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EduardodeAraújoCarneiro–Amazônia,limites&fronteiras(Brasil,BolíviaePeru)
Uma
história
revisada da
nacionalização
DO ACRE
Três países disputaram o território que hoje
compreende o Estado do Acre, a saber:
Brasil, Bolívia e Peru. Esse livro é uma
tentativa de explicar o processo histórico
que resultou no abrasileiramento desse
território. O seu caráter revisionista tem a
ver com a crítica que faz ao conteúdo
epopeico contido na versão oficial acreano-
brasileira, cuja missão foi inventar um
passado inaugural glorioso capaz de
legitimar a nacionalização dessas terras e
despertar orgulho nos acrianos. Portanto,
essa obra não tem qualquer compromisso
de preservar as tradições, os abusos da
história, muito menos as políticas simbólicas
que sustentam o discurso da acrEanidade.
É licenciado em História
(UFAC) e bacharel em
Economia (UFAC). É mestre em
Linguagem e Identidade (UFAC)
e doutor em História Social
(USP). É aluno do curso de
graduação em Letras/Francês
(UFAC) e do Doutorado em
Estudos Linguísticos (UNESP). É
Professor da UFAC desde 2008.
DO MESMO AUTOR:
ISBN
978-85-919549-6-4 EAC
Editor
EAC
Editor
Eduardo de Araújo Carneiro
PRÓXIMOS
LANÇAMENTOS
Edição Especial do livro
“A Fundação do Acre”
EAC
Editor
eac.editor@gmail.com
Eduardo de Araújo Carneiro
__________________
AMAZÔNIA,
LIMITES & FRONTEIRAS
(Brasil, Bolívia e Peru):
uma história revisada da
nacionalização do Acre
__________________
EAC
Editor
C289a
Todos os direitos dessa edição pertencem a Eduardo de Araújo Carneiro.
Nenhuma parte desse livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou
forma sem a autorização prévia do autor pelo
e-mail eduardoaraujocarneiro@gmail.com.
Editor Geral
Eduardo de Araújo Carneiro
Capa, Diagramação, Preparação do Texto,
Ilustração, Projeto Gráfico, Revisão e Arte Final
Eduardo de Araújo Carneiro
ISBN
978-85-919549-6-4
Edição Especial do Livro
“A Fundação do Acre”
Janeiro de 2016
Carneiro, Eduardo de Araújo.
Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil,
Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionaliza-
ção do Acre. /Eduardo de Araújo Carneiro. Rio Bran-
co: EAC Editor, 2016, 154p. : il.
I. História; II. Acre; III. Amazônia; IV. Revolu-
ção Acriana; V. Tratado de Petrópolis; VI. Bolívia; VII
Peru; Título.
CDD 981.12
Essa é uma edição revisada do livro A Fundação do Acre: uma história
revisada da anexação (fase invasiva, fase militar e fase diplomática). Ela
será destinada às bibliotecas de diversas Universidades Federais. Como
esse livro foi uma versão melhorada do quarto capítulo de minha Tese de
Doutorado, dedico essa edição aos gestores e participantes do DINTER
em História Social firmado entre a UFAC e USP (2011-2014).
Coordenador do DINTER/USP – Prof. Dr. Marcos Silva
Coordenador do DINTER/UFAC – Prof. Dr. Sávio Maia
Minha Orientadora – Profa. Dra. Raquel Glezer (USP)
Membro da minha banca de Qualificação – Prof. Dr. Lincoln Secco (USP)
Membro da minha Banca de defesa – Profa. Dra. Maria Capelato (USP)
Membro da minha Banca de defesa – Prof. Dr. Valdir Calixto (UFAC)
Membro da minha Banca de defesa – Prof. Dr. Francisco Pinheiro (UFAC)
TURMA DO DINTER
Carlos Estevão Castelo
Cássio Melo
Daniel Klein
Eduardo Carneiro
Elisandra Lira
Euzébio Monte
Francielle Modesto
Francisco Pereira
Geórgia Lima
Hélio Moreira
Marcelo Murilo
Nedy Bianca Albuquerque
Sérgio Roberto Souza
Valmir Araújo
Wlisses da Silva
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 05
1. A FASE INVASIVA 09
1.1 A conjuntura internacional 10
1.2 A invasão 15
2. A FASE MILITAR 20
2.1 O debate sobre a “Revolução Acriana” 24
2.2 A história revisada da “Revolução” 38
3. A FASE DIPLOMÁTICA 64
3.1 A Questão do Acre e os EUA 69
3.2 O Bolivian Syndicate 76
3.3 O Tratado de Petrópolis 99
3.4 O Tratado Brasil-Peru 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS 144
REFERÊNCIAS 147
~ 5 ~
INTRODUÇÃO
O revisionismo era e ainda é necessário. A história
era muito oficial, defendia sempre os vencedores e
vivia submersa no triunfalismo [...] a história
vinha sendo confundida com tradição. Esta
tem sempre o propósito de controlar indivíduos,
sociedade e inspirar classes. É um conceito intei-
ramente corrompido e usado para fins de manu-
tenção dos privilégios da classe dominante.
(RODRIGUES, 1986, p. 142/3, grifo nosso).
Esse livro é uma tentativa de explicar o processo histórico que resul-
tou na nacionalização do território que hoje compreende o Estado do Acre.
O caráter revisionista dele tem a ver com a crítica que faz ao conteúdo epo-
peico1 da narrativa histórica oficial, que inventou um passado inaugural glori-
oso para o Acre com o fim de despertar orgulho, otimismo e comunhão
entre os acrianos2. Sendo assim, essa obra não tem qualquer compromisso
1 Narrativa que representa a origem do Acre como fantástica, repleta de atos memoráveis -
bravura, heroísmo e patriotismo – que supostamente fizeram desse Estado o único “brasileiro
por opção”.
2 O Novo Acordo Ortográfico brasileiro (Decreto Federal Nº 6.583, de 29 de setembro de
2008) prevê o uso da grafia “acriano”. Apesar de ratificada e promulgada, as mudanças
ortográficas previstas ainda não entraram em vigor, pois o início de sua obrigatoriedade foi
adiado de janeiro de 2013 para janeiro de 2016 (Cf. Decreto Nº 7875/2012). Nessa fase de
transição, as novas regras já estão em uso em caráter experimental. Portanto, como as duas
normas coexistem, as duas grafias “acreano” e “acriano” estão corretas. Optamos pela
segunda porque o gentílico “acreano” já está centenariamente saturado por um sentido
identitário megalomaníaco, que aponta para uma grandeza que não existe historicamente.
O termo silencia inúmeras expressões de pertencimento e de gentílicos de comunidades
nativas que moravam na região e que foram exterminadas durante o processo de invenção
do Acre(ano). Por isso, o termo “acriano” é estrategicamente empregado aqui como uma
ação de resistência ao culturicídio inscrito na grafia “Acre(ano)”, e todo o seu conteúdo
“romântico” naturalizado pelas tradições, dentre elas aquela que diz que o “acreano” é o
“único brasileiro por opção”. O termo “acriano” indica aqui o “acreano real”, aquele
sujeito despido das tradições que o inventaram como modelo de brasilidade. É o “acreano”
desmistificado de sua epopeia, desencantado de seus feitos supostamente “grandiosos” e
patriótico. O “acriano” é aquele migrante de “carne e osso” que invadiu terras não
pertencentes ao Brasil, que praticou o descaminho de borracha, que assassinou indígena e
bolivianos por causa da ganância do “ouro preto” e tantas outras patologias sociais já
listadas por Carneiro (2015). Portanto, a utilização do termo “acriano” nada tem a ver com
o debate linguístico normativo, apenas representa mais uma forma de provocar fissuras na
rede discursiva que sustenta o “acrEanismo”. O “acreano” é o “acriano higienizado”.
~ 6 ~
em preservar as tradições, as políticas simbólicas e os abusos da história que
para sustentam o discurso da acrEanidade3.
A revisão historiográfica defendida aqui foi pautada pela análise
acurada das fontes, pela busca da veracidade dos fatos, e pelo estilo anti-
comemorativo4 e antiepisódico5 de escrita da história. Ela tem como obje-
tivo a produção de um conhecimento histórico mais sincero e honesto da
formação histórica do Acre. Para tanto, foi preciso abandonar completa-
mente a “visão romântica” que explica a nacionalização do Acre em fun-
ção da liderança de Plácido de Castro e do heroísmo e patriotismo
supostamente manifestados pelos protagonistas da chamada “Revolução
Acriana”.
Defendo aqui um ponto de vista multifocal da formação da frontei-
ra sul ocidental da amazônia brasileira. Uma espécie de divisão tridimensi-
onal, a saber: fase invasiva, fase militar e fase diplomática. Essas fases não
são acontecimentos cronologicamente sequenciados no sentido de uma
“evolução histórica”. A segunda fase não é uma continuação da primeira,
e a terceira não é a da segunda. Cada etapa é entendida como um “proces-
so” diferenciado, com duração, espacialidade e ritmo próprios. No entan-
to, elas guardam certas relações mútuas de superposição, de
simultaneidade e de influência, o que dificulta a percepção do neófito da
singularidade de cada uma delas.
A duração da primeira é mais longa que a das outras duas fases,
uma vez que a região continuou atraindo migrantes até o fim do surto da
borracha (por volta de 1914, Cf. Carneiro, 2015). A duração da segunda
fase também não coincide com a da terceira, uma vez que os conflitos
armados entre peruanos e brasileiros continuaram, mesmo após a assina-
tura do Tratado de Petrópolis (1903). Já o início da terceira fase é anterior
ao das duas primeiras, visto que as negociações sobre as fronteiras amazô-
nicas iniciaram ainda na primeira metade do século XIX, tão logo foram
as independências do Brasil, do Peru e da Bolívia foram proclamadas.
3 A “acreanidade” é entendida aqui como uma espécie de “discurso politicamente correto”
que manipula o imaginário social dos acrianos para causar neles uma sensação de
comunhão e de excepcionalidade. Não devemos esquecer que a linguagem é uma forma
privilegiada por onde a ideologia se materializa.
4 Aquele que não tem compromisso prévio em promover o ufanismo.
5 Não analisa o acontecimento por ele mesmo, mas procura explicá-lo a partir das forças
conjunturais e estruturais que lhe deram origem.
~ 7 ~
As três fases também se diferenciam no plano geográfico. A histó-
ria da primeira não pode ser contada sem referência aos Estados que hoje
compõem o atual nordeste brasileiro, principalmente o Ceará, de onde
partiram a maior parte daqueles que se tornariam os “primeiros acrianos”.
A história da segunda está vinculada à Manaus, pois de lá saíam os incen-
tivos e financiamentos da Questão Acriana. Já a história da terceira tem a
ver com o Rio de Janeiro, sede do Itamarati, e então capital do Brasil, pois
foi ali que os tratados internacionais e os acordos para a aquisição legal do
Acre foram planejados.
Por conta desse enfoque “tridimensional”, cada fase é tratada em
um capítulo à parte. O primeiro estuda a penetração brasileira em terras
localizadas abaixo da linha Javari-Madeira no último quartel do século
XIX. Esse processo foi chamado de “fase invasiva” porque os “bandei-
rantes” nordestinos colonizaram um território que não pertencia legal-
mente ao Brasil, pois era dos herdeiros do Vice-Reino espanhol do Peru
(Bolívia e Peru). Também é chamada de “invasiva” porque o território já
era habitado por inúmeras nações indígenas. Portanto, do ponto de vista
do “não-acriano”, houve sim uma invasão.
O segundo capítulo trata da fase militar. Ela é caracterizada pelos
conflitos armados protagonizados por brasileiros às margens dos afluentes
dos rios Purus e Juruá. Foi a fase de duração mais curta e, ao nosso enten-
der, a de menor importância, no entanto, a mais destacada pelos historia-
dores acomodados com a superficialidade dos "eventos" e amantes do
“ídolo das origens” (BLOCH, 2001, p. 56). Coloco o conceito de “fase
militar” como uma alternativa para o da “Revolução Acriana”, que sempre
será mencionado aqui com o auxílio das aspas, pois o consideramos ina-
propriado. Primeiro, porque o que aconteceu não foi uma revolução.
Segundo, porque não foi necessariamente “acriano”, no máximo foi puru-
ense, já que se limitou à parte oriental do atual território do Estado do
Acre6.
6 A “Revolução Acriana” significava tão somente uma “revolução” cujos principais eventos
ocorreram às margens do rio Acre. O formato territorial do Acre “brasileiro” foi um
fenômeno dado a posteriori da dita “Revolução”, portanto, adjetivá-la como “acreana” no
sentido identitário que o termo assume hoje é puro anacronismo. Além do mais, o
território do Acre brasileiro tem inúmeros rios, a maioria deles “ocupada” por nordestinos.
