, 2013, p.4.). Corroborando com o autor, percebemos o quanto era imprescindível europeizar, a visão dos cor- pos apregoada na pele, sendo necessário que sua conduta corpórea expressasse o protótipo ocidental, levando-nos então a questionar qual a memória de corpo que o jornal enquanto força ativa buscou construir? Como se constituiu a memória do corpo dentro de suas diferentes possibilidades neste espaço movido por ideais de moder- nização?
  • 16. 15 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana Memórias do Corpo na Imprensa Soteropolitana [...] é possível discutir o corpo como uma construção cultural, já que cada sociedade se expressa diferentemente por meio de corpos diferentes. Jocimar Daolio O pensamento de trazer Daolio (1995) para esta discussão re- força a ideia de que não foi tarefa simples discutir sobre o corpo, sobretudo, em uma sociedade em transformação, onde os ideais de civilidade e modernidade são constantemente reafirmados como ne- cessários para o avanço dos lugares. Lugares marcados pela experi- ência da industrialização, do avanço tecnológico, do capitalismo e do processo de urbanização, caracterizados pelas novas formas de organização dos espaços, onde, higiene, saúde, beleza, tornam-se desejos a serem impregnados no corpo, e nos espaços, tornando-se uma construção cultural da sociedade. Do corpo nascem e se propagam as significações que fundamentam a existência individual e coletiva; ele é o eixo da relação com o mun- do, o lugar e o tempo nos quais a existência toma forma através da fisionomia singular de um ator, Através do corpo, o homem apro- pria-se da substância de sua vida traduzindo-a para os outros, ser- vindo-se dos sistemas simbólicos que compartilha com os membros da comunidade (LÊ BRETON, 2007, p.7). Em outras palavras, são nos corpos que estão presentes as es- tratégias de sobrevivência humana, onde se experimentam diversas sensações: andar, correr, saltar, pensar, comunicar-se, entre outros. Todas as ações humanas perpassam pela corporeidade, antes de tudo o homem é um ser corpóreo. Corpos que falam que desejam, que através de suas ações transformam realidades, mudam cenários e constroem espaços novos, criam e recriam, inventam e se reinventam na busca incessante por melhorias para si e para o outro. Estes corpos são colocados nas páginas dos periódicos A TARDE sobre diferentes perspectivas, dentre elas estão: corpo, espaço urba- no e higienização; corpo esportivo; corpo e moda; e corpo enquan-
  • 17. 16 História do Esporte to objeto de consumo. No entanto, para este estudo desenvolvemos nossas análises a partir do corpo na relação com o espaço urbano e o corpo esportivo, demonstrando o pensamento presente na sociedade soteropolitana no período elencado e, assim, resgatar memórias do corpo nesses espaços que ele emerge. Corpo, higiene e espaço urbano Compreendendo que o homem é antes de tudo um ser corporal e nele todas as ações acontecem, o corpo não pode ser compreen- dido sem uma análise do contexto onde o mesmo se insere. Neste sentido, Caxilé (2007, p.377) assevera que “a imagem idealizada do corpo transfere seus valores para as cidades. As pedras urbanas con- tam experiências de povos – homens e mulheres que sentem e vivem determinadas épocas e lugares”. Assim, no contexto da cidade transi- ta diferentes corpos aumentando a possibilidade de contágio por di- ferentes tipos de epidemias e doenças, deste modo, os cuidados com a saúde no início do século XX, perpassavam pela prevenção e cura de uma “infinidade de febres [...]. Para tais casos, asseio significava principalmente proteção” (SANT’ANA, 2011, p.288). Preocupados com a proliferação de epidemias os representantes da cidade soteropolitana buscavam então, formas de proteger a po- pulação dos males que poderiam acometê-los, objetivando resguar- dá-los de possíveis enfermidades. No fragmento que segue, o Jornal explicita o texto da seguinte forma: “em relação à saúde pública foi solicitado ao diretor da estatística demográfica sanitária o resumo do movimento de vacinação, durante o mês de novembro último, comu- nicando a higiene municipal o péssimo estado dos prédios números 236, 230 e 226, armazéns de secos e molhados situados em zona afe- tada por peste” (A TARDE, ed. 51, dezembro de 1912, p.2). As evidências demonstravam a inquietação no que diz respeito à limpeza dos espaços, e a preocupação com a conservação dos alimen- tos em lugares limpos e devidamente higienizados tornava-se uma das principais preocupações elencadas nas páginas do jornal. Deste
  • 18. 17 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana modo, há indícios de que a elite soteropolitana estava preocupada com o desenvolvimento do espaço urbano, e o corpo imerso nes- te espaço não poderia passar despercebido, as apreensões elencadas nas páginas do jornal, que em sua maioria diziam muito a respeito da corporeidade e da higienização destes corpos imersos no espaço citadino, reforçando os conflitos entre as classes. Os conflitos que abalam a sociedade moderna, “a procura in- fatigável por novas legitimidades são, entre outros fatores, os que contribuíram logicamente para comprovar o enraizamento físico da condição humana” (LE BRETON, 2007, p.10). Assim sendo, a mo- dernidade traz consigo grandes transformações em diversos aspectos da vida humana. Novos comportamentos são adquiridos em decor- rência das constantes mutações sociais. Neste sentido, o corpo como parte representante deste espaço, necessita ser cuidado de formas diferenciadas dos modos existentes no período colonial. Conforme menciona o jornal quando traz que “enfermos pobres ainda são car- regados em canapés” questionando o processo/desejo de civilização da cidade no fragmento que diz o seguinte: Dizem que a cidade se cívilisa. Os autos, os cinemas e as avenidas em projecto, requintam seus costumes sacudindo os velhos hábitos, que nos trouxeram o primeiro governador geral e que amigos como somos das tradições, conservamos com certo carinho. Pode ser que assim seja, mas nem tudo ainda desprezamos da velha herança colonial. Entre seus legados, há um que perdura, embora há muito já deveste ter desaparecido: é o transporte dos enfermos pobres em canapês (A TARDE ed.64, 27 de dezembro de 1912, p.1). E foi nesse contexto que a população menos favorecida começou a aspirar por acesso à instrução, e isto fica elucidado na edição nº 247 publicada no dia 7 de agosto de 1913 em sua primeira página o jornal A TARDE faz um apelo solicitado por moradores de um povoado carente acerca da necessidade de uma escola, colocando o seguinte: “Há ali cerca de 500 crianças privadas de ensino por falta de escola. Para frequentarem os educandos têm necessidade de melhores rou- pas, sendo-lhes impossível voltar para casa na hora do recreio para
  • 19. 18 História do Esporte fazer suas refeições”. Portanto, a população procura civilizar-se, e vê na educação um meio para tal, elencando também as necessidades presentes no corpo como alimento e vestimenta. Assim, o homem age no corpo e pelo corpo, seus desejos, suas ânsias, suas idealizações são impregnadas através do lugar onde estão imersos. Segundo o jornal as pessoas que leem “os diários da capital” (jor- nal veiculado no Rio de Janeiro), fora da cidade soteropolitana, supõe que a cidade é civilizada. Enfatizando que de fato há muita gente feliz e tranquila vivendo no palácio confortável nos bairros aristocráticos que nega a miséria, porém, as pessoas carentes durante a noite vão dormir no lajedo frio dos bancos das praças e jardins ou nas rodas das igrejas: Assim, os cegos, que encontramos, dia a dia, nas portas dos ascen- sores, ou das igrejas, esfarrapados e quase nus, como se quizessem zombar com uma ironia pungente das nossas pretenções de civili- sação. [...]quanta miséria vai pôr ahi aos nossos olhos, no coração da cida- de, nas chambergas fétidas onde homens, mulheres e creanças ha- bitam numa promiscuidade de sujeira, turca, com a tuberculose e a peste? (A TARDE ed. 313, 23 de Outubro de 1913, p.1). Os “corpos” esquecidos e maltratados são jogados ao relento nas praças públicas, enquanto outros “corpos” se esbanjam na fartura em estabelecimentos confortáveis e luxuosos. As contradições presentes nos espaços citadinos são refletidas em diferentes comportamentos, onde, de um lado estão os corpos maltratados pela miséria e de outro os corpos imersos em espaços confortáveis e luxuosos. A higienização dos espaços e o anseio pela retirada da população carente que com seus corpos maltratados e enfermos, circulavam no centro de Salvador, causava grande inquietação a população burgue- sa, estando esses, preocupados com a forma como a cidade seria vista pelos visitantes e com o contágio por doenças como a peste, a tuber- culose entre outras. Assim, a preocupação com os indivíduos que transitam na cidade de Salvador deveria ser priorizada, tanto quanto a modernização da mesma, isto é exposto nas páginas do jornal em diferentes edições, quando são mencionadas questões relacionadas
  • 20. 19 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana à saúde pública, e as necessidades de saneamento básico, a fim de evitar proliferação das epidemias. Ao constituir-se enquanto cidade as demandas sociais aumen- tam, surgindo a necessidade de um planejamento urbano, tendo em vista que é preciso oferecer à população que se encontra condensada no espaço urbano, melhores condições de higiene, trabalho, educa- ção, saúde e moradia. A esse despeito Cruz (2013, p.36) destaca que as alterações “econômicas, políticas e sociais (a abolição da escravi- dão, a proclamação da República, os processos de industrialização, a ampliação acelerada do mercado interno, a imigração massiva)” foram fatores que contribuíram para o rápido processo de urbaniza- ção. Com isto os corpos residentes nesse espaço, aos poucos vão se adequando a ele. Neste sentido, diante das múltiplas questões colocadas nas pági- nas do Jornal A TARDE há indícios que a população residente em Salvador desejava estar imersa em um espaço civilizado e higieniza- do de acordo com padrões vindo de países como: França, Inglaterra e Estados Unidos e, que lhes proporcionassem múltiplas possibilida- des de lazer e interação, vendo como uma dessas possibilidades de socialização os espaços das práticas esportivas. Corpo Esportivo Ao tratar das questões relacionadas a prática de esportes, o jor- nal A TARDE em uma de suas reportagens, alude que a ausência da cultura esportiva foi um problema que abalava os homens públicos, nos países de civilização modelar. Preocupado com a ascensão da prática esportiva, o jornal coloca que esta deverá ser motivo de ze- los e meditação, pois é um divertimento que beneficia o desenvolvi- mento psicológico, educa o espírito e contribui para despertar forças adormecidas. Porque, admirável será um povo viril, feito de perseve- rança, força e tranquilidade com grandes vantagens, podendo então, adquirir a cultura do psíquico por meio da ginástica e dos jogos ao ar livre se forem praticados de forma inteligente (A TARDE, ed. 1, 15 de outubro de 1912).
