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GUILHERME MARQUES DE SOUZA
ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO APLICADA A UM
CANTEIRO DE OBRAS NA CIDADE DE SANTO ANTÔNIO DA
ALEGRIA - SP
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como exigência parcial para obtenção de grau
de bacharel em Engenharia de Produção na
Universidade de Franca – SP.
Orientadora: Profa. Dra. Marília Giselda
Rodrigues.
FRANCA
2016
DEDICO este trabalho aos meus pais, Maria Isabel e Onofre, pelo
apoio, carinho e confiança, e por todos os exemplos de dedicação e
persistência. A meu irmão, Gabriel, por todos os momentos,
sentimentos e conquistas que dividimos desde sempre.
AGRADEÇO aos meus pais, irmão e amigos, por todo apoio e
torcida. A todos aqueles que fizeram parte desta trajetória,
especialmente aos professores e mestres que tive ao longo do tempo,
por todo conhecimento e experiência compartilhados e por
participarem da minha formação pessoal.
Homens razoáveis se adaptam ao mundo. Homens não razoáveis
adaptam o mundo a si. Por isso todo progresso depende destes
últimos.
George Bernard Shaw
RESUMO
SOUZA, Guilherme Marques de. Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro
de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria – SP. 2016. 95 f. Trabalho de Conclusão
de Curso. Universidade de Franca, Franca/ SP.
A indústria da construção civil é o setor que contém o maior número de trabalhadores que
atuam por conta própria, em sua maioria trabalhadores informais, encontrando-se desprovidos
de vários benefícios e proteção social. Em estudo realizado pelo DIEESE em 2011 constatou-
se que os trabalhadores por conta própria eram caracterizados por ter baixa escolaridade,
baixa remuneração, idade avançada, extensa jornada de trabalho e por serem comumente
chefes de família. Estes trabalhadores estão sujeitos à realização de esforço físico intenso,
adoção de posturas inadequadas e desgastantes e a acidentes de trabalho. Diante desse
contexto, a possibilidade de aplicar fundamentos teóricos e analíticos da Ergonomia da
Atividade a um canteiro de obras surgiu como possibilidade de pesquisa, devido às
características dessa forma de abordagem, cujo objetivo maior é a mudança das situações de
trabalho para a redução das consequências negativas das atividades, minimização dos riscos
laborais, melhoria das condições de trabalho, além de permitir, também, melhorias na
eficiência e produtividade dos trabalhadores. O objetivo desta pesquisa é aplicar a Análise
Ergonômica do Trabalho, metodologia que é o cerne da Ergonomia da Atividade, em um
canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria, interior de São Paulo, no qual atuam
dois trabalhadores autônomos, visando identificar as principais adversidades a que estes
trabalhadores estão sujeitos e suas causas. A Ergonomia da Atividade busca uma
transformação positiva da situação de trabalho, através de um método que considere todos os
atores envolvidos e seus diferentes pontos de vista e interesses. Durante a pesquisa, observou-
se a existência de um déficit de prescritos no canteiro de obras e foi verificado que os próprios
trabalhadores, além de adequar as poucas normas antecedentes disponíveis a sua realidade,
estabelecem eles próprios, em função de seus interesses e da gestão da obra civil e das várias
atividades, maneiras de realizar as tarefas e padrões de conduta na atividade de trabalho.
Observou-se, ainda, um acúmulo de funções em um único trabalhador, o qual se
responsabiliza, juntamente com as atividades de pedreiro, pela administração da construção,
pela gestão do projeto, das compras de materiais e controle de seu estoque, dentre outras.
Também foi possível acompanhar o processo de realização e concepção simultâneos e alguns
aspectos da relação entre os diferentes atores no canteiro de obras.
Palavras-chave: Análise Ergonômica do Trabalho (AET); construção civil; trabalhadores
autônomos; déficit de prescritos.
ABSTRACT
SOUZA, Guilherme Marques de. Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro
de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria – SP. 2016. 95 f. Trabalho de Conclusão
de Curso. Universidade de Franca, Franca/SP.
The construction industry is the sector that contains the largest number of self-employed
workers, mostly informal workers, who are deprived of various benefits and social protection.
In a study conducted by DIEESE in 2011, it was found that self-employed mason were
characterized by low schooling, low remuneration, advanced age, extensive working hours
and being commonly householder. These workers are subject to intense physical exertion,
adoption of inappropriate and exhausting postures, and occupational accidents. In this context,
the possibility of applying theoretical and analytical foundations of the Ergonomics of
Activity to a construction site emerged as a possibility of research, due to the characteristics
of this approach, whose main objective is to change working situations to reduce the negatives
consequences of activities, minimization of labor risks, improvement of working conditions,
as well as improvements in workers efficiency and productivity. The objective of this research
is to apply the Ergonomic Work Analysis, a methodology that is at the heart of the
Ergonomics of Activity, at a construction site in the city of Santo Antônio da Alegria, State of
São Paulo, on which act two autonomous workers, aiming to identify the main adversities to
which these workers are subject and their causes. The Ergonomics of Activity seeks a positive
transformation of the work situation, through a method that considers all the actors involved
and their different points of view and interests. During the research, it was observed the
existence of a deficit of prescription in the construction site and it was verified that the own
workers, besides adjusting the few antecedent norms available to their reality, establish
themselves, according to their interests and interests of management of the civil work and of
the various activities, ways to carry out the tasks and standards of conduct in the work
activity. It was also observed an accumulation of functions in a single worker, who is
responsible, along with the activities of mason, for the administration of the construction, for
the management of the project, for the purchase of materials and control of its stock, among
others. It was also possible to follow the simultaneous realization and conception process and
some aspects of the relationship between the different actors at the construction site.
Keywords: Ergonomic Work Analysis (EWA); construction; self-employed workers;
prescription deficit.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - As diferentes realidades do trabalho 21
Figura 2 - O trabalho prescrito e o trabalho real 25
Figura 3 - A regulação dos modos operatórios em
função do esforço realizado 29
Figura 4 - Esquema geral de abordagem ergonômica 35
Figura 5 - Canaleta após corte com serra mármore 60
Figura 6 - Planta baixa (layout) 61
Figura 7 - Elevação frontal 62
Figura 8 - Resíduos no canteiro de obras 63
Figura 9 - Local onde deveria ser construída a viga 65
Figura 10 - Quadro de observações presente na planta 66
Figura 11 - Representação esquemática de uma laje pré-
moldada 68
Figura 12 - Laje construída no canteiro de obras
analisado 68
Figura 13 - Pedreiro Y coletando entulhos para utilizar
como calços 74
Figura 14 - Componentes da forma da coluna 74
Figura 15 - Pedreiro X amarrando o arame 75
Figura 16 - Pedreiro X em postura inadequada 76
Figura 17 - Pedreiro Y passando o balde com concreto
para o pedreiro X 78
Figura 18 - Andaime improvisado 78
Figura 19 - Pedreiro X realizando o enchimento de uma
coluna 79
Figura 20 - Pedreiro X montando a base superior do
andaime 80
Figura 21 - Pedreiro X suspendendo o carrinho de mão 80
Figura 22 - Pedreiro X escalando o andaime 80
Figura 23 - Pedreiro X transpondo a base do andaime
com ajuda do pedreiro Y 81
Figura 24 - Momento em que o pedreiro X se
desequilibra 81
Figura 25 - Pedreiro Y abastecendo o carrinho com
massa de cimento 82
Figura 26 - Pedreiro Y colocando tijolos sobre o
andaime 82
Figura 27 - Pedreiro X se estica para pegar tijolos 83
Figura 28 - Pedreiro X curvando-se 84
Figura 29 - Escada plataforma de trabalho 88
Figura 30 - Carrinho escada com três degraus 89
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 ERGONOMIA ............................................................................................................ 15
1.1 BREVE HISTÓRICO DA ERGONOMIA .................................................................... 15
1.2 CONCEITUANDO A ERGONOMIA .......................................................................... 16
1.3 OS OBJETIVOS DA ERGONOMIA............................................................................ 19
1.4 A ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO.......................................................... 20
1.4.1 Trabalho e saúde ......................................................................................................... 22
1.4.2 O trabalho prescrito e o trabalho real........................................................................... 24
1.4.3 Variabilidade .............................................................................................................. 27
1.4.4 As estratégias dos trabalhadores.................................................................................. 28
1.4.5 O conhecimento dos trabalhadores .............................................................................. 30
1.4.6 As dimensões do homem............................................................................................. 31
1.4.7 Resultados e consequências das atividades de trabalho ................................................ 31
2 AS ETAPAS DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO ............................. 34
2.1 ANÁLISE DA DEMANDA.......................................................................................... 34
2.2 ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA................................................... 36
2.3 A ABORDAGEM ERGONÔMICA.............................................................................. 38
2.4 PRÉ-DIAGNÓSTICO................................................................................................... 40
2.5 AS OBSERVAÇÕES E AS TÉCNICAS DE REGISTRO............................................. 41
2.6 DIAGNÓSTICO........................................................................................................... 43
3 ERGONOMIA NA CONSTRUÇÃO CIVIL ............................................................. 45
3.1 O MESTRE DE OBRAS .............................................................................................. 45
3.2 O PROCESSO DE CONCEPÇÃO-REALIZAÇÃO DO PROJETO.............................. 46
3.3 O TRABALHO PRESCRITO NO CANTEIRO DE OBRAS ........................................ 47
4 LINGUAGEM E TRABALHO .................................................................................. 49
4.1 COMUNICAÇÃO E TRABALHO............................................................................... 49
4.2 AS VERBALIZAÇÕES................................................................................................ 50
4.3 A ENTREVISTA EM SITUAÇÃO DE PESQUISA ..................................................... 51
5 AET APLICADA NO CANTEIRO DE OBRAS ....................................................... 54
5.1 A DEMANDA ERGONÔMICA................................................................................... 54
5.2 ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA................................................... 55
5.2.1 O contexto socioeconômico ........................................................................................ 55
5.2.2 A organização do trabalho........................................................................................... 57
5.2.3 O trabalho prescrito no canteiro de obras..................................................................... 59
5.3 ANÁLISE GLOBAL DAS ATIVIDADES ................................................................... 60
5.3.1 Os constrangimentos no canteiro de obras ................................................................... 62
5.3.2 O processo simultâneo de concepção e realização da obra........................................... 63
5.3.3 A gestão espaço temporal realizada pelos trabalhadores no canteiro de obras .............. 67
5.3.4 A gestão do estoque temporário de materiais e ferramentas no canteiro de obras ......... 70
5.3.5 A gestão da qualidade no canteiro de obras ................................................................. 71
5.4 PRÉ-DIAGNÓSTICO................................................................................................... 71
5.5 AS ESTRATÉGIAS DOS TRABALHADORES NO CANTEIRO DE OBRAS............ 73
5.5.1 A amarraração das colunas.......................................................................................... 73
5.5.2 O enchimento das colunas........................................................................................... 77
5.5.3 O levantamento de paredes e a atividade de “respardar”.............................................. 79
5.5.4 A produção de massa de cimento e concreto................................................................ 85
5.5.5 O uso de EPIs no canteiro de obras ............................................................................. 86
5.6 DIAGNÓSTICO E RECOMENDAÇÕES .................................................................... 86
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 91
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 93
13
INTRODUÇÃO
A indústria da construção (IC) tem grande importância econômica e impacto
social no Brasil devido a sua capacidade de gerar empregos, principalmente para
trabalhadores mais pobres e com baixo nível de escolaridade e qualificação profissional. Sua
importância para a economia do país é reconhecida devido a sua capacidade de gerar riquezas
para diversas classes sociais. Essa importância fica mais evidente ao considerar sua extensa
cadeia produtiva que envolve a produção e o comércio de máquinas, equipamentos e materiais
para a construção, e a prestação de serviços. A construção civil é responsável por elevados
índices de acidentes de trabalho no Brasil, dos quais muitos têm como consequências
incapacidade ou óbito. É importante ressaltar que as estatísticas que apontam um grande
número de acidentes de trabalho na IC no Brasil não levam em conta os trabalhadores
informais. Além disso, ocorrem muito casos não registrados (SESI, 2015).
Os trabalhadores da IC muitas vezes se sujeitam a jornadas de trabalho acima
do limite permitido, realização de esforço físico intenso, manuseio e transporte manual de
pesos, movimentos repetitivos e submissão à posturas inadequadas e desgastantes
(SANTANA e OLIVEIRA, 2004; BARROS, 2014; SIX, 2007). Além disso, é comum que os
trabalhadores subestimem ou desconheçam os riscos existentes no ambiente de trabalho,
como apontado por Santana e Oliveira (2004).
Apesar de apresentar um aumento na taxa de formalização, a IC ainda contém
uma grande quantidade de trabalhadores informais (SESI, 2015). Santana e Oliveira (2004)
afirmam que o trabalho informal é a principal causa da precarização do trabalho que atinge o
setor, impedindo que os trabalhadores acessem direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.
Em trabalho publicado pelo DIEESE no ano de 2011, constatou-se que a IC é o setor que
contém a maior quantidade de trabalhadores que atuam por conta própria, numa proporção de
4 para cada 10 trabalhadores da construção civil. O estudo apontou ainda que os trabalhadores
por conta própria da IC têm baixa remuneração, extensa jornada de trabalho, idade avançada,
baixa escolaridade e muitas vezes são chefes de família. Além disso, constatou-se que apenas
uma parcela muito pequena dos trabalhadores contra própria contribui para a Previdência
Social.
14
Todo o cenário da construção civil no Brasil torna o estudo ergonômico da
atividade extremamente necessário para a redução das consequências negativas do trabalho
para os trabalhadores, minimização dos riscos laborais, melhoria das condições de trabalho e
aumento do conforto durante a realização de suas atividades. Ademais, a ergonomia pode
permitir que a empresa ganhe com o aumento da produtividade dos trabalhadores e a redução
de custos com acidentes de trabalho e afastamentos.
A Ergonomia da Atividade empenha-se em transformar positivamente uma
situação de trabalho, através de um processo que envolva todos os atores envolvidos na
situação e considere seus diferentes pontos de vista e interesses. Sua metodologia central é
denominada Análise Ergonômica do Trabalho (AET), sempre caracterizada como uma
pesquisa-intervenção. A linguagem tem um papel muito importante na AET, uma vez que é
necessário considerar as experiências individuais e coletivas dos trabalhadores, trazidas à tona
através de verbalizações. Ademais, a comunicação é um componente essencial da atividade de
trabalho (GUÉRIN et al., 2001).
Diante do dissertado, o objetivo desta pesquisa é aplicar a AET em um canteiro
de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria, interior de São Paulo, no qual dois pedreiros
atuam por conta própria, e constatar as principais adversidades enfrentadas por estes
trabalhadores durante a realização de sua atividade de trabalho e suas causas. Apesar da
grande quantidade de trabalhadores que atuam de forma autônoma na indústria da construção
civil, poucos são os estudos ergonômicos direcionados a atividade destes.
Os trabalhadores por conta própria detêm o controle da sua atividade laboral,
graças à posse dos instrumentos de trabalho e das competências necessárias para o exercício
da profissão, oriundas da experiência profissional (DIEESE, 2011). Entretanto, a autonomia
que estes trabalhadores possuem também carrega alguns problemas, uma vez que os mesmos
têm que resolver sozinhos e sem muitos recursos os diversos imprevistos e variabilidades que
se apresentam em um canteiro de obras, ao mesmo tempo em que administram o próprio
empreendimento. Estes trabalhadores não são supervisionados por nenhum tipo de chefia ou
profissional de segurança no trabalho, responsabilizando-se por toda a gestão coletiva e
individual da saúde e segurança no trabalho. Adiciona-se a este fato, a escassez ou ausência
de fiscalização das normas e condições do trabalho sob as quais atuam. Logo, constata-se a
importância do estudo ergonômico para a compreensão das atividades de trabalho no canteiro
de obras com vistas ao aperfeiçoamento dos instrumentos, materiais, ferramentas, modos
operatórios, organização do trabalho, planejamento das atividades, normas de segurança e
demais prescritos que incidem sobre as atividades no canteiro de obras.
15
1 ERGONOMIA
1.1 BREVE HISTÓRICO DA ERGONOMIA
A palavra ergonomia é formada pelos termos ergon, que significa trabalho, e
nomos, que significa regras ou leis naturais (MURRELL, 1965 apud IIDA, 2005). O termo foi
oficialmente utilizado em 1947, na Grã-Bretanha, pelo engenheiro Murrel com a cooperação
de Floyd e Welford - um fisiologista e um psicólogo - para denominar as atividades que esses
pesquisadores e seus colaboradores realizaram durante a Segunda Guerra Mundial enquanto
atuavam a serviço da Defesa Nacional Britânica. Eles almejavam dar início a um movimento
inspirado em suas experiências, a fim de aplicar a colaboração multidisciplinar em indústrias
e outras atividades civis (WISNER, 2004).
A palavra ergonomia foi escolhida porque se originava do grego e assim
poderia ser transferida para outras línguas. Este vocábulo foi inconscientemente retomado
pelos ingleses, posto que o cientista polonês Jastrzebowski o havia utilizado para a publicação
de um conjunto de artigos em 1857, sob o título de Esboço da ergonomia, ou a ciência do
trabalho fundada nas verdades da ciência da natureza (LAVILLE, 2007).
Durante a Segunda Guerra Mundial muitos esforços foram direcionados para
pesquisas que buscavam adaptar os instrumentos bélicos as características e as capacidades
dos operadores, com o propósito de melhorar o desempenho e reduzir a fadiga e acidentes.
Inicialmente a ergonomia dedicava-se as relações homem-máquina e era aplicada
essencialmente na indústria. Ela expandiu-se e tornou-se mais abrangente, estudando sistemas
complexos nos quais muitos homens, máquinas e materiais interagem na realização de um
trabalho. Com o tempo a ergonomia estendeu-se além da indústria, atingindo o setor de
serviços e até os trabalhos domésticos. Apesar de o surgimento da ergonomia remeter ao
período pós guerra, o esforço em adaptar o ambiente natural e construir ferramentas que
atendessem suas necessidades esteve atrelada ao homem desde a pré – história. A ergonomia
provavelmente se iniciou quando o homem pré-histórico escolheu uma pedra que se adaptasse
melhor ao formato e aos movimentos de suas mãos para utilizá-la como arma ou ferramenta
(IIDA, 2005).
16
A Ergonomics Research Society foi a primeira associação científica de
ergonomia, fundada na Inglaterra em 1950. Outras associações surgiram nos Estados Unidos
em 1957 - a Human Factors Society – e na Alemanha em 1958. A partir de então a ergonomia
dispersou-se pelo mundo industrializado durante as décadas de 50 e 60. A Associação
Brasileira de Ergonomia (ABERGO) estabeleceu-se em 1983, enquanto a Associação
Internacional de Ergonomia (IEA), que atualmente agrega as associações de diversos países,
foi fundada em 1961 (IIDA, 2005).
Este trabalho é realizado sobre a perspectiva da Ergonomia da Atividade,
também conhecida como ergonomia francesa, centrada na atividade de trabalho e sua análise.
O projeto de uma ergonomia francófona foi concebido em 1950 e concretizado em 1963, com
a criação da Sociéte d’ergonomie de langue française - SELF. A partir de então, a ergonomia
francesa começou a distanciar-se da ergonomia focada na construção experimental de
orientações a respeito dos fatores humanos, dedicando-se a análise da atividade realizada em
situação de trabalho (LAVILLE, 2007).
Na América do Norte o termo Fatores Humanos foi muito mais utilizado do
que Ergonomia, o que pode ser observado no nome de sua associação - Human Factors
Society. Muito utilizada durante a Segunda Guerra Mundial, a ergonomia de fatores humanos
se preocupa principalmente em obter dados sobre as características humanas e utilizá-los para
projetar equipamentos, ferramentas, máquinas e sistemas, para que possam ser utilizados pelo
homem com conforto e segurança. Enquanto isso, a ergonomia europeia, principalmente a
ergonomia francófona, busca entender e transformar o trabalho – atuando diretamente nos
locais da produção ao invés de conceber projetos em laboratório (GUIMARÃES, 2011).
1.2 CONCEITUANDO A ERGONOMIA
Iida (2005) declara que existem muitas definições diferentes para a ergonomia
e que todas elas apontam o caráter interdisciplinar e o objeto de estudo da disciplina. Falzon
(2007) aborda algumas definições de ergonomia para compreender como os conceitos da
disciplina evoluíram sob a perspectiva dos próprios ergonomistas. A primeira definição
abordada pelo autor foi proposta pela Sociéte d’ergonomie de langue française – SELF - em
1970:
17
A ergonomia pode ser definida como a adaptação do trabalho ao homem ou, mais
precisamente, como a aplicação de conhecimentos científicos relativos ao homem e
necessários para conceber ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser
utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia (SELF, 2016, tradução
nossa).
O autor observa que esta definição enfatiza a finalidade prática da ergonomia,
representando-a como a prática da transformação das situações e dos dispositivos utilizando-
se de conhecimentos relativos ao homem. O termo “adaptação do trabalho ao homem”,
utilizado nesta definição, é apontado pelo mesmo como a fórmula clássica da ergonomia,
inspirada no título da obra de Faverge, Leplat e Guiguet – L’Adaptation de la machine à
l’homme de 1958.
Segundo Curie (2004) existem diversas representações da ergonomia,
elaboradas de acordo com a posição profissional de cada um. Um pesquisador, por exemplo,
ao falar sobre ergonomia, tende a levar em conta as questões de reconhecimento acadêmico,
enquanto outros profissionais têm maior interesse nas perspectivas que a ergonomia pode
proporcionar a sua ocupação. Para o mesmo a ergonomia consiste em observar o trabalho de
maneira diferente, utilizando conhecimentos que estejam acessíveis e que ainda não tenham
sido empregados e/ou relacionando estes conhecimentos de maneira ímpar. O autor comenta a
definição adotada pela SELF em 1988, que é semelhante a descrição adotada em 1970:
Ergonomia é a “utilização de conhecimentos científicos relativos ao homem e
necessários para conceber instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser
utilizados pelo maior número de pessoas, com o máximo de conforto, de segurança e
de eficiência (SELF, 2016, tradução nossa).