A história inaugural dessa unidade federativa não pode ficar refém do que aconteceu em
apenas um dos rios. Acaso não houve história às margens dos outros rios? A história da
formação histórica do Acre é, na verdade, uma história puruense, ou seja, a história das
ações protagonizadas pela elite que morava às margens dos afluentes do rio Purus. O
~ 8 ~
O terceiro capítulo analisa os acordos que o governo brasileiro fir-
mou com os EUA, com o Bolivian Syndicate, com a Bolívia e com o Peru
para resolver pacificamente a Questão do Acre. Caso o Brasil não tivesse
negociado com eles, de nada adiantaria a vitória militar acriana contra as
tropas bolivianas. Exemplo disso é o caso dos EUA, que por causa do
envolvimento de muitos financistas norte-americanos com o Bolivian Syndi-
cate e por causa da indiferença do Brasil perante a Doutrina Monroe, se
mostravam sensíveis aos reclames bolivianos. Foi preciso uma hábil enge-
nharia política do Itamarati para obter a neutralidade estadunidense, pois
naquela conjuntura, o Acre tenderia a ser de quem os ianques apoiassem,
o Brasil não tinha como resisti-los por muito tempo.
Enfim, a minha ingrata missão nesse livro foi “profanar” a história
“sacralizada” da origem do Acre, fonte de todo ufanismo acriano. Como
Agamben (2007, p. 66), creio que há “um tocar que desencanta e devolve ao
uso aquilo que o sagrado havia separado e petrificado”. Acredito que a mai-
or contribuição desse livro talvez seja a de “tocar” na história da anexação
do Acre, pois quando os eventos fundadores do Acre são retirados do
“altar” da oficialidade, a natureza “pecadora” deles aparecem, evidenciando
os “vícios” da primeira geração de acrianos. Por isso, a revisão histórica que
fizemos nesse livro é como se fosse uma “profanação do sagrado”.
Antes que a cúpula “eclesiástica” defensora do “acrEanismo” convo-
que esse jovem autor para a “inquisição”, antecipo-me em pedir clemência,
uma vez que esse trabalho não pretende esgotar o assunto. Caso o intento
persista e ele seja condenado à “fogueira”, que ateie a primeira centelha de
fogo aquele que tenha lido ao menos a metade das obras indicadas na bibli-
ografia desse livro. Aos inquisidores, o meu último pedido: que faça constar
no epitáfio desse autor o seguinte dizer: “[Aqui jaz um herege que só] quis
mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também na nossa his-
tória, os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida
em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo benefí-
cio se faz a história oficial” (PRADO JUNIOR, 1997, p. 8).
BOA LEITURA!
maior desafio da historiografia acriana sé recontar o processo de nacionalização do
território do atual Estado do Acre levando em consideração também o “olhar” daqueles
que viveram às margens dos afluentes do Juruá em fins do século XIX.
~ 9 ~
CAPÍTULO 1
A FASE INVASIVA
Antes da epopeia da borracha e da chegada dos
seringueiros, a região acreana é tida como não
tendo história [...] Para a história oficial, o povo
acreano se formou a partir da chegada dos serin-
gueiros, cuja tarefa foi domesticar a natureza e
os índios que faziam parte dela. A região apre-
senta-se como uma "terra virgem", um "deserto"
onde o imaginário do inferno verde se mistura às
esperanças do Eldorado; a "última página, ainda
a escrever-se, do Gênese" nas palavras de Eucli-
des da Cunha [...] Como se pode ver, até antes
das incursões de Serafim da Silva Salgado e de
Manuel Urbano da Encarnação pelas terras hoje
acreanas, o Acre não existia para a sociedade
civilizada. Muitos são os pensadores da Amazô-
nia que ao longo do século XX explicaram o
Acre como uma obra fundamental dos cearen-
ses. (CAVALCANTE, 2014, p. 11 e 26).
A fase invasiva representa o período em que o território que
hoje compreende o Estado do Acre foi “ocupado” por brasileiros. Tal
região não pertencia legalmente ao Brasil, pois as terras ao sul da linha
Javari-Madeira (Mapa 8 e 17) eram originalmente do Vice-Reino espa-
nhol do Peru, do qual se originaram os países Peru e Bolívia. Tão logo
obtiveram suas respectivas independências, esses dois países passaram
a disputar entre si aquele território, que acabou figurando no mapa
dessas repúblicas por quase toda a metade do século XIX. No da Bolí-
~ 10 ~
via, por exemplo, ele foi cartografado em 1894 pelo engenheiro Edu-
ardo Idiáquez com o nome “Apolobamba” (Mapa 3, p. 101).
O processo de “colonização” do Acre pelos brasileiros. Uma
“obra ruinosa de ocupação destrutiva da região” (LIMA, 1975, p. 74),
marcada por violência, culturicídio e corrupção. Como já explicamos
em livro anterior (CARNEIRO, 2015), a “invasão” foi incentivada
pelas empresas gomíferas que, por sua vez, eram “financiadas” pelo
capital internacional, por meio de créditos obtidos em bancos ingleses
e em Casas Exportadoras. Por isso, começaremos o capítulo falando
um pouco sobre a conjuntura internacional da época.
Antes de mais nada, é bom lembrar que os verdadeiros donos
dessas terras eram os nativos. As inúmeras nações indígenas detinham
a posse centenária da região que hoje figura no mapa do Estado do
Acre. Portanto, independente do ângulo da análise, o brasileiro sempre
aparecerá como invasor, quer seja do território boliviano e/ou perua-
no, quer seja do território pertencente às tribos indígenas. Por isso, o
título “Fase Invasiva”.
1.1 A Conjuntura Internacional
O Acre é a realização brasileira do Século
XIX. Últimos anos do século. Decorreu de
um processo econômico-social desencadeado
pela borracha. Sem borracha, é quase certo,
não haveria Acre. As fronteiras entre o Brasil
e Bolívia, nessa região, ficariam indefinidas,
até que um ajuste e demarcação, de rotina,
viesse dar o reconhecimento político jurídico
dos limites entre as duas nações [...] a motiva-
ção econômica estimulou aos brasileiros a
explorar esse produto. (TOCANTINS, 1984,
p. 37, grifo nosso).
A incorporação econômica do Acre é produto
da expansão da demanda internacional da bor-
racha [...] o capital monopolista que vai finan-
ciar o deslocamento da mão de obra
~ 11 ~
nordestina para o Acre e que vai assegurar o
funcionamento do sistema de aviamento [...] o
sistema fora estruturado, posto em funciona-
mento e mantido sob a égide do capital
monopolista internacional e funcionava com
base no crédito. (SILVA, 1982, p. 2-3)
Na segunda metade do século XIX, o interesse internacional
pela borracha cresceu bastante por conta de sua utilização como maté-
ria-prima nas indústrias automobilísticas. Ela saiu de uma condição de
mera “droga do sertão” para se transformar em uma commodity funda-
mental para a economia dos países desenvolvidos. Essa mudança de
status só foi possível graças à invenção da técnica de vulcanização por
Charles Goodyear (1800-1860) em 1839, que tornou a borracha mais
resistente às variações do nível de calor ambiental.
Na época, a região amazônica possuía o maior reservatório natu-
ral de seringueiras do mundo. Apesar da crescente demanda internaci-
onal, o governo brasileiro não se mostrou interessado em estimular a
produção com a abertura de linhas de crédito. Os empresários nacio-
nais também não quiseram investir, pois o empreendimento parecia
muito arriscado. Diante do impasse, a Inglaterra, centro dinâmico da
Economia-Mundo Capitalista até então, foi quem se empenhou em cri-
ar condições para que a produção da borracha na Amazônia aumentas-
se. Vários bancos ingleses e Casas Exportadoras se instalaram em
Belém e em Manaus e passaram a oferecer facilidades de créditos para
aqueles que pretendessem abrir seringais.
O capital internacional financiou a emigração de quase meio
milhão de nordestinos para a Amazônia. Com a grave seca iniciada no
nordeste brasileiro em 1877, não foi difícil convencer os flagelados ao
êxodo. A essas vítimas do engodo eram oferecidos transportes, ins-
trumentos de trabalho, alimentação e certa quantidade em dinheiro e, é
claro, a promessa do enriquecimento fácil. O nordestino se fez serin-
gueiro por meio do endividamento e dessa condição ele raramente
conseguia sair, uma vez que se tornava uma espécie “escravidão por
dívida”. Manipulações contábeis eram feitas para “preservar esse vín-
culo de sujeição”. Por isso, é que Teixeira (2009, p. 40) afirma que no
~ 12 ~
seringal acontecia uma “das formas mais odiosas formas de exploração
do trabalho”.
Segundo Samuel Benchimol, os recursos iniciais
para o desenvolvimento da empresa seringueira
estavam nas mãos de estrangeiros, ingleses e por-
tugueses. Roberto Santos, com melhor precisão,
admite que o capital inicial para dinamizar o
empreendimento gomífero foi de origem inglesa e
americana, trazido para cá através de agentes
comerciais interessados na compra da borracha
[...] sendo assim, o controle do processo de
produção esteve essencialmente nas mãos
dos centros industriais situados na Inglaterra
e Estados Unidos que, através das praças impor-
tadoras de Liverpool e New York, determinavam
os cursos da economia extrativista da borracha.
(SOBRINHO, 1992, p. 26, grifo nosso).
O sistema de crédito que possibilitou a produção da borracha
ficou conhecido como “sistema de aviamento”. Nele, o seringueiro
comprava fiado aquilo que precisava e, ao final, pagava a dívida com
pélas de borracha. O objetivo de toda essa rede comercial era garantir a
oferta de borracha às indústrias capitalistas e a reprodução do capital
estrangeiro investido na Amazônia.
A extração da borracha inicialmente aconteceu de forma preda-
tória, de modo que as seringueiras rapidamente se tornavam inutilizá-
veis, obrigando o seringueiro a migrar para áreas mais férteis. E foi
assim que os nordestinos ultrapassaram a fronteira do Brasil e invadi-
ram território estrangeiro. Foi em consequência disso que surgiu a
Questão do Acre, que ao nosso ver, nada mais foi do que um resultado
da inserção da região na rede comercial capitalista.
O “Esquema 1”, logo ao lado, sintetiza nossa explicação. Desne-
cessário dizer que é apenas uma abstração, uma espécie de retrato em
“preto e branco” da realidade histórica, que é um fenômeno dinâmico
por natureza. Através se pode ver claramente que a Questão do Acre
está genealogicamente ligada à expansão mundial do capitalismo. As
~ 13 ~
“raízes do Acre” não estão na migração dos nordestinos e sim no capi-
tal internacional que financiou tal transumância.
Esquema 1 – A expansão do Economia-Mundo Capitalista
e a anexação do Acre ao Brasil.
Fonte: elaboração do autor.
~ 14 ~
O sistema de aviamento interligava a região acriana ao centro
dinâmico da economia mundial. Para os economistas “circulacionis-
tas”7, isso era o bastante para qualificar a economia gomífera como
capitalista. O fato de existir no seringal uma relação de trabalho basea-
da na “escravidão por dívida” (CUNHA, 200; FIGUEIRA, 2004;
GOMES, 2008), não descaracteriza o caráter capitalista da economia,
uma vez que a escravidão estava a serviço da valorização do capital
internacional. Mas esse debate pouco nos interessa aqui, visto que não
afeta o teor de nossas conclusões. O que vale é perceber que o surto da
borracha teve início com o ingresso do capital internacional na Ama-
zônia, e o seu fim com a fuga dele.
Como a Questão do Acre foi um subproduto do surto gomífero,
é indispensável relacioná-la com a expansão capitalista na Amazônia.
Os lucros das elites gomíferas do Brasil, da Bolívia e do Peru eram
oriundos das “sobras” da volumosa quantidade de riquezas que eram
exportados para o centro dinâmico capitalista em formas de pélas de
borracha. A disputa pelo direito ao território acriano representava a
luta pelo monopólio das “sobras” de tais riquezas.
A nacionalidade do Acre pouco importava para o capital inter-
nacional, pois independentemente de quem o administrasse – se Bolí-
via, Brasil, Peru ou Bolivian Syndicate – as Casas Exportadoras
continuariam operando como uma “bomba de sucção” de matérias-
primas. Os maiores rendimentos continuariam com destino certo: o
centro da economia-mundo capitalista. Afinal, “um hino e uma bandei-
ra nunca foram verdadeiros obstáculos ao controle econômico exter-
no” (LOPEZ, 2000, p. 50).
Qualquer que seja a escolha do acontecimento fundador do Acre
(Estado Independente - 1899, Revolução Acriana - 1902, Tratado de
Petrópolis - 1903, etc.), ele sempre dependerá da “colonização” prévia
da região que, por sua vez, estará sujeita às linhas de crédito lastreadas
7 Como o próprio nome já aponta, tais economistas defendem que a esfera da
economia que caracteriza o sistema capitalista não é o da produção e sim o da
circulação de mercadorias. Eles enfatizam o comércio e, consequentemente, o
capital mercantil, e não tomam a “revolução industrial” ou o trabalho assalariado
como identificadores do surgimento do capitalismo, como fazem os marxistas.
~ 15 ~
em capitais estrangeiros. Por isso é que a conjuntura internacional da
época se faz importante na explicação da Questão do Acre.