  • 21. 20 História do Esporte Diz, ainda, A TARDE, que: Aqui, no Brasil, o homem da cidade passa depressa, vive pouquíssi- mo é fraco sem harmonia de linhas, consequentemente deselegante. Age, pode agir, mais quando o faz é propelido por exaltações mór- bidas. Que infelizes se nós não podermos corrigir! Mirem-se todos no espelho da nova geração do sul ou encarem os que fazem aqui, a despeito de mal orientados, um pouco de sport; prometem alguma coisa. (A TARDE, 1º ed. 15 de outubro de 1912, p.2). A ideia de nação forte aparece no discurso jornalístico como algo belo e vantajoso. O homem soteropolitano é descrito como um ser fraco e feio, sem harmonia em sua estrutura corporal, isto é, coloca- do pelo jornal como um problema de carácter econômico e social. Segundo o Jornal A TARDE, os governantes de países vistos pela população burguesa de Salvador como modelo de civilização (Euro- pa, Estados Unidos, Japão e Argentina) estão estimulando a prática esportiva com prêmios. Como prova deste interesse os povos cultos realizam a festa pública universal dos jogos olímpicos, a cada qua- tro anos nas capitais Europeias (A TARDE, ed. 1, 15 de outubro de 1912). Neste sentido, entende-se que: Interações implicam em códigos, em sistemas de espera e de reci- procidade aos quais os atores se sujeitam. Não importam quais se- jam as circunstâncias da vida social, uma etiqueta corporal é usada e o ator a adota espontaneamente em função das normas implícitas que o guiam (LE BRETON, 2007, p.47). À medida que a sociedade se desenvolve, as cidades começam a estabelecer conexões com outras cidades e com outros continentes, às notícias se espalham pelo mundo, no caso de Salvador, as atuali- dades vigentes no exterior eram trazidas em embarcações náuticas e levava dias para chegar, porém, logo que chegava o jornal A TARDE se incumbia de divulgar em suas edições acerca do que havia de mais atual no continente europeu, dando ao povo letrado, a incumbência de buscar se atualizar, procurando se apropriar ao máximo do que havia de mais culto em outros países, e o esporte era uma das práticas
  • 22. 21 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana consideradas como algo que deveria estar presente em uma cidade considerada civilizada e culta. Assim, em um de seus fragmentos, o jornal A TARDE aborda que houve um homem que compreendeu a necessidade de oferecer subsídio para as práticas esportivas, ele foi o reformador do Rio de Janeiro, o prefeito Pereira Passos, um homem alto de ombros lar- gos e aparência saudável, compreendeu a necessidade de povoar as avenidas e modernizar os espaços, pensando patrioticamente. De fato, precisamos de avenidas belas e edifícios para que os estrangeiros nos vejam mais dignos, e entendemos estes sentimentos como justos, pois eles correspondem a carência de um novo povoamento. Esta é uma segunda necessidade, complemento da primeira (A TARDE, ed. 01, 15 de outubro de 1912, p.3). A primeira necessidade foi colocada pelo jornal no fragmento a seguir, da seguinte forma: [...] carecemos de atividade, de vida, de beleza nos homens e nas mulheres – e só se adquirem essas qualidades dando a todos os mús- culos do organismo trabalho regular, ou seja, cultivando o sport com inteligência. Remodelamos tudo, mais antes de tudo, remodelamo-nos. Diremos aos que nos procurem: vamos a terra da vida fácil, das belas cidades, da força que sorri com beleza. E nós, por nossa vez porque seremos fortes, não nos deixamos ab- sorver. Prevenimo-nos para o futuro se tanto nos lisonjeia uma solidarieda- de universal. (A TARDE, 1º ed. 15 de outubro de 1912, p.2). Segundo o jornal, cabe aos governos terem boas intenções, e não esquecerem este problema, assim também, a imprensa precisa provo- car o desejo de resolvê-lo. Os corpos físicos revelavam então um ima- ginário de corpo como algo passível de intervenção, a necessidade de melhorar a condição física, a beleza e a elegância são colocadas como fatores que podem ser aprimorados através da prática esportiva. As exigências em relação à corporeidade dos indivíduos são di- versas, o homem precisava passar por transformação, a fim de aten- der aos critérios estabelecidos, assumido diferentes valores, onde o magro, o musculoso e o forte fisicamente e intelectualmente, apare-
  • 23. 22 História do Esporte cem como valor distintivo nas sociedades modernas. A esse despeito, Magalhães e Sabatine (2011, p. 134) trazem que no corpo incidem as estratégias de poder, tornando-o objeto dos investimentos sociais que dão passagem à produção das diferenças, reproduzidas na atu- alidade através da valorização dos símbolos da saúde, da beleza, da felicidade e da qualidade de vida. Em uma das reportagens sobre o esporte veiculada no A TAR- DE (Ed. 2, 16 de outubro de 1912 p. 03), o jornal coloca que entre os competidores estão inscritos os páreos de maior importância. Na disputa do campeonato baiano do remo, veremos o mais importante “pareô” do dia, o já três vezes campeão, um dos poucos atletas, que vem sabendo competir. Não sendo um Hercules, fez-se grande atleta. Ao descrever a respeito de outro atleta inscrito no campeonato, o jornal menciona o seguinte: “Hrill também favorito no campeonato e talvez o mais forte, o mais belo conjunto de músculos em destaque” (A TARDE, ed. 2, 16 de outubro de 1912 p. 3). Os símbolos atribuídos ao corpo são construídos na interação com os indivíduos à medida que as sociedades se desenvolvem, os corpos adquirem novas características tornando-se algo marcante na modernidade. Os indícios encontrados nas edições do jornal A TAR- DE reafirmam o pensamento destacado por Le Breton (2007, p.9), para quem: “a expressão corporal é socialmente modulável, mesmo sendo vivida de acordo com o estilo particular do indivíduo”. O corpo elencado pelo discurso midiático do Jornal A TARDE leva-nos, a hipotética ideia de que suas raízes estão centradas nos valores culturais vigentes em países do exterior, dentre eles a Euro- pa. A cidade soteropolitana objetivando alcançar a civilidade, deve- ria então educar os seus corpos respeitando tais padrões e normas. No discurso do jornal A TARDE evidência mais uma vez as caracte- rísticas físicas dos esportistas, quando coloca que “A guarnição está composta dos melhores competidores. Este povo prefere o partido de sua grande força, ao da arte de remar bem. É valente a guarnição” (A TARDE, ed. 3, 17 de outubro de 1912, p. 2). Diz, ainda, que:
  • 24. 23 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana [...] toma parte na bancada de sola voga um dos nossos mais belos sportmem: peito 1 m, 11: bisceps; 0,41 e força de gênio: grau máxi- mo mais pouco duradouro – Felizmente. E fortíssima esta guarni- ção, e perde, talvez, um pouco com isto. Dela destaca-se Alberta- zzi, incontestavelmente um tipo exemplar de perseverança, calma e persistência. Sabe aliar a sua extraordinária força, cultivada com carinho, meios inteligentes de aperfeiçoamento. (A TARDE Ed. 3, 17 de outubro de 1912, p.2). Percebe-se uma valorização das medidas antropométrica dos es- portistas, o que mais uma vez nos remete a imaginação de que exis- tia um ideal originário do exterior veiculado nas edições do Jornal. Segundo a reportagem do Jornal A TARDE, a preparação física dos esportistas era algo considerado peculiar para que se chegue à vitó- ria, os competidores no geral estão bem preparados e com aspecto feroz. Os esportistas devem mostrar a alegria, a força e a agilidade de seus músculos para as senhoritas (A TARDE, ed. 7, 22 de outubro de 1912, p.3). A mulher ocupava lugar de submissão, sua participação nas prá- ticas esportivas se limitava a contemplação dos eventos ficando na condição de plateia, consideradas pelo jornal A TARDE, as respon- sáveis por embelezar os ambientes de socialização com suas lindas vestes, era também um dos motivos pelos quais os esportistas deviam exibir seus corpos a fim de serem admirados por elas. O Esporte era tido como uma prática que promovia diversos benefícios ao ser humano, tanto para os praticantes quanto para os admiradores, sendo praticado em sua maioria pela classe burguesa e, considerado também, como algo distintivo e culto presente nas sociedades europeias, sendo necessário um lugar próprio para pra- ticá-lo. Por outro lado às práticas corporais realizadas pela classe subalterna eram consideradas como atos de vandalismo e vadiagem praticados na rua, neste sentido, a prática da capoeira era vista como algo negativo para a imagem da cidade de Salvador, que buscando se modernizar não a considerava como algo civilizado e culto, especial- mente por fazer parte da cultura negra.
  • 25. 24 História do Esporte Tal fato fortaleceu os conflitos sociais entre a burguesia e a classe subalterna, onde de um lado a burguesia tentava inibir e acabar com as práticas da capoeira, inclusive, mandando prender seus pratican- tes. Por outro lado, os capoeiristas resistiam e fortaleciam seus gru- pos expandindo assim sua cultura. Segundo Lima e Carvalho (2011, p.238) o surgimento dos espa- ços citadino sugeria inovações necessárias para o desempenho de ati- vidades sociais laicas que se tornavam cada vez mais públicas, onde de acordo com os autores, “os esportes, as festas e os piqueniques ao ar livre, as comemorações cívicas” começam a ganhar relevância nas sociedades modernas estimulando o consumo, a exibição dos corpos e a valorização da moda, sendo que, essa passa a ser algo marcante nas sociedades modernas. Considerações Finais Para identificar as memórias do corpo na imprensa soteropolita- no, A TARDE no período de 1912 a 1914 percebemos destaques para quatro pontos considerados como fundamentais dentro do processo de transformação pelo qual a cidade soteropolitana estava passando: a urbanização da cidade e o processo de higienização dos espaços, as práticas esportivas, a moda e as propagandas. As questões relacionadas ao processo de modernidade na cida- de de Salvador estão presentes nas páginas do jornal A TARDE de forma enfática e explícita no período estudado. As notícias de aqui- sição de empréstimos no exterior, pavimentação das ruas e ao me- lhoramento dos espaços, surgem em todas as edições do jornal. No entanto, percebe-se que questões relacionadas ao corpo aparecem de forma implícita nas edições analisadas. Ainda, no que diz respeito à urbanização da cidade foram encontrados vestígios do corpo em diferentes perspectivas, entre elas estão às questões relacionadas, ao saneamento básico, aos cuidados com o corpo (higiene, alimentação, prática de exercício físico etc), a organização dos espaços citadinos e a preocupação com a proliferação das epidemias.