O mesmo afirma que se nos apropriarmos desta definição da ergonomia,
automaticamente estaremos assumindo que a ergonomia é uma tecnologia, ou uma arte, assim
como defendido por Wisner (2004) – o qual considera a ergonomia muito mais uma prática
profissional do que uma área da ciência. Essa questão é tema do livro A ergonomia em busca
de seus princípios – debates epistemológicos, coordenado por François Daniellou. O livro traz
um debate epistemológico acerca da Ergonomia da Atividade. Segundo Daniellou (2004)
existe uma consciência internacional de que a ergonomia não é a simples aplicação
tecnológica de conhecimentos produzidos por outras disciplinas. Contudo, sua capacidade de
produzir conhecimentos científicos é objeto de uma discussão bastante abrangente, que possui
pressupostos tais como:
a) o fato de a ergonomia utilizar-se de conhecimentos advindos de várias áreas;
18
b) o consenso de que esta utilização não se trata de uma simples aplicação, já
que a ergonomia possui caráter integrador e tende a transformar estes conhecimentos;
c) a admissão da ergonomia como disciplina que solicita das demais
disciplinas a produção de conhecimentos em zonas nas quais sua aplicação aponta lapsos.
Daniellou (2004) afirma que este debate permanece em aberto. O autor declara
que após os debates do livro alguns continuaram a perceber a ergonomia como um projeto, ou
como tecnologia, que se utiliza de conhecimentos de outras disciplinas - estes acreditam que
os conhecimentos produzidos pela ergonomia terminarão sendo adotados pela disciplina mais
próxima. Outros continuam convencidos de que os conhecimentos produzidos pela ergonomia
a respeito das atividades de trabalho e das atividades do ergonomista poderão receber em
algum momento o título de “científico”.
A definição de ergonomia atualmente reconhecida internacionalmente foi
adotada pela International Ergonomics Association (IEA) em 2000:
A ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica relacionada ao
entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas,
e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim de otimizar o
bem estar humano e o desempenho global do sistema. Os ergonomistas contribuem
para o projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, ambientes e
sistemas de modo a torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e
limitações das pessoas (IEA, 2016, tradução nossa).
Falzon (2007) afirma que esta definição sinaliza uma mudança na percepção
que a disciplina possui de si mesma e demonstra várias evoluções, trazendo inclusive a figura
do ergonomista e suas atividades. Por se tratar de uma definição internacional, nota-se que a
mesma deve abranger a todas as vertentes da ergonomia ao redor do mundo, como a
Ergonomia da Atividade e a Ergonomia de Fatores Humanos. Além disso, esta descrição
permite interpretar a ergonomia tanto como uma disciplina científica quanto como uma
prática.
A definição da IEA também apresenta áreas de especialização da ergonomia,
descritas por Falzon (2007) como formas de competência do ergonomista. As áreas de
especialização da ergonomia segundo a definição da IEA adotada em 2000:
A ergonomia física está relacionada com às características da anatomia humana,
antropometria, fisiologia e biomecânica em sua relação a atividade física. Os tópicos
relevantes incluem o estudo da postura no trabalho, manuseio de materiais,
movimentos repetitivos, distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho,
projeto de posto de trabalho, segurança e saúde.
19
A ergonomia cognitiva refere-se aos processos mentais, tais como percepção,
memória, raciocínio e resposta motora conforme afetem as interações entre seres
humanos e outros elementos de um sistema. Os tópicos relevantes incluem o estudo
da carga mental de trabalho, tomada de decisão, desempenho especializado,
interação homem computador, stress e treinamento conforme esses se relacionem a
projetos envolvendo seres humanos e sistemas.
A ergonomia organizacional concerne à otimização dos sistemas sócio técnicos,
incluindo suas estruturas organizacionais, políticas e de processos. Os tópicos
relevantes incluem comunicações, gerenciamento de recursos de tripulações (CRM -
domínio aeronáutico), projeto de trabalho, organização temporal do trabalho,
trabalho em grupo, projeto participativo, novos paradigmas do trabalho, trabalho
cooperativo, cultura organizacional, organizações em rede, tele trabalho e gestão da
qualidade (IEA, 2016, tradução nossa).
Para Falzon (2007), a distinção entre estas áreas é passível de discussão.
Muitos analistas da atividade podem argumentar que a sua prática particular está inserida em
mais de uma destas áreas: o fato é que a prática real de um ergonomista tende a se situar em
determinado campo de aplicação ou setor em especial. Devido ao caráter interdisciplinar da
ergonomia, a existência de área de especialização pode ser relacionada a formação dos
ergonomistas, os quais são originalmente engenheiros, fisiologistas, médicos etc. Assim, os
mesmos poderão se sentir mais atraídos ou preparados para determinados tipos de aplicação,
de acordo com sua origem.
1.3 OS OBJETIVOS DA ERGONOMIA
Iida (2005) aponta como objetivos da ergonomia a saúde, a segurança, a
satisfação e a eficiência dos trabalhadores enquanto se relacionam com o sistema produtivo.
No entanto, a eficiência dos operadores1
é tratada apenas como uma consequência do alcance
dos demais objetivos. Para o autor não é aceitável posicionar a eficiência como objetivo
principal da ergonomia, uma vez que isto poderia resultar na adoção de medidas que podem
causar aumento dos riscos e da insatisfação dos trabalhadores.
Esta dualidade entre os interesses dos trabalhadores e os interesses das
organizações (centrada na eficiência e produtividade dos trabalhadores para o alcance de seus
objetivos econômicos) também é discutida por Guérin et al. (2001). Os mesmos apontam o
interesse dos ergonomistas na concepção de situações de trabalho que propiciem aos
1
Neste trabalho o termo operador é utilizado como sinônimo de trabalhador para indicar qualquer pessoa que
exerça alguma atividade profissional.
20
trabalhadores a preservação de sua saúde, a prática de suas competências e a busca por
oportunidades de valorização de suas capacidades, ao mesmo tempo em que permite que a
empresa atinja seus objetivos. Para Guérin et al. (2001) estes objetivos podem ser
complementares, contanto que se considere a interação entre as dimensões social e produtiva.
Para Falzon (2007) nenhuma outra disciplina traz de forma tão explícita esta
dualidade. O autor indica que de acordo com a sensibilidade, a prática, ou a área profissional
de um ergonomista o mesmo poderá inclinar-se para um dos dois objetivos. Porém, não se
pode ser um ergonomista e ignorar totalmente algum deles.
1.4 A ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
Os maiores problemas que perturbam a saúde e o rendimento dos trabalhadores
derivam do desconhecimento da atividade de trabalho (por parte dos projetistas do trabalho e
da organização do trabalho) e do modo como os trabalhadores são implicitamente
considerados como meio de trabalho. Geralmente os aspectos técnicos, organizacionais e
financeiros de um sistema produtivo são determinados com antecedência, fazendo com que o
trabalhador tenha de se adaptar as características técnicas e organizacionais deste sistema.
Essa ordem de concepção cria sistemas produtivos que ignoram a especificidade do homem,
gera desilusões e consequência graves (ás vezes ocultas) e que na maioria das vezes são
atribuídas ao trabalhador em detrimento aos métodos de concepção, gestão ou escolha técnica.
Pode-se perceber o homem sendo tratado como meio de trabalho a partir da noção de erro
humano: incidentes e acidentes em um sistema produtivo são atribuídos precipitadamente aos
trabalhadores, desprezando a atuação dos meios de trabalho que foram concebidos de forma a
ignorar a especificidade do funcionamento humano e sua variabilidade (GUÉRIN et al.,
2001).
Com vistas a atenuar estes problemas, a Análise Ergonômica do Trabalho
(AET) busca transformar positivamente o trabalho através de um processo do qual participem
todos os atores envolvidos na situação, com seus diferentes pontos de vista e interesses
próprios. Os autores ressaltam que a metodologia da AET não se resume a realização de
medidas, observações e entrevistas com os trabalhadores. Sua abordagem não pode se basear
na simples aplicação de ferramentas pré-construídas: é preciso que se adapte os seus métodos
21
ao contexto analisado. Logo, não existe um modelo único de ação ergonômica: a construção
de cada ação ergonômica assume uma abordagem particular (GUÉRIN et al., 2001).
De acordo com Guérin et al. (2001) o termo trabalho pode ser utilizado para
indicar várias realidades. São elas as condições de trabalho (trabalho difícil, trabalho pesado
etc.), o resultado do trabalho (trabalho mal feito ou trabalho bem feito, por exemplo) ou a
própria atividade de trabalho. Assim, o trabalho pode ser reconhecido como a união destas
três realidades, que não existem de forma independente (Figura 1, abaixo).
Figura 1 – As diferentes realidades do trabalho.
Fonte: Guérin et al., 2001.
Analisar o trabalho significa analisar rigorosamente este conjunto. Porém,
devido a amplitude do campo teórico e prático a investigar, analisar todo este sistema torna-se
uma prática inviável, tornando necessário um recorte dos campos de conhecimento e de ação.
Na prática das empresas e nas disciplinas cientificas estas realidades são tratadas
separadamente sem que se ignore seu conjunto: profissionais de segurança do trabalho tendem
a se preocupar principalmente com as condições do trabalho, ao passo em que o departamento
de qualidade de uma empresa se preocupa com os resultados finais, por exemplo (GUÉRIN et
al., 2001).
Existem várias formas de analisar o trabalho. A análise do trabalho do ponto de
vista ergonômico contribui para uma descrição da atividade de trabalho, descrição que
relaciona atividade, produção e saúde, e transforma as representações dos problemas
encontrados junto aos interlocutores. Essa representação permitirá aos diferentes
colaboradores transformar o trabalho (GUÉRIN et al., 2001). Wisner (2004) comenta que a
22
AET se tornou uma metodologia essencial nos países de língua francesa, aplicada para
responder a uma questão especifica e propor soluções operatórias. Muitas vezes a AET
acarreta em transformações dos sistemas técnicos, na organização do trabalho, na gestão da
empresa ou de outros fatores. Este autor compara a AET a um diagnóstico médico, afirmando
que em ambos os casos há um objetivo indicado precisamente e busca-se uma solução para
um problema inicial. Contudo, enquanto a medicina cuida de examinar e tratar uma pessoa, a
AET busca transformar uma situação de trabalho para que ela se torne mais adequada para a
maioria daqueles que ela irá atingir.
Vidal (2011a) declara que a Análise Ergonômica do Trabalho busca entender
as relações entre a atividade de trabalho e todo o seu contexto ambiental, tecnológico e
organizacional, para dar conta de uma transformação positiva da situação de trabalho. Falzon
e Béguin (2007) ressaltam que a AET não se satisfaz com a produção de conhecimentos
acerca das situações de trabalho. Ela pretende a ação.
É importante ressaltar que o interesse do ergonomista não é a atividade de
trabalho por si só, uma melhor compreensão da atividade de trabalho só se justifica se
permitir a transformação do trabalho, o que frequentemente implica em uma leitura crítica do
funcionamento da empresa. Tal leitura que interroga as demais leituras realizadas segundo
diferentes pontos de vista presentes na empresa. Esta leitura específica supõe jamais julgar
previamente os elementos desse funcionamento como intangíveis: deve ser possível analisá-
los, questioná-los e justificá-los na medida em que for necessário para a compreensão da
atividade. Se o ergonomista não tiver o olhar comandado pela compreensão da atividade de
trabalho, ele corre o risco de não detectar alguns dos problemas essenciais das condições de
trabalho e segurança do setor (GUÉRIN et al., 2001).
1.4.1 Trabalho e saúde
As agressões à saúde relacionadas ao trabalho não são somente as doenças do
trabalho reconhecidas ou os acidentes no trabalho. A AET contribui para a identificação dos
mecanismos de agressão a saúde ligados ao trabalho e para a proposta uma transformação do
trabalho com finalidade preventiva. Esta análise busca identificar situações de trabalho que
solicitem de maneira crítica o organismo, as capacidades cognitivas ou as personalidades dos
trabalhadores antes que ocorram consequências irreversíveis. Frequentemente os sofrimentos
23
são relatados pelos operadores aos ergonomistas, os quais investigam as origens destes
sofrimentos nas características do próprio trabalho. Porém, as agressões a saúde sempre são
precedidas por sinais perceptíveis aos operadores. Muitas vezes os operadores relacionam sua
saúde a situação de trabalho, mas em muitas outras atribui agressões a sua saúde a uma
fraqueza pessoal, sem perceber a relação com a situação de trabalho. Enfim, quaisquer que
sejam os mecanismos que interferem nas relações entre trabalho e saúde, podemos observar
que as agressões a saúde não são apenas o resultado de uma exposição a fatores nocivos. O
trabalhador tem papel ativo na preservação e construção de sua saúde, mas muitas vezes suas
tentativas são frustradas (GUÉRIN et al., 2001).
De acordo com Doppler (2007) as relações entre trabalho e saúde são objeto de
estudo de várias disciplinas, entre as quais cita-se a ergonomia, a medicina do trabalho, a
psicodinâmica e a sociologia. O autor considera algumas dimensões do trabalho para analisar
as relações entre trabalho e saúde, e a forma como as agressões a saúde no trabalho evoluíram
juntamente com o próprio trabalho. Estas dimensões são: o estatuto do trabalho (que trata da
evolução histórica do trabalho e seu status perante a sociedade), o conteúdo do trabalho e suas
mudanças, e as condições de trabalho.
Echternacht (2008) relata que as mudanças sofridas pelos sistemas de
produção, desde a primeira revolução industrial até a atualidade, estiveram atreladas a
alterações importantes nas formas como as pessoas vivem, trabalham e adoecem. Para a
autora, a complexidade progressiva dos processos de adoecimento dos trabalhadores vem se
caracterizando como um problema epidemiológico.
O trabalho influencia a saúde e a capacidade funcional dos trabalhadores, e
gera reflexos em sua vida profissional, social e econômica. Nem todas as consequências do
trabalho são negativas, certas situações permitem que os trabalhadores utilizem e
desenvolvam suas competências, ampliem sua formação e aumentem sua remuneração. O
trabalho pode ser fonte de satisfação e realização de objetivos pessoais, e é importante
preservar estes efeitos quando ocorrem transformações da situação de trabalho. Contudo, a
ausência de traços negativos não é suficiente para caracterizar positivamente uma situação de
trabalho, já que os postos podem ser ocupados por operadores particularmente resistentes,
devido a uma seleção formal ou implícita (GUÉRIN et al., 2001).
Echternacht (2008) aponta a necessidade de confrontar o conhecimento
cientifico e os conhecimentos oriundos da experiência dos trabalhadores para a construção
dos saberes necessários ao entendimento das relações entre saúde e trabalho. O trabalhador
gerencia a si mesmo e a sua própria saúde durante sua atividade, assim, é necessário
24
compreender a singularidade das experiências individuais e coletivas dos trabalhadores
enquanto reconhecem e classificam os riscos de seu próprio trabalho.
Doppler (2007, p.54) aponta que assim como o trabalho, o desemprego também
acarreta em agressões a saúde. Além da angústia causada pela supressão de sua remuneração,
o desemprego significa para alguns “um traumatismo social generalizado que repercute em
todos os aspectos da vida cotidiana e em todas as dimensões da pessoa, em particular da
saúde.” Este autor afirma que a ergonomia é uma disciplina muito importante para a
promoção da saúde no trabalho e toda ação ergonômica tem a saúde como parte integrante,
mesmo que ela não esteja inserida na demanda.
1.4.2 O trabalho prescrito e o trabalho real
A AET preocupa-se em analisar as estratégias utilizadas pelos trabalhadores
para administrar as discrepâncias entre o trabalho prescrito e o trabalho real. O trabalho
prescrito, denominado tarefa, é um conjunto de objetivos dado ao operador e um conjunto de
prescrições definidas para atingir estes objetivos. O conceito de tarefa está ligado a
necessidade das organizações de estabelecer métodos de gestão que permitam definir e medir
a produtividade a partir da relação entre os trabalhadores e os meios de trabalho. A tarefa é
imposta ao trabalhador, ela determina e constrange sua atividade, e ao mesmo tempo é
essencial para que o trabalhador atue, pois, ao determinar sua atividade, ela também o autoriza
a realizá-la. Enquanto isso, a atividade de trabalho pode ser definida como uma estratégia do
operador para adaptar-se as condições reais de trabalho. O trabalhador elabora suas atividades
em tempo real e através dela ele responde aos constrangimentos exteriores e, ao mesmo
tempo, é capaz de transformá-los (GUÉRIN et al., 2001).
Falzon (2007) descreve a tarefa como “aquilo que se deve fazer”, aquilo que é
prescrito pela empresa ou organização: a tarefa é composta por um objetivo - exposto em
razão de um resultado final e que pode ser descrito em diferentes dimensões tais como
quantidade, qualidade e outras – e pelas condições de sua realização – tais como métodos,
normas, instruções, instrumentos, equipamentos, ferramentas de apoio, controles, modos de
remuneração, entre outras. A atividade, por sua vez, é descrita pelo autor como “aquilo que é
realmente feito”, aquilo que é mobilizado pelo trabalhador para executar a tarefa. Segundo
Daniellou (2004), a Ergonomia da Atividade reconhece que o trabalho não se trata da simples
25
execução de instruções. A Figura 2, logo abaixo, ilustra as relações entre o trabalho prescrito
e o trabalho real.
Figura 2 – O trabalho prescrito e o trabalho real.
Fonte: Guérin et al., 2001.
Daniellou (2002) aponta que as prescrições do trabalho podem se originar de
inúmeras fontes e em variadas formas, escritas ou não. Falzon e Béguin (2007) afirmam que
as prescrições que advém de fontes diferentes são ocasionalmente contraditórias e devem ser
compatibilizadas pelo operador durante a atividade de trabalho. Além das prescrições
formais, como as que provém da organização, há as prescrições que estão fisicamente
presentes nas situações de trabalho, como as que provém dos meios de trabalho ou até mesmo
do colegas de trabalho e clientes. Six (2002) as distingue em prescrições ascendentes –
oriundas da estrutura organizacional – e prescrições descendentes – oriundas do meio de
trabalho. Falzon e Béguin (2007) indicam a importância de se identificar estas fontes e suas
prescrições, uma vez que todas elas tendem a ignorar o fato de não serem a única origem de
prescritos.
Conforme Daniellou (2002), a fonte de prescrição mais conhecida é a
autoridade hierárquica. Suas prescrições podem se apresentar de variadas formas e terem ou
não registros, mas são sempre percebidas pelos trabalhadores como uma ordem de seus
superiores. Elas também podem se originar de autoridades não vinculadas à empresa, como os
prescritos que regulam as relações de trabalho e a ética profissional. Entre as fontes de
prescrições ascendentes, Daniellou (2002) cita os materiais e as máquinas, que podem ditar,
por exemplo, o ritmo de trabalho. As prescrições também podem ascender do cliente, paciente
ou estudante. Ademais, o trabalho coletivo também é uma forma de prescrição, uma vez que o
trabalho pode ser interdependente ou colaborativo.
26
Daniellou (2002) exprime que algumas prescrições advém do próprio
trabalhador, como suas expectativas, desejos e seus valores pessoais, os quais prescrevem ou
proíbem uma forma particular de interação pessoal. Outra fonte de prescritos que advém do
próprio trabalhador são as normas biológicas inscritas em seu corpo, as quais determinam, por
exemplo, os diferentes níveis de atenção que são mobilizados ao longo do dia. Por fim, o
autor afirma que algumas prescrições se originam no que ele denomina como modos de
pensar: as palavras e conceitos que podem ser utilizados em uma empresa, em um meio e em
determinado momento constituem uma injunção sobre as formas de se comportar e agir.
Segundo Echternacht (2008) a atividade humana exige uma gestão permanente
do uso de si por si mesmo e do uso de si por outros. Durante esta gestão ocorre um debate
entre normas antecedentes e as normas inscritas no corpo do trabalhador (suas próprias
normas internas). Essas reinterpretações das normas antecedentes para reajustá-las a si
mesmo, ao meio e a situação presente, são denominadas re-normalizações. De acordo com a
autora:
Trabalhar é gerir-se em um meio circunscrito por normas de ordens técnica,
organizacional, gerencial, por entre as estruturas produtivas que hetero-determinam
os objetivos do trabalho humano, seus instrumentos, seu tempo, seu espaço. Porém,
tais níveis de hetero-determinação não excluem a atividade humana em sua
mobilização de saberes e valores incorporados na prática, condição para o agir
competente em um meio produtivo em constante transformação.
Ou seja, tais re-normalizações consistem na gestão de si mesmo em um meio
influenciando por prescrições oriundas de diversas fontes que são na maioria das vezes
incompatíveis.
Segundo Rodrigues (2013), há algum tempo os prescritos e normas vêm sendo
valorizados como componentes importantes do trabalho. Os prescritos permitem que os
trabalhadores reconheçam sua atividade de trabalho, seus limites e poderes na visão da
empresa. De acordo com a autora, umas das contribuições da Ergonomia da Atividade é a
busca por melhores formas de formular prescrições, considerando todos os atores do trabalho
e dando a devida importância à palavra do trabalhador durante a busca de soluções para os
problemas do trabalho, e durante as decisões finais.
De acordo com Echternacht (2002), o distanciamento entre os princípios da
gestão prescrita dos riscos, a singularidade das situações de trabalho e as re-normalizações
nela operadas reduz as probabilidades de atingir eficiência preventiva.
27
1.4.3 Variabilidade
Falzon e Béguin (2007) afirmam que os sistema de produção são dotados por
variabilidade e diversidade que podem ser parcialmente previstas. Algumas são desejáveis
(como a diversidade de produtos fabricados), outras são tratadas com menos relevância (como
as limpezas ocasionalmente necessárias no local de trabalho, por exemplo) e há aquela que
são totalmente indesejáveis, como os acidentes e incidentes de trabalho ou a variação de
tolerância das matérias primas.
A análise do trabalho permite compreender como os operadores enfrentam a
diversidade e as variabilidade das situações de trabalho e quais suas consequências para a
saúde e a produção. A empresa define os meios técnicos e organizacionais necessários para se
atingir os objetivos da produção e geralmente se organizam de modo a limitar a variabilidade
na produção. Contudo, sempre permanece uma variabilidade importante. O trabalhador tem
de levar em conta os constrangimentos de variabilidade da produção e temporais na
elaboração de seus modos operatórios. As diferenças entre a qualidade e quantidade prevista e
realizada e sua flutuação no tempo comumente tem múltiplas origens. Essas diferenças podem
estar relacionadas a variações da matéria prima ou disfunções técnicas. Uma perturbação
inicial do processo ou das condições de produção nem sempre produz consequências diretas
no resultado do trabalho, pois esta perturbação é quase sempre identificada pelos operadores.