O desbravamento da selva para a formação e manutenção
dos seringais exigia a mobilização de capitais necessários às
despesas de transporte, pessoal, abastecimento e colocação
posterior do que fosse obtido com a produção. Ao iniciar-se
a empresa gomífera não havia capitais na Amazônia, mas
logo que a borracha se mostrou um empreendimento rendo-
so, capitais estrangeiros para aí se mobilizaram. Dessa for-
ma, as casas aviadoras, contando a maior parte, com
capital estrangeiro, tiveram também a função de finan-
ciar a borracha. (PRADO e CAPELATO, 1989, p. 293,
grifo nosso).
Como se pode constatar na citação acima, os interesses econô-
micos pela región de la goma atuaram como “motivações fundadoras” da
Questão do Acre. No entanto, a narrativa epopeica secundariza as
ambições dos “revolucionários” e eleva o suposto patriotismo deles
como a razão de ser da anexação. O certo é que a sociedade acriana
pouco se beneficiou do surto da borracha. “Os maiores lucros sobre a
produção gomífera eram auferidos pelo mercado externo” (COÊLHO,
1982, p. 31). Os poucos seringalistas bem-sucedidos, em vez de investi-
rem no “fim do mundo” (JACKSON, 2011), preferiam desfrutar da
belle époque amazonense e “acender charuto cubano com notas de qui-
nhentos mil réis” (BENCHIMOL, 1999, p. 142) nos cabarés de
Manaus.
1.2 A invasão
Pronto las desguarnecidas regiones del nordeste de
Bolivia fueron invadidas por esos brasileros del Es-
tado de Ceará que, después de afianzar su asenta-
miento en las barracas caucheras en territorio
boliviano, se resistieron a pagar impuestos al go-
bierno y terminaron desconociendo la soberanía de
Bolivia en esos territorios. Así nació el conflicto
del Acre, por el descubrimiento de una nueva
riqueza y la ambición de poseerla.
(ACHA, 1980, p. 24 e 25, grifo nosso).
~ 16 ~
A busca do látex tornou-se um frenesi. A floresta
foi devassada na procura de novas árvores produto-
ras. O espaço territorial foi dilatado, não se res-
peitando os limites estabelecidos entre nações
vizinhas [...] A marcha para o oeste, o chamado
deserto ocidental, na busca da seringueira, extrapo-
lou os limites territoriais, implicando uma guerra
não declarada entre o Brasil e a vizinha república da
Bolívia.
(SOBRINHO, 1992, p. 22 e 24).
A história da presença humana no território que hoje compreen-
de o Estado do Acre não começou com a chegada dos migrantes nor-
destinos. Até a primeira metade do século XIX, quase 50 nações
indígenas moravam naquela região. Alguns povos, ao que tudo indica,
mantinham vínculos culturais milenares naquele território. Ali, a histó-
ria de inúmeras nações indígenas terminou quando a dos brasileiros
começou. A “colonização” praticada pela primeira geração de acrianos
foi dramática para com os nativos. A fixação do homem branco nas
terras do Acre significou o extermínio dos índios.
A partir da segunda metade do século XIX, o fluxo migratório
para a Amazônia teve um aumento considerável. Nas décadas de 1850
e 1860, como afirma Cavalcante (2014, p.15), ocorreram as primeiras
expedições de reconhecimento das terras que, anos depois, fariam parte do
Estado do Acre. Elas eram guiadas por “diretores ou encarregados de
índios” nomeados pelo governo da Província do Amazonas e tinham
como objetivo velado a obtenção de informações sobre a quantidade
de seringueiras, de índios e de bolivianos naquelas plagas. Após con-
firmada a ausência de bolivianos e o potencial gomífero da região, ope-
rou-se um intenso processo de invasão8 na década de 1870.
Foi preciso que o governo amazonense desejasse descobrir
uma passagem livre das cachoeiras e menos extensa para os
povoados da Bolívia, para que, então se iniciasse a fase de
descobrimento da terra considerada a mais moça do
8 Vários fatores favoreceram a invasão: a) o território era rico em seringueiras; b)
os bolivianos não protegiam as suas fronteiras; c) os brasileiros tinham facilidades
creditícias para expandir a produção gomífera para além das fronteiras; etc.
~ 17 ~
Brasil. Chefiaram essas missões o pernambucano Serafim
da Silva Salgado, o mulato amazonense Manuel Urbano da
Encarnação, seguidos do explorador maranhense Antônio
Rodrigues Pereira Lebre e do primeiro-tenente da armada
nacional Augusto José Soares de Andréa, além de outros,
como o geografo inglês Willian Chandless e o norte-
americano A. I. Piper, sem esquecer João da Cunha Corrêa,
o desvendador do Alto Juruá e de parte do Purus, anterior
a todos os descobridores da acreânia. (BRANCO, 1950, p.
19).
O explorador João Rodrigues Cametá9 saiu de Manaus em dire-
ção ao sul amazônico em março de 1852 e se tornou o primeiro brasi-
leiro a explorar o Purus. Entretanto, pelo que tudo indica, não chegou
até o rio Acre. No mesmo ano, a Província do Amazonas10 contratou o
nordestino Serafim da Silva Salgado para chefiar uma expedição rumo
à Bolívia que, segundo consta, tinha por finalidade “descobrir uma
comunicação com a república vizinha” (BRANCO, 1950, p. 21) e
“transportar gado para baratear a subsistência da população da capital
amazonense” (RIBEIRO, 2009, p. 19). É sabido que ele explorou o rio
Purus até 10º 25’ de latitude sul, ou seja, ultrapassou o paralelo que,
mais tarde, com o Tratado de Ayacucho (1867), definiria a fronteira do
Brasil com a Bolívia.
Em 1858, o diretor de índio João da Cunha Correia atingiu o
Alto Juruá. Quando voltou, passou pelos rios Tarauacá, Envira e
Purus. Em 1861, o governo do Amazonas voltou a contratar pessoas
para invadir o território boliviano. Desta feita, o chefe da expedição foi
o amazonense Manoel Urbano da Encarnação11, que subiu o rio Purus
e alcançou o atual rio Acre e também o Xapuri. Ele é considerado por
muitos como o “descobridor do Acre”, pois de acordo com a tradição
inventada por Castello Branco (1950), ele teria sido o primeiro a identi-
ficar seringueiras na região do Purus.
9 “Pacificador de índio” nomeado pelo governo do Amazonas desde 1848.
10 Foi neste ano que o Amazonas se desmembrou do Grão-Pará e foi elevado à
categoria de província.
11 Era um negro com certos traços indígenas. Pela proximidade que ele tinha com
os nativos, o mesmo já havia sido contratado pelo governo da Província do
Amazonas como “diretor de índios” em 1853.
~ 18 ~
Em 1862, Manuel Urbano serviu de guia para que o engenheiro
João Coutinho pesquisasse um atalho entre as regiões do Juruá e do
Purus. Nos anos 1860, o próprio manauara e o seu filho Braz da
Encarnação orientaram a expedição científica do inglês William Chan-
dless, conhecida como a quinta a explorar a bacia do Purus. O cientista
provavelmente foi, dentre outros, espionar as riquezas potencialmente
comercializáveis da região.
No início da segunda metade do século XIX, com o objetivo
de facilitar a instalação de futuros colonos na região do
Purus, para conhecer os rios e amansar os índios, e ainda
objetivando a comunicação e o transporte de gado entre o
Brasil e a Bolívia, o presidente da Província do Amazonas
patrocinou expedições à região do Purus. (CAVALCANTE,
2014, p. 16).
Apesar da importância de Manoel Urbano, quem de fato ficou
consagrado como “fundador do Acre” foi o cearense João Gabriel de
Carvalho e Melo. Segundo a tradição, foi ele quem primeiro “coloni-
zou” uma parte do território que hoje pertence ao Estado do Acre. Em
1857, ele colonizou a região próxima da foz do rio Purus, no Estado
do Amazonas, fundando nela os seus primeiros seringais. Enriquecido,
continuou alimentando sua ganância, só que desta feita, por meio da
invasão deliberada de território estrangeiro. Em 1877/78 (?), ele con-
duziu a primeira leva de “invasores” para a extração clandestina de
borracha no interior do território até então considerado estrangeiro.
Com isso, além de “fundador do Acre”, também se tornou um dos
maiores praticantes do crime de descaminho de mercadorias da Ama-
zônia.
A partir dele, a emigração de nordestinos para os afluentes do
rio Purus aumentou. Sabe-se que somente em 1878, desembarcaram
mais de 11 mil cearenses nas margens do rio Acre, quase todos arregi-
mentados por firmas comerciais de Belém e Manaus tomadoras de
empréstimos em bancos estrangeiros e em Casas Exportadoras. “Em
poucos anos, o rio Acre estava todo ocupado, e assim também o
Purus, até onde existia a seringueira, ou seja, até onde é a atual frontei-
ra com a República do Peru” (MELO, 1968, p. 105). No final do sécu-
lo XIX, o território já possuía uma população estimada de 25.000 (Cf.
~ 19 ~
BRAGA, 2002, p.15 e CABRAL, 1986, p.35) a 50.000 (MESSUTI,
1997, p. 54)12. Com tantos brasileiros, a soberania boliviana ficou com-
prometida, uma vez que o exército andino no Purus não ultrapassava a
ordem dos 900 soldados, que mais pareciam “um amontoado de famin-
tos” (CHIAVENATO, 1981, p. 46).
Em síntese, a formação da sociedade acriana foi um resultado da
produção da borracha que, por sua vez, geopoliticamente acomodou o
Acre na periferia do Sistema Mundo Capitalista. Os nordestinos que
fundaram o Acre foram também quem serviram à reprodução amplia-
da do capital estrangeiro exportado para aquela região. Portanto, para-
fraseando o que afirmou Darcy Ribeiro com relação ao Brasil, o Acre
“passou a existir para servir a reclamos alheios” (1995, p. 46), era um
“moinho de gastar gentes” (1995a, p. 106). As primeiras vítimas foram
as diversas nações indígenas que habitavam naquelas florestas. Depois
foi a vez dos seringueiros, “gastos” no processo de produção da borra-
cha por meio de um regime de trabalho semiescravo. Com a crise da
economia gomífera, foi a vez da maioria dos seringalistas passar pelo
“moinho”.
12 Craveiro Costa (2005) estima que havia 40 mil e Pedro Sobrinho (1992) diz que
havia 20 mil.
~ 20 ~
CAPÍTULO 2
A FASE MILITAR
Todo el conflicto giraba en torno a estos facto-
res: Bolivia quería tomar las riendas del territo-
rio del Acre, que por derecho le pertenecía, y el
Estado del Amazonas perjudicado en sus re-
caudaciones fiscales se oponía tenazmente, pe-
ro entre bastidores, al funcionamiento de la
aduana de Puerto Alonso.
(RIBERA, 1997, p. 53).
O sangue generoso derramado de ambos os
lados constitui mais uma sombra no cenário da
história mundial da borracha.
(SANTOS, 1980, p. 204).
A guerra do Acre foi uma luta tipicamente de
fronteiras, posses de terras, anexação territorial
[...] representa também uma paisagem do êxo-
do nacional atrás de riquezas, não dentro do
território brasileiro, mas fora dele.
(BASTOS, 1968, p. 82)
A narrativa epopeica elevou a “Revolução Acriana” ao status de
acontecimento fundador do Acre13. No entanto, esse marco é arbitrá-
13 Enquanto comunidade de acrianos, o Acre é um processo perpetuamente
inacabado, uma vez que a identidade coletiva é um fenômeno mantido por meio
de políticas simbólicas. Enquanto território brasileiro, ele só apareceu
oficialmente nos mapas a partir do Tratado de Petrópolis (1903). No entanto, o
tratado é corriqueiramente entendido Oficialmente o Acre como um mero
~ 21 ~
rio. Ele enfatiza os fatos desconectados do processo14, inflando a
importância de episódios e personagens. Esse tipo de história, como já
alertou Braudel (1976, p. 12), é uma “narração precipitada, dramática, e
de pouco fôlego”, pois “atenta para o tempo breve, para o indivíduo e
para o acontecimento” (idem, ibidem).
Os nordestinos ultrapassaram as fronteiras brasileiras na segunda
metade do século XIX e “povoaram” território estrangeiro por causa da
crescente valorização da borracha no mercado internacional. A região
era farta em seringueiras e a economia gomífera prometia riqueza rápida
aos exploradores. Invadir território estrangeiro e nele explorar e comer-
cializar riquezas naturais de forma clandestina, constituíram, juntamente
com o extermínio de nativos, nos principais crimes inaugurais da forma-
ção histórica do Acre brasileiro.
O governo boliviano, tão logo soube da ação criminosa dos brasi-
leiros (Cf. ZAMBRANA, 1904, p. 28), se manifestou sobre o caso
perante o Itamarati e exigiu do governo brasileiro céleres providências
para equacionar a questão. Mesmo procedimento foi adotado pelo
governo do Peru, já que também se dizia dono do Acre. A soberania
boliviana ou peruana em terras acrianas representava uma afronta aos
interesses econômicos dos seringalistas brasileiros e do Estado do Ama-
zonas. O último perderia em impostos sobre a exportação da borracha e
os primeiros corriam o risco de terem os seus títulos fundiários anula-
dos.