  • 26. 25 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana Em relação às práticas esportivas as memórias do corpo são co- locadas nas páginas do jornal enfatizando as questões relacionadas ao ser fisicamente capaz, como o ser forte, musculoso e resistente, características consideradas como fundamentais para o desenvolvi- mento de uma nação bela. Vale salientar que nos primeiros periódi- cos as notícias acerca do esporte aparecem em quase todas as edições e nelas são colocadas diversas questões, dente elas estão: preparação física dos esportistas e as condições físicas dos mesmos. Identificamos então, que de acordo com discursos presentes no Jornal A TARDE, o processo de inserção em determinada prática es- portiva enquanto elemento sistematizado perpassa por um arsenal de exigências atribuídas ao corpo. Historicamente, um desportista precisa ser forte, saudável, bem preparado, a fim de ter um bom de- sempenho objetivando alcançar resultados, o corpo precisa ser mol- dado, buscando atender as exigências. Neste sentido, o discurso jornalístico nos leva a desconfiar que o ideal de corpo esportivo vigente tenha relações com os tipos físicos dos europeus visto e colocados como modelo de uma sociedade mo- derna, bela e civilizada. Salientamos ainda que, apenas uma camada mínima da população soteropolitana atendia aos critérios colocados nas páginas dos jornais como bons, finos e civilizados. A higiene pes- soal e dos espaços são questões que circulavam em cada nova edição do jornal, elas eram colocadas de diferentes maneiras buscando rea- firmar ideais de países do exterior. Ao analisar as páginas de propaganda deve-se levar em conside- ração os objetivos do mercado produtor em disseminar o produto propagandeado. Assim, ainda que os indícios encontrados nas pági- nas do jornal surgiram à ideia de que as questões inerentes ao corpo eram algo em ascensão voltada para questões de beleza e saúde, não se podem desconsiderar questões como o desenvolvimento do capi- talismo e da industrialização, fatores relevantes neste contexto. Os resultados até então encontrados não são conclusivos, contu- do, têm nos conduzido a uma reflexão de que assim como o ambiente citadino passava por mudanças influenciadas pelo ideal de moderni- dade presente na Europa, essas mudanças também diziam respeito
  • 27. 26 História do Esporte ao comportamento humano influenciando as questões de higiene, saúde e beleza, o que leva-nos a indagar se a sociedade soteropolitana já apresentava naquele momento histórico sintomas da busca de um corpo idealizado. Fontes Escritas A TARDE Ed. 1 ,15 de outubro de 1912. A TARDE Ed. 2, 16 de outubro de 1912. A TARDE Ed. 3, 17 de outubro de 1912. A TARDE Ed. 7, 22 de outubro de 1912. A TARDE Ed. 51, dezembro de 1912. A TARDE Ed. 64, 27 de dezembro de 1912. A TARDE Ed. 313, 23 de outubro de 1913. Referências CAXILÉ, C. R. V. O Corpo e as Pedras em Evidência. Projeto Histó- ria, v.34, p.377-379, 2007. CRUZ, H. F. São Paulo em Papel e Tinta: periodismo e vida urbana 1890-1915. São Paulo: Arquivo Público do Estado de São Paulo, 2013. DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003. LEBRETON,D.Asociologiadocorpo.2ed.Petrópolis:Ed.Vozes,2007. LE GOFF, J. História e Memória. 4 ed. Campinas: UNICAMP, 1996. LIMA, S. F.; CARVALHO, V. C. O corpo na cidade: gênero, cultura ma- terial e imagem pública. Estudos Históricos, v.25, n.48, p.231-263, 2011.
  • 28. 27 Memórias do corpo na imprensa soteropolitana MARTA, F. E. F. O esporte na imprensa soteropolitana da primeira metade do século XX: A TARDE (1912-1950). In: Encontro Estadual de História ANPUH-BA, 6, 2012. ANAIS... Ilhéus: UFRB, 2012. NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos Lugares. Projeto História, v.10º, p.7-28, 1993. MAGALHÃES, B. R.; SABATINE, T. T. A saúde como estilo e o cor- po como objeto de intervenção. In: SOUZA, L. A. F.; SABATINE, T. T.; MAGALHÃES, B. R. (Orgs.) Michel Foucault: sexualidade, corpo e direito. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmi- ca, 2011. p.133-154 SANT’ANNA, D. B. Higiene e higienismo entre o Império e a Repu- blica. In: DEL PRIORI, M.; AMANTINO, M. História do Corpo no Brasil. São Paulo: Unesp, 2011. p.507-530
  • 29.
  • 30. 29 CAPÍTULO II PROFISSIONALIZAÇÃO DO ATLETA DE HANDEBOL NA BAHIA DA DÉCADA DE 1980? UMA ANÁLISE DOCUMENTAL1 Profa. Ma. Leila Maria Prates Teixeira Mussi Prof. Me. Ricardo Franklin de Freitas Mussi Prof. Me. Angelo Maurício de Amorim Introdução O esporte é aceito entre as principais e mais relevantes atividades historicamente desenvolvidas e/ou incorporadas pelas sociedades humanas. De acordo com Vigarello e Holt (2009), o esporte pode ter nascido das festas e jogos tradicionais, após a ocorrência de mudanças estruturantes que tornaram o seu desenvolvimento possível. Neste sentido, é importante o entendimento das maneiras como o fenômeno esportivo se constituiu e se constitui, valendo-se dos debates historiográficos, antropológicos e sociológicos. Barros (2013, p.12) cita que a atividade esportiva emerge e interage “como fenômeno e prática sociocultural, a uma rede de outras práticas e saberes diversos, de instâncias sociais e fenômenos políticos e culturais”. Em alguns momentos chegando a assumir certo protagonismo diante do seu uso político, econômico e/ou social. O esporte moderno está entre as mais relevantes expressões culturais da humanidade, presente em diferentes regiões do mundo, muitas vezes atendendo demandas e especificidades locais determinadaspelomomentohistórico,infraestruturaecaracterísticas institucionais, financeiras e físicas, que podem facilitar ou dificultar a aderência de seus praticantes. Natrajetóriadeconfiguraçãodepopularidadedapráticaesportiva, muitos foram os desdobramentos e peculiaridades, com destaque a 1 Esse texto é versão ampliada de comunicação oral apresentada no VCONECE, publicada no formato de trabalho completo intitulado “Ser Atleta de Handebol Competitivo na Bahia da Década de 1980”.
  • 31. 30 História do Esporte transição do século XIX e XX, quando chegam ao Brasil os ecos do fluxo internacional de desenvolvimento esportivo (MELO, 2011). Ressalta-se que, de maneira geral, o esporte moderno brasileiro não passa pelo processo de desenvolvimento que foi vivenciado na Europa, mas, é transplantado para atender aos interesses de uma oligarquia nacional. Especificamente sobre o handebol, objeto principal desse texto, Romero e Silva (2009) citam que sua origem é carregada de contradições, diferentemente do ocorrido com outras modalidades esportivas coletivas bastante populares no contexto mundial, como Futebol, Voleibol e Basquete, que apresentam informações bastante precisas sobre suas origens. Fundamentalmente, as informações históricas disponíveis são aquelas que versam da sua inserção no modelo competitivo institucionalizado. A estruturação institucionalizada confirma que o esporte modernoestáalicerçadonacompetição,produtividade,secularização, igualdadedeoportunidades,supremaciadomaishábil,especialização defunções,quantificaçõesderesultadosefixaçãoderegras(FRANCO JR, 2007). A qualidade e eficiência esportiva são mensuradas a partir dos resultados obtidos e os vencedores são premiados com troféus e medalhas, com prêmios simbólicos ou materiais que atestam a posição alcançada (GIGLIO; RÚBIO, 2013). Neste sentido, se verifica que o esporte, diferentemente dos jogos tradicionais, não atende mais ao mero usufruto do tempo ou mesmo para o atingimento do prazer, ele passa a representar um novo modelo de práticas corporais, que coaduna com os objetivos morais, sociais e ideológicos do momento histórico da humanidade. Essas caraterísticas são fundamentais para o enfraquecimento da sua prática amadora e, simultaneamente, para o fortalecimento das questões relativas a sua profissionalização. Mas, Dias, Fortes e Melo (2014) alertam que mesmo ao se espraiar pelo mundo os contatos materiais e simbólicos se relacionam em diferentes graus com as peculiaridades locais. Assim, são percebidos diferentes níveis de desenvolvimento nas diversas modalidades esportivas praticadas, segundo o local, grupo social e momento histórico.
  • 32. 31 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 Atendendo a esse modelo de sociedade capitalista, atividades antes desenvolvidas livremente pelas pessoas e comunidades, passam, após adequação estrutural, a assumir caráter laboral. O sujeito que desenvolvia essas atividades de maneira espontânea, agora passará a executá-la segundo os ditames sociais burgueses, ou seja, “a mão- de-obra tinha que aprender a responder aos incentivos monetários” (HOBSBAWN, 2001, p.67), ratificando que “o trabalho mecânico começa a triunfar sobre o trabalho hábil” (VIGARELLO; HOLT, 2009, p.414). Deve-se entender a profissionalização esportiva como o reconhecimento da sua prática enquanto atividade trabalhista, que passa a exigir disponibilidade maior que aquela relativa ao tempo livre, demandando dedicação quase que exclusiva às atividades esportivas (ROMARIZ; MOURÃO, 2006). A força do mercado encontrou campo propício de atuação no esporte, onde os atletas eram (e são) instados a apresentar-se em nível cada vez mais elevado de performance e para isso necessitam dedicar-se exclusivamente a sua prática (AMARO; MOSTARO; HELAL, 2014). Mas, é cabível compreender que os processos de profissionalização esportiva ocorrem de maneira bastante diferenciada segundo as modalidades, localidade e estrutura social. Por exemplo, enquanto o futebol contemporâneo apresenta estrutura econômica contendo contratos milionários, outras modalidades ainda carecem desse desenvolvimento financeiro, carregados de dificuldade sobre o funcionamento relativo à contratação e ao salário dispensado aos atletas e demais personagens envolvidos. EspecificamenteaoqueserefereàpráticadeHandebolnosdiversos Estados brasileiros, lacunas sócio-históricas parecem evidentes. Esta situação demanda investigações capazes de reconstituir narrativa crítica do seu desenvolvimento e relações institucionais, marcos históricos que analisados de maneira contextual explicitariam a implementação, permanência e disseminação de sua prática nas mais diversas dimensões sociais do esporte.