Eles modificam suas ações de modo a enfrentar a perturbação, respondendo as imperfeições
do processo técnico (GUÉRIN et al., 2001).
Tão importante quanto a variabilidade industrial é a variabilidade que diz
respeito aos indivíduos pois cada operador tem suas próprias história e experiências. Os
constrangimentos, dificuldades e eventos positivos que cada um encontra fora de seu trabalho
são variáveis. Assim, o mesmo posto de trabalho ocupado por pessoas diferentes apresentará
situações de trabalho especificas, os esforços, o raciocínio e a fadiga resultante não serão
iguais, mesmo que o resultado pareça idêntico. A esta diversidade interindividual
acrescentam-se as variações do estado de cada um, as quais podem ocorrer num curto prazo
obedecendo a ritmos biológicos ou acontecimentos aleatórios. Além disso, tem-se as
variações relativas à idade ou sexo, por exemplo (GUÉRIN et al., 2001).
Wisner (1987, p.53) considera que os postos de trabalho geralmente não são
bem adaptados ao homem pois são projetados segundo um conceito de ser humano que na
verdade não existe. Este é o conceito do “operário médio, bem treinando e que trabalha em
28
um posto estável”. Essa concepção ignora as diversas variabilidades do homem e da situação
de trabalho e pode gerar consequências graves.
1.4.4 As estratégias dos trabalhadores
A atividade de um operador é resultado de um compromisso complexo entre
fatores externos e internos ao operador, os quais variam com o tempo e se atualizam
constantemente. Para atingir os objetivos exigidos, o trabalhador elabora e atualiza
constantemente estratégias originais. A atividade do operador pode se organizar em função de
diferentes objetivos: os objetivos gerais determinados pela empresa (produzir 50 peças por
dia, por exemplo), os objetivos intermediários que o operador determina para atingir os
objetivos da empresa (por exemplo, produzir 20 peças antes do meio dia) e os objetivos mais
pessoais (como o fato de não produzir uma peça próximo a hora do almoço para não ter de
retomar o trabalho começado) (GUÉRIN et al., 2001).
Os trabalhadores elaboram modos operatórios, que podem ser descritos como
“maneiras de trabalhar”. Os modos operatórios resultam de um compromisso que considera os
objetivos exigidos, os meios de trabalho, o estado interno do trabalhador e os resultados
produzidos, ou a informação que o trabalhador tem sobre eles. Essa construção é constituída
ao mesmo tempo por mecanismos de exploração perceptiva, mecanismos de processamento
de informações e atividades musculares. De acordo com a experiência do operador uma dada
situação poderá mobilizar conhecimentos mais ou menos amplos para a elaboração de seus
modos operatórios, e cada nova situação vivida acrescenta uma nova experiência ao operador
(GUÉRIN et al., 2001). De acordo com Vidal (2011a), o modo operatório é o resultado da
regulação realizada pelo trabalhador sobre a tarefa que lhe é prescrita, os meios para sua
execução e a forma como realiza-la. Uma vez que a articulação desses elementos nem sempre
ocorre de modo ideal, o trabalhador tem de ajustar seus comportamentos e procedimentos,
resultando em um modo operatório.
O acervo do qual dispõe um trabalhador para elaborar diferentes modos
operatórios é denominado margem de manobra, e pode ser maior ou menor de acordo com a
situação. O conceito de carga de trabalho está diretamente relacionado com o conceito de
margem de manobra: a carga de trabalho aumenta à medida que se reduzem o número de
modos operatórios disponíveis ao operador, ou seja, à medida em que sua margem de
29
manobra é reduzida. Nos piores casos, apenas um modo operatório está disponível ou até
mesmo nenhum, impedindo que se alcance os objetivos exigidos: assim ocorre uma
sobrecarga (GUÉRIN et al., 2001).
Segundo Falzon e Sauvagnac (2007), o termo carga pode ser usado para se
referir tanto ao nível de exigência de uma tarefa em determinado momento quanto às
consequências desta tarefa. Assim, a palavra carga pode se referir tanto ao constrangimento
percebido quanto ao esforço realizado por um trabalhador. Os autores descrevem
constrangimento como o nível de exigência solicitado por uma tarefa e que pode variar de
acordo com as exigências instantâneas da mesma, enquanto o esforço é descrito como o grau
de mobilizações físicas, cognitivas e psíquicas de um trabalhador.
Spérandio (1972 apud Falzon e Sauvagnac, 2007) analisa as relações bilaterais
entre carga de trabalho e modo operatório: a carga de trabalho resulta da adoção de um modo
operatório e ao mesmo tempo promove mudanças no modo operatório. Segundo este modelo,
o trabalhador dispõe de um conjunto de modos operatórios (margem de manobra) que ele
pode utilizar de acordo com o nível de exigência da tarefa (carga de trabalho): quando a tarefa
solicita menor nível de exigência o trabalhador utiliza um modo operatório que economiza
esforços e satisfaz mais critérios; quando este nível aumenta e atinge um certo limiar o
trabalhador é levado a adotar outro modo operatório, que reduza seu esforço. Caso o nível de
exigência continue a aumentar o processo é repetido. Logo, o conjunto de modos operatórios
de que dispõe o trabalhador influi no esforço realizado. Esta estratégia adotada pelo
trabalhador é denominada regulação dos modos operatórios. A Figura 3, abaixo, representa
graficamente a regulação dos modos operatórios em função do esforço realizado.
Figura 3 – A regulação dos modos operatórios em função do esforço realizado.
Fonte: Spérandio, 1972 apud Falzon e Sauvagnac, 2007.
30
Outra estratégia frequentemente adotada pelos operadores é a antecipação. Os
trabalhadores tentam antecipar os eventos futuros e planejam as próximas ações de sua
atividade. Esta antecipação poderá compreender um prazo bem curto – como a próxima peça
em uma linha de produção - ou um prazo maior – de dias ou semanas. Este planejamento é
reelaborado continuamente de acordo com os acontecimentos ocorridos (GUÉRIN et al.,
2001).
1.4.5 O conhecimento dos trabalhadores
O operador empregam saberes todos os dias no trabalho, mesmo que não sejam
formalizados, expressos e reconhecidos. Os interlocutores habituais dos operadores não se
interessam por estes saberes, ignorando-os. Na maioria das vezes, ao apresentar o resultado de
uma análise do trabalho ao operador ele responde que jamais percebeu que realizava tudo
aquilo (GUÉRIN et al., 2001).
A busca de informações está atrelada a ação humana. O homem não se limita a
receber estímulos: ele explora o espaço de maneira seletiva, de acordo com a atividade em
curso. Conforme as informações adquiridas e os objetivos exigidos, o trabalhador seleciona o
que deve explorar em seguida. A ligação entre o que está presente na memória do operador e
a representação da situação na qual ele se encontra naquele momento é reciproca. Os
conhecimentos memorizados permitem a construção de uma representação eficaz para
abordar a situação: eles guiarão a exploração, orientarão as informações recolhidas e
permitirão a escolha de ações apropriadas. As ações realizadas contribuem para o processo de
aprendizagem, permitindo uma melhor adaptação das ações aos objetivos. A aprendizagem
permite inúmeras possibilidades e ganhos de rapidez, eficácia e redução de custos, mas ao
mesmo tempo pode ser fonte de dificuldades. Os resultados da aprendizagem dependem
amplamente do tempo concedido para alcançar o domínio da tarefa e dos meios fornecidos
para a articulação das diferentes situações encontradas (GUÉRIN et al., 2001).
Weill-Fassina e Pastré (2007, p.176) comentam que aqueles que possuem
competências comumente sabem fazer mais coisas do que conseguem explicar. As
discrepâncias existentes entre o trabalho prescrito e o trabalho real implicam em um conjunto
de competências (saberes-fazer). Além das exigências do trabalho prescrito, os trabalhadores
tem de gerir os recursos do sistema e lidar com as variabilidades da situação de trabalho.
31
1.4.6 As dimensões do homem
Daniellou (2004) afirma que toda pesquisa ou texto em ergonomia faz
referência, seja de forma implícita ou explicita a um modelo do homem. Este modelo pode
considerar uma ou mais dimensões, sejam elas as dimensões biológica, cognitiva, psíquica ou
social. Segundo o mesmo, a análise da atividade poderá considerar apenas uma destas
dimensões ou o conjunto delas.
Wisner (2004) declara que não se pode utilizar todos os conhecimentos a
respeito do homem e seu trabalho durante uma análise ergonômica do trabalho, mesmo com
muito tempo disponível e muitas pessoas engajadas no estudo. O autor afirma que a presença
de muitos mecanismos complexos limitam a validação dos resultados da análise ergonômica e
a aplicação das soluções propostas. O ergonomista tende a ser mais eficaz ao passo em que
compreende e utiliza de forma positiva tais limitações.
1.4.7 Resultados e consequências das atividades de trabalho
A atividade de trabalho e as condições na qual ela se desenvolve tem várias
consequências para os operadores, para a produção e para os meios de trabalho - as quais são
alvo de interpretações distintas por parte dos atores envolvidos. A AET se inclina pela busca
das causas e consequências negativas das situações de trabalho porque elas frequentemente
estão associadas a demanda de ação ergonômica e porque geram transtornos na vida dos
trabalhadores e no funcionamento da empresa. A identificação das consequências negativas
são uteis em três momentos da ação ergonômica: no decorrer da análise da demanda (para
analisar, organizar e compreender as questões levantadas), no decorrer da análise da atividade
de trabalho (para analisar as relações entre a atividade, seus determinantes e seus efeitos,
escolher métodos, interpretar resultados e justificar proposta de transformação) e na avaliação
da transformações das condições de trabalho, utilizando a evolução destas consequências
como critério de avaliação da ação ergonômica (GUÉRIN et al., 2001).
Muitas vezes os constrangimentos da organização do trabalho são muito
pesados e conduzem a transformações de personalidade que contribuem negativamente para a
saúde dos trabalhadores envolvidos e dificultam o ambiente coletivo. O ergonomista não
32
possui ferramentas para lidar diretamente com essas relações entre a organização do trabalho
e a personalidade, mas frequentemente ele irá se deparar com situações de trabalho quem que
esses aspectos irão lhe chamar a atenção, como em situações em que existe um conjunto de
patologias não explicáveis de maneira simples ou quando os trabalhadores negam as
dificuldades da situação, as quais são evidentes para o observador externo. A identificação
destes conflitos permite que o analista da atividade não contribua para o agravamento das
dificuldades dos trabalhadores - o que poderia acontecer se ele enfrentasse diretamente as
“defesas psíquicas” existentes. Não cabe ao ergonomista contestar os comentários, nem
denunciar os comportamento observados durante a atividade dos trabalhadores submetidos a
estas dificuldades (GUÉRIN et al., 2001).
Falzon e Sauvagnac (2007) abordam o estresse e a fadiga como consequência
do trabalho. Para os autores a fadiga é resultado de um trabalho realizado sob determinadas
condições que causam perda temporária e reversível da eficiência do trabalhador. É uma
relação biunívoca: o esforço aumenta a fadiga e essa por sua vez aumenta o esforço. Guérin et
al. (2001) afirmam que o termo fadiga pode ser utilizado para se referir a fadiga física ou
simplesmente para indicar que o trabalho exige o uso das capacidades além do limite. Quanto
ao estresse, Falzon e Sauvagnac (2007) afirmam que além do aspecto negativo ele também é
uma reação positiva: o estresse permite que o corpo se adapte as agressões do meio,
possibilitando que o trabalhador empregue melhor suas capacidades físicas e mentais. Para os
mesmos, a ação ergonômica deve deslocar o ponto de vista da empresa sobre o estresse. Ele
deve deixar de ser percebido como uma patologia ou sofrimento dos trabalhadores que deve
ser ouvido para ser interpretado como uma solicitação para a avaliação das condições do
trabalho.
Daniellou (2004) comenta o caráter duplo do resultado de um trabalho: apesar
de a produção de um sistema produtivo possuir uma marca discreta dos operadores, é fato que
será comercializada sob o nome da empresa a fim de gerar lucros e garantir a sobrevivência
da organização. Contudo, os trabalhadores produzem novos laços, novas relações, novos
conhecimentos e novas experiências que se estendem para sua vida pessoal. Tais laços,
constituídos pela atividade de trabalho, são objeto de estudo do ergonomista, seja durante o
exame das dificuldades inerentes ao trabalho ou durante as intervenções na concepção do
trabalho.
Guérin et al. (2001) ressaltam que os trabalhadores customizam seu espaço de
trabalho não só para personalizá-lo mas também em função da sua atividade ou em relação a
determinadas características da situação de trabalho. O caráter social do trabalho é inseparável
33
do caráter econômico, já que os bens e serviços somente são reconhecidos como resultado de
uma atividade de trabalho se puderem ser vendidos no mercado. A dimensão socioeconômica
do trabalho é quem transforma a atividade humana em atividade de trabalho. A AET deve
abordar estas dimensões de forma interdependente, uma vez que as dificuldades enfrentadas
pelos trabalhadores se encontram na articulação entre elas. O analista do trabalho sempre se
confronta com a singularidade dos trabalhadores, os quais colocam sua vida pessoal e social
em jogo em suas atividades de trabalho, e ao mesmo tempo defronta-se com o modo como
essa singularidade é objeto da gestão da empresa.
34
2 AS ETAPAS DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
A AET é uma metodologia, ou seja, a utilização de métodos, técnicas, modelos
e ferramentas de acordo com uma demanda específica e a natureza desta demanda (VIDAL,
2011b). Segundo Vidal (2011a, p. 246), “a Análise Ergonômica do Trabalho se constitui em
um conjunto estruturado e intercomplementar de análises situadas, de natureza global e
sistemática, sobre os determinantes das atividades das pessoas numa organização”.
Guérin et al. (2001) dizem que a condução do processo de análise ergonômica
parte da demanda e se elabora ao longo do desenvolvimento da ação. Toda ação ergonômica é
única, mas existem fases e pontos importantes que podem ser destacados para auxiliar a
construção da mesma. Falzon e Béguin (2007) afirmam que estas fases não devem ser
necessariamente sequenciais, na verdade ocorrem retornos as etapas anteriores e
superposições. Ademais, seus métodos não são definidos antecipadamente. A Figura 4, na
página seguinte, ilustra o esquema de ação ergonômica proposto por Guérin et al. (2001).
2.1 ANÁLISE DA DEMANDA
Geralmente, a ação ergonômica provém de uma demanda. Esta se origina de
vários interlocutores: direção da empresa, comissão de fábrica, organização profissional ou
sindical, instituições públicas ou diretamente dos trabalhadores. Pode-se citar como exemplos
de demanda a necessidade de alterar a situação de trabalho para respeitar normas de higiene
ou as queixas dos trabalhadores sobre uma atividade agressiva a saúde. Via de regra, a
demanda reflete um conjunto de relações muitas vezes conflitantes e sempre complexas, e
pode ser expressa como o resultado de uma história. Ademais, a demanda também transmite
as preocupações da sociedade em um dado momento (GUÉRIN et al., 2001). Vidal, Bonfatti e
Carvão (2002) classificam as demandas segundo sua origem: demandas que tenham origem
na organização (demanda real), demandas propostas pelo pesquisador ou grupo de pesquisa
(demanda provocada ou latente) ou as demandas que tenham origem nas tensões de natureza
trabalhista (demandas sociais).
35
Figura 4 – Esquema geral de abordagem ergonômica.
Fonte: Adaptado de Guérin et al., 2001.
Nos casos em que a demanda não tem origem no pesquisador, mesmo que a
demanda seja exposta de forma muita explícita pelo solicitante é necessário que o
ergonomista análise e reformule a demanda. A formulação inicial é quase sempre baseada em
problemas a se resolver, isolados do seu contexto. Em geral, os processos expressos na
demanda refletem apenas uma parte dos problemas que se relacionam à situação de trabalho.
Compete ao analista do trabalho reconhecer estes problemas e analisar sua importância,
reconhecer outros problemas potenciais e reformular a demanda original em um problema de
natureza ergonômica, centrado na atividade de trabalho (GUÉRIN et al., 2001).
Vidal (2011a) afirma que a reformulação da demanda consiste em transformar
a demanda inicial2
em uma hierarquia de demandas ergonômicas: a demanda ergonômica
2
Em seu texto, Vidal (2011a) utiliza o termo “demanda gerencial”, para indicar uma demanda transmitida por
um agente da empresa ou organização que ocupa-se do problema, mas geralmente não é dona do problema.
Optou-se pela utilização do termo “demanda inicial” para tratar a demanda de forma mais geral, já que ela
poderia ser proposta por um pesquisador, por exemplo.
36
consiste em uma forma diferente de olhar o problema e de orientar sua solução, mas ela
também pode representar uma importante mudança do foco e do objeto da análise.
Durante a reformulação da demanda, também denominada instrução da
demanda (VIDAL, 2011a), o ergonomista deve contemplar um conjunto de pontos de vista, os
quais são muitas vezes contraditórios: todos na empresa devem poder reconhecer que seu
ponto de vista não foi ignorado. O resultado da análise da demanda permite identificar parte
do que está em jogo para os diferentes atores. Logo, para uma análise de qualidade, o
ergonomista deve consultar a direção da empresa e os representantes dos trabalhadores, a
supervisão e os departamentos da empresa, além de visitar à empresa e a situação a que se
refere a demanda. O analista do trabalho busca implicar todos os parceiros da empresa
envolvidos nos problemas levantados e por mais competente que seja, ele nunca consegue
estabelecer todas as ligações. É importante que o analista da atividade reconheça que muitas
vezes o solicitante da demanda não é o iniciador da demanda e que o solicitante oficial pode
ocultar os solicitantes iniciais (GUÉRIN et al., 2001).
De acordo com Wisner (1987) um erro durante a análise da demanda pode
significar resultados pobres, nulos ou negativos ao final da AET. O autor indica que nesta fase
devem ser analisados vários elementos como a representatividade do autor da demanda, as
possibilidades de ação do ergonomista, os recursos disponíveis e a origem da demanda.
Após a análise e reformulação da demanda, o pesquisador ou ergonomista irá
elaborar uma proposta de ação. A proposta de ação deve ser articulada em torno do ponto de
vista da atividade de trabalho, que é responsável pela integração dos diferentes pontos de vista
expressos. Nesta serão manifestados os resultados que podem ser esperados, os meios
necessários, os prazos e outros elementos pertinentes. No caso de um ergonomista contratado,
por exemplo, esta proposta deverá ser discutida pelas partes e resultará em um contrato entre
o analista da trabalho e os autores da demanda (GUÉRIN et al., 2001).
2.2 ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA
Para entender qual é o escopo da ação ergonômica e definir uma abordagem
que leve em conta as especificidades da empresa é necessário conhecer seu contexto
industrial, econômico e social. Ao analisar o funcionamento da empresa, o ergonomista se
orienta pela demanda e é guiado pela necessidade de elaborar um pré-diagnóstico. Esta
37
análise permite que o pesquisador elabore as primeiras hipóteses (hipóteses de nível 1) que
podem lhe orientar na escolha das situações que serão analisadas detalhadamente. Nesta fase
o analista da atividade realizará uma análise do processo técnico e das tarefas buscando
compreender o trabalho prescrito aos operadores e também irá observar as estratégias
utilizadas por eles através de observações globais da atividade (GUÉRIN et al, 2001).
Quando a demanda inicial é dada em termos gerais, é necessário que se façam
escolhas para definir as situações específicas que serão objeto das primeiras investigações.
Para tanto, o ergonomista deve definir critérios em vez de se submeter as primeiras sugestões
de seus interlocutores pois em alguns casos estes interlocutores apoiam suas escolhas em
aspectos que não são os mais apropriados para a ação ergonômica. Ele poderá utilizar
critérios tais como escolher as situações em que as queixas dos operadores são mais urgentes,
escolher os problemas mais graves para a empresa, entre outros (GUÉRIN et al., 2001).
Ao recortar a realidade de trabalho o analista da atividade será capaz de definir
processos chave e focar em atividades especificas executadas por trabalhadores em especifico.
Isso permitirá que ele prossiga até a elaboração do pré-diagnóstico (VIDAL, 2011a).
De acordo com Wisner (1987) o estudo dos aspectos técnicos, econômicos e
sociais que circunscrevem a ação ergonômica não deve ser superficial pois pode gerar
dificuldades diante de obstáculos dos quais o ergonomista não mediu a dimensão e
consistência.
A análise da dimensão econômica e comercial da empresa permite que o
analista da atividade reconheça o contexto no qual ela está inserida e seu funcionamento em
relação ao mercado. Estes fatores induzem as exigências do trabalho e aos constrangimentos
que atingem os trabalhadores. Em grande parte dos projetos de transformação se coloca a
questão legítima da eficiência dos investimentos, da formação ou da evolução da organização
do trabalho, e portanto, as questões relacionadas a possibilidade do trabalhador investir em
seu trabalho. No entanto, é possível que estas questões nem cheguem a ser discutidas, por
mais absurdo que pareça (GUÉRIN et al., 2001).
Ao coletar de dados a respeito do funcionamento da empresa é importante que
o analista do trabalho verifique o quanto estes dados representam a realidade. Entre os dados
que podem ser uteis pode-se destacar: dados a respeito das características dos trabalhadores
(idade, sexo etc.), suas qualificações e cargos, a rotatividade dos trabalhadores, as faltas e seus
motivos e os dados a respeito de afastamentos e acidentes de trabalho (WISNER, 1987).
Os dados relativos à saúde só podem ser aprendidos de maneira coletiva, uma
vez que todo dado individual é protegido pelo sigilo médico. É importante observar que estes
38
dados são sempre parciais, pois o trabalhador não revela todos os seus problemas de saúde:
ele pode pensar que o problema não tem relação com o trabalhado, ou minimiza-lo com medo
de perder o emprego por não estar apto. Além disso, nem todos os acidentes de trabalho são
declarados a fim de minimizar seu custo (GUÉRIN et al., 2001).