A decisão por iniciar a resistência armada não foi democrática,
pois, como afirma Bastos (1969, p. 65), a Junta Revolucionária era for-
mada apenas pelos “brasileiros prestigiosos da região”. Os seringueiros
não foram consultados, até porque eles sequer tinham a liberdade de
aderir ao movimento sem o consentimento prévio do patrão. Além do
mais, nem todos os seringalistas apoiavam a causa, na verdade, a maio-
ria nem sequer se envolveram diretamente nela. A “revolução” não foi
um projeto popular.
“registro de nascimento”, já que o nascimento propriamente só teria ocorrido na
“Revolução Acriana”.
14 Barbara Weinstein (1993) não debate o impacto do capital estrangeiro na
economia gomífera amazônica porque analisa os fatos do ponto de vista social e
local.
~ 22 ~
Houve dissidentes - aqueles que apoiavam o governo
boliviano; opositores – aqueles que esperavam a inter-
venção direta do governo brasileiro na questão; indife-
rentes – aqueles que, mesmo sabendo da insurreição,
preferiram não fazer parte dela; e desinformados,
aqueles que nem ao menos tomaram conhecimento da
revolução. (Cf. CARNEIRO, 2008, p. 54-56).
Além do mais, os movimentos de contestação à soberania boli-
viana refletiam um projeto esquartejado, já que a desunião entre os
brasileiros era reinante. José Carvalho não concordava com Galvez;
Plácido de Castro não apoiava Orlando Lopes; Souza Braga mantinha
rixas com Joaquim Victor; Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto
acusavam-se mutuamente, etc. Sem dizer da “luta de classe” no interior
do seringal, que também alimentava o espírito de desunião entre os
acrianos15.
Para se ter uma ideia da artificialidade dos relacionamentos ali
existentes, basta dizer que Plácido de Castro foi provavelmente assas-
sinado por um dos principais oficiais da “Revolução” do Alto Acre
(Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 525), o coronel Alexandrino José
da Silva. Outros membros da Junta Revolucionária também foram acu-
sados como cúmplices do crime16 (Cf. CASTRO, 2002).
15 Segundo Abguar Bastos (1969, p. 81), Alexandrino da Silva assassinou um
rapaz por apelido de “doutor”, a mando de Plácido de Castro, pelo simples fato
de o mesmo ter provocado uma insubordinação entre os soldados acrianos. Se
isso for verdade, provado está que a “comunhão” dos soldados era mantida pelo
poder “patriótico” da espingarda e não pelo sentimento de pertença ao Brasil.
16 É o caso de Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto. O primeiro foi nomeado
por Plácido de Castro ao cargo de Diretor de Fazenda do Estado Independente
do Acre logo após a derrota dos bolivianos em Porto Acre (1903). Mas a
“amizade” durou pouco, pois Plácido de Castro o desqualifica como um sujeito
"afeminado" e "o mais medroso que tenho conhecido" (apud CASTRO, p. 61,
2002). Quando o Gabino Besouro, inimigo aberto de Plácido de Castro assumiu
como prefeito Departamento do Alto Acre (janeiro/1908 a novembro de 1909),
Rodrigo de Carvalho tratou logo de apoiá-lo, por isso recebeu um cargo de
confiança na prefeitura. Já o segundo, Gentil Norberto, foi promovido à patente
de coronel do exército acriano em 13 de maio de 1903, último ato oficial de
Plácido de Castro como governador do Acre Meridional. Mas tão logo Plácido de
~ 23 ~
A fase militar pode ser dividida em duas17, a saber: a) aquela con-
tra os bolivianos; b) aquela contra os peruanos. Infelizmente os confli-
tos armados ocorridos no Juruá entre brasileiros e peruanos não serão
abordados aqui, não porque eles sejam desprovidos de importância,
pelo contrário, é porque merecem uma pesquisa mais apurada, coisa
que pretendemos fazer em um livro a parte, quando conseguirmos ter
acesso às fontes primárias. Mas, desde já, podemos afirmar que a escri-
ta da história do Acre reflete a hegemonia política e econômica do
“Purus” sobre o “Juruá”, pois enfatiza tanto os conflitos ocorridos às
margens do rio Acre que tornou aqueles do Juruá "invisíveis".
A própria Lei Nº 380/1948, que concedeu pensão especial aos
veteranos da “Revolução Acriana”, não levou em consideração os
combatentes juruaenses, uma vez que, para ela a “Revolução” foi ape-
nas aquela liderada por Plácido de Castro18. Abaixo, transcrevemos um
trecho de uma matéria publicada no jornal O Rebate, de Cruzeiro do
Sul, em 29 de março de 1964, Cruzeiro do Sul, p. 1, cujo título é “Cru-
zeiro do Sul não é Acre?”.
A dita Revolução Acreana foi feita por brasileiros que
desbravaram os altos rios Purus e Juruá e seus afluen-
tes, regiões contestadas por bolivianos e peruanos. O
Tratado de Petrópolis pôs fim a contenda com os boli-
vianos, o mesmo não acontecendo com os peruanos,
na bacia do Alto Juruá, onde o último combate entre
peruanos, seringueiros e um pequeno contingente do
15 Batalhão de Fronteiras, desferiu-se a 4 e 5 de
novembro de 1904. Combatentes daqueles dias, veem-
Castro prosperou, Norberto o acusou de ter enriquecido às custas da
“Revolução” (Cf. CASTRO, 2002, p. 364). Tão logo Plácido de Castro foi
nomeado prefeito do Departamento do Alto Acre (julho/1906 - março/1907), ele
fez questão de cancelar o contrato de prestação de serviços que Gentil Norberto
mantinha com a prefeitura. Resumindo: os “companheiros de revolução” se
tornaram desafetos por questões pecuniárias.
17 “O drama acreano desdobrou-se em duas fases: a primeira, no rio Acre [...] a
segunda fase caracteriza-se pelos conflitos entre brasileiros e peruanos no Alto
Purus e no Alto Juruá” (BARROS, 1993, p. 4).
18 O governo da Frente Popular do Acre (1999-2003) também não incluiu os
eventos militares do Juruá na programação do Centenário da “Revolução
Acriana”.
~ 24 ~
se pelas ruas de Cruzeiro do Sul e ainda nos seringais,
velhos e oitenta anos de idade, arrastando-se na penú-
ria, na miséria, na indigência [...] sabedores de que a
Revolução Acreana não terminara com o Tratado
de Petrópolis, visto que o mesmo referiu-se tão
somente ao caso com a Bolívia. Em verdade, ela só
terminou depois daquele combate e com o tratado
com o Peru [...] Será que os homens de hoje ignoram
que o sangue brasileiro correu nas barrancas do Juruá,
desde o estirão dos Naus até o Amônes. A revolução
no Juruá seria acreana, ou seria mexicana, indiana
ou japonesa? (grifo nosso)
Em síntese, podemos afirmar que a fase militar foi caracterizada
pelo uso da violência19. Um punhado de migrantes resolveu defender a
soberania brasileira no Acre (o maior reservatório natural de seringuei-
ras do mundo) e expulsar os bolivianos “à bala”. Tudo por causa do
$patriotismo$ daquela elite acriana que mantinha contato com o
governo do amazonas. É bom que se diga que o Brasil não teve acrés-
cimo de um palmo sequer de terra durante essa fase militar. Os confli-
tos armados, quando muito, resultaram em um Estado Independente
alheio ao Brasil. Apesar da importância do resultado advindo das trin-
cheiras, a anexação do Acre não dependia apenas dele, pois de nada
adiantaria a vitória militar sem o sucesso diplomático.
2.1 O debate sobre a “Revolução Acriana”
A revolução acreana não teve o mesmo significado para
cada segmento social envolvido nela [...] a Questão Acreana
era sustentada por múltiplos interesses. O Governo do
Amazonas queria manter a arrecadação dos impostos. Os
seringalistas queriam garantir suas propriedades privadas e
19 O conceito de violência empregado aqui está associado ao uso da agressão físi-
ca ou da ameaça do emprego da força para obrigar alguém a se submeter a uma
vontade alheia. Com o fim de justificar os acrianos, há quem diga que a violência
empregada pelos brasileiros fora uma ação autodefensiva, leia: “os seringueiros
armados com a ajuda dos seringalistas e treinados por Plácido de Castro enfren-
taram e revidaram as provocações do exército boliviano” (PESSOA, 2007, p.
117, grifo nosso).
~ 25 ~
a manutenção do lucro gumífero. Os profissionais liberais
sonhavam em assumir importantes cargos públicos. E os
seringueiros pretendiam quitar suas dívidas e, quem sabe,
ter saldo para comprar o seu próprio seringal ou voltar à
sua terra natal. (CARNEIRO, 2008, p. 57).
Bolivian men who resisted were killed by refined torture,
and their wives and daughters raped mercilessly.
(STOKES, 1974, p. 373).
Cuando los brasileños ocuparon el Acre por estar
colonizado por connacionales tras dos rebeliones que
recibieron el nombre de Revolución Acreana, por parte
de quienes la hicieron, el de Guerra del Acre, para los
observadores regionales, y de Guerra del Caucho para
los observadores externos al conflicto. (VERA, 2009, p.
112).
]Inicialmente é bom reforçar que preferimos não empregar o
termo Revolução Acriana a não ser com o auxílio das “aspas”. Primei-
ro, porque ele induz o pesquisador iniciante a um julgamento precon-
cebido inconsistente dos acontecimentos. Segundo, porque a
classificação do conflito armado como “revolução” não faz dele uma
revolução. Terceiro, porque o termo “acriano” dessa suposta “revolu-
ção” induz o leitor a crer que os eventos se deram em toda extensão
territorial anexada pelo Brasil20. E, por último, porque o nome Revolu-
ção Acriana já está tão sacralizado que qualquer crítica que se faça a ele
pode ser compreendida como uma afronta ao povo acriano.
Usualmente o termo “Revolução Acriana” é utilizado para se
referir à resistência armada ao governo boliviano liderada por Plácido
de Castro nos meses de agosto de 1902 a janeiro de 190321. Acontece
20 Também não ficou limitada à região banhada pelo rio Acre, pois é sabido que as tropas
de Plácido de Castro atuaram também às margens do rio Tauamanu (localizados hoje na
Bolívia) e em outras localidades. No entanto, a narrativa dos “grandes eventos”
imortalizaram essa versão, a saber: "quando se diz rio Acre é o mesmo que falar no palco
da revolução, porque foi sobre o seu dorso que se desenrolaram os fatos capitais desse
movimento" (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 101).
21 Segundo Costa (2005, p. 176), ela "encerrava a fase militar da revolução". Esse ponto de
vista está limitado às desavenças entre brasileiros e bolivianos, não incluindo aquelas com
os peruanos. Mesmo assim, difere-se daqueles que defendem que a "revolução" só acabou
mesmo em dia 13 de abril de 1903, quando o General do Exército brasileiro Olímpio da
Silveira desorganizou as tropas “revolucionárias” acrianas. O próprio General é quem diz
~ 26 ~
que o governo boliviano não se fez presente em toda faixa territorial
onde hoje figura o Estado do Acre. Além do mais, as campanhas mili-
tares ocorridos no Vale do Juruá não foram lideradas por Plácido de
Castro, muito menos tiveram como alvo de combate as autoridades
bolivianas. Tal interpretação também atribui importância secundária
aos movimentos de resistência ao governo boliviano anteriores ao de
Plácido de Castro, como por exemplo, aqueles liderados por José Car-
valho (1899), Luiz Galvez (1899), Orlando Lopes e Rodrigo de Carva-
lho (1900), etc.
Muitas outras interpretações e designações são possíveis, a
seguir, identificaremos algumas. “Los historiadores bolivianos prefie-
ren la expresíon Campaña del Acre” (SÁNCHEZ-ALBORNOZ, 2001,
p. 176). Azcui (1925, p. 21, p.45) fala de “una insurrección filibustera”
e “una conflagración separatista”. Goycochêa (2007, P. 50) e Maga-
lhães (1941) afirmam a existência de “quatro revoluções acreanas”.
Sotomayor (2013) enumera cinco revoluções. Craveiro Costa (2005)
ora diz que a Revolução teve início com José Carvalho (idem, ibidem, p.
118), ora com Galvez (p. 120), e ora com Plácido de Castro (p. 121 e
144). Calixto (1985) defende a inexistência de revoluções no Acre.
Magnoli (1997, p. 183) ajuíza que tudo não passou de uma “revolta”
contra as autoridades bolivianas.