  • 33. 32 História do Esporte O handebol, o mais jovem esporte coletivo tradicional (REIS, 2012a), figura dentre as modalidades mais praticadas no mundo, principalmente na Europa. Neste sentido e, considerando a carência de investigações relativas à questões históricas do Handebol baiano, inclusive sobre a profissionalização e dificuldades enfrentadas por seus atletas, o presente texto tem como objetivo compreender o processo de profissionalização do atleta de handebol competitivo na Bahia da década de 1980. Procedimentos Metodológicos Os crescentes estudos sobre História do Esporte ampliam a compreensão, entre desportistas e intelectuais, do desenvolvimento de uma ‘consciência de historicidade’, aceitando que “o esporte, em cada uma de suas inúmeras modalidades, constitui um universo em permanente transformação” (BARROS, 2013, p.11). Permitindo, segundo o contexto de análise, a aceitação do esporte enquanto sujeito e/ou produto, além de meio e fonte para a compreensão da história em sentido mais amplo. Nesse sentido, a presente investigação apresenta perspectiva metodológica qualitativa. Para fins de atendimento da proposta foi desenvolvida pesquisa documental exploratória no acervo da Federação Bahiana de Handebol (FBHb), considerando o recorte da década de 1980, importante período historiográfico da Educação FísicaeEsportebrasileiro(CAVALCANTI,1996),comforteinfluência da criação da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) em 1979, e baiano, pela fundação da FBHb em 1980. Neste sentido, ressalta-se que a partir da década de 1980, análises documentais passaram a ser mais valorizados em estudos do esporte (GEBARA, 2003). Para o acesso ao acervo documental da FBHb foi encaminhada prévia solicitação à instituição, contendo as informações desta investigação. Após a liberação institucional foram marcadas visitas à Federação durante o mês de abril de 2014.
  • 34. 33 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 Considerando as etapas para desenvolvimento da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), o acervo documental foi acessado, após exploração daqueles relativos à década de 1980 que versavam sobre questões econômicas e profissionais foi fotografada, e finalmente ocorreu o tratamento e interpretação das informações. Sendo importante ressaltar que este trabalho representa recorte da pesquisa “História do Handebol Baiano”, autorizada pelo CEP/ UESB-BA (CAAE: 23200614.1.0000.0055). Resultados e Discussão O processo de democratização e popularização de uma nova cultura esportiva perpassa por diversos aspectos, dentre os quais, uns de dimensões mais simples, que envolvem as condições para o desenvolvimento da modalidade e a necessidade de equipamentos específicos (quadras, bolas), até aqueles mais complexos, como a formação dos atletas, técnicos, árbitros e gestores. A década de 1980 foi importantíssima para o Handebol baiano, representando período a seguir da criação da CBHb e década da fundação da FBHb, instituições dedicadas unicamente ao incentivo, profissionalização e organização dos eventos e atividades handebolísticas nas múltiplas dimensões esportivas e institucionais, incluindo a captação de recursos financeiros para investimento nas atividades esportivas. Nesse período a sociedade brasileira encontrava-se sob o domínio político dos militares (1964-1985), que percebia o Esporte “como uma esfera da cultura capaz de dar visibilidade política aos feitos da ditadura brasileira no âmbito internacional” (OLIVEIRA, 2009, p.389). Os sucessos da prática esportiva nas competições internacionais serviriam para exemplificar o modelo de gestão exitoso do Estado brasileiro. Em um contexto regional, para os governos militares nos países do Cone Sul, o Esporte poderia acalmar os ânimos da população, controlar os jovens que pudessem contestar o regime vigente
  • 35. 34 História do Esporte que buscava legitimidade dos “atos institucionais” e das atitudes repressivas como os assassinatos, torturas e desaparecimentos (PADRÓS, 2012). O governo naquele período fomentava o modelo esportivo disciplinador de corpos, a pretensão era atuar na constituição de uma sociedade submissa e obediente. Assim como “o ideal de uma vida de ociosidade e de cultura, [...], foi pouco a pouco abandonada” (VIGARELLO; HOLT, 2009, p.428) nas sociedades europeias no século XIX, nos países americanos ocorreu, de maneira tardia, já no século XX. Mesmo que o governo ditatorial brasileiro tenha implantado uma política esportiva, essa prática ocorreu menos no que tange a “movimentação do corpo” e mais ao desenvolvimento de uma “mentalidade esportiva” (OLIVEIRA, 2009). A campanha midiática empregada foi muito forte em relação à atividade esportiva, mas os investimentos econômicos não foram favoráveis para sua implementação em larga escala na sociedade. A ditadura, que enxergava na prática esportiva um mecanismo para o fortalecimento da centralidade do Estado, devido aos recursos escassos demandados para esse setor, acabou preparando o terreno (popularização) para o capital privado. As empresas, investidoras esportivas,namaioriadasvezes,nãosepreocupavamcomadimensão participativa e inclusão social, o foco era somente na prática de alto rendimento e sua lucratividade imediata ou potencial. A luta pela manutenção do amadorismo no esporte moderno apresenta-se alicerçado na sua origem aristocrática entre seus praticantes e, também, pelo desejo da manutenção do controle dos seus processos de organização e institucionalização pela mesma aristocracia (RÚBIO, 2002). No entanto, a partir da década de 1970, ocorre o enfraquecimento do amadorismo esportivo competitivo, frente a dificuldade dos atletas das mais diversas modalidades terem que se dedicar diariamente aos exercícios e treinamentos, diante das preocupações com colégio, faculdade, emprego, ou ainda família (BENELI; RODRIGUES; MONTAGNER, 2006).
  • 36. 35 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 Emoutraperspectiva,essasmudançasnocampoesportivopodem ser percebidas como resultado do desenvolvimento capitalista, com o corpo tornando-se instrumento a serviço do sistema de forças produtivas. O atleta profissional é um novo tipo de trabalhador que vende a um patrão sua força de trabalho (capaz de produzir um espetáculo que atrai multidões) (RÚBIO, 2002). Dessa maneira, em 1981, é permitido patrocínios aos clubes e em 1983 é implementada pela autorização da divulgação desses patrocínios nos uniformes, mas essa prática só é amplamente concretizada no final da década 1980 (PRONI, 2000). Assim, ampliou a possibilidade de remuneração e dedicação exclusiva aos treinamentos, podendo extrapolar para assistência médica, odontológica e nutricional, findando os treinamentos pós jornada laboral e restrição material para as atividades esportivas (FONSECA, 1984). No entanto, a década de 1980 foi marcado por diversificadas e importantesdificuldadesdenaturezafinanceiraparaofortalecimento das práticas competitivas (MUSSI; MUSSI; AMORIM, 2014). Situação esta resquício da crise econômica que o país vivia naquele momento de redemocratização. A profissionalização do esporte de rendimento fez com que o mundo do esporte e o do trabalho se transformasse em um só para atletas, técnicos e demais sujeitos diretamente envolvidos com sua efetivação. Essas relações profissionalizantes elevam a competitividade, em busca das melhores recompensas financeiras, consolidação no mercado de trabalho, possibilidade de mobilidade social (PIRES, 1998). Especificamente sobre o processo inicial de profissionalização dos atletas, o amadorismo no handebol competitivo baiano é evidenciado em vários ofícios trocados pelos clubes e a FBHb indicando a necessidade de mudança de horários e datas de jogos sob alegação da indisponibilidade dos jogadores (por motivo de trabalho ou atividade escolar) que não eram remunerados.
  • 37. 36 História do Esporte Confirmando essas afirmativas o Clube Olímpico de Natação, por intermédio do ofício s/n, de 4 de outubro de 19882 , solicitou formalmente o adiamento de jogo “tendo em vista a greve dos professores da rede particular de ensino” visto que a equipe “é composta de atletas (alunos) da rede particular, e os mesmos com a greve viajaram”. Neste caso, fica evidenciado que os estudantes-atletas não recebiam bolsa auxílio capaz de custear o translado dos componentes da equipe. Essa situação evidencia a falta de profissionalização dos clubes, mesmo considerando que os jogadores ainda estavam em período escolar. Alerta-se que a motivação extrínseca reduz fortemente a dúvida quanto à manutenção da prática esportiva (EPIPHANIO, 2002). A falta de apoio dificulta o estabelecimento de vínculo e/ ou comprometimento dos jogadores com as atividades esportivas, possivelmente com reflexos negativos na condição física, técnica e tática do jogo frente a descontinuidade do processo de preparação dos atletas e equipes. A presença do esporte como conteúdo recorrente na Escola é fundamental para seu desenvolvimento ao longo da história. De acordo com Vigarello e Holt (2009, p.432) é no “seio dos estabelecimentos do ambiente da era vitoriana na Grã-Bretanha que foi elaborado o novo corpo atlético e os valores de fair-play e de esportividade”. No entanto é importante citar que os dois campos, esportivo e educacional, não devem ser concorrentes, mas colaborativos. De acordocomMonaco(2007),oenvolvimentodaeducaçãonaformação dos esportistas brasileiros permite a continuidade dos estudos e formação profissional paralelamente, reduzindo a dependência da remuneração advinda do esporte. Neste sentido, Andres (2014), em investigação com mulheres praticantes de handebol no Rio Grande do Sul, cita que para as atletas “além de uma profissão referem que o Handebol pode ser um 2 Documento arquivado na sede da Federação Bahiana de Handebol localizada na cidade de Salvador/BA.