Guérin et al. (2001) apontam a necessidade de que o ergonomista possua
conhecimentos dos processos técnicos para uma melhor compreensão do que ele observa e
para aumentar suas possibilidades de ação no processo de transformação, além do fato deste
conhecimento contribuir para sua credibilidade. Todavia, o analista do trabalho não precisa se
tornar um especialista no assunto, o objetivo do processo de aquisição de conhecimentos
técnicos é permitir o diálogo entre ele e os operadores cuja atividade está sendo analisada.
Além disso, em certos setores o funcionamento da empresa é fortemente limitado por
disposições jurídicas e normas regulamentadoras. Logo, se torna imprescindível entender
estes elementos, sem os quais é impossível entender vários dos constrangimentos nos quais se
insere a atividade dos trabalhadores. Outro fator determinante abordado por Guérin et al.,
(2001) sãos os meios geográfico e climático: o contexto geográfico influencia as condições de
transporte e moradia dos trabalhadores e o meio climático pode ser particularmente hostil.
2.3 A ABORDAGEM ERGONÔMICA
É necessário comprovar as informações disponibilizadas inicialmente pela
empresa a partir de um conhecimento direto da situação de trabalho e da atividade. Para tanto,
recorre-se a entrevistas com os operadores, com o grupo e com a supervisão, as observações
livres e a documentação local. Para conseguir compreender uma atividade de trabalho de
forma que se ultrapasse as representações parciais dos atores envolvidos é preciso coletar
informações no momento efetivo da realização desta atividade. Logo, essa coleta exige a
presença do ergonomista no local e durante a realização do trabalho. Esse fato ilustra a
diferença entre a Análise Ergonômica do Trabalho e outros modos de abordagem do trabalho.
Confronta-se o que deve ser feito com o que realmente é feito a fim de situar as informações
em seu contexto e poder interpreta-las. A coleta de informações é guiada pelas questões
formuladas após a análise da demanda, mas é preciso estar atento a novas questões. As
informações coletadas são organizadas de modo a produzir uma coerência entre os diferentes
componentes da situação de trabalho. É interessante devolver ao operador esta organização
39
para que ele indique elementos que foram esquecidos, minimizados ou ampliados
exageradamente. Assim, torna-se possível enunciar questões que estarão na origem do pré-
diagnóstico (GUÉRIN et al., 2001).
Os primeiros contatos com os operadores são essenciais e as relações
estabelecidas entre os operadores e o ergonomista irão condicionar a qualidade da análise da
atividade. No primeiro contato devem ser esclarecidos os papéis e objetivos de cada um. A
situação de trabalho é um espaço do qual os operadores se apropriam, um espaço de vida
coletiva, logo é necessário que a presença do analista da atividade seja comunicada e
negociada. Convém apresentar as informações essenciais a todo o grupo de trabalho, para
evitar um tratamento particular em relação aos operadores diretamente envolvidos e suspeitas
por parte dos colegas. A data e a hora da primeira visita devem ser escolhidos de modo a
causar a menor perturbação possível. Muitas vezes a função do ergonomista não é bem
reconhecida e gera confusões. Pode-se julgar que ele vem para controlar o trabalho, ou
imaginar um ponto de vista regulamentar, ou que ele só vai se interessar pelo ambiente
material. É comum que as informações prestadas no primeiro contato não sejam
completamente compreendidas, sendo necessário retomar a explicação (GUÉRIN et al.,
2001).
O ergonomista enxerga o operador como um ator da situação de trabalho, uma
vez que se esforça para construir modos operatórios apropriados e para criar, na unidade
coletiva a que pertence, normas de interação diferentes das estabelecidas pela organização
prescrita. Por conseguinte, ele se vê obrigado a se descrever como um ator da transformação
de situações de trabalho que age em processos de interações sociais (DANIELLOU, 2004).
De acordo com Wisner (1987) um conhecimento aprofundado das prescrições
do trabalho e a observação da atividade de trabalho não são suficientes para compreender o
trabalho real. Da mesma forma, a descrição do trabalho feita pelo trabalhador fora da
atividade geralmente é insuficiente pois são utilizados muitos elementos, vocabulário difícil
de compreender na ausência de objetos e evocadas relações espaço-temporais dos objetos.
Logo, a descrição da atividade feita pelo trabalhador durante a realização do trabalho é bem
mais fácil. Contudo, a negociação dessa intervenção junto a empresa e aos trabalhadores é um
processo difícil. Esta descrição exige que o trabalhador alterne entre explicações e a atividade,
o que pode prejudicar a produção do setor. Além disso, a velocidade com que são realizadas
as explicações exigem que o analista da atividade utilize sua intuição e pode causar a
supressão de elementos importantes. O autor conclui que é interessante unir as descrições
realizadas no local de trabalho com as realizadas externamente.
40
2.4 PRÉ-DIAGNÓSTICO
O ergonomista deve ter sempre em mente a demanda ergonômica enquanto
estabelece relações entre os constrangimentos da situação de trabalho, as atividades de
trabalho e as consequências destas atividades para a saúde e para a produção durante a
realização das observações abertas. A análise dessas relações permitirá que o mesmo formule
o pré-diagnóstico, também denominado hipóteses de nível 2. No entanto, para a elaboração do
pré-diagnóstico o analista da atividade deve adotar uma abordagem mais orientada e aplicar
meios de investigação mais específicos, a fim de organizar e formalizar as informações
obtidas durante as primeiras etapas da AET (GUÉRIN et al., 2001).
Vidal (2011a) afirma que o pré-diagnóstico é uma explicação tímida que
contém traços do diagnóstico final. O pré-diagnóstico só é possível após a realização de uma
análise global bem feita. Dado que é impossível se aprofundar em todos as dimensões e
elementos de uma situação, geralmente composta por vários postos de trabalho, o analista da
atividade deve selecionar processos-chave para direcionar sua atenção.
Esse recorte da situação de trabalho é realizado independentemente do objetivo
da ação ergonômica. A escolha do analista da atividade é feita segundo hipóteses, elaboradas
a partir do problema abordado de acordo com diversos critérios que se baseiam nos
conhecimentos sobre o funcionamento da empresa, nas primeiras observações, além da
experiência e do conhecimento do ergonomista. Devido à complexidade e variabilidade das
situações de trabalho, o analista do trabalho não é levado a elaborar uma hipótese, mas sim
várias hipóteses relacionadas entre si que podem ser descritas com um grau maior ou menor
de detalhes. O conjunto destas hipóteses é o pré-diagnóstico (GUÉRIN et al., 2001).
De acordo com Guérin et al. (2001, p.142) o pré-diagnóstico pode ser definido
como
o enunciado provisório da relação entre certas condições de execução da atividade,
características da atividade e resultados da atividade. Ele apresenta uma explicação
dos problemas levantados, aponta os elementos que deverão ser levados em conta
nas observações e justifica as investigações que vão ser realizadas.
Os autores acrescentam que a formulação do pré-diagnóstico poderá ser mais
ou menos formal e deve ocorrer em momento adequado, de acordo com as condições da ação
ergonômica. Guérin et al. (2001, p.86) afirmam que o pré-diagnóstico geralmente tem a
41
seguinte formulação: “parece que tais fatores levam os operadores a trabalhar de tais
maneiras, o que pode explicar tais consequências”. A função deste diagnóstico inicial é
demonstrar e persuadir, logo ele deve conter fenômenos que podem ser descritos e explicados.
Ademais, ele deve fazer referência a características da situação de trabalho nas quais é
possível intervir, visto que sua finalidade é transformar.
Após a elaboração deste diagnóstico é preciso comprová-lo através de
observações sistemáticas, mensurações, confrontações de resultados em diferentes horas ou
turnos, avaliações em condições normais e perturbadas. Esta análise da atividade permitirá
que seja elaborado o diagnóstico local (VIDAL, 2011a). Segundo Guérin et al. (2001) o
ergonomista deve elaborar um plano de observação para verificar as hipóteses propostas no
pré-diagnóstico.
2.5 AS OBSERVAÇÕES E AS TÉCNICAS DE REGISTRO
A abordagem mais imediata da atividade de trabalho é a observação (GUÉRIN
et al., 2001). As primeiras observações do ergonomista tem caráter global e são combinadas
com conversas com os operadores. Durante estas observações o interventor deve focar no
modo como ocorrem as variabilidades da produção e do contexto como um todo. Após a
elaboração do pré-diagnóstico as observações feitas pelo analista da atividade tendem a ser
sistemáticas. As observações sistemáticas permitem que o analista da atividade direcione suas
observações para verificar as hipóteses levantadas no pré-diagnóstico. Para tanto, o mesmo
poderá utilizar métodos de análise da atividade, nos quais deverão ser definidos os
observáveis alvo (FALZON E BÉGUIN, 2007).
Ao executar determinada atividade de trabalho o operador emprega uma grande
quantidade de funções fisiológicas e psicológicas. Para o observador esta atividade se
manifesta na forma de gestos e comunicações e a descrição dessas situações se situa entre dois
extremos: o primeiro corresponde a uma descrição mais elementar (em termos de gestos e
postura corporal) e o segundo corresponde a uma descrição mais sistemática do conteúdo do
trabalho executado (em termos de ação finalizada ou tomada de informação). A escolha da
modalidade de registo está geralmente associada a hipóteses precisas em relação ao
observável escolhido. No entanto, é muito difícil satisfazer-se apenas com o primeiro. Uma
postura, um deslocamento, uma tomada de informação não poderão ser observados sem uma
42
referência ao trabalho que está sendo realizado. Assim, uma observação sistemática
combinará e relacionará várias classes de observáveis (GUÉRIN et al., 2001).
Guérin et al. (2001) aborda as seguintes categorias de observáveis: os
deslocamentos, a direção do olhar, a comunicação, as posturas, as ações e as tomadas de
informações. As observações em termos de ações ou tomadas de informação tem registro
mais difícil e dependerá bastante da familiaridade do observador com o domínio da atividade.
Além disso, o tempo também é uma medida essencial para compreender a atividade real e os
constrangimentos que a atingem. A atividade de trabalho se desenvolve no tempo, nele se
inscreve e por ele é condicionada: toda tarefa a se realizar é determinada por limites temporais
mais ou menos prescritos.
Para compreender o que não é direta ou simplesmente observável podem ser
usadas técnicas como gravações de vídeo ou áudio e medidas eletrofisiológicas, por exemplo.
As gravações em vídeo permitem o registro de observáveis com frequência elevada ou de
difícil discriminação graças a utilização da câmera lenta e da pausa, permitem registrar vários
observáveis simultaneamente ou dados impossíveis de anotar em tempo real, além de permitir
a tabulação (GUÉRIN et al., 2001).
Para compreender o que o operador executada de determinada maneira, é
preciso entrevistá-lo. A escolha das modalidades práticas de registro é condicionada pelas
restrições próprias das situações de trabalho observadas, pelas propriedades dos observáveis a
levar em consideração e pelas hipóteses que guiam as observações. Existem três dimensões
que diferenciam as modalidades de registro: a consideração ou não da continuidade temporal
dos observáveis (as observações podem ser instantâneas ou contínuas), o suporte de registros
(o qual pode se dar por meios eletrônicos, com papel e lápis ou registradores de eventos) e a
utilização de meios de gravação (permitem o registro de observáveis cuja frequência é elevada
ou de discriminação difícil). Os meios de gravação permitem registrar vários observáveis ao
mesmo tempo ou dados impossíveis de anotar em tempo real e permitem a tabulação
(GUÉRIN et al., 2001).
Na descrição de uma atividade a partir de registros de observações corre-se o
risco de expressar de maneira sintética o desenvolvimento temporal de uma atividade. O
trabalho de descrição é a aplicação de novas reduções, e da escolha de pontos de vista
particulares para acentuar certos aspectos da atividade desenvolvida. É possível distinguir
dois grandes tipos de limite a observação da atividade: limites de ordem prática ligados às
técnicas usadas e limites ligados aos próprios fundamentos da observação. Para serem superar
43
o primeiro tipo de limites é preciso criar novas ferramentas e para superar o segundo tipo de
limites é preciso implementar métodos complementares (GUÉRIN et al., 2001).
2.6 DIAGNÓSTICO
Após os registros das observações sistemáticas e das explicações dos
trabalhadores o ergonomista será capaz de elaborar um diagnóstico local da situação de
trabalho e frequentemente também fornecerá elementos para um diagnóstico geral,
abrangendo vários aspectos do funcionamento global da empresa. Ele aponta os fatores a
serem considerados para permitir a transformação da situação de trabalho. A prática da
ergonomia só se justifica quando busca a transformação das situações de trabalho, mas, de
fato, o ergonomista não é o responsável por estas transformações: ele é responsável por
produzir conhecimento científico e não um programa político de transformações. Na empresa,
as transformações são resultado de um jogo de interesses contraditórios e relações de poder
entre os envolvidos: a transformação do trabalho cabe aos parceiros sociais (GUÉRIN et al.,
2001).
O diagnóstico tenta relacionar os constrangimentos de uma situação particular
a atividade dos trabalhadores. É aconselhável que o diagnóstico seja breve e sintetize o novo
ponto de vista proposto de forma clara para os interlocutores. O analista do trabalho não deve
limitar seu diagnóstico aos fatores constatados de forma imediata na situação de trabalho
analisada e deve chamar a atenção da empresa para determinados aspectos de sua gestão e de
sua organização. Simultaneamente, é obrigação do mesmo contribuir para uma transformação
rápida da situação de trabalho perigosa ou de baixa performance que fomentou a ação
ergonômica. O diagnóstico está potencialmente contido no pré-diagnóstico. Em alguns casos,
as observações sistemáticas orientadas pelo pré-diagnóstico trazem apenas uma confirmação e
uma demonstração do que fora enunciado; em outros casos elas levam a uma reconsideração
do pré-diagnóstico (GUÉRIN et al., 2001).
Geralmente o ergonomista não fica indefinidamente na situação objeto da ação
ergonômica. A rotina volta a acontecer e mudanças maiores ou menores vão ocorrer em
determinados locais. Modificações na produção, na organização e o envelhecimento das
instalações podem gerar novas dificuldades. Se a ação do analista da atividade incidiu apenas
sobre os meios de trabalho é provável que ela deva ser reiniciada. Todavia, se a ação
44
ergonômica permitiu uma transformação dos conhecimentos dos atores da empresa e do modo
como abordam seus problemas, a compreensão da atividade de trabalho permitirá que as
transformações sucessivas ocorram em direção a uma melhor compatibilidade com a saúde
dos trabalhadores e maior eficiência dos meios de trabalho. A ergonomia preocupa-se em
redefinir os objetivos e os meios de ação referentes aos investimentos, a gestão dos recursos
humanos e à organização do trabalho. Nesse fato se encontra o que realmente está em jogo na
ação ergonômica (GUÉRIN et al., 2001).
Vidal (2011a) reitera que na ação ergonômica nada é realizado apenas com a
percepção do ergonomista. Sendo assim, é importante destacar a etapa final da AET no qual o
diagnóstico elaborado pelo analista da atividade passa por uma validação junto aos diversos
atores da empresa. Nessa etapa o observado verifica o resultado da observação de que foi
alvo. Assim, é possível colher dados e realizar ajustes muito importantes para concluir uma
boa análise. No entanto, os autores ressaltam que nem sempre é cabível relatar tudo o que se
observa, mas apenas destacar aquilo que for objeto de uma transformação positiva.
De acordo com Guérin et al. (2001) o diagnóstico formulado pelo ergonomista
deve ser divulgado na empresa a fim de ser confrontado com outros pontos de vista. Esta
confrontação entre diferentes descrições do que ocorre na situação de trabalho é necessária
para a elaboração de soluções para os problemas identificados.
45
3 A ERGONOMIA NA CONSTRUÇÃO CIVIL
A construção civil compreende tarefas árduas e perigosas que poderiam se
tornar mais adequadas com a utilização da ergonomia. Para Iida (2005) a ergonomia é pouca
praticada na construção civil devido aos traços dispersos das atividades e ao pequeno poder de
reivindicação destes trabalhadores.
3.1 O MESTRE DE OBRAS
A ergonomia aplicada a construção civil interessou-se inicialmente pelo
trabalho dos pedreiros, mas notou rapidamente a importância dos mestres de obra para o bom
andamento das mesmas. Condições de trabalho favoráveis no canteiro de obras são
frequentemente associadas a boas práticas destes trabalhadores. Com o tempo as relações
entre condições de trabalho, segurança e organização do trabalho foram cada vez mais
demonstradas, fazendo com que os ergonomistas voltassem sua atenção para os mestres de
obras. Logo, a análise da atividade dos mesmos tornou-se uma etapa essencial para a melhoria
das condições de realização do trabalho no canteiro de obras, contudo, é importante lembrar
que também estão em jogo sua própria saúde e eficácia (SIX, 2007).
O mestre de obras se encarrega da preparação do canteiro de obras e
planejamento das atividades durante a concepção do canteiro de obras. Ele realiza o
planejamento das obras dentro do prazo acordado e define os recursos utilizados no canteiro.
O planejamento temporal do canteiro deve ser frequentemente reatualizado devido ao
impactos causados pela variabilidade ao andamento da obra. Geralmente ocorre pouca
antecipação das situações durante esta preparação, o que pode gerar riscos de imprevistos e
dificuldades de execução. A preparação é essencial para a condução do canteiro de obras e
antecipação dos riscos, mas muitas vezes ela é encurtada devido à pressão por prazos, o que
pode gerar consequências negativas. Falhas durante este processo de preparação podem
resultar em um aumento da carga de trabalho do mestre de obras em termos de problemas a
46
resolver: a lógica de previsões é substituída por uma lógica de resolução de problemas
cotidianos (SIX, 2007).
Segundo Six (2007) é comum que o mestre de obra desenvolva atividades de
concepção da obra, a fim de conceber o canteiro quando a concepção da obra não está
suficientemente desenvolvida. A contribuição deste trabalhador para a concepção da obra se
dá principalmente através das opções oferecidas ao cliente e ao arquiteto que permitem
flexibilizar os requisitos de orçamento e de tempo. Conforme Six (2007, p. 554) o mestre de
obras “possui efetivamente meios de ação sobre as restrições, que ele pode utilizar quando o
prazo de preparação do canteiro é respeitado, para otimizar a gestão e a realização da obra”.
3.2 O PROCESSO DE CONCEPÇÃO-REALIZAÇÃO DO PROJETO
Six (2007) afirma que a organização clássica da produção na construção civil
contempla uma separação muito marcada entre a fase de concepção do produto e a fase de
execução da obra. É possível distinguir duas lógicas de funcionamento diferentes e duas
formas de divisão das missões e tarefas entre os atores: a montante observa-se a negociação e
a concepção do produto, ao passo em que a jusante, no canteiro de obras, busca-se otimizar a
relação custo-prazo-qualidade.
A fase de concepção de uma obra não é homogênea pois compreende tanto a
concepção da obra como produto quanto à concepção do canteiro de obras, que precede e
acompanha a realização do projeto. Comumente a concepção da obra não está terminada
quando se inicia a concepção do canteiro. Também é comum que modificações e adaptações
no projeto da obra sejam realizadas com o avanço da construção, o que permite reconhecer
um processo de concepção-realização (SIX e FOUROT-TRACZ, 1999 apud SIX, 2007).
Logo, o canteiro de obras não é simplesmente uma fase de execução do que está contido nas
plantas, desenvolvendo-se nele uma intensa atividade de regulação e concepção por parte dos
atores envolvidos. O canteiro de obras ocupa uma posição central no que se refere ao processo
de condução do projeto, nesse caso um processo de concepção-realização. Os diferentes
atores envolvidos nesse processo interagem e cooperam de forma permanente. Falhas na
articulação entre a concepção do produto e a concepção da realização do produto podem gerar
vários transtornos (SIX, 2007).
47
De acordo com Six (2007), o conhecimento da atividade de trabalho de todos
os atores atuantes do canteiro de obras e o entendimento das interações e dos procedimentos
de negociação entre os atores envolvidos no processo de concepção-realização é essencial
para uma renovação da forma como o canteiro de obras é concebido. O canteiro de obras é
uma fase importante de um processo, conduzido e condicionado por várias decisões tomadas à
montante. O canteiro é o local para onde convergem as diversas representações do trabalho e
de segurança dos diversos atores envolvidos na concepção e na realização da obra. Assim, a
prevenção não ocorre somente no canteiro de obras. Conforme Six (2007, p. 549) “a
organização do trabalho deve ser considerada como um objeto privilegiado da prevenção, pois
toda ação preventiva durável acaba por transformar algo na organização do trabalho enquanto
organização das relações no trabalho”.
3.3 O TRABALHO PRESCRITO NO CANTEIRO DE OBRAS
Nas entrevistas realizadas por Six (1997) durante sua intervenção em um
canteiro de obras os trabalhadores reconheceram que o trabalho no canteiro não acontece
como foi planejado, revelando a ocorrência de pouca antecipação. O autor atesta que a
atividade de trabalho no canteiro de obras é caracterizada por grande variabilidade, incertezas
e imprevistos. Além disso, condições climáticas adversas e a realização de tarefas árduas
criam condições de trabalho desfavoráveis. Esta variabilidade muitas vezes não é considerada
durante a preparação do canteiro.
O trabalho prescrito no canteiro de obras corresponde principalmente ao
objetivo ao qual deseja-se atingir, contendo muito pouco a respeito dos meios para alcançá-lo.
Assim, os pedreiros norteiam-se por objetivos implícitos a fim de garantir o encadeamento da
obra e o término em tempo. Estes objetivos se referem a configuração fragmentada que
caracteriza a organização espacial do canteiro de obras e aos imprevistos que surgem no
decorrer da realização do projeto. A grande variabilidade e os imprevistos faz com que os
trabalhadores tenham que gerir ao mesmo tempo diversos fatores de uma situação
constantemente mutável, grande parte das vezes em condições problemáticas, sendo
necessário que eles “se virem” (DUC, 1993). As estratégias adotadas pelos trabalhadores
comumente evidenciam a realização de excessivos esforços físicos e cognitivos, a adoção de
posturas inadequadas e desgastantes e a apropriação de riscos (SIX, 2007).
48
Esta sub-prescrição ou déficit de prescritos faz com que o trabalhador se
responsabilize por determinar os objetivos e os meios para alcançá-los sem que possa aplicar
regras conhecidas anteriormente (PEZET, VILATTE e LOGEAY, 1993 apud DANIELLOU,
2002).