O insurgente José Carvalho22, um dos líderes da causa acriana,
publicou um livreto em 1904 chamado de A primeira insurreição Acreana
(1904), onde tentou provar que o primeiro movimento de contestação
à soberania estrangeira no Acre fora aquele liderado por ele. Qualificou
o movimento de “insurreição”. Já Luiz Galvez e seus apoiadores
defenderam o caráter “nobre” e “patriótico” da proclamação da Repú-
blica do Acre (Cf. Braga, 2002) e tipificaram o acontecimento de
“revolução”. Rodrigo de Carvalho também significou os feitos prota-
gonizados pela expedição Floriano Peixoto (1900) como “Revolução
Acriana” (Cf. OURIQUE, 1907, p. 152).
que: "em nome do governo da União: terminada está a revolução acriana" (apud CASTRO,
2002, p. 135). Até hoje no Vale do Juruá há quem defenda que a “Revolução Acriana” só
tenha terminado de fato com o Tratado Brasil-Peru (1909).
22 A “Revolução” não recebeu o apoio dos grandes comerciantes e políticos do Pará.
Gentil Norberto deixou isso claro em uma carta enviada ao governador do Amazonas
Silvério Nery em 16 de abril de 1901 (OURIQUE, 1907, p. 169- 168).
~ 27 ~
O escritor Ferreira Reis (1937) compreende a “Revolução”
como um conjunto de ofensivas à soberania boliviana. A primeira foi
aquela liderada por José Carvalho; a segunda, a liderada por Luiz Gal-
vez; a terceira, a liderada por Orlando Lopes e Rodrigo de Carvalho; e
por último, aquela liderada por Plácido, também qualificada como a
“Grande Revolução”. Já o escritor Bastos (1969, p. 64, grifo nosso) diz
que “a revolução da borracha passou por três etapas bem definidas:
a deposição das autoridades bolivianas por José Carvalho; a proclama-
ção da República do Acre por Luis Galvez, e a retomada da ação com a
vitória de Plácido de Castro sobre as tropas bolivianas”.
No início do século XXI, o governo da Frente Popular do Acre
(1999-2006) tratou a “Revolução Acriana” como um conjunto de
iniciativas patrióticas realizadas com o fim de projetar um Acre
brasileiro cada vez mais política e economicamente emancipado.
Durante o Centenário do Acre, a expressão “Revolução Acriana” foi
atribuída ao Estado Independente protagonizado por Galvez e
também à autonomia obtida por meio da aprovação do Projeto de Lei
de autoria do parlamentar Guiomard Santos. É como se os feitos de
Galvez, de Plácido de Castro, de Guiomard Santos e de tantos outros
fossem graus diferenciados de uma mesma luta, etapas de uma mesma
saga.
Assim sendo, o termo “Revolução Acriana” não foi considerado
um “monopólio” do processo de anexação do Acre ao Brasil. Nesse
sentido, lutar para tornar o Acre mais brasileiro (por meio da inserção
dele em uma posição geopolítica mais privilegiada) também é
considerada parte da “Revolução Acriana”. É como se a trajetória do
povo acriano fosse constituída de “revoluções” esporádicas que
atualizassem a “Revolução” enquanto mito fundador do Acre(ano)23.
23 A “Revolução Acriana” liderada por Plácido de Castro teve um fim concreto datável. No
entanto, como o evento foi transformado em um “lugar de memória”, ganhando sentido
imaterial, passou-se a dizer que os ideais que mobilizaram a “Revolução” de Plácido de
Castro não se concretizaram plenamente com a anexação do Acre. E que, portanto, o
“espírito revolucionário” do acriano, do qual Plácido de Castro foi significado como o
maior portador (mas não o único), permanece na história, fazendo da “Revolução Acriana”
um fenômeno atualizável, em graus e dimensões diferenciados.
~ 28 ~
Uma prova do que estamos falando aqui é o vídeo “100 anos
Em Revolução”24, editado pelo governo do Estado do Acre em 2003,
que tinha como objetivo contar a história do Acre. Como podemos
perceber, o próprio título já transmite a ideia de revolução permanente.
O vídeo inicia a narrativa pela migração dos nordestinos, depois passa
para a “Revolução Acriana”, o movimento autonomista, a
transformação do Acre em Estado, os movimentos sociais dos anos
1970 e 1980 e termina enfatizando a vitória da Frente Popular nas
eleições para o governo do Estado em 1998.
Tudo nos leva a crer que os idealizadores do vídeo quiseram
produzir um efeito de sentido capaz de inserir a vitória eleitoral da
Frente Popular do Acre na memória discursiva da “Revolução Acriana”.
Dizer que a chegada do PT ao governo do Estado faz parte da
“Revolução Acriana” é o mesmo que dizer que os líderes desse partido
deviam ser venerados como os novos heróis do Acre.
Imagem 1 – Reprodução da capa do DVD “100 anos Em Revolução”.
Fonte: Arquivo pessoal.
Essa manipulação da memória histórica induziu o telespectador a
crer que a Frente Popular era a legítima herdeira e representante dos
heróis no novo milênio. Logo abaixo transcrevemos alguns trechos da
24 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=T8adka-Ii4A&safe =active>
acessado em janeiro de 2014.
~ 29 ~
narrativa exibida no vídeo. Como não podia deixar de ser, ela reforça o
mito do patriotismo acriano e, não bastando esse abuso da história,
ainda intentou “beatificar” a causa petista do “desenvolvimento
sustentável” aproximando-a de fatos históricos já consagrados no
imaginário social acriano.
O Tratado de Petrópolis é o reconhecimento da pátria a um
povo que foi à guerra pelo direito de ser brasileiro [...]
Como nos tempos da Revolução Acriana a opressão ameaça
a esperança do Acre [...] Chico exprime a evolução da
cidadania acriana que vivida na plenitude da nossa cultura, na
conformidade do nosso tempo e na interação com o nosso
ambiente, chamamos de Florestania. Cem anos de luta
impõem à presente geração o dever de continuar esse
processo revolucionário HOJE evidente na causa do
desenvolvimento sustentável. (GOVERNO DO
ESTADO DO ACRE. CEM anos Em Revolução. Rio
Branco: Assessoria de Imprensa/DPHAC, 2003. Edição
eletrônica, (8 min.), Trechos escolhidos, grifo nosso).
Como já foi falado, os movimentos de resistência ao domínio
estrangeiro no Acre não formam uma série de acontecimentos conec-
tados ou interligados entre si25. Não eram etapas de um mesmo projeto
insurrecional26. O movimento liderado por Plácido de Castro não foi a
25 Nesse aspecto, discordamos do historiador Marcos Vinícius que defende
exatamente o contrário, a saber: “o que temos dito, ao longo deste trabalho de
valorização da Revolução Acreana como mito de origem de nossa identidade e
cidadania, é que precisamos superar a visão ultrapassada de que ocorrem
quatro diferentes movimentos revolucionários estanques e separados [...]
como se esses episódios não possuíssem uma conexão interna e não fossem parte
de um único movimento revolucionário” (O Acre é cem. In: jornal A Gazeta, de
Rio Branco, em 06 de agosto de 1999, grifo nosso).
26 A "primeira" insurreição liderada por José Carvalho não teve como objetivo a
criação de um Estado Independente, nem a nacionalização do território. Além do
mais, apesar de a maioria dos levantes contra as autoridades bolivianas ter
recebido ajuda financeira do governo do Amazonas, é bom lembrar que Silvério
Nery, governador do Amazonas nos anos de 1900 a 1904, foi um crítico de seu
antecessor Ramalho Júnior, que governou o Estado nos anos 1898 a 1900. O
último financiou as "revoluções" de José de Carvalho e de Luiz Galvez. O
primeiro financiou as "revoluções” dos “poetas” e a de Plácido de Castro. Pelo
~ 30 ~
conclusão de um processo iniciado por José Carvalho. A Expedição
dos Poetas não foi um efeito do Estado Independente proclamado por
Luiz Galvez. Todos eles foram tentativas autônomas e singulares de
impedir o exercício da soberania boliviana na região banhada pelo rio
Purus.
O processo de anexação do Acre foi fruto de um projeto “quar-
tejado”, pois não havia união nem entre os acrianos e nem entre os
seus próprios líderes. Não seria coerente defender que o Estado Inde-
pendente do Acre presidido por Luiz Galvez foi a materialização das
ideias de José Carvalho ou a continuação da manifestação cívica lidera-
da por ele contra os bolivianos. O último foi um dos maiores críticos
do primeiro. Da mesma forma, não dá para dizer que os combates lide-
rados por Plácido de Castro foi a continuação daqueles liderados por
Orlando Lopes. O primeiro nunca concordou com a campanha militar
chefiada pelo segundo.
São bem eloquentes as provas que deixamos arquivadas do
estado de indisciplina e balburdia em que se agitavam,
então, no seio das revoluções acrianas, toda a sorte de
ambições e outras degradantes paixões, que tudo abastar-
davam, desuniam e dificultavam, enquanto nós, cá de lon-
ge, julgávamos os seus elementos unidos, patrióticos e
fortes como deviam ser. (OURIQUE, 1907, p. 160).
Em geral, parece que a escrita da história da anexação do Acre
seguiu a mesma “gramática narrativa”27 (Cf. TODOROV, 1969) dos
textos históricos que significaram a fundação dos diversos Estados
Nacionais ocidentais. Muda-se o cenário e os personagens, mas o rotei-
ro permanece o mesmo. A história de ambos aparece como uma narra-
tiva da comunhão: indivíduos dispersos se unem em favor de uma
causa aparentemente comum e nobre e, sob o comando de um herói,
protagonizam uma saga de sacrifícios e atos de bravura.
que se sabe, os conflitos armados com os peruanos no Juruá não sofreram
influência direta do governo do Amazonas.
27 A narratologia é o estudo das narrativas ficcionais e não ficcionais. A finalidade
dela é criar uma “gramática” dos textos narrativos por meio da análise
comparativa. Quem introduziu o termo pela primeira vez foi Tzetan Todorov em
seu livro Gramática do Decameron (1969).
~ 31 ~
Como no caso do Acre, os Estados Nacionais também têm suas
genealogias pontuadas em feitos “memoráveis” ligados a operações
militares: guerras, batalhas, revoluções, inconfidências, etc. Por isso, o
ensino de história é corriqueiramente voltado para a fomentação do
patriotismo e do ufanismo. Ensina-se a criança a sentir orgulho das
origens de seu país, mesmo que ela esteja vinculada ao genocídio; ensi-
na-se a nutrir admiração pelos “heróis da Pátria”, mesmo que eles
sejam assassinos.
Esse tipo de operação semiológica é conceituado por Barthes
(1993) como “significação mítica”, pois o historiador28 manipula o sen-
tido do fato histórico de tal modo que ele ganha um significado irreal –
uma falsa evidência que fica a serviço de um dado grupo social. O sen-
tido da ação histórica é esvaziado e outro lhe é incorporado. O signo
conserva a aparência do significante, mas se torna semanticamente
outro. Dessa forma, a função do “mito” em Barthes não seria a de
ocultar, por exemplo, o fato violento, mas o de revalorizá-lo ao ponto
de fazê-lo digno de aprovação. Cabe ao historiador adotar uma posição
crítica diante das fontes e recuperar o processo de manipulação simbó-
lica que resultou no abuso da história.
A narrativa da “Revolução Acriana” também está saturada de
significações míticas. A primeira delas é a de que os acrianos, indepen-
dente dos seus respectivos grupos de interesse, tenham se unido29 em
favor de um Acre brasileiro. A segunda é a de que o movimento arma-
28 Trouxemos o debate de Barthes para a história, mas o debate original dele está
no campo da linguística.
29 A sociedade gomífera era altamente desagregadora. “A condição de isolamento
dos homens, acarretada por uma grande extensão territorial, afrouxa, senão desata
os laços de solidariedade humana” (LIMA, 1975, p. 79). Os seringueiros
“definhavam no isolamento, degradavam-se como ser humano, eram mais um
vegetal do extrativismo” (SOUZA, 1977, p. 101). Por isso que o extrator foi
qualificado por Oliveira Viana como “o mais apolítico dos brasileiros” (apud
COSTA, 2005, p. 221). A relação entre seringueiros e seringalistas era hierárquica
e violenta, impossibilitando a ideia de comunhão. E não havia consenso entre os
seringalistas sobre a “Revolução”, muitos como Leite Barbosa preferiram apoiar o
governo boliviano (Cf. CALIXTO, 2003, p. 162).
~ 32 ~
do tenha sido “revolucionário”30. A terceira é a de que os acrianos
tenham lutado “para serem brasileiros”31. A quarta é a de que a “Revo-
lução” tenha sido a responsável direta pela anexação do Acre. A quinta
é a de que a “Revolução” de Plácido de Castro tenha sido de fato
“acriana”, uma vez que foi no máximo “puruense”. A sexta é quando
se afirma que a união em torno da Questão do Acre definiu o apareci-
mento do acrianismo32. A sétima é aquela que inocenta os “revolucio-
nários” do extermínio indígena, etc.
Os revolucionários não pegaram em armas em defesa da
nacionalidade brasileira, e sim pelos direitos advindos
30 “A revolução foi estritamente reacionária. O objetivo dela era conservar a ordem
contra quaisquer mudanças vindas de um governo boliviano na região. O
emprego do signo revolução não revela o caráter revolucionário do movimento, e
sim um diálogo interdiscursivo que os letrados que apoiavam o movimento
mantinham com o discurso liberal europeu” (CARNEIRO, 2008, p. 74).