  • 38. 37 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 meio de viajar e assim conhecer outras cidades ou países, ou ainda como uma possibilidade de se concluir um curso superior” (p. 65). É importante ressaltar que uma das práticas comuns realizadas pelos clubes de handebol no Brasil é conceder uma bolsa de estudos, em alguma universidade, como pagamento pelos jogos. Parece que a situação apresentada no documento analisado confronta-se com a proposta dos governos militares, duradouros até metade dos anos de 1980, dedicados na sistematização de métodos e pesquisasutilizandoapráticaesportivacomoaplicaçãoepreocupação central na preparação do cidadão capaz de tocar o ‘progresso do país’ e de defender as fronteiras (MELO, 2011), sinalizando um conflito entre a possibilidade de uma formação educacional crítica e uma formação esportiva doutrinadora dos interesses ditatoriais. NocasodoHandeboladultoficouevidentequeodesenvolvimento deatividadeslaborais,quenãoaquelasespecíficasparaodesempenho atlético, interferiu negativamente para a manutenção do calendário oficial da FBHb, podendo influenciar em atividades competitivas ou de exibição esportiva. Por exemplo, a equipe do Serviço Social da Indústria (SESI/ CIA), no ofício 374 de 28 de setembro de 19883 , solicita que a FBHb “estude a possibilidade de não incluir as equipes do SESI/CIA” em programações esportivas durante o intervalo de 22 de dezembro de 1988 até 26 de janeiro de 1989, uma vez que estavam ocorrendo as “férias coletivas” da instituição. Sobre o papel do setor industrial no acesso do trabalhador e a ampliação da prática esportiva, Vigarello e Holt (2009, p.421) comentam que “se o esporte amador atingia antes de tudo a classe burguesa no século XIX, a necessidade de oferecer aos operários o que a época vitoriana chamava de divertimentos racionais desempenhou também um papel importante na sua difusão”. Como bem se sabe nesse período de revolução das indústrias, o controle do tempo dos operários acontecia até mesmo em seu momento de lazer (KNIJNIK, 2009). O controle desse tempo 3 Idem
  • 39. 38 História do Esporte certamente ocorria através das regras do jogo, tanto para duração da atividade como também para que esses operários não “desfalcassem” as fábricas no dia seguinte. Portanto, a reorganização do espaço urbano, o advento de uma classe trabalhadora controlada por uma burguesia que enxergava a necessidade de extinguir qualquer prática que não fosse considerada “civilizada”, faz surgir uma necessidade de regulamentar os jogos, até mesmo aqueles que eram praticados pelos operários em suas raras horas de lazer. Essa prática é aprimorada na Europa e chega ao Brasil, durante seu processo de industrialização, ganhando terreno devido as dificuldades encontradas para a prática de lazer. AindaquantoapedidosderemarcaçõesdejogosoClubeOlímpico de Natação no dia 30 de agosto de 19894 oficializa solicitação para adiamento de partida marcada para o dia 3 de setembro do mesmo ano alegando que nesse dia nada menos que cinco de seus atletas trabalhariam no dia do jogo. Osdoisdocumentosindicamqueaausênciadoatleta-trabalhador, fundamentalmente os jogadores não assalariados para dedicação às atividades esportivas pode propiciar que jogadores acabem trabalhandoematividadesquepodemseconfrontarcomasdemandas esportivas (GRECO, 2013), uma vez que o profissionalismo do atleta determina que suas atividades diárias passam a ser determinadas pelo treinador, clube e/ou patrocinador, o que inclui questões relativas aos dias, horários e conteúdos do treinamento, da alimentação e do descanso (PIRES; HUNGER, 2004). Ao longo da história da humanidade encontramos vários momentos que evidenciam as capacidades do evento enquanto aglutinador das forças e motivações dos seres humanos, tanto numa lógica individual, como nas dinâmicas de grupo (SARMENTO et al., 2011). Neste sentido, a remarcação de jogos, por motivos até certo ponto frágeis, dificulta a participação de público e o interesse de investidores e mídias, diante da incerteza da efetivação da atividade, o que demonstra a baixa profissionalização e dificulta o 4 Documento arquivado na sede da Federação Bahiana de Handebol localizada na cidade de Salvador/BA.
  • 40. 39 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 desenvolvimento esportivo do handebol baiano durante o período analisado. No final de década de 1980, ainda é verificado baixa profissionalização entre os atletas de handebol baianos. Para confirmar essa afirmativa indica-se que a Associação de Handebol Hazena, por meio do Ofício no 15 de 25 de julho de 19895 , solicita a remarcação de jogo respaldada em duas questões dentre as mais inusitadas. Conforme o próprio documento apresenta, as atividades necessitariam ter suas datas modificadas porque “seis jogadores não estarão em Salvador nesta data e um estará casando”. A análise documental apresentada nesse texto proporciona de maneira clara e objetiva compreender que o Handebol competitivo baiano durante a década de 1980 se manteve dentro de uma perspectiva romântica, de caráter eminentemente amador. Diferentemente, nesse mesmo recorte temporal, o voleibol se encontrava em vias de espetacularização e profissionalização (MARCHI JR, 2005). Em 1975, tem início a profissionalização do vôlei brasileiro, marcada fundamentalmente pelo vinculo assalariado dos jogadores (MOREIRA; FERREIRA; MARCHI JR, 2008). No caso do basquete, a substituição do amadorismo eleva o quantitativo de pessoas ligadas a esse esporte que passam a receber reconhecimento financeiro para dedicar-se a sua prática (BENELI; RODRIGUES; MONTAGNER, 2006). Já o futebol, após período de falso amadorismo, quando os jogadores não-profissionais recebiam os famosos “bichos” como premiação pelos resultados positivos (DRUMOND, 2014: 71), inicia seu processo de profissionalização a partir do ano de 1933, com a fundação da primeira Liga Carioca de Football, a primeira do Brasil (GOMES, 2014). Até os dias atuais o handebol parece apresentar problemas em seu processo de profissionalização, que caminha lentamente. Segundo Greco (2013), no âmbito nacional é percebida a presença de jogadores com bons rendimentos, mas ainda sem a real profissionalização, sem que possam se dedicar exclusivamente ao jogo. 5 Idem.
  • 41. 40 História do Esporte Em contra partida, é importante perceber que o processo de profissionalização também apresenta aspectos negativos para o atleta. O atleta amador, antes personificado na figura herói, acaba transformando-seem,com“commoditie”,ouseja,umsimplesproduto comercializável, portanto, substituível em caso de vencimento de sua ‘validade’ (RÚBIO, 2011). Além disso, a estruturação institucionalizada capitalista coloca os jogadores, os verdadeiros protagonistas do espetáculo, na base da hierarquia (DAMO, 2008). Nesse contexto o Esporte profissional também passa a ser reconhecidocomoferramentaparaalavancarnegócios,ascompetições esportivas passaram a representar oportunidade empresarial, com as organizações valorizando os atributos do esporte profissional e da marca, valendo-se inclusive dos exemplos de vida dos atletas para inspirar e motivar a juventude, funcionários e clientes (VLASTUIN; ALMEIDA; MARCHI JR., 2008). Entre as limitações da presente investigação é importante citar a dificuldade em dialogar, diante da ausência, com trabalhos sobre o processo de profissionalização do handebol em outras regiões/ estados, o que, em certo ponto, prejudica a discussão presente no corpo do texto. Outra questão limitante da presente investigação que necessita de reconhecimento é a utilização de única origem de fontes de informação, documentos enviados ou recebido pela FBHb, o que não permite diálogo direto com os sujeitos envolvidos no processo de profissionalização investigado. Considerações Finais Desde sua origem mundial o Handebol apresenta contradições históricas. Na Bahia estudos relativos a esta importante modalidade é tema que demanda exploração. Os registros sobre os ditames históricos reservam-se a chegada da modalidade no país e há poucos relatos que tratam da especificidade da vinda dos esportes para os Estados e regiões brasileiras.
  • 42. 41 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 Os principais achados da presente investigação documental apontam que o Handebol competitivo baiano da década de 1980 não parece representar uma modalidade esportiva profissionalizante para os seus atletas. Para concretizar a continuidade da participação dos seus praticantes eram necessárias e recorrentes as concessões individuais ou coletivas direcionadas aos esportistas. Nesse sentido, a documentação trocada entre os clubes e à FBHb analisada demonstra a presença de solicitações para modificações de datas pré-programadas de partidas, uma vez que os atletas estavam de férias ou com as atividades suspensas, no caso dos atletas-escolares, e, no caso dos atletas-trabalhadores, por estarem desenvolvendo atividades relativas ao trabalho ou mesmo de cunho pessoal. Os atletas, estudantes ou trabalhadores, são os apaixonados pela modalidade, cativados pelas características do esporte e engajamento positivo dos treinadores e, esforçavam-se para alavancar a prática do esporte de Federação promovido no Estado da Bahia. Esse quadro representa o pouco avanço no processo de profissionalização dos atletas do Handebol na Bahia durante à década de 1980. Esta situação atrapalha, para além do desenvolvimento individual do atleta, que continua apresentando perfil amador, o crescimento da modalidade. Essa situação relativa a carência profissional do atleta de handebol baiano confirma a compreensão que o fenômeno esportivo só se realiza a partir de determinadas condições sociais, que no caso analisado não contribuíram para sua ocorrência. Referências ANDRES,S.S.MulhereseHandebolnoRioGrandedoSul:narrativas sobre o processo de profisisionalização da modalidade e das atletas. (Dissertação) Mestrado em Ciências do Movimento Humano, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
  • 43. 42 História do Esporte AMARO, F.; MOSTARO, F. F. R.; HELAL, R. Mídia e megaeventos esportivos: as cerimônias de abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas-1896 a Londres-1948. Logos, v.1, n.24, p.1-24, 2014. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70 - Brasil, 2011. BARROS, J. D´A. Prefácio. In: MELO, V. A. et al. Pesquisa Histórica e História do Esporte. Rio de Janeiro: 7 letras, 2013. p.11-19 BENELI, L. M.; RODRIGUES, E. F.; MONTAGNER, P. C. O Modelo de Brohm e a Organização do Basquetebol Masculino Brasileiro. CONEXÕES, v.4, n.1, p.48-63, 2006. CAVALACANTI, V. P. Produção do Discurso Historiográfico da Educação Física Brasileira na década de 80. (Dissertação) Mestrado em Educação, Universidade Metodista de Piracicaba: Piracicaba, 1996. DAMO, A. S. Dom, amor e dinheiro no futebol de espetáculo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.23, n.66, p.139-50, 2008. DIAS, C.; FORTES, R.; MELO, V. A. Sobre as ondas: surfe, juventude e cultura no Rio de Janeiro dos anos 1960. In: FORTES, R.; MELO, V. A. Comunicação e esporte: reflexões a partir do cinema. Rio de Janeiro: 7 letras, 2014. DRUMOND, M. Estado Novo e Esporte: a política e o esporte em Getúlio Vargas e Oliveira Salazar (1930-1945). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014. EPIPHANIO, E. H. Conflitos vivenciados por atletas quanto à manutenção da prática esportiva de alto rendimento. Revista de Estudos de Psicologia, v.19, n.1, p.15-22, 2002.