Cru e Dejours (1983 apud Echternacht, 2008) demonstram que muitas vezes os
trabalhadores da construção civil renunciam a prescrições preventivas que incidem sobre o
trabalho no canteiro de obras para se apoiar em uma prevenção espontânea que se origina na
experiência e nos saberes-fazer próprios.
Algumas das maiores dificuldades presentes no canteiro de obras são
encontradas em situações particulares (como nas especificidades arquitetônicas ou estruturais
de um projeto) nas quais os meios técnicos, equipamentos e modos operatórios precisam ser
adaptados e não podem ser utilizados da maneira habitual. É comum que após a superação
destas dificuldades elas sejam esquecidas sem que seja realizada alguma ação de registro dos
meios empregados para sua solução, fazendo com que, diante de situações similares, seja
necessário repetir o processo de adaptação e novamente enfrentar dificuldades (semelhantes
ou não). As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores neste sentido são pouco conhecidas
e possivelmente não são aplicadas pelos mestres de obra e responsáveis pela obra na
preparação do canteiro e na preparação do trabalho (SIX, 1997).
Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria - SP (Trabalho de Conclusão de Curso)
Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria - SP (Trabalho de Conclusão de Curso)
Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria - SP (Trabalho de Conclusão de Curso)
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Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria - SP (Trabalho de Conclusão de Curso)

  • 1. GUILHERME MARQUES DE SOUZA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO APLICADA A UM CANTEIRO DE OBRAS NA CIDADE DE SANTO ANTÔNIO DA ALEGRIA - SP Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção de grau de bacharel em Engenharia de Produção na Universidade de Franca – SP. Orientadora: Profa. Dra. Marília Giselda Rodrigues. FRANCA 2016
  • 2.
  • 3. DEDICO este trabalho aos meus pais, Maria Isabel e Onofre, pelo apoio, carinho e confiança, e por todos os exemplos de dedicação e persistência. A meu irmão, Gabriel, por todos os momentos, sentimentos e conquistas que dividimos desde sempre.
  • 4. AGRADEÇO aos meus pais, irmão e amigos, por todo apoio e torcida. A todos aqueles que fizeram parte desta trajetória, especialmente aos professores e mestres que tive ao longo do tempo, por todo conhecimento e experiência compartilhados e por participarem da minha formação pessoal.
  • 5. Homens razoáveis se adaptam ao mundo. Homens não razoáveis adaptam o mundo a si. Por isso todo progresso depende destes últimos. George Bernard Shaw
  • 6. RESUMO SOUZA, Guilherme Marques de. Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria – SP. 2016. 95 f. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade de Franca, Franca/ SP. A indústria da construção civil é o setor que contém o maior número de trabalhadores que atuam por conta própria, em sua maioria trabalhadores informais, encontrando-se desprovidos de vários benefícios e proteção social. Em estudo realizado pelo DIEESE em 2011 constatou- se que os trabalhadores por conta própria eram caracterizados por ter baixa escolaridade, baixa remuneração, idade avançada, extensa jornada de trabalho e por serem comumente chefes de família. Estes trabalhadores estão sujeitos à realização de esforço físico intenso, adoção de posturas inadequadas e desgastantes e a acidentes de trabalho. Diante desse contexto, a possibilidade de aplicar fundamentos teóricos e analíticos da Ergonomia da Atividade a um canteiro de obras surgiu como possibilidade de pesquisa, devido às características dessa forma de abordagem, cujo objetivo maior é a mudança das situações de trabalho para a redução das consequências negativas das atividades, minimização dos riscos laborais, melhoria das condições de trabalho, além de permitir, também, melhorias na eficiência e produtividade dos trabalhadores. O objetivo desta pesquisa é aplicar a Análise Ergonômica do Trabalho, metodologia que é o cerne da Ergonomia da Atividade, em um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria, interior de São Paulo, no qual atuam dois trabalhadores autônomos, visando identificar as principais adversidades a que estes trabalhadores estão sujeitos e suas causas. A Ergonomia da Atividade busca uma transformação positiva da situação de trabalho, através de um método que considere todos os atores envolvidos e seus diferentes pontos de vista e interesses. Durante a pesquisa, observou- se a existência de um déficit de prescritos no canteiro de obras e foi verificado que os próprios trabalhadores, além de adequar as poucas normas antecedentes disponíveis a sua realidade, estabelecem eles próprios, em função de seus interesses e da gestão da obra civil e das várias atividades, maneiras de realizar as tarefas e padrões de conduta na atividade de trabalho. Observou-se, ainda, um acúmulo de funções em um único trabalhador, o qual se responsabiliza, juntamente com as atividades de pedreiro, pela administração da construção, pela gestão do projeto, das compras de materiais e controle de seu estoque, dentre outras. Também foi possível acompanhar o processo de realização e concepção simultâneos e alguns aspectos da relação entre os diferentes atores no canteiro de obras. Palavras-chave: Análise Ergonômica do Trabalho (AET); construção civil; trabalhadores autônomos; déficit de prescritos.
  • 7. ABSTRACT SOUZA, Guilherme Marques de. Análise Ergonômica do Trabalho aplicada a um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria – SP. 2016. 95 f. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade de Franca, Franca/SP. The construction industry is the sector that contains the largest number of self-employed workers, mostly informal workers, who are deprived of various benefits and social protection. In a study conducted by DIEESE in 2011, it was found that self-employed mason were characterized by low schooling, low remuneration, advanced age, extensive working hours and being commonly householder. These workers are subject to intense physical exertion, adoption of inappropriate and exhausting postures, and occupational accidents. In this context, the possibility of applying theoretical and analytical foundations of the Ergonomics of Activity to a construction site emerged as a possibility of research, due to the characteristics of this approach, whose main objective is to change working situations to reduce the negatives consequences of activities, minimization of labor risks, improvement of working conditions, as well as improvements in workers efficiency and productivity. The objective of this research is to apply the Ergonomic Work Analysis, a methodology that is at the heart of the Ergonomics of Activity, at a construction site in the city of Santo Antônio da Alegria, State of São Paulo, on which act two autonomous workers, aiming to identify the main adversities to which these workers are subject and their causes. The Ergonomics of Activity seeks a positive transformation of the work situation, through a method that considers all the actors involved and their different points of view and interests. During the research, it was observed the existence of a deficit of prescription in the construction site and it was verified that the own workers, besides adjusting the few antecedent norms available to their reality, establish themselves, according to their interests and interests of management of the civil work and of the various activities, ways to carry out the tasks and standards of conduct in the work activity. It was also observed an accumulation of functions in a single worker, who is responsible, along with the activities of mason, for the administration of the construction, for the management of the project, for the purchase of materials and control of its stock, among others. It was also possible to follow the simultaneous realization and conception process and some aspects of the relationship between the different actors at the construction site. Keywords: Ergonomic Work Analysis (EWA); construction; self-employed workers; prescription deficit.
  • 8. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - As diferentes realidades do trabalho 21 Figura 2 - O trabalho prescrito e o trabalho real 25 Figura 3 - A regulação dos modos operatórios em função do esforço realizado 29 Figura 4 - Esquema geral de abordagem ergonômica 35 Figura 5 - Canaleta após corte com serra mármore 60 Figura 6 - Planta baixa (layout) 61 Figura 7 - Elevação frontal 62 Figura 8 - Resíduos no canteiro de obras 63 Figura 9 - Local onde deveria ser construída a viga 65 Figura 10 - Quadro de observações presente na planta 66 Figura 11 - Representação esquemática de uma laje pré- moldada 68 Figura 12 - Laje construída no canteiro de obras analisado 68 Figura 13 - Pedreiro Y coletando entulhos para utilizar como calços 74 Figura 14 - Componentes da forma da coluna 74 Figura 15 - Pedreiro X amarrando o arame 75 Figura 16 - Pedreiro X em postura inadequada 76 Figura 17 - Pedreiro Y passando o balde com concreto para o pedreiro X 78 Figura 18 - Andaime improvisado 78
  • 9. Figura 19 - Pedreiro X realizando o enchimento de uma coluna 79 Figura 20 - Pedreiro X montando a base superior do andaime 80 Figura 21 - Pedreiro X suspendendo o carrinho de mão 80 Figura 22 - Pedreiro X escalando o andaime 80 Figura 23 - Pedreiro X transpondo a base do andaime com ajuda do pedreiro Y 81 Figura 24 - Momento em que o pedreiro X se desequilibra 81 Figura 25 - Pedreiro Y abastecendo o carrinho com massa de cimento 82 Figura 26 - Pedreiro Y colocando tijolos sobre o andaime 82 Figura 27 - Pedreiro X se estica para pegar tijolos 83 Figura 28 - Pedreiro X curvando-se 84 Figura 29 - Escada plataforma de trabalho 88 Figura 30 - Carrinho escada com três degraus 89
  • 10. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 ERGONOMIA ............................................................................................................ 15 1.1 BREVE HISTÓRICO DA ERGONOMIA .................................................................... 15 1.2 CONCEITUANDO A ERGONOMIA .......................................................................... 16 1.3 OS OBJETIVOS DA ERGONOMIA............................................................................ 19 1.4 A ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO.......................................................... 20 1.4.1 Trabalho e saúde ......................................................................................................... 22 1.4.2 O trabalho prescrito e o trabalho real........................................................................... 24 1.4.3 Variabilidade .............................................................................................................. 27 1.4.4 As estratégias dos trabalhadores.................................................................................. 28 1.4.5 O conhecimento dos trabalhadores .............................................................................. 30 1.4.6 As dimensões do homem............................................................................................. 31 1.4.7 Resultados e consequências das atividades de trabalho ................................................ 31 2 AS ETAPAS DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO ............................. 34 2.1 ANÁLISE DA DEMANDA.......................................................................................... 34 2.2 ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA................................................... 36 2.3 A ABORDAGEM ERGONÔMICA.............................................................................. 38 2.4 PRÉ-DIAGNÓSTICO................................................................................................... 40 2.5 AS OBSERVAÇÕES E AS TÉCNICAS DE REGISTRO............................................. 41 2.6 DIAGNÓSTICO........................................................................................................... 43 3 ERGONOMIA NA CONSTRUÇÃO CIVIL ............................................................. 45
  • 11. 3.1 O MESTRE DE OBRAS .............................................................................................. 45 3.2 O PROCESSO DE CONCEPÇÃO-REALIZAÇÃO DO PROJETO.............................. 46 3.3 O TRABALHO PRESCRITO NO CANTEIRO DE OBRAS ........................................ 47 4 LINGUAGEM E TRABALHO .................................................................................. 49 4.1 COMUNICAÇÃO E TRABALHO............................................................................... 49 4.2 AS VERBALIZAÇÕES................................................................................................ 50 4.3 A ENTREVISTA EM SITUAÇÃO DE PESQUISA ..................................................... 51 5 AET APLICADA NO CANTEIRO DE OBRAS ....................................................... 54 5.1 A DEMANDA ERGONÔMICA................................................................................... 54 5.2 ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA................................................... 55 5.2.1 O contexto socioeconômico ........................................................................................ 55 5.2.2 A organização do trabalho........................................................................................... 57 5.2.3 O trabalho prescrito no canteiro de obras..................................................................... 59 5.3 ANÁLISE GLOBAL DAS ATIVIDADES ................................................................... 60 5.3.1 Os constrangimentos no canteiro de obras ................................................................... 62 5.3.2 O processo simultâneo de concepção e realização da obra........................................... 63 5.3.3 A gestão espaço temporal realizada pelos trabalhadores no canteiro de obras .............. 67 5.3.4 A gestão do estoque temporário de materiais e ferramentas no canteiro de obras ......... 70 5.3.5 A gestão da qualidade no canteiro de obras ................................................................. 71 5.4 PRÉ-DIAGNÓSTICO................................................................................................... 71 5.5 AS ESTRATÉGIAS DOS TRABALHADORES NO CANTEIRO DE OBRAS............ 73 5.5.1 A amarraração das colunas.......................................................................................... 73 5.5.2 O enchimento das colunas........................................................................................... 77 5.5.3 O levantamento de paredes e a atividade de “respardar”.............................................. 79 5.5.4 A produção de massa de cimento e concreto................................................................ 85
  • 12. 5.5.5 O uso de EPIs no canteiro de obras ............................................................................. 86 5.6 DIAGNÓSTICO E RECOMENDAÇÕES .................................................................... 86 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 93
  • 13. 13 INTRODUÇÃO A indústria da construção (IC) tem grande importância econômica e impacto social no Brasil devido a sua capacidade de gerar empregos, principalmente para trabalhadores mais pobres e com baixo nível de escolaridade e qualificação profissional. Sua importância para a economia do país é reconhecida devido a sua capacidade de gerar riquezas para diversas classes sociais. Essa importância fica mais evidente ao considerar sua extensa cadeia produtiva que envolve a produção e o comércio de máquinas, equipamentos e materiais para a construção, e a prestação de serviços. A construção civil é responsável por elevados índices de acidentes de trabalho no Brasil, dos quais muitos têm como consequências incapacidade ou óbito. É importante ressaltar que as estatísticas que apontam um grande número de acidentes de trabalho na IC no Brasil não levam em conta os trabalhadores informais. Além disso, ocorrem muito casos não registrados (SESI, 2015). Os trabalhadores da IC muitas vezes se sujeitam a jornadas de trabalho acima do limite permitido, realização de esforço físico intenso, manuseio e transporte manual de pesos, movimentos repetitivos e submissão à posturas inadequadas e desgastantes (SANTANA e OLIVEIRA, 2004; BARROS, 2014; SIX, 2007). Além disso, é comum que os trabalhadores subestimem ou desconheçam os riscos existentes no ambiente de trabalho, como apontado por Santana e Oliveira (2004). Apesar de apresentar um aumento na taxa de formalização, a IC ainda contém uma grande quantidade de trabalhadores informais (SESI, 2015). Santana e Oliveira (2004) afirmam que o trabalho informal é a principal causa da precarização do trabalho que atinge o setor, impedindo que os trabalhadores acessem direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Em trabalho publicado pelo DIEESE no ano de 2011, constatou-se que a IC é o setor que contém a maior quantidade de trabalhadores que atuam por conta própria, numa proporção de 4 para cada 10 trabalhadores da construção civil. O estudo apontou ainda que os trabalhadores por conta própria da IC têm baixa remuneração, extensa jornada de trabalho, idade avançada, baixa escolaridade e muitas vezes são chefes de família. Além disso, constatou-se que apenas uma parcela muito pequena dos trabalhadores contra própria contribui para a Previdência Social.
  • 14. 14 Todo o cenário da construção civil no Brasil torna o estudo ergonômico da atividade extremamente necessário para a redução das consequências negativas do trabalho para os trabalhadores, minimização dos riscos laborais, melhoria das condições de trabalho e aumento do conforto durante a realização de suas atividades. Ademais, a ergonomia pode permitir que a empresa ganhe com o aumento da produtividade dos trabalhadores e a redução de custos com acidentes de trabalho e afastamentos. A Ergonomia da Atividade empenha-se em transformar positivamente uma situação de trabalho, através de um processo que envolva todos os atores envolvidos na situação e considere seus diferentes pontos de vista e interesses. Sua metodologia central é denominada Análise Ergonômica do Trabalho (AET), sempre caracterizada como uma pesquisa-intervenção. A linguagem tem um papel muito importante na AET, uma vez que é necessário considerar as experiências individuais e coletivas dos trabalhadores, trazidas à tona através de verbalizações. Ademais, a comunicação é um componente essencial da atividade de trabalho (GUÉRIN et al., 2001). Diante do dissertado, o objetivo desta pesquisa é aplicar a AET em um canteiro de obras na cidade de Santo Antônio da Alegria, interior de São Paulo, no qual dois pedreiros atuam por conta própria, e constatar as principais adversidades enfrentadas por estes trabalhadores durante a realização de sua atividade de trabalho e suas causas. Apesar da grande quantidade de trabalhadores que atuam de forma autônoma na indústria da construção civil, poucos são os estudos ergonômicos direcionados a atividade destes. Os trabalhadores por conta própria detêm o controle da sua atividade laboral, graças à posse dos instrumentos de trabalho e das competências necessárias para o exercício da profissão, oriundas da experiência profissional (DIEESE, 2011). Entretanto, a autonomia que estes trabalhadores possuem também carrega alguns problemas, uma vez que os mesmos têm que resolver sozinhos e sem muitos recursos os diversos imprevistos e variabilidades que se apresentam em um canteiro de obras, ao mesmo tempo em que administram o próprio empreendimento. Estes trabalhadores não são supervisionados por nenhum tipo de chefia ou profissional de segurança no trabalho, responsabilizando-se por toda a gestão coletiva e individual da saúde e segurança no trabalho. Adiciona-se a este fato, a escassez ou ausência de fiscalização das normas e condições do trabalho sob as quais atuam. Logo, constata-se a importância do estudo ergonômico para a compreensão das atividades de trabalho no canteiro de obras com vistas ao aperfeiçoamento dos instrumentos, materiais, ferramentas, modos operatórios, organização do trabalho, planejamento das atividades, normas de segurança e demais prescritos que incidem sobre as atividades no canteiro de obras.
  • 15. 15 1 ERGONOMIA 1.1 BREVE HISTÓRICO DA ERGONOMIA A palavra ergonomia é formada pelos termos ergon, que significa trabalho, e nomos, que significa regras ou leis naturais (MURRELL, 1965 apud IIDA, 2005). O termo foi oficialmente utilizado em 1947, na Grã-Bretanha, pelo engenheiro Murrel com a cooperação de Floyd e Welford - um fisiologista e um psicólogo - para denominar as atividades que esses pesquisadores e seus colaboradores realizaram durante a Segunda Guerra Mundial enquanto atuavam a serviço da Defesa Nacional Britânica. Eles almejavam dar início a um movimento inspirado em suas experiências, a fim de aplicar a colaboração multidisciplinar em indústrias e outras atividades civis (WISNER, 2004). A palavra ergonomia foi escolhida porque se originava do grego e assim poderia ser transferida para outras línguas. Este vocábulo foi inconscientemente retomado pelos ingleses, posto que o cientista polonês Jastrzebowski o havia utilizado para a publicação de um conjunto de artigos em 1857, sob o título de Esboço da ergonomia, ou a ciência do trabalho fundada nas verdades da ciência da natureza (LAVILLE, 2007). Durante a Segunda Guerra Mundial muitos esforços foram direcionados para pesquisas que buscavam adaptar os instrumentos bélicos as características e as capacidades dos operadores, com o propósito de melhorar o desempenho e reduzir a fadiga e acidentes. Inicialmente a ergonomia dedicava-se as relações homem-máquina e era aplicada essencialmente na indústria. Ela expandiu-se e tornou-se mais abrangente, estudando sistemas complexos nos quais muitos homens, máquinas e materiais interagem na realização de um trabalho. Com o tempo a ergonomia estendeu-se além da indústria, atingindo o setor de serviços e até os trabalhos domésticos. Apesar de o surgimento da ergonomia remeter ao período pós guerra, o esforço em adaptar o ambiente natural e construir ferramentas que atendessem suas necessidades esteve atrelada ao homem desde a pré – história. A ergonomia provavelmente se iniciou quando o homem pré-histórico escolheu uma pedra que se adaptasse melhor ao formato e aos movimentos de suas mãos para utilizá-la como arma ou ferramenta (IIDA, 2005).