31 "A maioria dos patrões, proprietário dos seringais, é constituída de homens
analfabetos e rudes, exclusivamente dominados por interesses de ordem
individual" (LIMA, 1998, p. 88, grifo nosso). Aquelas pessoas que se envolveram
na “Revolução”, estavam “extasiadas de ambição, defendiam seu patrimônio”
(MEIRA, 1974, p. 48). E entre os letrados que defendiam a causa, Rodrigo de
Carvalho dizia: "patriotas como Gentil Norberto são em grande número e tem
como pátria o dinheiro" (apud OURIQUE, 1907, p. 177). A forma mais
tradicional utilizada para convencer os seringalistas a virarem “patriotas” foi
dando-lhes patente de oficial. Segundo Alfredo Cabral (1984, p. 53), “Plácido de
Castro vendo as coisas um pouco turvas enviou ao Tarauacá um emissário com
poderes de requisitar forças dando patente de capitão para os donos de
seringal que conduzissem pelo menos vinte homens” [grifo nosso]. Além do
mais, o Estado brasileiro só desenvolveu ações concretas e planejadas para a
formação da nação no início do século XX. Em fins do século XIX, inexistia um
sentimento de identidade coletiva no Brasil (CARVALHO, 1990, p. 32). O
desenvolvimento da “religião cívica” entre os brasileiros foi dificultado pelos
regionalismos, pelos resquícios da escravidão, pelas constantes imigrações
estrangeiras e pelos movimentos separatistas, dentre outros.
32 Rodrigo de Carvalho em uma carta enviada ao governador do Amazonas em 4
de março de 1901, explica ao mesmo que para os seringalistas locais pouco
importava se o Acre seria um país autônomo ou um município do Amazonas,
pois estavam preocupados mesmos era em assegurar o lucro gomífero. “Posso
asseverar a V. Ex. que a ambição dos aviadores e comandantes - é o contrabando
de mercadorias e a borracha” (Cf. OURIQUE, 1907, p. 152).
~ 33 ~
dela. Ser brasileiro era estar debaixo das leis brasileiras.
Não se pode esquecer que, na época, havia um grande
temor de que o governo boliviano aumentasse os
impostos, invalidasse os títulos fundiários expedidos
pelo governo amazonense e impusesse restrições quanto
ao corte da seringueira. Devido a isso, a maior parte da
elite gomífera preferiu ficar sob a jurisdição brasileira. É
bom que se diga que os migrantes teriam sua nacio-
nalidade brasileira garantida caso a Bolívia exer-
cesse sua soberania naquela região, o que mudaria é
que ali, estariam na condição de estrangeiros. (CAR-
NEIRO, 2008, p. 73, grifo nosso).
A nacionalização do Acre não foi o resultado de um “destino
manifesto”. Ninguém migrou para o extremo ocidente amazônico em
fins do século XIX para nacionalizar o Acre, pois ali era “uma terra
para ganhar dinheiro e não para fundar um lar” e “uma terra para
ganhar dinheiro e enriquecer não pode inspirar compaixão” como
afirma Benchimol (1977, p. 186, 216). O discurso patriota dos líderes da
“Revolução” dissimula a “desmedida ambição” (idem, ibidem, p. 216) que
tinham "por interesses econômicos ligados à extração do látex” (CAR-
DOSO, 1977, p. 25).
Los que se atreven a sostener que la revolución del Acre fue
un movimiento espontáneo de los pobladores, que deseaban
independizarse de Bolivia y acogerse al pabellón brasilero,
faltan a la verdad. Allí no hubo más que el sórdido interés
del Gobernador de Amazonas por apoderarse de aquellas
rentas y el de un cierto número de aventureros, adeptos su-
yos, dispuestos a medrar en esa empresa. (ARAMAYO,
1903, p. 55).
Só importava o bem presente, como as perspectivas imedi-
atas de lucro certo, do dinheiro e do crédito fácil. A mira-
gem da riqueza célere e a volta à terra de origem
compunham o binômio psicológico do seringueiro, a ideia-
força que o animava ao sacrifício na floresta. (TOCAN-
TINS, 2001, Vol. I, p. 255, grifo nosso).
As mitificações operadas pela historiografia acriana são da mes-
ma “gramática” daquelas praticadas pelas histórias oficiais da Guerra
~ 34 ~
do Paraguai e da Revolução Francesa. Em ambos os casos houve uma
tentativa de esvaziar a brutalidade dos acontecimentos por meio de jus-
tificativas “nobres”. Em relação ao primeiro, muitos livros já denuncia-
ram o “terror” e a “política da guilhotina”, como foi o caso de Le livre
noir de la Révolution Française, organizado por Escande. Em relação ao
segundo, dentre muitos, podemos citar Genocídio Americano, de Chiave-
nato. Esse último diz que a Guerra do Paraguai não teve nada de lou-
vável, pois foi “uma guerra de interesses econômicos”
(CHIAVENATO, 1979, p.11) ligada ao imperialismo inglês. Portanto,
desmascara a “fantasia nacionalista com episódios heroicos e militaris-
tas [...] o patriotismo e a bravura dos nossos soldados encobrem a vila-
nia dos motivos” (idem, ibidem, p.11 e 10).
Será que há situações em que o emprego da violência se torna
moralmente aceitável? Em que circunstâncias é oportuna a promoção
de uma guerra? Não entraremos nesse debate, mas tratamos aqui o
fenômeno bélico como uma patologia social. Toda violência é uma
forma de agressão a outrem, independente dos motivos. E esse com-
portamento, é o que mais aproxima o homem do reino animal ou da
vida selvagem. A guerra é incompatível com o grau de civilidade alcan-
çado pela humanidade. Portanto, não há razão para defendermos o
caráter pretensamente benéfico de uma guerra ou de uma revolução.
Inúmeros são os exemplos de narrativas que heroificam o guer-
reiro e monumentalizam os feitos bélicos. Não apenas justificam a vio-
lência, mas também exigem das gerações presentes e futuras uma
admiração por ela. Na Grécia Antiga, por exemplo, os gregos aparecem
como aqueles que combatiam em nome da virtude. Já durante a forma-
ção dos Estados Nacionais, a força ideológica justificadora da violência
foi o patriotismo. No século XX, os líderes dos movimentos socialistas
diziam que a “ditadura do proletariado” era uma forma de combater a
desigualdade social.
Todos tentam prestar contas de suas ações recorrendo direta ou
indiretamente à noção de “guerra justa”. O termo foi criado por Agos-
tinho de Hipona (354 - 430) e faz menção a situações em que o empre-
go das armas pode se tornar um mal necessário33. Em geral, se diz que
33 O holandês Hugo Grócio (1583-1645), considerado o pai da filosofia do
direito, em sua obra De Jure Belli ac Pacis (O Direito da Guerra e da Paz, 1625),
~ 35 ~
a guerra é “justa” quando motivada por sentimentos “nobres”, quando
os objetivos delas são “legítimos” e quando o agressor é um agente
“legal”. Para Maquiavel (2006), toda guerra se mostra justa, desde que
necessária. Muitos outros filósofos também se manifestaram a favor do
uso da violência em dadas circunstâncias, tais como Hobbes, Nietzs-
che, Hegel, Marx e Marcuse.
As “guerras justas” geralmente são representadas como uma
ação militar do bem contra o mal. No entanto, os critérios que definem
o bem e o mal são ideologicamente marcados34 e isso torna o discurso
da aceitação da guerra um recurso meramente retórico. Hannah Arendt
(1998 e 1994) julgava como criminosos os praticantes da “violência
revolucionária”, chegou inclusive a comparar os crimes de guerra aos
do genocídio. Em qualquer que seja a situação, a história das guerras
sempre será “a história do gênio humano aplicado à destruição”
(MAGNOLI, 2013, p. 16).
A própria representação hegemônica da identidade acriana está
saturada de significações míticas. Isso tem a ver com a opção pela nar-
rativa histórica maniqueísta em que os sujeitos ou os grupos sociais
aparecem tipificados em figuras opostas: vítimas e algozes, heróis e
bandidos. Inicialmente, o mal foi associado à figura do estrangeiro.
Depois, aos seringalistas exploradores de seringueiros e também a
todos aqueles que não apoiavam a causa da autonomia acriana. Em
seguida, foi a vez do fazendeiro “sulista” ser estigmatizado. O mal
sempre está corporificado no “outro”, e é dessa forma que o “eu” acri-
ano foi inventado como figura do “bem”.
A construção do “outro” nada mais foi do que uma tentativa de
livrar o “eu” acriano dos seus traços históricos indesejáveis. Pois, se
dado acriano não assumir a causa do grupo dominante é logo desquali-
ficado como “aquele que não ama o Acre”. Mas o “eu” e o “outro”
também autoriza o uso da violência em determinadas circunstancias. Essa obra
influenciou o Direito Internacional, que tem sua origem na doutrina da Guerra
Justa.
34 Sou da opinião de More (1995, p.114), que diz que “na realidade nenhuma
guerra que se conheça na história, no presente ou no futuro que se possa prever,
foi justa”.
~ 36 ~
estão indissociavelmente ligados, eles formam o “mesmo” da socieda-
de acriana, pois nela a figura do “herói” e do “bandido” se misturam.
O Acre do seringueiro “patriota” foi o mesmo do seringueiro
assassino de índios. O Acre do seringalista benfeitor da “Revolução
Acriana” foi o mesmo do seringalista promotor de correrias contra nati-
vos e corrupção contábeis contra o seringueiro. O Acre de Galvez foi
o mesmo de Neutel Maia35, e o Galvez que proclamou o Estado Inde-
pendente do Acre foi o mesmo que ganhou dinheiro como cafetão em
Manaus. O Acre de Plácido de Castro foi o mesmo de Gabino Besou-
ro36, e o Plácido de Castro que “libertou” o Acre foi o mesmo que
semiescravizava seringueiros em seus latifúndios. O Acre de Guiomard
Santos37 foi o mesmo de Oscar Passos38, e o mesmo Guiomard Santos
autor do projeto que elevou o Acre à categoria de Estado foi o mesmo
simpatizante pelo fascismo italiano que militou na Ação Integralista
Brasileira (AIB) nos anos 193039. Ou será que o Acre de Chico Mendes
foi diferente do Acre de Darly Alves40?
Finalizo esse tópico com algumas perguntas: os acontecimentos
militares ligados à Questão do Acre teriam realmente sido uma revolu-
ção? Não teria sido uma guerra? Ou uma confederação? Uma revolta?
Um levante? Um motim? Um ajuntamento? Uma amotinação? Uma
conjuração? Uma assuada? Uma intentona? Uma sublevação? Uma
sedição? Uma rebelião? Uma subversão? Uma resistência? Uma insur-
reição? Quem dá mais? Tantas são as possibilidades, por que batizaram
os feitos como “Revolução”? Uma coisa é certa, um movimento arma-
35 Dono do seringal Volta Empresa, que viria a se tornar a atual cidade de Rio
Branco. Ele era muito influente na época, no entanto, se posicionou contra as
ações políticas de Galvez, sendo, inclusive preso por isso.
36 Político acusado de mandar matar Plácido de Castro.
37 Político filiado ao PSD, grande defensor da autonomia acriana nos anos 1950.
38 Ex-governador do Território do Acre, político filiado ao PTB de grande
expressão regional. Ele era contra a elevação do Acre à categoria de Estado, por
isso foi estigmatizado pela historiografia marcadamente autonomista.
39 Cf. Revista Anauê!, Rio de Janeiro, ano I, n.2, maio de 1935, p. 15.
40 Condenado pela justiça como mandante do assassinato de Chico Mendes.
~ 37 ~
do não se torna “revolucionário” só porque foi assim chamado pelos
seus promotores41.
A adoção de uma abordagem jurídico-penal poderia lançar luz a
essas perguntas. O fato bélico acriano poderia estudado conforme o
tipo criminal existente na legislação penal brasileira em vigor da épo-
ca42. Aliás, assim foi feito com Luiz Galvez e José Carvalho, pois
ambos tiveram problemas com a justiça brasileira por causa da “Revo-
lução”. O primeiro por ser estrangeiro foi praticamente expulso do
país e o segundo foi processado pelo crime de lesa pátria, além de ter
sido proibido de manter residência fixa no Estado do Amazonas.
A resistência a essa abordagem seria óbvia, pois os "heróis acria-
nos" acabariam enquadrados em algum tipo criminal43. Talvez algum
dia os juristas sejam mais perspicazes que os historiadores e fomentem
o debate sobre essa dimensão criminal da “revolução”. Afinal, os
“revolucionários” acrianos promoveram a desobediência aos tratados e
acordos internacionais firmados pelo Brasil de forma deliberada, rom-
peram com o monopólio estatal do uso da força, praticaram comércio
clandestino de borracha e de outras mercadorias nas fronteiras amazô-
nicas, opuseram-se à execução de ordens legais, impediram funcionário
público nomeado de exercer suas atribuições, cometeram assassinatos e
lesões corporais a outrem, dificultaram a arrecadação de tributo legiti-
mamente instituído, e provocaram uma nação estrangeira a hostilizar e
quase declarar guerra ao Brasil. Muitas dessas práticas assinaladas já
eram tipificadas como crime no Código Penal brasileiro de 1890.