  • 44. 43 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 FONSECA, D. Uma nova força nas quadras. Placar, Rio de Janeiro, p. 56-58, 28 set. 1984. FRANCO Jr., H. A dança dos Deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo: Cia das letras, 2007 GEBARA, A. Considerações sobre a História do Esporte e do Lazer no Brasil. In: Simpósio Nacional de História, 22, 2003, João Pessoa. ANAIS... João Pessoa: Sal da Terra, 2003. p.141-141. GIGLIO, S. S.; RÚBIO, K. Futebol profissional: o mercado e as práticas de liberdade. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v.27, n.3, p.387-400, 2013. GOMES, E. S. História comparada do esporte na América Latina: um olhar para a profissionalização do futebol no Brasil (1933-1941) e na Colômbia (1948-1954). In: Encontro de História Regional da ANPUH Rio: Saberes e Práticas Científicas, 16, 2014, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH Rio, 2014. GRECO, P. J. Depoimento de P. J. Greco II: Projeto Garimpando Memórias. Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte – ESEF- UFRGS 04/07/2013. Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/ bitstream/handle/10183/83581/000906811.pdf?sequence=1> Acesso em 29.jun.2014. HOBSBAWN, E. J. A era das revoluções: Europa 1989-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2001. KNIJNIK, J. D. Handebol. São Paulo: Odysseus Editora, 2009. (Coleção Agôn, o espírito do esporte). MARCHI Jr, W. O processo de ressignificação do voleibol a partir da inserção da televisão no campo esportivo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 26, n. 2, 2005.
  • 45. 44 História do Esporte MELO, V. A. O corpo esportivo nas searas tupiniquins – panorama histórico. In: DEL PRIORI, M.; AMANTINO, M. História do Corpo no Brasil. São Paulo: Unesp, 2011. p.507-530 MONACO, F. C. Miopia esportiva. GV executivo, v.6, n.3, p.59-63, mai./jun. 2007. MOREIRA, T. S.; FERREIRA, A. L. P.; MARCHI JR, W. Profissionalização do Voleibol Feminino no Brasil: o cenário. In: ENCONTRO DA ALESDE: Esporte na América Latina: atualidade e perspectivas, 1, 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: UFPN, 2008. MUSSI, L. M. P. T.; MUSSI, R. F. F.; AMORIM, A. M.  O Handebol na Bahia: Dificuldades Econômicas para a Prática Esportiva. In: Encontro de História Regional da ANPUH Rio: Saberes e Práticas Científicas, 16, 2014, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH Rio, 2014. OLIVEIRA, M. A. T. O esporte brasileiro em tempos de exceção: sob a égide da ditadura (1964-1985). In: Del Priori, M.; MELO, V. A. (orgs.) História do Esporte no Brasil. São Paulo: UNESP, 2009. p.387-416 PADRÓS, E. S. A ditadura civil-militar Uruguaia: doutrina e segurança nacional. Revista Varia História, v.28, n.48, p.495-517, jul./dez. 2012. PIRES, G. L. Breve Introdução ao Estudo dos Processos de Apropriação Social do Fenômeno Esporte. Revista Da Educação Física/UEM, v.9, n.1, p.25-34, 1998. PIRES, R. C. C.; HUNGER, D. Seleção Brasileira de Basquetebol Masculino: história e memória. In: Encontro Regional de História: o lugar da História, 17, 2004, Campinas. Anais... Campinas: UNICAMP, 2004.
  • 46. 45 Profissionalização do atleta de handebol na bahia na década de 1980 PRONI, M. W. A metamorfose do futebol. Campinas, SP: UNICAMP/IE, 2000. REIS, H. H. B. A Gênese do Handebol: primeiras aproximações. In: GRECO, P. J.; ROMERO, J. J. F. Manual de Handebol: da iniciação ao alto nível. São Paulo: Phorte, 2012. p.23-24 ROMARIZ, S. B.; MOURÃO, L. A História do Voleibol Contada por Jogadoras de Seleção Brasileira no Período de 1958 a 1989. In: Encontro de História Regional da ANPUH-RJ: Usos do Passado, 12, 2006, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH-RJ, 2006. ROMERO, E.; SILVA, M. C. S. Refletindo Sobre A Agressividade E Coragem Como Qualidades Aos Atletas De Handebol. Esporte e Sociedade, v.5, n.13, p.1-30, 2009. RÚBIO, K. A dinâmica do Esporte olímpico do século XIX ao XXI. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v.25, p.83-90, 2011. ______ . O Trabalho do Atleta e a Produção do Espetáculo Esportivo. Scripta Nova, v.6, n.119, p.95, ago. 2002. SARMENTO, J. P. O Evento Desportivo: etapas, fases e operações. Revista Intercontinental de Gestão Desportiva, v.1, n.2, p.78-96, 2011. VIGARELLO,G.;HOLT,R.Ocorpotrabalhado:ginastaseesportistas no século XIX. In: CORBIN, A.; COURTINE, J.; VIGARELLO, G. (org.). História do Corpo: da revolução à grande guerra. 3 ed. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 2009. p.293-478. VLASTUIN, J.; ALMEIDA, B. S.; MARCHI JR, W. O Marketing Esportivo na Gestão do Voleibol Brasileiro: fragmentos teóricos referentes ao processo de espetacularização da modalidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.29, n.3, p.9-24, 2008.
  • 47. 46
  • 48. 47 CAPÍTULO III HISTÓRIA DO BOXE FEMININO: UMA LUTA ALÉM DOS RINGUES Profa. Dra. Berta Leni Costa Cardoso Profa. Dra. Tania Mara Vieira Sampaio Introdução Durante muito tempo a participação feminina no esporte foi reduzida, muitas vezes, cabendo-lhe apenas os espaços de expectadoras. Havia muito preconceito em relação à participação da mulher no esporte, pois, acreditava-se que seus corpos não estavam preparados para a prática esportiva uma vez que houve um momento na história em que o esporte era utilizado para preparação militar. Aos poucos a mulher foi ocupando espaços principalmente participando das Olimpíadas como atletas e não apenas como as “meninas” que entregavam as medalhas. Algumas modalidades esportivas se revezaram com a participação feminina, em algumas edições entraram, depois saíram e depois retornaram. O boxe era a única modalidade em que não se havia participação feminina quando da sua inserção nas Olimpíadas 2012. Essa participação ainda é reduzida em relação à masculina, pois apenas três categorias femininas participaram em 2012 e em 2016, e dezmasculinasnasduasedições,sendoessascategoriasdeterminadas por peso. Embora essa configuração da participação feminina nos esportes esteja mudando, verifica-se que essa reduzida participação ainda tem relação com preconceitos e estereótipos criados socialmente sobre o papel da mulher na sociedade de uma maneira geral. O boxe ainda é uma modalidade que sofre preconceitos e discriminações, não apenas a participação feminina, mas também pelo seu histórico que durante muito tempo esteve relacionado a práticas marginais em que apenas pessoas de classes menos
  • 49. 48 História do Esporte abastadas e consideradas de “más condutas” praticavam. Aos poucos a modalidade vem ganhando destaque nas academias de ginástica e alterando sua concepção. No entanto, ainda se percebe sua prática apenas como atividade física e não como modalidade esportiva. História do boxe Há divergência quanto à data exata em que o boxe começou a ser praticado, um dos motivos seria o das transformações ocorridas no esporte ao longo dos séculos. Algumas publicações informam que o surgimento se deu por volta de 7 mil anos antes de Cristo, sendo a luta realizada com o uso exclusivo das mãos (VIEIRA; FREITAS, 2007). Por sua vez, Rojo (2010) sustenta que o boxe surgiu aproximadamente no ano de 4000 a.C., na região que é hoje denominada Etiópia, no continente Africano, de onde se espalhou para o Egito Antigo e eventualmente para toda a área do Mediterrâneo. Achados arqueológicos no norte da África confirmam registros da existência de formas rudimentares de lutas com as mãos de homens pré-históricos. Os “combates” constituíam uma prática informal, sem regras, em que dois oponentes ficavam frente a frente e atacavam-se mutuamente, com golpes de mãos. Acredita-se que, até chegar à forma atual, o boxe sofreu inúmeras transformações (VIEIRA; FREITAS, 2007). Verifica-se, também, a existência de um desencontro quanto às datas das descrições de como os lutadores se preparavam para as disputas. Os egípcios e o gregos usavam tiras de tecido envolvendo as mãos, algo como bandagens que mais tarde foram substituídas por faixas de couro rígido incrustadas com esferas cortantes ou tachas pontiagudas (VIEIRA; FREITAS, 2007). Queiroz (1989), a esse respeito, sustenta que essas tiras de couro, chamadas de “cestos”, possuíam um dedo de largura e um metro e meio de comprimento, e envolviam cuidadosamente cada mão e antebraço, de forma a permitir a constituição de um sistema, papel hoje desempenhado pela bandagem. De acordo com esse autor, quando a emoção popular