  • 16. 16 A Ergonomics Research Society foi a primeira associação científica de ergonomia, fundada na Inglaterra em 1950. Outras associações surgiram nos Estados Unidos em 1957 - a Human Factors Society – e na Alemanha em 1958. A partir de então a ergonomia dispersou-se pelo mundo industrializado durante as décadas de 50 e 60. A Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO) estabeleceu-se em 1983, enquanto a Associação Internacional de Ergonomia (IEA), que atualmente agrega as associações de diversos países, foi fundada em 1961 (IIDA, 2005). Este trabalho é realizado sobre a perspectiva da Ergonomia da Atividade, também conhecida como ergonomia francesa, centrada na atividade de trabalho e sua análise. O projeto de uma ergonomia francófona foi concebido em 1950 e concretizado em 1963, com a criação da Sociéte d’ergonomie de langue française - SELF. A partir de então, a ergonomia francesa começou a distanciar-se da ergonomia focada na construção experimental de orientações a respeito dos fatores humanos, dedicando-se a análise da atividade realizada em situação de trabalho (LAVILLE, 2007). Na América do Norte o termo Fatores Humanos foi muito mais utilizado do que Ergonomia, o que pode ser observado no nome de sua associação - Human Factors Society. Muito utilizada durante a Segunda Guerra Mundial, a ergonomia de fatores humanos se preocupa principalmente em obter dados sobre as características humanas e utilizá-los para projetar equipamentos, ferramentas, máquinas e sistemas, para que possam ser utilizados pelo homem com conforto e segurança. Enquanto isso, a ergonomia europeia, principalmente a ergonomia francófona, busca entender e transformar o trabalho – atuando diretamente nos locais da produção ao invés de conceber projetos em laboratório (GUIMARÃES, 2011). 1.2 CONCEITUANDO A ERGONOMIA Iida (2005) declara que existem muitas definições diferentes para a ergonomia e que todas elas apontam o caráter interdisciplinar e o objeto de estudo da disciplina. Falzon (2007) aborda algumas definições de ergonomia para compreender como os conceitos da disciplina evoluíram sob a perspectiva dos próprios ergonomistas. A primeira definição abordada pelo autor foi proposta pela Sociéte d’ergonomie de langue française – SELF - em 1970:
  • 17. 17 A ergonomia pode ser definida como a adaptação do trabalho ao homem ou, mais precisamente, como a aplicação de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para conceber ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia (SELF, 2016, tradução nossa). O autor observa que esta definição enfatiza a finalidade prática da ergonomia, representando-a como a prática da transformação das situações e dos dispositivos utilizando- se de conhecimentos relativos ao homem. O termo “adaptação do trabalho ao homem”, utilizado nesta definição, é apontado pelo mesmo como a fórmula clássica da ergonomia, inspirada no título da obra de Faverge, Leplat e Guiguet – L’Adaptation de la machine à l’homme de 1958. Segundo Curie (2004) existem diversas representações da ergonomia, elaboradas de acordo com a posição profissional de cada um. Um pesquisador, por exemplo, ao falar sobre ergonomia, tende a levar em conta as questões de reconhecimento acadêmico, enquanto outros profissionais têm maior interesse nas perspectivas que a ergonomia pode proporcionar a sua ocupação. Para o mesmo a ergonomia consiste em observar o trabalho de maneira diferente, utilizando conhecimentos que estejam acessíveis e que ainda não tenham sido empregados e/ou relacionando estes conhecimentos de maneira ímpar. O autor comenta a definição adotada pela SELF em 1988, que é semelhante a descrição adotada em 1970: Ergonomia é a “utilização de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para conceber instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados pelo maior número de pessoas, com o máximo de conforto, de segurança e de eficiência (SELF, 2016, tradução nossa). O mesmo afirma que se nos apropriarmos desta definição da ergonomia, automaticamente estaremos assumindo que a ergonomia é uma tecnologia, ou uma arte, assim como defendido por Wisner (2004) – o qual considera a ergonomia muito mais uma prática profissional do que uma área da ciência. Essa questão é tema do livro A ergonomia em busca de seus princípios – debates epistemológicos, coordenado por François Daniellou. O livro traz um debate epistemológico acerca da Ergonomia da Atividade. Segundo Daniellou (2004) existe uma consciência internacional de que a ergonomia não é a simples aplicação tecnológica de conhecimentos produzidos por outras disciplinas. Contudo, sua capacidade de produzir conhecimentos científicos é objeto de uma discussão bastante abrangente, que possui pressupostos tais como: a) o fato de a ergonomia utilizar-se de conhecimentos advindos de várias áreas;
  • 18. 18 b) o consenso de que esta utilização não se trata de uma simples aplicação, já que a ergonomia possui caráter integrador e tende a transformar estes conhecimentos; c) a admissão da ergonomia como disciplina que solicita das demais disciplinas a produção de conhecimentos em zonas nas quais sua aplicação aponta lapsos. Daniellou (2004) afirma que este debate permanece em aberto. O autor declara que após os debates do livro alguns continuaram a perceber a ergonomia como um projeto, ou como tecnologia, que se utiliza de conhecimentos de outras disciplinas - estes acreditam que os conhecimentos produzidos pela ergonomia terminarão sendo adotados pela disciplina mais próxima. Outros continuam convencidos de que os conhecimentos produzidos pela ergonomia a respeito das atividades de trabalho e das atividades do ergonomista poderão receber em algum momento o título de “científico”. A definição de ergonomia atualmente reconhecida internacionalmente foi adotada pela International Ergonomics Association (IEA) em 2000: A ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim de otimizar o bem estar humano e o desempenho global do sistema. Os ergonomistas contribuem para o projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, ambientes e sistemas de modo a torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas (IEA, 2016, tradução nossa). Falzon (2007) afirma que esta definição sinaliza uma mudança na percepção que a disciplina possui de si mesma e demonstra várias evoluções, trazendo inclusive a figura do ergonomista e suas atividades. Por se tratar de uma definição internacional, nota-se que a mesma deve abranger a todas as vertentes da ergonomia ao redor do mundo, como a Ergonomia da Atividade e a Ergonomia de Fatores Humanos. Além disso, esta descrição permite interpretar a ergonomia tanto como uma disciplina científica quanto como uma prática. A definição da IEA também apresenta áreas de especialização da ergonomia, descritas por Falzon (2007) como formas de competência do ergonomista. As áreas de especialização da ergonomia segundo a definição da IEA adotada em 2000: A ergonomia física está relacionada com às características da anatomia humana, antropometria, fisiologia e biomecânica em sua relação a atividade física. Os tópicos relevantes incluem o estudo da postura no trabalho, manuseio de materiais, movimentos repetitivos, distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho, projeto de posto de trabalho, segurança e saúde.
  • 19. 19 A ergonomia cognitiva refere-se aos processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e resposta motora conforme afetem as interações entre seres humanos e outros elementos de um sistema. Os tópicos relevantes incluem o estudo da carga mental de trabalho, tomada de decisão, desempenho especializado, interação homem computador, stress e treinamento conforme esses se relacionem a projetos envolvendo seres humanos e sistemas. A ergonomia organizacional concerne à otimização dos sistemas sócio técnicos, incluindo suas estruturas organizacionais, políticas e de processos. Os tópicos relevantes incluem comunicações, gerenciamento de recursos de tripulações (CRM - domínio aeronáutico), projeto de trabalho, organização temporal do trabalho, trabalho em grupo, projeto participativo, novos paradigmas do trabalho, trabalho cooperativo, cultura organizacional, organizações em rede, tele trabalho e gestão da qualidade (IEA, 2016, tradução nossa). Para Falzon (2007), a distinção entre estas áreas é passível de discussão. Muitos analistas da atividade podem argumentar que a sua prática particular está inserida em mais de uma destas áreas: o fato é que a prática real de um ergonomista tende a se situar em determinado campo de aplicação ou setor em especial. Devido ao caráter interdisciplinar da ergonomia, a existência de área de especialização pode ser relacionada a formação dos ergonomistas, os quais são originalmente engenheiros, fisiologistas, médicos etc. Assim, os mesmos poderão se sentir mais atraídos ou preparados para determinados tipos de aplicação, de acordo com sua origem. 1.3 OS OBJETIVOS DA ERGONOMIA Iida (2005) aponta como objetivos da ergonomia a saúde, a segurança, a satisfação e a eficiência dos trabalhadores enquanto se relacionam com o sistema produtivo. No entanto, a eficiência dos operadores1 é tratada apenas como uma consequência do alcance dos demais objetivos. Para o autor não é aceitável posicionar a eficiência como objetivo principal da ergonomia, uma vez que isto poderia resultar na adoção de medidas que podem causar aumento dos riscos e da insatisfação dos trabalhadores. Esta dualidade entre os interesses dos trabalhadores e os interesses das organizações (centrada na eficiência e produtividade dos trabalhadores para o alcance de seus objetivos econômicos) também é discutida por Guérin et al. (2001). Os mesmos apontam o interesse dos ergonomistas na concepção de situações de trabalho que propiciem aos 1 Neste trabalho o termo operador é utilizado como sinônimo de trabalhador para indicar qualquer pessoa que exerça alguma atividade profissional.
  • 20. 20 trabalhadores a preservação de sua saúde, a prática de suas competências e a busca por oportunidades de valorização de suas capacidades, ao mesmo tempo em que permite que a empresa atinja seus objetivos. Para Guérin et al. (2001) estes objetivos podem ser complementares, contanto que se considere a interação entre as dimensões social e produtiva. Para Falzon (2007) nenhuma outra disciplina traz de forma tão explícita esta dualidade. O autor indica que de acordo com a sensibilidade, a prática, ou a área profissional de um ergonomista o mesmo poderá inclinar-se para um dos dois objetivos. Porém, não se pode ser um ergonomista e ignorar totalmente algum deles. 1.4 A ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO Os maiores problemas que perturbam a saúde e o rendimento dos trabalhadores derivam do desconhecimento da atividade de trabalho (por parte dos projetistas do trabalho e da organização do trabalho) e do modo como os trabalhadores são implicitamente considerados como meio de trabalho. Geralmente os aspectos técnicos, organizacionais e financeiros de um sistema produtivo são determinados com antecedência, fazendo com que o trabalhador tenha de se adaptar as características técnicas e organizacionais deste sistema. Essa ordem de concepção cria sistemas produtivos que ignoram a especificidade do homem, gera desilusões e consequência graves (ás vezes ocultas) e que na maioria das vezes são atribuídas ao trabalhador em detrimento aos métodos de concepção, gestão ou escolha técnica. Pode-se perceber o homem sendo tratado como meio de trabalho a partir da noção de erro humano: incidentes e acidentes em um sistema produtivo são atribuídos precipitadamente aos trabalhadores, desprezando a atuação dos meios de trabalho que foram concebidos de forma a ignorar a especificidade do funcionamento humano e sua variabilidade (GUÉRIN et al., 2001). Com vistas a atenuar estes problemas, a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) busca transformar positivamente o trabalho através de um processo do qual participem todos os atores envolvidos na situação, com seus diferentes pontos de vista e interesses próprios. Os autores ressaltam que a metodologia da AET não se resume a realização de medidas, observações e entrevistas com os trabalhadores. Sua abordagem não pode se basear na simples aplicação de ferramentas pré-construídas: é preciso que se adapte os seus métodos
  • 21. 21 ao contexto analisado. Logo, não existe um modelo único de ação ergonômica: a construção de cada ação ergonômica assume uma abordagem particular (GUÉRIN et al., 2001). De acordo com Guérin et al. (2001) o termo trabalho pode ser utilizado para indicar várias realidades. São elas as condições de trabalho (trabalho difícil, trabalho pesado etc.), o resultado do trabalho (trabalho mal feito ou trabalho bem feito, por exemplo) ou a própria atividade de trabalho. Assim, o trabalho pode ser reconhecido como a união destas três realidades, que não existem de forma independente (Figura 1, abaixo). Figura 1 – As diferentes realidades do trabalho. Fonte: Guérin et al., 2001. Analisar o trabalho significa analisar rigorosamente este conjunto. Porém, devido a amplitude do campo teórico e prático a investigar, analisar todo este sistema torna-se uma prática inviável, tornando necessário um recorte dos campos de conhecimento e de ação. Na prática das empresas e nas disciplinas cientificas estas realidades são tratadas separadamente sem que se ignore seu conjunto: profissionais de segurança do trabalho tendem a se preocupar principalmente com as condições do trabalho, ao passo em que o departamento de qualidade de uma empresa se preocupa com os resultados finais, por exemplo (GUÉRIN et al., 2001). Existem várias formas de analisar o trabalho. A análise do trabalho do ponto de vista ergonômico contribui para uma descrição da atividade de trabalho, descrição que relaciona atividade, produção e saúde, e transforma as representações dos problemas encontrados junto aos interlocutores. Essa representação permitirá aos diferentes colaboradores transformar o trabalho (GUÉRIN et al., 2001). Wisner (2004) comenta que a
  • 22. 22 AET se tornou uma metodologia essencial nos países de língua francesa, aplicada para responder a uma questão especifica e propor soluções operatórias. Muitas vezes a AET acarreta em transformações dos sistemas técnicos, na organização do trabalho, na gestão da empresa ou de outros fatores. Este autor compara a AET a um diagnóstico médico, afirmando que em ambos os casos há um objetivo indicado precisamente e busca-se uma solução para um problema inicial. Contudo, enquanto a medicina cuida de examinar e tratar uma pessoa, a AET busca transformar uma situação de trabalho para que ela se torne mais adequada para a maioria daqueles que ela irá atingir. Vidal (2011a) declara que a Análise Ergonômica do Trabalho busca entender as relações entre a atividade de trabalho e todo o seu contexto ambiental, tecnológico e organizacional, para dar conta de uma transformação positiva da situação de trabalho. Falzon e Béguin (2007) ressaltam que a AET não se satisfaz com a produção de conhecimentos acerca das situações de trabalho. Ela pretende a ação. É importante ressaltar que o interesse do ergonomista não é a atividade de trabalho por si só, uma melhor compreensão da atividade de trabalho só se justifica se permitir a transformação do trabalho, o que frequentemente implica em uma leitura crítica do funcionamento da empresa. Tal leitura que interroga as demais leituras realizadas segundo diferentes pontos de vista presentes na empresa. Esta leitura específica supõe jamais julgar previamente os elementos desse funcionamento como intangíveis: deve ser possível analisá- los, questioná-los e justificá-los na medida em que for necessário para a compreensão da atividade. Se o ergonomista não tiver o olhar comandado pela compreensão da atividade de trabalho, ele corre o risco de não detectar alguns dos problemas essenciais das condições de trabalho e segurança do setor (GUÉRIN et al., 2001). 1.4.1 Trabalho e saúde As agressões à saúde relacionadas ao trabalho não são somente as doenças do trabalho reconhecidas ou os acidentes no trabalho. A AET contribui para a identificação dos mecanismos de agressão a saúde ligados ao trabalho e para a proposta uma transformação do trabalho com finalidade preventiva. Esta análise busca identificar situações de trabalho que solicitem de maneira crítica o organismo, as capacidades cognitivas ou as personalidades dos trabalhadores antes que ocorram consequências irreversíveis. Frequentemente os sofrimentos
  • 23. 23 são relatados pelos operadores aos ergonomistas, os quais investigam as origens destes sofrimentos nas características do próprio trabalho. Porém, as agressões a saúde sempre são precedidas por sinais perceptíveis aos operadores. Muitas vezes os operadores relacionam sua saúde a situação de trabalho, mas em muitas outras atribui agressões a sua saúde a uma fraqueza pessoal, sem perceber a relação com a situação de trabalho. Enfim, quaisquer que sejam os mecanismos que interferem nas relações entre trabalho e saúde, podemos observar que as agressões a saúde não são apenas o resultado de uma exposição a fatores nocivos. O trabalhador tem papel ativo na preservação e construção de sua saúde, mas muitas vezes suas tentativas são frustradas (GUÉRIN et al., 2001). De acordo com Doppler (2007) as relações entre trabalho e saúde são objeto de estudo de várias disciplinas, entre as quais cita-se a ergonomia, a medicina do trabalho, a psicodinâmica e a sociologia. O autor considera algumas dimensões do trabalho para analisar as relações entre trabalho e saúde, e a forma como as agressões a saúde no trabalho evoluíram juntamente com o próprio trabalho. Estas dimensões são: o estatuto do trabalho (que trata da evolução histórica do trabalho e seu status perante a sociedade), o conteúdo do trabalho e suas mudanças, e as condições de trabalho. Echternacht (2008) relata que as mudanças sofridas pelos sistemas de produção, desde a primeira revolução industrial até a atualidade, estiveram atreladas a alterações importantes nas formas como as pessoas vivem, trabalham e adoecem. Para a autora, a complexidade progressiva dos processos de adoecimento dos trabalhadores vem se caracterizando como um problema epidemiológico. O trabalho influencia a saúde e a capacidade funcional dos trabalhadores, e gera reflexos em sua vida profissional, social e econômica. Nem todas as consequências do trabalho são negativas, certas situações permitem que os trabalhadores utilizem e desenvolvam suas competências, ampliem sua formação e aumentem sua remuneração. O trabalho pode ser fonte de satisfação e realização de objetivos pessoais, e é importante preservar estes efeitos quando ocorrem transformações da situação de trabalho. Contudo, a ausência de traços negativos não é suficiente para caracterizar positivamente uma situação de trabalho, já que os postos podem ser ocupados por operadores particularmente resistentes, devido a uma seleção formal ou implícita (GUÉRIN et al., 2001). Echternacht (2008) aponta a necessidade de confrontar o conhecimento cientifico e os conhecimentos oriundos da experiência dos trabalhadores para a construção dos saberes necessários ao entendimento das relações entre saúde e trabalho. O trabalhador gerencia a si mesmo e a sua própria saúde durante sua atividade, assim, é necessário
  • 24. 24 compreender a singularidade das experiências individuais e coletivas dos trabalhadores enquanto reconhecem e classificam os riscos de seu próprio trabalho. Doppler (2007, p.54) aponta que assim como o trabalho, o desemprego também acarreta em agressões a saúde. Além da angústia causada pela supressão de sua remuneração, o desemprego significa para alguns “um traumatismo social generalizado que repercute em todos os aspectos da vida cotidiana e em todas as dimensões da pessoa, em particular da saúde.” Este autor afirma que a ergonomia é uma disciplina muito importante para a promoção da saúde no trabalho e toda ação ergonômica tem a saúde como parte integrante, mesmo que ela não esteja inserida na demanda. 1.4.2 O trabalho prescrito e o trabalho real A AET preocupa-se em analisar as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para administrar as discrepâncias entre o trabalho prescrito e o trabalho real. O trabalho prescrito, denominado tarefa, é um conjunto de objetivos dado ao operador e um conjunto de prescrições definidas para atingir estes objetivos. O conceito de tarefa está ligado a necessidade das organizações de estabelecer métodos de gestão que permitam definir e medir a produtividade a partir da relação entre os trabalhadores e os meios de trabalho. A tarefa é imposta ao trabalhador, ela determina e constrange sua atividade, e ao mesmo tempo é essencial para que o trabalhador atue, pois, ao determinar sua atividade, ela também o autoriza a realizá-la. Enquanto isso, a atividade de trabalho pode ser definida como uma estratégia do operador para adaptar-se as condições reais de trabalho. O trabalhador elabora suas atividades em tempo real e através dela ele responde aos constrangimentos exteriores e, ao mesmo tempo, é capaz de transformá-los (GUÉRIN et al., 2001). Falzon (2007) descreve a tarefa como “aquilo que se deve fazer”, aquilo que é prescrito pela empresa ou organização: a tarefa é composta por um objetivo - exposto em razão de um resultado final e que pode ser descrito em diferentes dimensões tais como quantidade, qualidade e outras – e pelas condições de sua realização – tais como métodos, normas, instruções, instrumentos, equipamentos, ferramentas de apoio, controles, modos de remuneração, entre outras. A atividade, por sua vez, é descrita pelo autor como “aquilo que é realmente feito”, aquilo que é mobilizado pelo trabalhador para executar a tarefa. Segundo Daniellou (2004), a Ergonomia da Atividade reconhece que o trabalho não se trata da simples
  • 25. 25 execução de instruções. A Figura 2, logo abaixo, ilustra as relações entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Figura 2 – O trabalho prescrito e o trabalho real. Fonte: Guérin et al., 2001. Daniellou (2002) aponta que as prescrições do trabalho podem se originar de inúmeras fontes e em variadas formas, escritas ou não. Falzon e Béguin (2007) afirmam que as prescrições que advém de fontes diferentes são ocasionalmente contraditórias e devem ser compatibilizadas pelo operador durante a atividade de trabalho. Além das prescrições formais, como as que provém da organização, há as prescrições que estão fisicamente presentes nas situações de trabalho, como as que provém dos meios de trabalho ou até mesmo do colegas de trabalho e clientes. Six (2002) as distingue em prescrições ascendentes – oriundas da estrutura organizacional – e prescrições descendentes – oriundas do meio de trabalho. Falzon e Béguin (2007) indicam a importância de se identificar estas fontes e suas prescrições, uma vez que todas elas tendem a ignorar o fato de não serem a única origem de prescritos. Conforme Daniellou (2002), a fonte de prescrição mais conhecida é a autoridade hierárquica. Suas prescrições podem se apresentar de variadas formas e terem ou não registros, mas são sempre percebidas pelos trabalhadores como uma ordem de seus superiores. Elas também podem se originar de autoridades não vinculadas à empresa, como os prescritos que regulam as relações de trabalho e a ética profissional. Entre as fontes de prescrições ascendentes, Daniellou (2002) cita os materiais e as máquinas, que podem ditar, por exemplo, o ritmo de trabalho. As prescrições também podem ascender do cliente, paciente ou estudante. Ademais, o trabalho coletivo também é uma forma de prescrição, uma vez que o trabalho pode ser interdependente ou colaborativo.
  • 26. 26 Daniellou (2002) exprime que algumas prescrições advém do próprio trabalhador, como suas expectativas, desejos e seus valores pessoais, os quais prescrevem ou proíbem uma forma particular de interação pessoal. Outra fonte de prescritos que advém do próprio trabalhador são as normas biológicas inscritas em seu corpo, as quais determinam, por exemplo, os diferentes níveis de atenção que são mobilizados ao longo do dia. Por fim, o autor afirma que algumas prescrições se originam no que ele denomina como modos de pensar: as palavras e conceitos que podem ser utilizados em uma empresa, em um meio e em determinado momento constituem uma injunção sobre as formas de se comportar e agir. Segundo Echternacht (2008) a atividade humana exige uma gestão permanente do uso de si por si mesmo e do uso de si por outros. Durante esta gestão ocorre um debate entre normas antecedentes e as normas inscritas no corpo do trabalhador (suas próprias normas internas). Essas reinterpretações das normas antecedentes para reajustá-las a si mesmo, ao meio e a situação presente, são denominadas re-normalizações. De acordo com a autora: Trabalhar é gerir-se em um meio circunscrito por normas de ordens técnica, organizacional, gerencial, por entre as estruturas produtivas que hetero-determinam os objetivos do trabalho humano, seus instrumentos, seu tempo, seu espaço. Porém, tais níveis de hetero-determinação não excluem a atividade humana em sua mobilização de saberes e valores incorporados na prática, condição para o agir competente em um meio produtivo em constante transformação. Ou seja, tais re-normalizações consistem na gestão de si mesmo em um meio influenciando por prescrições oriundas de diversas fontes que são na maioria das vezes incompatíveis. Segundo Rodrigues (2013), há algum tempo os prescritos e normas vêm sendo valorizados como componentes importantes do trabalho. Os prescritos permitem que os trabalhadores reconheçam sua atividade de trabalho, seus limites e poderes na visão da empresa. De acordo com a autora, umas das contribuições da Ergonomia da Atividade é a busca por melhores formas de formular prescrições, considerando todos os atores do trabalho e dando a devida importância à palavra do trabalhador durante a busca de soluções para os problemas do trabalho, e durante as decisões finais. De acordo com Echternacht (2002), o distanciamento entre os princípios da gestão prescrita dos riscos, a singularidade das situações de trabalho e as re-normalizações nela operadas reduz as probabilidades de atingir eficiência preventiva.