41 Do ponto de vista do governo boliviano foi uma guerra. Do ponto de vista de
José de Carvalho (2002), uma insurreição. Do ponto de vista dos próprios
protagonistas dos acontecimentos, uma revolução. Do ponto de vista do governo
federal brasileiro, um movimento separatista. Segundo Eugene Seeger, cônsul-
geral dos EUA, “um ato de pirataria moderna” (apud BANDEIRA, 1978, p. 161).
Zambrana (1904, p. 26) informa que Puerto Alonso estava sendo bloqueada por
“piratas y aventureros”.
42 Esse foi o procedimento utilizado por Dantas (2011) em situação analítica
semelhante.
43 Pelas leis bolivianas eram criminosos, pois exerciam atividade econômica de
forma clandestina, algo próximo do crime de descaminho de mercadoria no atual
código penal brasileiro.
~ 38 ~
O discurso patriótico tentou justificar toda essa gama de com-
portamentos socialmente patológicos, reinventando o “crime” como
prática digna de comemoração. “Lutar por amor ao Brasil” foi um
“fetiche” empregado para inocentar os primeiros acrianos de suas prá-
ticas penalmente imputáveis. Certamente não assassinavam indígenas
por “patriotismo”. Quem sabe um dia alguém promova, ao menos
simbolicamente, o julgamento póstumo daqueles acrianos à luz do
Código Penal da época.
Mas qualquer leitor de Hobsbawm (2010), sendo ele boliviano
ou não, tipificaria os acrianos ao menos como “bandidos sociais” -
criminosos que se consideram “portadores de justiça (idem, ibidem, p. 9)
por lutarem “contra governos injustos” (idem, ibidem, p. 32). Eles justifi-
cam a prática de atos proibidos por lei por meio de argumentos
“humanitários”. Esse tipo de bandido “desafia simultaneamente a
ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm ou aspi-
ram ter o poder, a lei e o controle dos recursos (no caso, os bolivia-
nos)” (idem, ibidem, p. 21). Em nome de uma causa, eles se negam a
obedecer as autoridades legalmente constituídas. Hobsbawm (2010, p.
27) lembra que “a recusa de pagar impostos é um delito sujeito às
penas da lei, e a recusa de obedecer à lei é punida com o cárcere”.
Então, seriam os “heróis” acrianos “bandidos sociais”?
2.2 A história revisada da “Revolução”
Eugene Seeger, Cônsul-Geral dos Estados Unidos,
qualificava a insurreição de Plácido de Castro
como ato de pirataria moderna, dirigido pelos polí-
ticos e especuladores de Manaus e executado pela
mais vil espécie de aventureiros e facínoras, com a
assistência do Governo do Brasil. Os ladrões de bor-
racha do Amazonas, em sua opinião, apresentavam
com a vestimenta do patriotismo ultrajado e acusavam
a Bolívia de estar vendida aos ianques, cuja política
expansionista ameaçava o Brasil e o resto da América
do Sul. (BANDEIRA, 1978, p. 161, grifo nosso).
Mercenarios recolectados en los antros del vicio y la
miseria, trabajadores obligados por sus patrones a ba-
tirse y perder la vida por una causa ignorada por
ellos, lógicamente, debían perder la moral ante indivi-
~ 39 ~
duos patriotas que abandonaron las fruiciones del ho-
gar por acudir en amparo de nuestra integridad terri-
torial. (AZCUI, 1925, p. 97, grifo nosso).
Los representantes de esa revolución que bajo el man-
to del patriotismo practicaron las mayores infamias
avergonzando la diplomacia brasilera […] levantando
en alto falso patriotismo que encubre fines inconfesa-
bles. (ZAMBRANA, 1904, p. 86 e 94).
As terras banhadas pelos rios Purus e Juruá figuravam oficial-
mente nos mapas bolivianos desde a assinatura do Tratado de Ayacu-
cho (1867), no entanto, não foram imediatamente ocupadas. O
governo boliviano preferiu concentrar a mão de obra do país nas minas
de prata, que eram o principal motor da economia andina naquele
momento. A Bolívia só se preocupou com a região pelos idos de 1894,
quando o coronel José Manuel Pando denunciou a invasão brasileira.
Por conta disso, este coronel ganhou tanta notoriedade em seu país
que acabou se tornando presidente nos anos 1899-1904.
O impacto da denúncia deu origem a uma série de reuniões
diplomáticas entre os governos do Brasil e o da Bolívia. Em 19 de
fevereiro de 1895, houve a assinatura de um Protocolo que previa a
demarcação definitiva dos limites entre os dois países. Segundo Corrêa
(1899, p. 47), tal Protocolo estava em "flagrante desacordo com o Tra-
tado de 1867", pois defendia uma "linha geodésica oblíqua" como
fronteira entre os dois países. Fato é que o governo brasileiro reconhe-
cia o território como sendo estrangeiro, tanto é que autorizou a instala-
ção de um posto aduaneiro boliviano em Puerto Alonso44 em 22 de
outubro de 1898. Como o próprio Abguar Bastos (1969, p. 64) diz, os
acrianos provocaram a “transformação do Acre boliviano em Acre
brasileiro”.
O governo do Amazonas procurava estimular um “clima de ten-
são e revolta” (CABRAL, 1986, p. 37) na região, espalhando boatos con-
44 O nome Puerto Alonso foi uma homenagem dada ao presidente boliviano
Severo Alonso. A inauguração do posto aconteceu em 03 de janeiro de 1899 e
teve muita repercussão no Brasil, principalmente nas praças de Belém e Manaus,
onde, até então, eram recolhidos os impostos sobre a exportação de toda
borracha oriunda do Acre. Os bolivianos já haviam tentado construir uma
alfândega em 23 de setembro de 1898, mas sem sucesso (Cf. REIS, 1937, p. 17).
~ 40 ~
tra os bolivianos. Os seringalistas também faziam sua parte, dizendo que
sofreriam castigos por trabalharem em terras estrangeiras. “Nada mais
falso, tudo não passou de fantasia destinada a levantar a opinião nacio-
nal contra a ocupação do Acre” (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 248).
Muitos brasileiros passaram a ter o boliviano José Paravicini
“não como o representante legítimo de um país que, sob os resguardos
dos tratados internacionais se empossava do território acreano; e sim
como o algoz dos brasileiros, o usurpador de rendas nacionais” (idem,
ibidem, p. 248). Três eram os principais receios da elite gomífera acriana
com relação à consolidação da soberania boliviana na região, a saber: a)
invalidação dos títulos fundiários expedidos pelo governo amazonense;
b) o aumento arbitrário do valor dos impostos; c) a imposição de nor-
mas para o corte da seringueira.
Atingidas em seus interesses, as classes dominantes ama-
zonenses insuflaram, por toda parte, a ideia de uma suble-
vação contra a missão boliviana. Nos jornais, nos seringais,
no parlamento e até nos bares procurava-se incutir a ideia
de que a pátria havia sido lesada pela adoção da
medida de permitir a posse da Bolívia no Alto-Acre.
Não se dizia, porém, que, subjacente a isso, estavam os
interesses econômicos profundamente afetados [...] a
campanha objetivara sacudir a opinião pública. (CALIX-
TO, 1985, p. 111, grifo nosso).
Al estallar la conflagración separatista, el Acre contaba con
más de treinta mil habitantes, mostrándose case la to-
talidad indiferente a lo que ocurría, de tal modo que los
promotores de la revuelta, para hacer consentir en su po-
pularidad expedían despachos de coroneles a granel, sin
que por ello lograsen el concurso de los agraciados, porque
el ideal de los acreanos era el de continuar como hasta en-
tonces, sin freno a sus desmanes ni autoridades que los go-
bernase, imperando entre ellos los de mayor fuerza física y
los instintos sanguinarios más depravadas. (AZCUI, 1925,
p. 45, grifo nosso).
A República brasileira não podia realizar uma guerra contra a
Bolívia em favor dos acrianos. Isso poderia ser interpretado como uma
ação imperialista brasileira, além do mais, seria um desrespeito aos Tra-
tados e Acordos Internacionais anteriormente firmados. Os governos do
~ 41 ~
Amazonas e do Pará também não podiam assumir oficialmente uma
postura contrária às decisões do governo federal, que reconhecia aquele
território como estrangeiro. Mesmo assim, nos bastidores, as autoridades
amazonenses confabulavam contra os bolivianos, afinal o comércio da
borracha havia elevado a receita pública daquele Estado de 3.710 (três
mil, setecentos e dez) contos de réis em 1890 para 33.081 (trinta e três
mil, oitenta e um) contos de réis em 1900 (Cf. CORRÊA, 1899, p. 160).
E foi esse fato $patriótico$ que conduziu inúmeras lideranças à “Revo-
lução” no Acre.
Todo el conflicto giraba en torno a estos factores: Bolivia
quería tomar las riendas del territorio del Acre, que por dere-
cho le pertenecía, y el Estado del Amazonas perjudicado en
sus recaudaciones fiscales se oponía tenazmente, pero entre
bastidores, al funcionamiento de la aduana de Puerto Alon-
so. Para efectuar esa oposición contaba con la adhesión de
los seringueros, los empleados públicos, los empleados loca-
les y los comerciantes del Pará e Manaos, un complejo de in-
tereses que se movían para oponerse a los cabios de una
situación que les estaba produciendo riquezas y poder políti-
co. (RIBERA, 1997, p. 53).
Foram necessários apenas vinte e dois dias do estabelecimento do
Posto Aduaneiro boliviano para que uma Junta Revolucionária fosse
organizada com o fim de derrubá-lo. E no dia primeiro de maio do
mesmo ano, José Carvalho - advogado cearense e secretário do superin-
tendente da comarca do município amazonense de Floriano Peixoto, do
qual o Acre arbitrariamente fazia parte – exigiu a saída do delegado boli-
viano Moisés Santivanez e de toda sua comitiva de Puerto Alonso. O
advogado foi confrontá-lo com apenas oito pessoas (CARVALHO,
2002, p. 27), dentre eles, um dos seringalistas mais importante da região,
o Dr. Joaquim Victor. Por conta da legislação da época, a intimação não
podia ser um ato oficial do governo do Amazonas, devido a isso, José
Carvalho estrategicamente recolher a assinatura de 57 seringalistas em
um manifesto contra a delegação boliviana.
As autoridades bolivianas resolveram deixar a região de forma
pacífica, mas a expulsão teve rápida repercussão, e antes mesmo de o
mês encerrar, no dia 24 de maio, José Carvalho já havia sido processado
por crime de lesa-pátria e proibido de residir no Estado do Amazonas.
~ 42 ~
Talvez isso possa ser explicado pelo fato de José Carvalho ser funcioná-
rio público e o governo do Amazonas temer ser acusado de envolvimen-
to na “insurreição”. Depois desses acontecimentos, a região do atual
Acre foi novamente entregue para a administração boliviana. Os cin-
quenta dias, que sucederam ao 24 de maio, foram de muitas especula-
ções e articulações políticas entre os seringalistas e os políticos de
Manaus sobre o destino do Acre. Os “patriotas” não podiam deixar a
questão de lado, pois sabiam que, com a coleta dos impostos, os bolivia-
nos haviam faturado “uma fortuna com a espoliação da borracha”
(CARVALHO, 2002, p. 20).
O governador Ramalho Júnior (Amazonas), ao lado de
outras providências, tentava, junto ao Presidente da Repúbli-
ca Campos Sales, conseguir uma solução para o caso acrea-
no: propunha contrair o Amazonas um empréstimo de um
milhão de libras para indenizar a Bolívia, a fim de que ela
desistisse de suas pretensões. (REIS, 1937, p. 18).
O governador do Amazonas Ramalho Júnior aproveitou o impas-
se diplomático entre os dois países para contratar secretamente um
espanhol, “dono de casa de jogos e prostituição” em Manaus (CARVA-
LHO, 2002, p. 45) para liderar a “aventura infeliz e criminosa” (idem, ibi-
dem) de tornar o Acre um país independente. Segundo Azcui (1925, p.
20), o governador havia prometido a Galvez “20% de lo que se recauda-
ra por impuesto sobre la goma”. Tocantins (2001, Vol. I, p. 440) trata
Ramalho Júnior como "idealizador e sustentáculo da República do
Acre".