  • 50. 49 História do boxe feminino exigiu combates mais arriscados, brutais, os “cestos” passaram a apresentar incrustações de chumbo ou bronze (myrmex) e, mais tarde, pontiagudos cravos metálicos. O pugilato foi admitido no rol de esportes olímpicos dos Jogos da Antiguidade na edição de número 23 da competição, no ano 668 a.C. Se, por um lado, o boxe se beneficiava do status olímpico e seguia uma trilha de fortalecimento como um nobre desporto, de outro, crescia nos submundos, entre a população menos abastada, como uma atividade marginal – o boxe underground, caracterizado pela violência extrema (VIEIRA, FREITAS, 2007). As lutas continuaram com o surgimento do Império Romano e, tal como ocorria com os gladiadores, os pugilistas eram escolhidos entre os prisioneiros de guerra e submetidos a intenso treinamento nas escolas para esse fim, que havia em Roma. O advento do Cristianismo e o sofrimento causado para seus praticantes, mesmo a punho nu, fizeram com que o boxe fosse proibido. Assim, durante séculos, viveu marginalizado pela lei, o que não impedia que, de quando em quando, houvesse combates dramáticos entre homens gigantescos (QUEIROZ, 1989). A decisão de suspender as competições veio do imperador Teodósio e, com essa medida, o pugilato, a exemplo de outras modalidades olímpicas, saiu temporariamente de cena, retornando séculos mais tarde (VIEIRA, FREITAS, 2007). O pugilismo nunca deixou de ser praticado, não obstante ter havido muita confusão e irregularidades; as regras eram inventadas e, às vezes, desprezadas, conforme as conveniências (QUEIROZ, 1989). Após séculos de obscurantismo, o pugilismo reapareceu na Inglaterra, onde, em 1719, James Figg fundou a Arena Figg, na qual ensinava defesa pessoal, e dela fazia demonstrações (OATES, 1987; QUEIROZ, 1989). Por mais de cem anos (1743 - 1838), na Inglaterra, as normas defendidas por Jack Broughton, um dos campeões que sucederam Figg, vigoraram e só vieram a ser alteradas com a renovação do boxe pelas regras do marquês de Queensberry. Oficializada na
  • 51. 50 História do Esporte segunda metade do século XIX, essa regulamentação, entre outras determinações, fixava categorias diferentes de competição, de acordo com o peso dos lutadores (peso leve, médio e pesado), bem como uso obrigatório de luvas especiais, protegendo toda a mão e também os dedos, e a duração dos assaltos de três minutos, com intervalos de um minuto entre eles (VIEIRA, FREITAS, 2007). O boxe apareceu timidamente nos Estados Unidos, no início do século XIX, sendo considerado ilegal na maioria dos estados americanos. Seus praticantes e fãs precisavam estar atentos à ação da polícia e de outras autoridades que combatiam a prática do esporte, uma vez que corriam o risco de serem presos. Portanto, nos Estados Unidos, as primeiras lutas por títulos foram travadas em locais afastados, rurais, escondidos do grande público. Além das alegadas razões de segurança, naquela época, assim como hoje, o boxe era uma oportunidade para as classes menos abastadas superarem a pobreza e a discriminação. A elite não via tal situação com bons olhos (FLORES Jr., 2001). Nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, o boxe integrou a agenda de competições e passou a ser reconhecido como esporte olímpico nos Jogos de Londres, em 1908 (VIEIRA, FREITAS, 2007). De acordo com Flores Jr. (2001), após 1910 a transmissão de filmes de boxe foi proibida nos Estados Unidos. O objetivo da censura era evitar a propagação do triunfo e da habilidade dos negros sobre os brancos; foi revogada a proibição em 1919. De acordo com a Confederação Brasileira de Boxe (CBBOXE, 2010), no início do século XX essa prática desportiva era quase totalmente desconhecida no Brasil. Os raros esportistas se limitavam a membros das comunidades de imigrantes alemães e italianos, nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo. Além da falta de tradição esportiva, outra característica desfavorecia a introdução do boxe no Brasil: no final do século XIX e início do XX, lutar era, equivocadamente, associado à “coisa de capoeiristas”, ou seja, a práticas de pessoas consideradas “malandros” e marginais (CBBOXE, 2010). Esse preconceito era especialmente
  • 52. 51 História do boxe feminino forte entre os membros das classes mais abastadas. Vale ressaltar, segundo Yahn (2009), que a capoeira foi proibida no Código de 1890 por meio do Decreto № 847, sob o título “Dos Vadios e Capoeiras”, tendo sua proibição revogada em 1930. Em1913,foidocumentadaamaisantigalutadeboxeemterritório brasileiro. Foi uma luta de exibição realizada em São Paulo, entre um ex-boxeador profissional, que fazia parte de uma companhia de ópera francesa, e o atleta Luís Sucupira, conhecido como “Apolo Brasileiro”. O lutador “Apolo” tornou-se um grande entusiasta do boxe e um de seus primeiros divulgadores. A propaganda de Sucupira entusiasmou alguns jovens que eram membros da tradicional “Societá dei Canotiere Esperia”, de São Paulo, os quais tentaram incluir o boxe entre as atividades dessa associação. Esse esforço durou entre 1914 e 1915, mas não frutificou (CBBOXE, 2010). Nesse mesmo período, no ano de 1919, no Rio de Janeiro, outro grande divulgador do boxe, Goes Neto, marinheiro carioca que havia feito várias viagens à Europa, lugar em que aprendeu a boxear, retornara ao Brasil e fez várias exibições no Rio de Janeiro. Um sobrinho do Presidente da República, Rodrigues Alves, encantou- se pela “nobre arte”, e o apoio do presidente facilitou a difusão do boxe. Começaram a surgir academias, e logo esse esporte ganhou o status de legalidade, de esporte regulamentado, a partir da criação das comissões municipais de boxe, entre 1920 e 1921, em São Paulo, em Santos e no Rio de Janeiro (MATTEUCCI, 1988). Até 1923, os treinamentos eram improvisados, e os treinadores, amadores.AsituaçãocomeçouamelhorarquandoBatistaBertagnolli estabeleceu-se, em 1923, como organizador de lutas no Clube Espéria, de São Paulo. Ainda em 1923, no Rio de Janeiro, foi criada a primeira academia de boxe no Brasil: era o Brasil Boxing Club, que muito difundiu o boxe entre os cariocas. No final do ano de 1922, Benedito dos Santos, “Ditão”, iniciou os treinamentos de boxe numa academia de São Paulo e em poucos meses, no início de 1923, estreou como profissional (CBBOXE, 2010).
  • 53. 52 História do Esporte Foi organizada uma luta entre Ditão e Hermínio Spalla (campeão europeu), que rendeu muito dinheiro naquela época. O italiano venceu a luta e Ditão, como resultado da luta, teve um derrame cerebral, mas sobreviveu, terminando seus dias como inválido. Imediatamente após a derrota de Ditão, os jornais iniciaram uma campanha contra o boxe, o que levou o governador de São Paulo a proibir sua prática. O impacto da tragédia de Ditão fez com que os empresários brasileiros ficassem receosos de trazer boxeadores estrangeiros (CBBOXE, 2010). Depois de revogada a proibição, em abril de 1925, conforme a Confederação (2010), o boxe brasileiro voltou a crescer. De acordo com a Confederação Brasileira de Boxe (2010), o maior boxeador brasileiro de todos os tempos nasceu em uma família de pugilistas, Éder Jofre, e este motivou o surgimento de muitos boxeadores brasileiros, dentre os quais se destacaram Servílio de Oliveira e Miguel de Oliveira. Noiníciodosanosoitenta,pelaprimeiraveznoBrasil,umaredede TV (a TV Bandeirantes) resolveu investir no boxe, transformando-o em espetáculo de massa (CBBOXE, 2010). Os primeiros boxeadores que tiveram destaque na TV brasileira foram Francisco Thomás da Cruz (peso super-pena) e Rui Barbosa Bonfim (meio-peso), que tiveram relativo sucesso; mas foi com Adilson “Maguila” Rodrigues que as transmissões de lutas de boxe pela TV alcançaram absoluta liderança de audiência. Chegou a ser campeão mundial pela WBF (Federação Mundial de Boxe) e, por falta de patrocínio, pouco tempo depois, Maguila foi destituído do título por inatividade (CBBOXE, 2010). A partir do ocorrido com Maguila, o boxe brasileiro rapidamente perdeu o enorme espaço que havia tido na televisão. No final dos anos noventa, surgiu uma nova promessa: Acelino de Freitas, o Popó. Patrocinado pela Rede Globo de Televisão, chegou ao título de campeão mundial pelo WBO (CBBOXE, 2010).
  • 54. 53 História do boxe feminino Participação de homens e mulheres no boxe Historicamente o boxe tem sido um esporte eminentemente masculino, reduzindo e marginalizando a participação feminina. No final do século passado, Oates (1987, p.69) publicou: “Embora haja mulheres pugilistas – facto que parece surpreender, alarmar, divertir – o papel das mulheres no desporto tem sido extremamente marginal [...]”, a autora admite que o boxe é para homens e diz respeito a eles, sendo masculino. Oates (1987) chama a atenção para o papel das mulheres no universo do boxe, o qual, segundo ela, limita-se ao da mulher de cartaz e ocasional cantora do hino nacional – funções estereotipadas. “Soa o gongo, e a garota do cartaz pula pro ringue, rebolando e sacudindo seu traseiro” (TOOLE, 2005, p.80). Wacquant (2002) admite que o salão de treinamento de boxe é um espaço masculino, no interior do qual a intromissão do gênero feminino é tolerada somente à proporção em que permanece incidental. “O boxe é para homens, sobre os homens, ele é os homens. Homens que lutam com homens para determinar seu valor, isto é, sua masculinidade, excluindo as mulheres” (WACQUANT, 2002, p.69). Ele concebe o gym como uma escola de moralidade, isto é, uma máquina de fabricar o espírito de disciplina, a ligação com o grupo, o respeito ao outro assim como a si próprio, a autonomia da vontade, todos indispensáveis na vocação de um pugilista. O autor considera o salão de boxe um vetor de uma desbanalização da vida cotidiana, porque o pugilista faz da rotina e da remodelagem corporais o meio de acesso a um universo distintivo, em que se misturam aventura, honra masculina e prestígio. Oboxeaindaapresenta-secomotípicodomundomasculino,tanto no aspecto físico (ginásios de treinamento, arenas de competição) quanto devido à característica da técnica corporal e, ainda, por se tratar de um mundo dos negócios, esfera tradicionalmente concebida como lugar de ações dos homens (MELO; VAZ, 2009).
  • 55. 54 História do Esporte Wacquant (2002) acrescenta que, embora não haja barreira formal que proiba a participação feminina, alguns treinadores chegam a negar qualquer restrição com relação ao boxe feminino, mas admitem que as mulheres não são bem-vindas à academia, porque sua presença atrapalha, se não o bom funcionamento material, pelo menos a ordenação simbólica do universo pugilístico. O autor relata que, quando havia alguma mulher no gym de Woodlawn, os pugilistas não estavam autorizados a sair dos vestiários de tronco nu para ir pesar-se na balança, que ficava na sala dos fundos. “Respeito é parte da magia do boxe. Muita gente fora do circuito boxista espera que os vitoriosos humilhem os derrotados. Isso destruiria a magia” (TOOLE, 2005, p.22). Quando um boxeador sai humilhado de um assalto, o que se diz a ele é que vá lá e ganhe respeito, pois trata-se de uma pequena família, cujos integrantes precisam um do outro, não só por causa do dinheiro, mas também para que possam, no final das contas, testar uns aos outros. “Os fãs pensam que boxe é sobre ser durão. Para os realmente interessados, a luta é sobre conseguir respeito” (TOOLE, 2005, p.31). Wacquant (2002) destaca que o ensino do boxe é uma empreitada coletiva, na qual o treinador é assistido, em suas funções, por todos os membros da academia. No início, pelos boxeadores profissionais mais experimentados, que colaboram de maneira informal, mas ativa, na formação dos noviços, assim como pelos outros treinadores ou pelos veteranos que vêm de vez em quando passar uma tarde na academia. “Cada membro do clube passa para aqueles que estão abaixo dele na hierarquia objetiva e subjetiva do gym o saber que recebeu daqueles que estão situados mais acima” (WACQUANT, 2002, p.140). Esse autor acrescenta que muitos profissionais admitiram que, muito provavelmente, teriam caído na criminalidade se não fosse a descoberta do boxe. Percebe-se que a maioria dos pugilistas faz do esporte sua profissão, seu meio de vida. Wacquant (2002) relata que a esmagadora maioria dos boxistas vem dos meios populares, e que os pugilistas profissionais são mais frequentemente originários de famílias intactas e, na maioria das vezes, são casados e pais de família.
  • 56. 55 História do boxe feminino DeacordocomFloresJr.(2001),arealidadesocial,historicamente, sempre exerceu influência sobre os jovens que escolheram ingressar no boxe. Treinar até seis dias em uma semana pode parecer mais fácil do que ir à escola ou ficar esperando um emprego por horas em uma fila interminável, no entanto é difícil determinar um perfil para o boxeador. Conforme Melo e Vaz (2009), o boxe foi, inicialmente, preferido pelas classes subalternas e com ele estavam envolvidos os imigrantes, os com poucas oportunidades de trabalho, os que moravam nos cortiços, os que suportavam mais facilmente a dor, o sofrimento, os representantes do tipo de sensibilidade “brutal” do boxe. Esses autores admitem que o esporte, com o passar do tempo, passou a ser apreciado pelos grupos sociais mais favorecidos economicamente, com críticas ou desconfianças sobre sua civilidade. Schaap (2007), ao publicar a biografia de James Braddock, em 2007, fê-lo, resgatando-o dos anais do boxe esquecidos por décadas. Esse autor, ao posicionar o boxe socialmente, afirma que, ao contrário do beisebel, que foi sinônimo dos valores de classe média nos EUA, acredita que o boxe era, e ainda é, um esporte das classes empobrecidas. Ele postula que, se houvesse outro caminho possível para chegar à segurança econômica e à elevação do status social, ninguém em seu juízo perfeito escolheria fazer carreira no boxe, pois trata-se de uma forma muito dura de ganhar a vida. Wacquant (2002) estimou haver uma taxa de evasão habitual que ultrapassa 90% para um gym, estimando que em torno de 100 a 150 pessoas vão treinar durante o ano, mas que a vasta maioria não permanece além de algumas semanas, porque descobre depressa que o treinamento é muito exigente para o gosto deles. Em conformidade com esse autor, as motivações dos participantes variam de acordo com o status deles, sendo que os mais regulares boxeiam oficialmente com amadores ou com profissionais, e a academia é, para eles, o local de uma preparação intensiva para a competição. Muitos vão ao clube apenas para se manter em forma física; outros, para perder peso; alguns, apenas para permancer em contato com os amigos e outros,
  • 57. 56 História do Esporte para adquirir técnicas de autodefesa. No entanto, segundo Wacquant (2002), para o técnico de Woodlawn, só conta de verdade o boxe de competição. Para Wacquant (2002), o boxe amador e o boxe profissional formam dois universos gêmeos e estreitamente interdependentes, sendo, no entanto, muito distantes no plano da experiência. No boxe amador, a finalidade é acumular pontos, tocando o adversário o maior número de vezes possível, com séries de golpes rápidos. O árbitro dispõe de uma grande liberdade para cessar o confronto, quando um dos combatentes pareça impossibilitado de continuar lutando. Entre os profissionais, que não usam capecete e cujas luvas são menores, o objetivo máximo é derrubar o adversário, atingindo-o com golpes. O confronto prolonga-se até que um dos participantes não tenha condições de continuar. Segundo esse autor, grande parte dos boxistas amadores não vira profissional. Mulher no boxe Sobre a participação feminina no boxe, Mennesson (2000), ao realizar uma pesquisa com lutadoras, verificou que elas tiveram comportamentos diferentes na infância e na adolescência em relação a outras meninas. A autora identificou que as lutadoras eram desordeiras, gostavam de competição, vestiam-se de forma semelhante aos meninos e preferiam a presença deles à das meninas, além de possuírem uma coordenação motora incomum para meninas. Segundo a autora, a maioria das boxeadoras afirmou ter- se identificado com modelos masculinos durante a infância e, ao chegar a adolescência e a fase adulta, adaptou seus comportamentos aos padrões hegemônicos da feminilidade; e, mesmo estando em um esporte com características socialmente determinadas como masculinas, elas se esforçaram para parecerem femininas, mas sem parecerem frágeis ou passivas, características socialmente determinadas como femininas.
  • 58. 57 História do boxe feminino Segundo a autora, as lutadoras que começaram o boxe após os 20 anos preferem a forma mais suave do esporte [apenas treinos em academias], enquanto que as que começaram mais cedo preferem a versão mais dura (pesada) do esporte [lutadoras amadoras e profissionais]. Fernandes e Dantas (2007) analisaram a presença do boxe nas academias de ginástica de Campina Grande/PB, sob a dimensão dos comportamentos de risco e de estilos de vida saudáveis, entrevistando homens e mulheres. Esses autores admitem que o boxe vem invadindo as academias de ginástica, apoiado nos apelos de uma cultura de consumo fixada em padrões corporais universais de beleza e saúde. Os autores destacam que o boxe vem ganhando espaço nas academias de ginástica de Campina Grande-PB, mesmo se tratando de uma atividade em que o risco e a dor estão muito presentes. Segundo os autores, o boxe, juntamente com a capoeira, a dança e as artes marciais em geral, vem, nos últimos anos, tornando-se uma prática bastante difundida e em ascensão na sociedade moderna, sendo, muitas vezes, submetido a um processo de mercadorização e esportivização de suas características. Afirmam, ainda, que, seja em busca da saúde, da beleza, da autodefesa ou competição, a prática do boxe nas sociedades contemporâneas vem-se constituindo num fenômeno complexo, muitas vezes contraditório, uma vez que o risco da prática contrapõe-se à impossibilidade do controle total da vida. Fernandes e Dantas (2007) destacam, em sua pesquisa, a predominância da presença masculina, mas afirmam ser significativa a presença das mulheres não só nas aulas, mas também observando, com curiosidade e interesse, sua realização. Apesar de dois dos entrevistados não terem tido contato com artes marciais anteriormente à prática do boxe, os autores consideram que a vivência de outras experiências com lutas seja um fator que facilita o acesso ao boxe: “A proximidade de outras artes marciais pode ter sido o motivo também de os praticantes se mostrarem dispostos a realizar o boxe fora das academias de ginástica” (FERNANDES; DANTAS, 2007, p.7). Em conformidade com os autores, é interessante ressaltar
  • 59. 58 História do Esporte aspectos psicológicos, citados por uma das entrevistadas, como uma compreensão de saúde mais próxima a um bem-estar psicológico. Os autores afirmam que, para a maioria dos entrevistados, o boxe não é considerado um esporte arriscado, mesmo que já se tenham machucado praticando-o, o que evidencia uma certa tolerância dos indivíduos em conviver com o risco e a dor, numa perspectiva existencial da saúde. Ferretti e Knijnik (2007) investigaram lutadoras universitárias (boxeadoras, capoeiristas e caratecas), sob a dimensão das representações sociais. Esses autores consideram que essas representações possibilitam uma análise de significados e de aspectos simbólicos, relativos às configurações de gênero em constante mutação, sobretudo por serem as lutas uma atividade, no imaginário social sobre gêneros, como “coisa de homem”. Os autores, ao discutirem o papel social das mulheres lutadoras décadas atrás, afirmam que muitas delas, além de correrem o risco de serem rotuladas de lésbicas, foram impedidas de praticar as lutas. Eles realizaram a pesquisa com sete universitárias, entre 26 e 36 anos, das quais três eram boxeadoras, duas capoeristas e duas caratecas. Em conformidade com os autores, todas as entrevistadas se envolveram com o esporte na escola na infância, embora tenham relatado ter diminuído a prática de atividades físicas na adolescência. Segundo eles, as lutadoras ressaltaram a dificuldade em conciliar a casa com o esporte, e algumas reclamaram que a mídia as ignora. Todavia, elas reconhecem as melhoras e os avanços, apesar da existência de preconceitos antigos. O boxe praticado na universidade não visa ao profissionalismo, o que pode explicar o fato de a maioria das alunas não perceber diretamente um preconceito contra as lutadoras, ou contra elas mesmas. Ao serem questionadas se o esporte “tem sexo”, ou seja, o que elas pensavam sobre o fato de existirem esportes classificados como “masculinos” ou como “femininos”, a fala de que “não tem sexo, mas homem é diferente de mulher” predominou entre as lutadoras, pois, segundo elas, as mulheres são mais fracas, lutando de modo