  • 27. 27 1.4.3 Variabilidade Falzon e Béguin (2007) afirmam que os sistema de produção são dotados por variabilidade e diversidade que podem ser parcialmente previstas. Algumas são desejáveis (como a diversidade de produtos fabricados), outras são tratadas com menos relevância (como as limpezas ocasionalmente necessárias no local de trabalho, por exemplo) e há aquela que são totalmente indesejáveis, como os acidentes e incidentes de trabalho ou a variação de tolerância das matérias primas. A análise do trabalho permite compreender como os operadores enfrentam a diversidade e as variabilidade das situações de trabalho e quais suas consequências para a saúde e a produção. A empresa define os meios técnicos e organizacionais necessários para se atingir os objetivos da produção e geralmente se organizam de modo a limitar a variabilidade na produção. Contudo, sempre permanece uma variabilidade importante. O trabalhador tem de levar em conta os constrangimentos de variabilidade da produção e temporais na elaboração de seus modos operatórios. As diferenças entre a qualidade e quantidade prevista e realizada e sua flutuação no tempo comumente tem múltiplas origens. Essas diferenças podem estar relacionadas a variações da matéria prima ou disfunções técnicas. Uma perturbação inicial do processo ou das condições de produção nem sempre produz consequências diretas no resultado do trabalho, pois esta perturbação é quase sempre identificada pelos operadores. Eles modificam suas ações de modo a enfrentar a perturbação, respondendo as imperfeições do processo técnico (GUÉRIN et al., 2001). Tão importante quanto a variabilidade industrial é a variabilidade que diz respeito aos indivíduos pois cada operador tem suas próprias história e experiências. Os constrangimentos, dificuldades e eventos positivos que cada um encontra fora de seu trabalho são variáveis. Assim, o mesmo posto de trabalho ocupado por pessoas diferentes apresentará situações de trabalho especificas, os esforços, o raciocínio e a fadiga resultante não serão iguais, mesmo que o resultado pareça idêntico. A esta diversidade interindividual acrescentam-se as variações do estado de cada um, as quais podem ocorrer num curto prazo obedecendo a ritmos biológicos ou acontecimentos aleatórios. Além disso, tem-se as variações relativas à idade ou sexo, por exemplo (GUÉRIN et al., 2001). Wisner (1987, p.53) considera que os postos de trabalho geralmente não são bem adaptados ao homem pois são projetados segundo um conceito de ser humano que na verdade não existe. Este é o conceito do “operário médio, bem treinando e que trabalha em
  • 28. 28 um posto estável”. Essa concepção ignora as diversas variabilidades do homem e da situação de trabalho e pode gerar consequências graves. 1.4.4 As estratégias dos trabalhadores A atividade de um operador é resultado de um compromisso complexo entre fatores externos e internos ao operador, os quais variam com o tempo e se atualizam constantemente. Para atingir os objetivos exigidos, o trabalhador elabora e atualiza constantemente estratégias originais. A atividade do operador pode se organizar em função de diferentes objetivos: os objetivos gerais determinados pela empresa (produzir 50 peças por dia, por exemplo), os objetivos intermediários que o operador determina para atingir os objetivos da empresa (por exemplo, produzir 20 peças antes do meio dia) e os objetivos mais pessoais (como o fato de não produzir uma peça próximo a hora do almoço para não ter de retomar o trabalho começado) (GUÉRIN et al., 2001). Os trabalhadores elaboram modos operatórios, que podem ser descritos como “maneiras de trabalhar”. Os modos operatórios resultam de um compromisso que considera os objetivos exigidos, os meios de trabalho, o estado interno do trabalhador e os resultados produzidos, ou a informação que o trabalhador tem sobre eles. Essa construção é constituída ao mesmo tempo por mecanismos de exploração perceptiva, mecanismos de processamento de informações e atividades musculares. De acordo com a experiência do operador uma dada situação poderá mobilizar conhecimentos mais ou menos amplos para a elaboração de seus modos operatórios, e cada nova situação vivida acrescenta uma nova experiência ao operador (GUÉRIN et al., 2001). De acordo com Vidal (2011a), o modo operatório é o resultado da regulação realizada pelo trabalhador sobre a tarefa que lhe é prescrita, os meios para sua execução e a forma como realiza-la. Uma vez que a articulação desses elementos nem sempre ocorre de modo ideal, o trabalhador tem de ajustar seus comportamentos e procedimentos, resultando em um modo operatório. O acervo do qual dispõe um trabalhador para elaborar diferentes modos operatórios é denominado margem de manobra, e pode ser maior ou menor de acordo com a situação. O conceito de carga de trabalho está diretamente relacionado com o conceito de margem de manobra: a carga de trabalho aumenta à medida que se reduzem o número de modos operatórios disponíveis ao operador, ou seja, à medida em que sua margem de
  • 29. 29 manobra é reduzida. Nos piores casos, apenas um modo operatório está disponível ou até mesmo nenhum, impedindo que se alcance os objetivos exigidos: assim ocorre uma sobrecarga (GUÉRIN et al., 2001). Segundo Falzon e Sauvagnac (2007), o termo carga pode ser usado para se referir tanto ao nível de exigência de uma tarefa em determinado momento quanto às consequências desta tarefa. Assim, a palavra carga pode se referir tanto ao constrangimento percebido quanto ao esforço realizado por um trabalhador. Os autores descrevem constrangimento como o nível de exigência solicitado por uma tarefa e que pode variar de acordo com as exigências instantâneas da mesma, enquanto o esforço é descrito como o grau de mobilizações físicas, cognitivas e psíquicas de um trabalhador. Spérandio (1972 apud Falzon e Sauvagnac, 2007) analisa as relações bilaterais entre carga de trabalho e modo operatório: a carga de trabalho resulta da adoção de um modo operatório e ao mesmo tempo promove mudanças no modo operatório. Segundo este modelo, o trabalhador dispõe de um conjunto de modos operatórios (margem de manobra) que ele pode utilizar de acordo com o nível de exigência da tarefa (carga de trabalho): quando a tarefa solicita menor nível de exigência o trabalhador utiliza um modo operatório que economiza esforços e satisfaz mais critérios; quando este nível aumenta e atinge um certo limiar o trabalhador é levado a adotar outro modo operatório, que reduza seu esforço. Caso o nível de exigência continue a aumentar o processo é repetido. Logo, o conjunto de modos operatórios de que dispõe o trabalhador influi no esforço realizado. Esta estratégia adotada pelo trabalhador é denominada regulação dos modos operatórios. A Figura 3, abaixo, representa graficamente a regulação dos modos operatórios em função do esforço realizado. Figura 3 – A regulação dos modos operatórios em função do esforço realizado. Fonte: Spérandio, 1972 apud Falzon e Sauvagnac, 2007.
  • 30. 30 Outra estratégia frequentemente adotada pelos operadores é a antecipação. Os trabalhadores tentam antecipar os eventos futuros e planejam as próximas ações de sua atividade. Esta antecipação poderá compreender um prazo bem curto – como a próxima peça em uma linha de produção - ou um prazo maior – de dias ou semanas. Este planejamento é reelaborado continuamente de acordo com os acontecimentos ocorridos (GUÉRIN et al., 2001). 1.4.5 O conhecimento dos trabalhadores O operador empregam saberes todos os dias no trabalho, mesmo que não sejam formalizados, expressos e reconhecidos. Os interlocutores habituais dos operadores não se interessam por estes saberes, ignorando-os. Na maioria das vezes, ao apresentar o resultado de uma análise do trabalho ao operador ele responde que jamais percebeu que realizava tudo aquilo (GUÉRIN et al., 2001). A busca de informações está atrelada a ação humana. O homem não se limita a receber estímulos: ele explora o espaço de maneira seletiva, de acordo com a atividade em curso. Conforme as informações adquiridas e os objetivos exigidos, o trabalhador seleciona o que deve explorar em seguida. A ligação entre o que está presente na memória do operador e a representação da situação na qual ele se encontra naquele momento é reciproca. Os conhecimentos memorizados permitem a construção de uma representação eficaz para abordar a situação: eles guiarão a exploração, orientarão as informações recolhidas e permitirão a escolha de ações apropriadas. As ações realizadas contribuem para o processo de aprendizagem, permitindo uma melhor adaptação das ações aos objetivos. A aprendizagem permite inúmeras possibilidades e ganhos de rapidez, eficácia e redução de custos, mas ao mesmo tempo pode ser fonte de dificuldades. Os resultados da aprendizagem dependem amplamente do tempo concedido para alcançar o domínio da tarefa e dos meios fornecidos para a articulação das diferentes situações encontradas (GUÉRIN et al., 2001). Weill-Fassina e Pastré (2007, p.176) comentam que aqueles que possuem competências comumente sabem fazer mais coisas do que conseguem explicar. As discrepâncias existentes entre o trabalho prescrito e o trabalho real implicam em um conjunto de competências (saberes-fazer). Além das exigências do trabalho prescrito, os trabalhadores tem de gerir os recursos do sistema e lidar com as variabilidades da situação de trabalho.
  • 31. 31 1.4.6 As dimensões do homem Daniellou (2004) afirma que toda pesquisa ou texto em ergonomia faz referência, seja de forma implícita ou explicita a um modelo do homem. Este modelo pode considerar uma ou mais dimensões, sejam elas as dimensões biológica, cognitiva, psíquica ou social. Segundo o mesmo, a análise da atividade poderá considerar apenas uma destas dimensões ou o conjunto delas. Wisner (2004) declara que não se pode utilizar todos os conhecimentos a respeito do homem e seu trabalho durante uma análise ergonômica do trabalho, mesmo com muito tempo disponível e muitas pessoas engajadas no estudo. O autor afirma que a presença de muitos mecanismos complexos limitam a validação dos resultados da análise ergonômica e a aplicação das soluções propostas. O ergonomista tende a ser mais eficaz ao passo em que compreende e utiliza de forma positiva tais limitações. 1.4.7 Resultados e consequências das atividades de trabalho A atividade de trabalho e as condições na qual ela se desenvolve tem várias consequências para os operadores, para a produção e para os meios de trabalho - as quais são alvo de interpretações distintas por parte dos atores envolvidos. A AET se inclina pela busca das causas e consequências negativas das situações de trabalho porque elas frequentemente estão associadas a demanda de ação ergonômica e porque geram transtornos na vida dos trabalhadores e no funcionamento da empresa. A identificação das consequências negativas são uteis em três momentos da ação ergonômica: no decorrer da análise da demanda (para analisar, organizar e compreender as questões levantadas), no decorrer da análise da atividade de trabalho (para analisar as relações entre a atividade, seus determinantes e seus efeitos, escolher métodos, interpretar resultados e justificar proposta de transformação) e na avaliação da transformações das condições de trabalho, utilizando a evolução destas consequências como critério de avaliação da ação ergonômica (GUÉRIN et al., 2001). Muitas vezes os constrangimentos da organização do trabalho são muito pesados e conduzem a transformações de personalidade que contribuem negativamente para a saúde dos trabalhadores envolvidos e dificultam o ambiente coletivo. O ergonomista não
  • 32. 32 possui ferramentas para lidar diretamente com essas relações entre a organização do trabalho e a personalidade, mas frequentemente ele irá se deparar com situações de trabalho quem que esses aspectos irão lhe chamar a atenção, como em situações em que existe um conjunto de patologias não explicáveis de maneira simples ou quando os trabalhadores negam as dificuldades da situação, as quais são evidentes para o observador externo. A identificação destes conflitos permite que o analista da atividade não contribua para o agravamento das dificuldades dos trabalhadores - o que poderia acontecer se ele enfrentasse diretamente as “defesas psíquicas” existentes. Não cabe ao ergonomista contestar os comentários, nem denunciar os comportamento observados durante a atividade dos trabalhadores submetidos a estas dificuldades (GUÉRIN et al., 2001). Falzon e Sauvagnac (2007) abordam o estresse e a fadiga como consequência do trabalho. Para os autores a fadiga é resultado de um trabalho realizado sob determinadas condições que causam perda temporária e reversível da eficiência do trabalhador. É uma relação biunívoca: o esforço aumenta a fadiga e essa por sua vez aumenta o esforço. Guérin et al. (2001) afirmam que o termo fadiga pode ser utilizado para se referir a fadiga física ou simplesmente para indicar que o trabalho exige o uso das capacidades além do limite. Quanto ao estresse, Falzon e Sauvagnac (2007) afirmam que além do aspecto negativo ele também é uma reação positiva: o estresse permite que o corpo se adapte as agressões do meio, possibilitando que o trabalhador empregue melhor suas capacidades físicas e mentais. Para os mesmos, a ação ergonômica deve deslocar o ponto de vista da empresa sobre o estresse. Ele deve deixar de ser percebido como uma patologia ou sofrimento dos trabalhadores que deve ser ouvido para ser interpretado como uma solicitação para a avaliação das condições do trabalho. Daniellou (2004) comenta o caráter duplo do resultado de um trabalho: apesar de a produção de um sistema produtivo possuir uma marca discreta dos operadores, é fato que será comercializada sob o nome da empresa a fim de gerar lucros e garantir a sobrevivência da organização. Contudo, os trabalhadores produzem novos laços, novas relações, novos conhecimentos e novas experiências que se estendem para sua vida pessoal. Tais laços, constituídos pela atividade de trabalho, são objeto de estudo do ergonomista, seja durante o exame das dificuldades inerentes ao trabalho ou durante as intervenções na concepção do trabalho. Guérin et al. (2001) ressaltam que os trabalhadores customizam seu espaço de trabalho não só para personalizá-lo mas também em função da sua atividade ou em relação a determinadas características da situação de trabalho. O caráter social do trabalho é inseparável
  • 33. 33 do caráter econômico, já que os bens e serviços somente são reconhecidos como resultado de uma atividade de trabalho se puderem ser vendidos no mercado. A dimensão socioeconômica do trabalho é quem transforma a atividade humana em atividade de trabalho. A AET deve abordar estas dimensões de forma interdependente, uma vez que as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores se encontram na articulação entre elas. O analista do trabalho sempre se confronta com a singularidade dos trabalhadores, os quais colocam sua vida pessoal e social em jogo em suas atividades de trabalho, e ao mesmo tempo defronta-se com o modo como essa singularidade é objeto da gestão da empresa.
  • 34. 34 2 AS ETAPAS DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO A AET é uma metodologia, ou seja, a utilização de métodos, técnicas, modelos e ferramentas de acordo com uma demanda específica e a natureza desta demanda (VIDAL, 2011b). Segundo Vidal (2011a, p. 246), “a Análise Ergonômica do Trabalho se constitui em um conjunto estruturado e intercomplementar de análises situadas, de natureza global e sistemática, sobre os determinantes das atividades das pessoas numa organização”. Guérin et al. (2001) dizem que a condução do processo de análise ergonômica parte da demanda e se elabora ao longo do desenvolvimento da ação. Toda ação ergonômica é única, mas existem fases e pontos importantes que podem ser destacados para auxiliar a construção da mesma. Falzon e Béguin (2007) afirmam que estas fases não devem ser necessariamente sequenciais, na verdade ocorrem retornos as etapas anteriores e superposições. Ademais, seus métodos não são definidos antecipadamente. A Figura 4, na página seguinte, ilustra o esquema de ação ergonômica proposto por Guérin et al. (2001). 2.1 ANÁLISE DA DEMANDA Geralmente, a ação ergonômica provém de uma demanda. Esta se origina de vários interlocutores: direção da empresa, comissão de fábrica, organização profissional ou sindical, instituições públicas ou diretamente dos trabalhadores. Pode-se citar como exemplos de demanda a necessidade de alterar a situação de trabalho para respeitar normas de higiene ou as queixas dos trabalhadores sobre uma atividade agressiva a saúde. Via de regra, a demanda reflete um conjunto de relações muitas vezes conflitantes e sempre complexas, e pode ser expressa como o resultado de uma história. Ademais, a demanda também transmite as preocupações da sociedade em um dado momento (GUÉRIN et al., 2001). Vidal, Bonfatti e Carvão (2002) classificam as demandas segundo sua origem: demandas que tenham origem na organização (demanda real), demandas propostas pelo pesquisador ou grupo de pesquisa (demanda provocada ou latente) ou as demandas que tenham origem nas tensões de natureza trabalhista (demandas sociais).
  • 35. 35 Figura 4 – Esquema geral de abordagem ergonômica. Fonte: Adaptado de Guérin et al., 2001. Nos casos em que a demanda não tem origem no pesquisador, mesmo que a demanda seja exposta de forma muita explícita pelo solicitante é necessário que o ergonomista análise e reformule a demanda. A formulação inicial é quase sempre baseada em problemas a se resolver, isolados do seu contexto. Em geral, os processos expressos na demanda refletem apenas uma parte dos problemas que se relacionam à situação de trabalho. Compete ao analista do trabalho reconhecer estes problemas e analisar sua importância, reconhecer outros problemas potenciais e reformular a demanda original em um problema de natureza ergonômica, centrado na atividade de trabalho (GUÉRIN et al., 2001). Vidal (2011a) afirma que a reformulação da demanda consiste em transformar a demanda inicial2 em uma hierarquia de demandas ergonômicas: a demanda ergonômica 2 Em seu texto, Vidal (2011a) utiliza o termo “demanda gerencial”, para indicar uma demanda transmitida por um agente da empresa ou organização que ocupa-se do problema, mas geralmente não é dona do problema. Optou-se pela utilização do termo “demanda inicial” para tratar a demanda de forma mais geral, já que ela poderia ser proposta por um pesquisador, por exemplo.
  • 36. 36 consiste em uma forma diferente de olhar o problema e de orientar sua solução, mas ela também pode representar uma importante mudança do foco e do objeto da análise. Durante a reformulação da demanda, também denominada instrução da demanda (VIDAL, 2011a), o ergonomista deve contemplar um conjunto de pontos de vista, os quais são muitas vezes contraditórios: todos na empresa devem poder reconhecer que seu ponto de vista não foi ignorado. O resultado da análise da demanda permite identificar parte do que está em jogo para os diferentes atores. Logo, para uma análise de qualidade, o ergonomista deve consultar a direção da empresa e os representantes dos trabalhadores, a supervisão e os departamentos da empresa, além de visitar à empresa e a situação a que se refere a demanda. O analista do trabalho busca implicar todos os parceiros da empresa envolvidos nos problemas levantados e por mais competente que seja, ele nunca consegue estabelecer todas as ligações. É importante que o analista da atividade reconheça que muitas vezes o solicitante da demanda não é o iniciador da demanda e que o solicitante oficial pode ocultar os solicitantes iniciais (GUÉRIN et al., 2001). De acordo com Wisner (1987) um erro durante a análise da demanda pode significar resultados pobres, nulos ou negativos ao final da AET. O autor indica que nesta fase devem ser analisados vários elementos como a representatividade do autor da demanda, as possibilidades de ação do ergonomista, os recursos disponíveis e a origem da demanda. Após a análise e reformulação da demanda, o pesquisador ou ergonomista irá elaborar uma proposta de ação. A proposta de ação deve ser articulada em torno do ponto de vista da atividade de trabalho, que é responsável pela integração dos diferentes pontos de vista expressos. Nesta serão manifestados os resultados que podem ser esperados, os meios necessários, os prazos e outros elementos pertinentes. No caso de um ergonomista contratado, por exemplo, esta proposta deverá ser discutida pelas partes e resultará em um contrato entre o analista da trabalho e os autores da demanda (GUÉRIN et al., 2001). 2.2 ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA Para entender qual é o escopo da ação ergonômica e definir uma abordagem que leve em conta as especificidades da empresa é necessário conhecer seu contexto industrial, econômico e social. Ao analisar o funcionamento da empresa, o ergonomista se orienta pela demanda e é guiado pela necessidade de elaborar um pré-diagnóstico. Esta
  • 37. 37 análise permite que o pesquisador elabore as primeiras hipóteses (hipóteses de nível 1) que podem lhe orientar na escolha das situações que serão analisadas detalhadamente. Nesta fase o analista da atividade realizará uma análise do processo técnico e das tarefas buscando compreender o trabalho prescrito aos operadores e também irá observar as estratégias utilizadas por eles através de observações globais da atividade (GUÉRIN et al, 2001). Quando a demanda inicial é dada em termos gerais, é necessário que se façam escolhas para definir as situações específicas que serão objeto das primeiras investigações. Para tanto, o ergonomista deve definir critérios em vez de se submeter as primeiras sugestões de seus interlocutores pois em alguns casos estes interlocutores apoiam suas escolhas em aspectos que não são os mais apropriados para a ação ergonômica. Ele poderá utilizar critérios tais como escolher as situações em que as queixas dos operadores são mais urgentes, escolher os problemas mais graves para a empresa, entre outros (GUÉRIN et al., 2001). Ao recortar a realidade de trabalho o analista da atividade será capaz de definir processos chave e focar em atividades especificas executadas por trabalhadores em especifico. Isso permitirá que ele prossiga até a elaboração do pré-diagnóstico (VIDAL, 2011a). De acordo com Wisner (1987) o estudo dos aspectos técnicos, econômicos e sociais que circunscrevem a ação ergonômica não deve ser superficial pois pode gerar dificuldades diante de obstáculos dos quais o ergonomista não mediu a dimensão e consistência. A análise da dimensão econômica e comercial da empresa permite que o analista da atividade reconheça o contexto no qual ela está inserida e seu funcionamento em relação ao mercado. Estes fatores induzem as exigências do trabalho e aos constrangimentos que atingem os trabalhadores. Em grande parte dos projetos de transformação se coloca a questão legítima da eficiência dos investimentos, da formação ou da evolução da organização do trabalho, e portanto, as questões relacionadas a possibilidade do trabalhador investir em seu trabalho. No entanto, é possível que estas questões nem cheguem a ser discutidas, por mais absurdo que pareça (GUÉRIN et al., 2001). Ao coletar de dados a respeito do funcionamento da empresa é importante que o analista do trabalho verifique o quanto estes dados representam a realidade. Entre os dados que podem ser uteis pode-se destacar: dados a respeito das características dos trabalhadores (idade, sexo etc.), suas qualificações e cargos, a rotatividade dos trabalhadores, as faltas e seus motivos e os dados a respeito de afastamentos e acidentes de trabalho (WISNER, 1987). Os dados relativos à saúde só podem ser aprendidos de maneira coletiva, uma vez que todo dado individual é protegido pelo sigilo médico. É importante observar que estes
  • 38. 38 dados são sempre parciais, pois o trabalhador não revela todos os seus problemas de saúde: ele pode pensar que o problema não tem relação com o trabalhado, ou minimiza-lo com medo de perder o emprego por não estar apto. Além disso, nem todos os acidentes de trabalho são declarados a fim de minimizar seu custo (GUÉRIN et al., 2001). Guérin et al. (2001) apontam a necessidade de que o ergonomista possua conhecimentos dos processos técnicos para uma melhor compreensão do que ele observa e para aumentar suas possibilidades de ação no processo de transformação, além do fato deste conhecimento contribuir para sua credibilidade. Todavia, o analista do trabalho não precisa se tornar um especialista no assunto, o objetivo do processo de aquisição de conhecimentos técnicos é permitir o diálogo entre ele e os operadores cuja atividade está sendo analisada. Além disso, em certos setores o funcionamento da empresa é fortemente limitado por disposições jurídicas e normas regulamentadoras. Logo, se torna imprescindível entender estes elementos, sem os quais é impossível entender vários dos constrangimentos nos quais se insere a atividade dos trabalhadores. Outro fator determinante abordado por Guérin et al., (2001) sãos os meios geográfico e climático: o contexto geográfico influencia as condições de transporte e moradia dos trabalhadores e o meio climático pode ser particularmente hostil. 2.3 A ABORDAGEM ERGONÔMICA É necessário comprovar as informações disponibilizadas inicialmente pela empresa a partir de um conhecimento direto da situação de trabalho e da atividade. Para tanto, recorre-se a entrevistas com os operadores, com o grupo e com a supervisão, as observações livres e a documentação local. Para conseguir compreender uma atividade de trabalho de forma que se ultrapasse as representações parciais dos atores envolvidos é preciso coletar informações no momento efetivo da realização desta atividade. Logo, essa coleta exige a presença do ergonomista no local e durante a realização do trabalho. Esse fato ilustra a diferença entre a Análise Ergonômica do Trabalho e outros modos de abordagem do trabalho. Confronta-se o que deve ser feito com o que realmente é feito a fim de situar as informações em seu contexto e poder interpreta-las. A coleta de informações é guiada pelas questões formuladas após a análise da demanda, mas é preciso estar atento a novas questões. As informações coletadas são organizadas de modo a produzir uma coerência entre os diferentes componentes da situação de trabalho. É interessante devolver ao operador esta organização
  • 39. 39 para que ele indique elementos que foram esquecidos, minimizados ou ampliados exageradamente. Assim, torna-se possível enunciar questões que estarão na origem do pré- diagnóstico (GUÉRIN et al., 2001). Os primeiros contatos com os operadores são essenciais e as relações estabelecidas entre os operadores e o ergonomista irão condicionar a qualidade da análise da atividade. No primeiro contato devem ser esclarecidos os papéis e objetivos de cada um. A situação de trabalho é um espaço do qual os operadores se apropriam, um espaço de vida coletiva, logo é necessário que a presença do analista da atividade seja comunicada e negociada. Convém apresentar as informações essenciais a todo o grupo de trabalho, para evitar um tratamento particular em relação aos operadores diretamente envolvidos e suspeitas por parte dos colegas. A data e a hora da primeira visita devem ser escolhidos de modo a causar a menor perturbação possível. Muitas vezes a função do ergonomista não é bem reconhecida e gera confusões. Pode-se julgar que ele vem para controlar o trabalho, ou imaginar um ponto de vista regulamentar, ou que ele só vai se interessar pelo ambiente material. É comum que as informações prestadas no primeiro contato não sejam completamente compreendidas, sendo necessário retomar a explicação (GUÉRIN et al., 2001). O ergonomista enxerga o operador como um ator da situação de trabalho, uma vez que se esforça para construir modos operatórios apropriados e para criar, na unidade coletiva a que pertence, normas de interação diferentes das estabelecidas pela organização prescrita. Por conseguinte, ele se vê obrigado a se descrever como um ator da transformação de situações de trabalho que age em processos de interações sociais (DANIELLOU, 2004). De acordo com Wisner (1987) um conhecimento aprofundado das prescrições do trabalho e a observação da atividade de trabalho não são suficientes para compreender o trabalho real. Da mesma forma, a descrição do trabalho feita pelo trabalhador fora da atividade geralmente é insuficiente pois são utilizados muitos elementos, vocabulário difícil de compreender na ausência de objetos e evocadas relações espaço-temporais dos objetos. Logo, a descrição da atividade feita pelo trabalhador durante a realização do trabalho é bem mais fácil. Contudo, a negociação dessa intervenção junto a empresa e aos trabalhadores é um processo difícil. Esta descrição exige que o trabalhador alterne entre explicações e a atividade, o que pode prejudicar a produção do setor. Além disso, a velocidade com que são realizadas as explicações exigem que o analista da atividade utilize sua intuição e pode causar a supressão de elementos importantes. O autor conclui que é interessante unir as descrições realizadas no local de trabalho com as realizadas externamente.