Em oposição às cautelas da diplomacia, o governador
Ramalho Junior agia em desconexão com o pensamento
do governo federal, de onde surgiram rumores de
intervenção no Estado, efeitos em seguida, após longo
relatório, minucioso e ao mesmo tempo energético, do
governador ao presidente [...] A imprensa do Rio, ainda
que não enfaticamente, fazia coro com o noticiário
passional que vinha do Amazonas. (BASTOS, 1969, p. 64)
Sobre Galvez, as opiniões são muitas, a maioria o tem como um
"oportunista" e "fanfarrão" (SOUZA, 1983; BARROS, 1993; RIBERA,
~ 43 ~
1997). Mas há quem o interprete como um grande intelectual e diploma-
ta (DANTAS, 2012)45. O certo é que além dele o governador do Ama-
zonas também contratou "vinte homens, todos veteranos da guerra de
Cuba" (idem, ibidem, p. 23). É bom que se diga que não há nada de estra-
nho nessa prática, pois a contratação de mercenários faz parte da cultura
militar ocidental há milênios. Segundo Bruyère-Ostells (2012), a Revolu-
ção Francesa tentou quebrar essa tradição por meio do alistamento mili-
tar voluntário. No entanto, “eles sempre constituíram a espinha dorsal
dos exércitos europeus” (idem, ibidem, p. 8).
Ahora hace su entrada en el escenario de la historia del Acre
un personaje que parece sacado de una novela, Luiz Galves
Rodríguez de Arias, español, ex funcionario de la Embaja-
da de España el la Argentina, soldado de fortuna, mercena-
rio, ex estudiante de derecho, dicen que también trató de
seguir la carrera de las armas pero fue expulsado por inmo-
ral. (RIBERA, 1997, p. 67, grifo nosso).
Abro aqui um parêntese para dizer que o próprio Plácido de Cas-
tro também foi acusado de mercenarismo por ter enriquecido com a
“revolução” (CASTRO, 2002, p. 364). Após o Tratado de Petrópolis, ele
se tornou dono de terras no Acre (idem, ibidem, p. 363), no Amazonas
(idem, ibidem, p. 30), no Rio Grande do Norte (idem, ibidem, p. 365) e na
Bolívia (idem, ibidem, p. 32). Também dizia-se que ele era dono do jornal
Correio da Noite (Cf. idem, ibidem, p. 222). Embora Genesco Castro (2002)
tenha explicado que o patrimônio deixado por Plácido de Castro fora
comprado a crédito (desculpa utilizada até hoje por políticos de má fé), a
desconfiança permanece. Até mesmo Cláudio Lima (1998, p. 227), um
dos grandes admiradores do “herói”, confirma que ele “enriqueceu com
espantosa rapidez”.
45 Por conta dessa mesma interpretação que a Assembleia Legislativa (ALEAC)
do Estado do Acre o homenageou com uma estátua posta em frente ao prédio da
ALEAC em 26 de novembro de 2008. Nela, Galvez foi imortalizado como o
"primeiro legislador do Acre" (Fonte: <http://www.aleac.net> acessado em
fevereiro de 2013). Vale ressaltar que Galvez nunca convocou uma única
assembleia de seringalistas para deliberar sobre o teor das dezenas de decretos
assinados por ele.
~ 44 ~
O próprio líder da Revolução afirma que “entrando o Território
do Acre para a comunhão brasileira, recolhi-me à vida industrial e
comercial que absorve quase toda a minha atividade” (Plácido de Castro
– julho de 1908 apud CASTRO, 2002, p. 269). É sabido que Plácido de
Castro antes da Revolução trabalhava em Manaus como agrimensor, por
isso, enquanto uma pesquisa apurada não responder os motivos que
levaram o “herói” a mudar de profissão após a “Revolução”, a dúvida
vai persistir. Ele mesmo tentou explicar sua prosperidade dizendo que
“si alguém nesta terra entrou pela porta da honra e do sacrifício esse
alguém, desculpa-me a falta de modéstia, fui eu” (idem, ibidem).
Constitui fato notório o recebimento de Luiz Galvez
Rodrigues de Arias, da importância de Cr$ 440.000,00
do Estado do Amazonas, por sua chefia no movimento
revolucionário no Acre que culminou com a fundação de
uma república independente. A negociação do preço dos
trabalhos revolucionários começou com a chagada ao Acre
do Tenente BURLAMAQUI [...] Galvez apresentou sua
proposta para a rendição, isto é, para dar por terminada
sua tarefa: custariam 800 contos, logo reduzido para 440
contos [...] E Plácido de Castro, teria também sido
indenizado por seu trabalho bélico no Acre? A respos-
ta é afirmativa. Segundo notícia publicada no Jornal LA
UNIÓN, que se editava em Manaus [...] com efeito, o n°
34 do referido Jornal, do dia 8 de abril de 1904, pode-se ler
o seguinte: un telegrama del Pará de fecha 5, dice que el Gobierno
federal expidió orden a la Delegacia Fiscal para entregar a Plácido de
Castro, o a su orden, la mitad del producto recaudado de impuesto del
Acre, hasta la fecha em que si firme el tratado de Petrópolis. O arti-
culista não esclarece quanto teria recebido Plácido de Cas-
tro, nem mesmo afirmou que tivesse ele recebido a
importância que lhe era autorizado entregar pelo governo
federal. (LEITE, Romeu César. Os Chefes da Revolução
Acreana teriam sido mercenários? In: jornal O Rio Bran-
co, de Rio Branco, em 22 de janeiro de 1976, Nº 207, p. 7,
grifo nosso).
Outro indício de mercenarismo é a considerável quantidade de
estrangeiros nas tropas acrianas. Fato comprovado pela lista dos vetera-
nos da “Revolução Acriana” produzida durante a feitura do Projeto de
Lei que pretendia conceder pensão aos ex-combatentes (Lei Nº 380, de
~ 45 ~
10 de setembro de 1948). Fica difícil acreditar que esses estrangeiros, que
mal haviam chegado ao Brasil, tenham empunhado armas para tornar o
Acre o único Estado “brasileiro por opção”.
Em uma carta de 18 de junho de 1902, portanto, antes do início
da “Revolução” iniciada em 6 de agosto, Rodrigo de Carvalho diz: “bal-
deamos a carga da Maria Thereza, a bordo dela vem o Dr. Gentil com
armamento e um capitão com vinte e tantos soldados, commissio-
nados pelo governador para fazer a revolução” (apud OURIQUE,
1907, p. 223, grifo nosso). Se levarmos em consideração que o próprio
Plácido de Castro afirmou ter iniciado o combate contra os bolivianos
em 6 de agosto de 1902 com apenas 33 homens (Cf. CASTRO, 2002, p.
56), fica fácil deduzirmos que o episódio inaugural da “Revolução Acria-
na” ou da “Grande Revolução” também foi protagonizado por merce-
nários.
Esse debate era inútil na época, pois para os “barões da borra-
cha”, “pouco lhes importa a procedência do herói. A sua origem. Ou sua
moral. O que é preciso, e se impõe desesperadamente é salvar o Acre”
(LIMA, 1998, p. 50). Zambrana (1904, p. 162) diz que “los revoluciona-
rios del Acre, comandados por Plácido de Castro [...] se hallaban situa-
dos en Caquetá [...] tenían bajo sus órdenes fuera de las tropas
revolucionarias, unos cincuenta o sesenta hombres de la guarnición
estadoal de Manaos” [grifo nosso]. Parece ser inegável que havia pes-
soas comissionadas nas tropas revolucionárias, ou seja, que ali estavam
sem qualquer motivação patriótica ou compromisso ideológico.
Fechemos o parêntese e prossigamos dizendo que "Luiz Galvez,
com dinheiro e armas do governo do Amazonas, seguiu para o Acre"
(REIS, 1937, p. 19). Lá chegando, em 14 de julho de 1899, “simuló la
convocatoria de un comício popular del que resultó proclamado Presi-
dente de la República Independente del Acre” (ZAMBRANA, 1904, p.
59). Segundo Ribeira (1997, p. 69), tudo não passou de “un plan larga-
mente estudiado por Ramallo Junior (gobernador do Amazonas) para ir
moldeando la opinión pública brasileña en contra de la posesión del ter-
ritorio de Acre por Bolivia”.
O governo do espanhol não foi unanimidade, pois desde os pri-
meiros meses de seu governo teve que combater “todos os focos de agi-
tação” (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p.349). Vários grupos se insurgiram:
o liderado pelo coronel Neutel Maia, do seringal Empresa; o do Capitão
~ 46 ~
Leite Barbosa, de Humaitá; e o da Comissão Garantidora dos Direitos
Brasileiros, do Alto Acre. Além do mais, segundo Tocantins, “as pessoas
de maior destaque (de Xapuri) não haviam aderido ao Estado Indepen-
dente” (idem, ibidem, p. 350). Isso sem dizer do Juruá, que nem sequer
tomou conhecimento dos decretos expedidos por Galvez.
De Xapuri, Galvez receberia ofício assinado por Manoel
Odorico de Carvalho, auto-intitulado Prefeito de Seguran-
ça Pública pela vontade soberana do povo, comunican-
do que, no alto Acre, a população resolvia não aderir a essa
revolução sem primeiro ouvir a decisão do governo brasi-
leiro [...] Somava-se a este movimento dissidente do Alto
Acre, um outro que, sob a denominação de Comissão
Garantidora dos Direitos Brasileiros, procurava, de todas
as formas, minar o governo provisório. No baixo Acre,
para completar, havia, ainda, a propaganda anti-governo
provisório, liderado por Neutel Maia do seringal Empresa
e pelo Capitão Leite Barbosa, do seringal Humaitá, este
último outrora ativo colaborador na administração Paravi-
cini. (CALIXTO, 2003, p. 162, grifo nosso).
Em fins de 1899, Galvez proibiu a exportação da borracha em
represália às Casas Exportadoras de Manaus e de Belém que se negavam
a reconhecer os atos fiscais do Estado Independente do Acre. Essa ação
desagradou vários seringalistas que antes o apoiavam, dentre eles, Souza
Braga, dono dos seringais Benfica, Riozinho e Niterói. Galvez também
perdeu o apoio de Rodrigo de Carvalho, um dos principais membros da
Junta Revolucionária, e de Alberto Moreira, um jornalista que represen-
tava os interesses do novo país em território brasileiro.
Em 28 de dezembro de 1899, “apoiado por um pequeno grupo de
descontentes” (AGUIAR, 2000, p. 88), Souza Braga foi aclamado Presi-
dente do Estado Livre do Acre. O primeiro decreto expedido foi o
banimento de Galvez; o segundo foi a declaração de livre comércio nos
rios e o consequente restabelecimento da ordem comercial. Souza Braga
chegou a dizer que “entre o governo de Paravicini e o de Galvez não há
grande diferença, assemelha-se na forma e no fundo, deprimir o caráter
nacional brasileiro e arruinar a nossa fortuna” (apud TOCANTINS,
2001, Vol. I, p. 389, grifo nosso).
LIVRO: Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionalização do Acre.  [Autor Eduardo Carneiro]
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LIVRO: Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionalização do Acre. [Autor Eduardo Carneiro]

  • 1. EduardodeAraújoCarneiro–Amazônia,limites&fronteiras(Brasil,BolíviaePeru) Uma história revisada da nacionalização DO ACRE Três países disputaram o território que hoje compreende o Estado do Acre, a saber: Brasil, Bolívia e Peru. Esse livro é uma tentativa de explicar o processo histórico que resultou no abrasileiramento desse território. O seu caráter revisionista tem a ver com a crítica que faz ao conteúdo epopeico contido na versão oficial acreano- brasileira, cuja missão foi inventar um passado inaugural glorioso capaz de legitimar a nacionalização dessas terras e despertar orgulho nos acrianos. Portanto, essa obra não tem qualquer compromisso de preservar as tradições, os abusos da história, muito menos as políticas simbólicas que sustentam o discurso da acrEanidade. É licenciado em História (UFAC) e bacharel em Economia (UFAC). É mestre em Linguagem e Identidade (UFAC) e doutor em História Social (USP). É aluno do curso de graduação em Letras/Francês (UFAC) e do Doutorado em Estudos Linguísticos (UNESP). É Professor da UFAC desde 2008. DO MESMO AUTOR: ISBN 978-85-919549-6-4 EAC Editor EAC Editor Eduardo de Araújo Carneiro PRÓXIMOS LANÇAMENTOS Edição Especial do livro “A Fundação do Acre” EAC Editor eac.editor@gmail.com
  • 2. Eduardo de Araújo Carneiro __________________ AMAZÔNIA, LIMITES & FRONTEIRAS (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionalização do Acre __________________ EAC Editor
  • 3. C289a Todos os direitos dessa edição pertencem a Eduardo de Araújo Carneiro. Nenhuma parte desse livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização prévia do autor pelo e-mail eduardoaraujocarneiro@gmail.com. Editor Geral Eduardo de Araújo Carneiro Capa, Diagramação, Preparação do Texto, Ilustração, Projeto Gráfico, Revisão e Arte Final Eduardo de Araújo Carneiro ISBN 978-85-919549-6-4 Edição Especial do Livro “A Fundação do Acre” Janeiro de 2016 Carneiro, Eduardo de Araújo. Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionaliza- ção do Acre. /Eduardo de Araújo Carneiro. Rio Bran- co: EAC Editor, 2016, 154p. : il. I. História; II. Acre; III. Amazônia; IV. