Reportagem e fotografias para a revista Monet (Editora Globo) sobre os 25 anos da queda do Muro de Berlim.
Report and photographies for Monet magazine (by Globo) about the 25th anniversary of the fall of the Berlin Wall.
O que restou do Muro de Berlim 25 anos após sua queda
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O que ficou– Sinais do muro que cortou e dividiu Berlim entre 1961
e 1989 estão ainda visíveis e chamam a atenção principalmente dos
turistas que conhecem a cidade alemã. A linha que representa o local
exato onde ficava o maior símbolo da Guerra Fria está estampada
nas ruas. Já os grafites realizados no lado ocidental (à direita) foram
mantidos como obras de arte a céu aberto
texto e fotos José Gabriel Navarro, de Berlim
F
ACICATRIZ EACIDADE
A QUEDA DO MURO
DE BERLIM COMPLETA
25 ANOS NO INÍCIO DE
NOVEMBRO. ENQUANTO A
CAPITAL ALEMÃ FESTEJA
A REUNIFICAÇÃO DO PAÍS,
A MARCA DO PASSADO
CONTINUA VISÍVEL –E
OS CIDADÃOS LIDAM
NATURALMENTE COM ELA
FOI NO CINEMA THALIA, EM POTSDAM, REGIÃO
metropolitana da capital alemã, que o filme brasileiro Hoje Eu Quero Vol-
tar Sozinho foi exibido ao público do Festival Internacional de Cinema
de Berlim deste ano – e, posteriormente, premiado em duas categorias.
Antes de a sessão começar, em 13 de fevereiro, o anfitrião discursou e fez
questão de frisar: “Este cinema sobreviveu a cinco regimes políticos”. O
Thalia foi fundado em 1919. Seus frequentadores ao longo das décadas
não viram só filmes. Assistiram também ao fim do Império Alemão, à
instituição da República de Weimar, à ascensão do nazismo, do comu-
nismo, e à vinda do modelo atual, parlamentarista. Detalhar a história
daquele cinema foi mais do que um gesto de marketing. Mostrou que
as feridas angariadas pela Alemanha ao longo do século 20 se fecharam,
mas as cicatrizes continuam visíveis.
A memória ganha ainda mais peso ao se recordar que este mesmo
evento, a Berlinale, foi ofuscado em sua 11ª edição, em junho e julho de
1961. Poucas semanas após o fim do festival – uma das demonstrações
de pujança da República Federal da Alemanha, capitalista, para o mun-
do –, a capital acordou talhada ao meio. Na madrugada de 13 de agosto
daquele ano, soldados da República Democrática Alemã (RDA, comu-
nista) construíram um muro ao redor de Berlim Ocidental. O objetivo
> 4 nações ocuparam a Alemanha após o fim da Segunda Guerra Mundial,
em 1945. Reino Unido, França e EUA (capitalistas) ficaram com o oeste do
país, e a União Soviética com o leste. Berlim fica bem no meio da porção
oriental, mas lá também se reproduzia essa divisão: a metade oeste da
cidade era administrada pelo trio capitalista.
> 3,5 milhões de cidadãos da RDA, a Alemanha Comunista, escaparam
para a RFA, capitalista, antes da construção do Muro.
> 106 quilômetros de muro isolavam Berlim Ocidental de Berlim Oriental e
do território da RDA. A fronteira em si totalizava 155 quilômetros.
OS NÚMEROS DO MURO
HASSELHOFF E O MURO DE BERLIM I DIA 9, DOMINGO, 21H15, NATGEO 80 E 580 (HD)
GN ESPECIAL I DIA 9, DOMINGO, 20H30, GLOBONEWS, 40 E 540 (HD) • DUAS VIDAS I DIA 22, SÁBADO, 22H, MAX, 178 E 678 (HD)
era evitar a fuga de cidadãos orientais para o lado ocidental.
Nisso houve êxito, inclusive aplaudido pelo então presidente
americano, John F. Kennedy, mas também mortes e escapa-
tórias (veja o quadro nesta página).
Amuralhasóperdeufunçãoapartirdanoitede9denovembro
de 1989 – o controle da fronteira deveria ter cessado no dia se-
guinte, porém o governo da RDA se confundiu numa coletiva de
imprensa e acabou apressando o processo de livre-trânsito. Era
questão de tempo para a própria população começar a destruir
o muro, depois derrubado por maquinário a mando do Estado.
Agora se comemoram 25 anos da Queda do Muro, que sig-
nificou o início da reunificação alemã, o reencontro definitivo
de parentes, amigos e namorados e, sobretudo, a liberdade de
andar por toda a metrópole. Em 9 de novembro de 2014, um
concerto de música instrumental deve emocionar cidadãos e
turistas em frente ao Portão de Brandemburgo. No mesmo
dia, um documentário com apresentação de David Hasselhoff
(de sucessos da TV, como Baywatch) e um especial apresenta-
do por Silio Boccanera também celebram a data.
Fora do período de festa, é quem vem a passeio que dá aten-
ção aos vestígios da barreira. As ruínas podem ser encontradas
em pontos turísticos como a Potsdamer Platz. O lugar é uma
espécie de Times Square berlinense, e foi também cortado pela
muralha. Até hoje, é o antigo lado capitalista da praça que abri-
ga os prédios mais viçosos e modernos. Mas é no chão que está
a marca do passado: uma linha de pouco mais de um palmo de
largura no solo recorda a quem passa por ali do paredão.
Porém, mesmo nas vias mais improváveis e pacatas da ca-
pital é possível esbarrar com uma parte ou mesmo um trecho
inteiro do BerlinerMauer. Os grafites feitos no lado ocidental da
parede tornam esses vestígios obras de arte a céu aberto. O que
também faz a alegria dos vendedores de suvenires: os camelôs,
concentradosemáreasestratégicas,vendemdesdedistintivose
peças de roupas militares da RDA até máscaras de gás e supos-
tos pedacinhos do Muro. Um naco de concreto pichado desses
raramente sai por menos de 15 euros (algo entre 45 e 50 reais).
Tanto quem tem mais quanto quem tem menos de 25 anos
vivendo em Berlim parece, no geral, acostumado a usufruir
da cidade sem ligar para sua antiga divisão. Em meio ao este-
reótipo do alemão austero, os berlinenses são no geral vistos
como muito bem-humorados – tanto que, apesar de estarem
reduzidas, ainda resistem aqui e ali na capital as piadas de
wessi (moradores da Alemanha Ocidental) e ossi (da RDA).
O passado é passado, mas manda lembranças.
> 3,6 metros de altura tinha a porção de concreto da muralha.
> Estavam espalhadas ao longo do Muro 302 torres de observação.
> O Muro de Berlim existiu por pouco mais de 28 anos.
> 1 bilhão de marcos alemães (ou 500 milhões de dólares) era quanto
custava anualmente a manutenção do Muro para a RDA nos anos 80.
> 5 mil pessoas conseguiram fugir para Berlim Ocidental enquanto o
Muro esteve de pé.
> Mas pelo menos 98 morreram tentando. Não há consenso sobre o
número de cidadãos executados nessa fronteira. Segundo uma ONG, o
número de mortos no muro chegou a 1.065.
> Outros 18.300 cidadãos da RDA foram condenados e presos por
tentativa de fuga.