  • 40. 40 2.4 PRÉ-DIAGNÓSTICO O ergonomista deve ter sempre em mente a demanda ergonômica enquanto estabelece relações entre os constrangimentos da situação de trabalho, as atividades de trabalho e as consequências destas atividades para a saúde e para a produção durante a realização das observações abertas. A análise dessas relações permitirá que o mesmo formule o pré-diagnóstico, também denominado hipóteses de nível 2. No entanto, para a elaboração do pré-diagnóstico o analista da atividade deve adotar uma abordagem mais orientada e aplicar meios de investigação mais específicos, a fim de organizar e formalizar as informações obtidas durante as primeiras etapas da AET (GUÉRIN et al., 2001). Vidal (2011a) afirma que o pré-diagnóstico é uma explicação tímida que contém traços do diagnóstico final. O pré-diagnóstico só é possível após a realização de uma análise global bem feita. Dado que é impossível se aprofundar em todos as dimensões e elementos de uma situação, geralmente composta por vários postos de trabalho, o analista da atividade deve selecionar processos-chave para direcionar sua atenção. Esse recorte da situação de trabalho é realizado independentemente do objetivo da ação ergonômica. A escolha do analista da atividade é feita segundo hipóteses, elaboradas a partir do problema abordado de acordo com diversos critérios que se baseiam nos conhecimentos sobre o funcionamento da empresa, nas primeiras observações, além da experiência e do conhecimento do ergonomista. Devido à complexidade e variabilidade das situações de trabalho, o analista do trabalho não é levado a elaborar uma hipótese, mas sim várias hipóteses relacionadas entre si que podem ser descritas com um grau maior ou menor de detalhes. O conjunto destas hipóteses é o pré-diagnóstico (GUÉRIN et al., 2001). De acordo com Guérin et al. (2001, p.142) o pré-diagnóstico pode ser definido como o enunciado provisório da relação entre certas condições de execução da atividade, características da atividade e resultados da atividade. Ele apresenta uma explicação dos problemas levantados, aponta os elementos que deverão ser levados em conta nas observações e justifica as investigações que vão ser realizadas. Os autores acrescentam que a formulação do pré-diagnóstico poderá ser mais ou menos formal e deve ocorrer em momento adequado, de acordo com as condições da ação ergonômica. Guérin et al. (2001, p.86) afirmam que o pré-diagnóstico geralmente tem a
  • 41. 41 seguinte formulação: “parece que tais fatores levam os operadores a trabalhar de tais maneiras, o que pode explicar tais consequências”. A função deste diagnóstico inicial é demonstrar e persuadir, logo ele deve conter fenômenos que podem ser descritos e explicados. Ademais, ele deve fazer referência a características da situação de trabalho nas quais é possível intervir, visto que sua finalidade é transformar. Após a elaboração deste diagnóstico é preciso comprová-lo através de observações sistemáticas, mensurações, confrontações de resultados em diferentes horas ou turnos, avaliações em condições normais e perturbadas. Esta análise da atividade permitirá que seja elaborado o diagnóstico local (VIDAL, 2011a). Segundo Guérin et al. (2001) o ergonomista deve elaborar um plano de observação para verificar as hipóteses propostas no pré-diagnóstico. 2.5 AS OBSERVAÇÕES E AS TÉCNICAS DE REGISTRO A abordagem mais imediata da atividade de trabalho é a observação (GUÉRIN et al., 2001). As primeiras observações do ergonomista tem caráter global e são combinadas com conversas com os operadores. Durante estas observações o interventor deve focar no modo como ocorrem as variabilidades da produção e do contexto como um todo. Após a elaboração do pré-diagnóstico as observações feitas pelo analista da atividade tendem a ser sistemáticas. As observações sistemáticas permitem que o analista da atividade direcione suas observações para verificar as hipóteses levantadas no pré-diagnóstico. Para tanto, o mesmo poderá utilizar métodos de análise da atividade, nos quais deverão ser definidos os observáveis alvo (FALZON E BÉGUIN, 2007). Ao executar determinada atividade de trabalho o operador emprega uma grande quantidade de funções fisiológicas e psicológicas. Para o observador esta atividade se manifesta na forma de gestos e comunicações e a descrição dessas situações se situa entre dois extremos: o primeiro corresponde a uma descrição mais elementar (em termos de gestos e postura corporal) e o segundo corresponde a uma descrição mais sistemática do conteúdo do trabalho executado (em termos de ação finalizada ou tomada de informação). A escolha da modalidade de registo está geralmente associada a hipóteses precisas em relação ao observável escolhido. No entanto, é muito difícil satisfazer-se apenas com o primeiro. Uma postura, um deslocamento, uma tomada de informação não poderão ser observados sem uma
  • 42. 42 referência ao trabalho que está sendo realizado. Assim, uma observação sistemática combinará e relacionará várias classes de observáveis (GUÉRIN et al., 2001). Guérin et al. (2001) aborda as seguintes categorias de observáveis: os deslocamentos, a direção do olhar, a comunicação, as posturas, as ações e as tomadas de informações. As observações em termos de ações ou tomadas de informação tem registro mais difícil e dependerá bastante da familiaridade do observador com o domínio da atividade. Além disso, o tempo também é uma medida essencial para compreender a atividade real e os constrangimentos que a atingem. A atividade de trabalho se desenvolve no tempo, nele se inscreve e por ele é condicionada: toda tarefa a se realizar é determinada por limites temporais mais ou menos prescritos. Para compreender o que não é direta ou simplesmente observável podem ser usadas técnicas como gravações de vídeo ou áudio e medidas eletrofisiológicas, por exemplo. As gravações em vídeo permitem o registro de observáveis com frequência elevada ou de difícil discriminação graças a utilização da câmera lenta e da pausa, permitem registrar vários observáveis simultaneamente ou dados impossíveis de anotar em tempo real, além de permitir a tabulação (GUÉRIN et al., 2001). Para compreender o que o operador executada de determinada maneira, é preciso entrevistá-lo. A escolha das modalidades práticas de registro é condicionada pelas restrições próprias das situações de trabalho observadas, pelas propriedades dos observáveis a levar em consideração e pelas hipóteses que guiam as observações. Existem três dimensões que diferenciam as modalidades de registro: a consideração ou não da continuidade temporal dos observáveis (as observações podem ser instantâneas ou contínuas), o suporte de registros (o qual pode se dar por meios eletrônicos, com papel e lápis ou registradores de eventos) e a utilização de meios de gravação (permitem o registro de observáveis cuja frequência é elevada ou de discriminação difícil). Os meios de gravação permitem registrar vários observáveis ao mesmo tempo ou dados impossíveis de anotar em tempo real e permitem a tabulação (GUÉRIN et al., 2001). Na descrição de uma atividade a partir de registros de observações corre-se o risco de expressar de maneira sintética o desenvolvimento temporal de uma atividade. O trabalho de descrição é a aplicação de novas reduções, e da escolha de pontos de vista particulares para acentuar certos aspectos da atividade desenvolvida. É possível distinguir dois grandes tipos de limite a observação da atividade: limites de ordem prática ligados às técnicas usadas e limites ligados aos próprios fundamentos da observação. Para serem superar
  • 43. 43 o primeiro tipo de limites é preciso criar novas ferramentas e para superar o segundo tipo de limites é preciso implementar métodos complementares (GUÉRIN et al., 2001). 2.6 DIAGNÓSTICO Após os registros das observações sistemáticas e das explicações dos trabalhadores o ergonomista será capaz de elaborar um diagnóstico local da situação de trabalho e frequentemente também fornecerá elementos para um diagnóstico geral, abrangendo vários aspectos do funcionamento global da empresa. Ele aponta os fatores a serem considerados para permitir a transformação da situação de trabalho. A prática da ergonomia só se justifica quando busca a transformação das situações de trabalho, mas, de fato, o ergonomista não é o responsável por estas transformações: ele é responsável por produzir conhecimento científico e não um programa político de transformações. Na empresa, as transformações são resultado de um jogo de interesses contraditórios e relações de poder entre os envolvidos: a transformação do trabalho cabe aos parceiros sociais (GUÉRIN et al., 2001). O diagnóstico tenta relacionar os constrangimentos de uma situação particular a atividade dos trabalhadores. É aconselhável que o diagnóstico seja breve e sintetize o novo ponto de vista proposto de forma clara para os interlocutores. O analista do trabalho não deve limitar seu diagnóstico aos fatores constatados de forma imediata na situação de trabalho analisada e deve chamar a atenção da empresa para determinados aspectos de sua gestão e de sua organização. Simultaneamente, é obrigação do mesmo contribuir para uma transformação rápida da situação de trabalho perigosa ou de baixa performance que fomentou a ação ergonômica. O diagnóstico está potencialmente contido no pré-diagnóstico. Em alguns casos, as observações sistemáticas orientadas pelo pré-diagnóstico trazem apenas uma confirmação e uma demonstração do que fora enunciado; em outros casos elas levam a uma reconsideração do pré-diagnóstico (GUÉRIN et al., 2001). Geralmente o ergonomista não fica indefinidamente na situação objeto da ação ergonômica. A rotina volta a acontecer e mudanças maiores ou menores vão ocorrer em determinados locais. Modificações na produção, na organização e o envelhecimento das instalações podem gerar novas dificuldades. Se a ação do analista da atividade incidiu apenas sobre os meios de trabalho é provável que ela deva ser reiniciada. Todavia, se a ação
  • 44. 44 ergonômica permitiu uma transformação dos conhecimentos dos atores da empresa e do modo como abordam seus problemas, a compreensão da atividade de trabalho permitirá que as transformações sucessivas ocorram em direção a uma melhor compatibilidade com a saúde dos trabalhadores e maior eficiência dos meios de trabalho. A ergonomia preocupa-se em redefinir os objetivos e os meios de ação referentes aos investimentos, a gestão dos recursos humanos e à organização do trabalho. Nesse fato se encontra o que realmente está em jogo na ação ergonômica (GUÉRIN et al., 2001). Vidal (2011a) reitera que na ação ergonômica nada é realizado apenas com a percepção do ergonomista. Sendo assim, é importante destacar a etapa final da AET no qual o diagnóstico elaborado pelo analista da atividade passa por uma validação junto aos diversos atores da empresa. Nessa etapa o observado verifica o resultado da observação de que foi alvo. Assim, é possível colher dados e realizar ajustes muito importantes para concluir uma boa análise. No entanto, os autores ressaltam que nem sempre é cabível relatar tudo o que se observa, mas apenas destacar aquilo que for objeto de uma transformação positiva. De acordo com Guérin et al. (2001) o diagnóstico formulado pelo ergonomista deve ser divulgado na empresa a fim de ser confrontado com outros pontos de vista. Esta confrontação entre diferentes descrições do que ocorre na situação de trabalho é necessária para a elaboração de soluções para os problemas identificados.
  • 45. 45 3 A ERGONOMIA NA CONSTRUÇÃO CIVIL A construção civil compreende tarefas árduas e perigosas que poderiam se tornar mais adequadas com a utilização da ergonomia. Para Iida (2005) a ergonomia é pouca praticada na construção civil devido aos traços dispersos das atividades e ao pequeno poder de reivindicação destes trabalhadores. 3.1 O MESTRE DE OBRAS A ergonomia aplicada a construção civil interessou-se inicialmente pelo trabalho dos pedreiros, mas notou rapidamente a importância dos mestres de obra para o bom andamento das mesmas. Condições de trabalho favoráveis no canteiro de obras são frequentemente associadas a boas práticas destes trabalhadores. Com o tempo as relações entre condições de trabalho, segurança e organização do trabalho foram cada vez mais demonstradas, fazendo com que os ergonomistas voltassem sua atenção para os mestres de obras. Logo, a análise da atividade dos mesmos tornou-se uma etapa essencial para a melhoria das condições de realização do trabalho no canteiro de obras, contudo, é importante lembrar que também estão em jogo sua própria saúde e eficácia (SIX, 2007). O mestre de obras se encarrega da preparação do canteiro de obras e planejamento das atividades durante a concepção do canteiro de obras. Ele realiza o planejamento das obras dentro do prazo acordado e define os recursos utilizados no canteiro. O planejamento temporal do canteiro deve ser frequentemente reatualizado devido ao impactos causados pela variabilidade ao andamento da obra. Geralmente ocorre pouca antecipação das situações durante esta preparação, o que pode gerar riscos de imprevistos e dificuldades de execução. A preparação é essencial para a condução do canteiro de obras e antecipação dos riscos, mas muitas vezes ela é encurtada devido à pressão por prazos, o que pode gerar consequências negativas. Falhas durante este processo de preparação podem resultar em um aumento da carga de trabalho do mestre de obras em termos de problemas a
  • 46. 46 resolver: a lógica de previsões é substituída por uma lógica de resolução de problemas cotidianos (SIX, 2007). Segundo Six (2007) é comum que o mestre de obra desenvolva atividades de concepção da obra, a fim de conceber o canteiro quando a concepção da obra não está suficientemente desenvolvida. A contribuição deste trabalhador para a concepção da obra se dá principalmente através das opções oferecidas ao cliente e ao arquiteto que permitem flexibilizar os requisitos de orçamento e de tempo. Conforme Six (2007, p. 554) o mestre de obras “possui efetivamente meios de ação sobre as restrições, que ele pode utilizar quando o prazo de preparação do canteiro é respeitado, para otimizar a gestão e a realização da obra”. 3.2 O PROCESSO DE CONCEPÇÃO-REALIZAÇÃO DO PROJETO Six (2007) afirma que a organização clássica da produção na construção civil contempla uma separação muito marcada entre a fase de concepção do produto e a fase de execução da obra. É possível distinguir duas lógicas de funcionamento diferentes e duas formas de divisão das missões e tarefas entre os atores: a montante observa-se a negociação e a concepção do produto, ao passo em que a jusante, no canteiro de obras, busca-se otimizar a relação custo-prazo-qualidade. A fase de concepção de uma obra não é homogênea pois compreende tanto a concepção da obra como produto quanto à concepção do canteiro de obras, que precede e acompanha a realização do projeto. Comumente a concepção da obra não está terminada quando se inicia a concepção do canteiro. Também é comum que modificações e adaptações no projeto da obra sejam realizadas com o avanço da construção, o que permite reconhecer um processo de concepção-realização (SIX e FOUROT-TRACZ, 1999 apud SIX, 2007). Logo, o canteiro de obras não é simplesmente uma fase de execução do que está contido nas plantas, desenvolvendo-se nele uma intensa atividade de regulação e concepção por parte dos atores envolvidos. O canteiro de obras ocupa uma posição central no que se refere ao processo de condução do projeto, nesse caso um processo de concepção-realização. Os diferentes atores envolvidos nesse processo interagem e cooperam de forma permanente. Falhas na articulação entre a concepção do produto e a concepção da realização do produto podem gerar vários transtornos (SIX, 2007).
  • 47. 47 De acordo com Six (2007), o conhecimento da atividade de trabalho de todos os atores atuantes do canteiro de obras e o entendimento das interações e dos procedimentos de negociação entre os atores envolvidos no processo de concepção-realização é essencial para uma renovação da forma como o canteiro de obras é concebido. O canteiro de obras é uma fase importante de um processo, conduzido e condicionado por várias decisões tomadas à montante. O canteiro é o local para onde convergem as diversas representações do trabalho e de segurança dos diversos atores envolvidos na concepção e na realização da obra. Assim, a prevenção não ocorre somente no canteiro de obras. Conforme Six (2007, p. 549) “a organização do trabalho deve ser considerada como um objeto privilegiado da prevenção, pois toda ação preventiva durável acaba por transformar algo na organização do trabalho enquanto organização das relações no trabalho”. 3.3 O TRABALHO PRESCRITO NO CANTEIRO DE OBRAS Nas entrevistas realizadas por Six (1997) durante sua intervenção em um canteiro de obras os trabalhadores reconheceram que o trabalho no canteiro não acontece como foi planejado, revelando a ocorrência de pouca antecipação. O autor atesta que a atividade de trabalho no canteiro de obras é caracterizada por grande variabilidade, incertezas e imprevistos. Além disso, condições climáticas adversas e a realização de tarefas árduas criam condições de trabalho desfavoráveis. Esta variabilidade muitas vezes não é considerada durante a preparação do canteiro. O trabalho prescrito no canteiro de obras corresponde principalmente ao objetivo ao qual deseja-se atingir, contendo muito pouco a respeito dos meios para alcançá-lo. Assim, os pedreiros norteiam-se por objetivos implícitos a fim de garantir o encadeamento da obra e o término em tempo. Estes objetivos se referem a configuração fragmentada que caracteriza a organização espacial do canteiro de obras e aos imprevistos que surgem no decorrer da realização do projeto. A grande variabilidade e os imprevistos faz com que os trabalhadores tenham que gerir ao mesmo tempo diversos fatores de uma situação constantemente mutável, grande parte das vezes em condições problemáticas, sendo necessário que eles “se virem” (DUC, 1993). As estratégias adotadas pelos trabalhadores comumente evidenciam a realização de excessivos esforços físicos e cognitivos, a adoção de posturas inadequadas e desgastantes e a apropriação de riscos (SIX, 2007).
  • 48. 48 Esta sub-prescrição ou déficit de prescritos faz com que o trabalhador se responsabilize por determinar os objetivos e os meios para alcançá-los sem que possa aplicar regras conhecidas anteriormente (PEZET, VILATTE e LOGEAY, 1993 apud DANIELLOU, 2002). Cru e Dejours (1983 apud Echternacht, 2008) demonstram que muitas vezes os trabalhadores da construção civil renunciam a prescrições preventivas que incidem sobre o trabalho no canteiro de obras para se apoiar em uma prevenção espontânea que se origina na experiência e nos saberes-fazer próprios. Algumas das maiores dificuldades presentes no canteiro de obras são encontradas em situações particulares (como nas especificidades arquitetônicas ou estruturais de um projeto) nas quais os meios técnicos, equipamentos e modos operatórios precisam ser adaptados e não podem ser utilizados da maneira habitual. É comum que após a superação destas dificuldades elas sejam esquecidas sem que seja realizada alguma ação de registro dos meios empregados para sua solução, fazendo com que, diante de situações similares, seja necessário repetir o processo de adaptação e novamente enfrentar dificuldades (semelhantes ou não). As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores neste sentido são pouco conhecidas e possivelmente não são aplicadas pelos mestres de obra e responsáveis pela obra na preparação do canteiro e na preparação do trabalho (SIX, 1997).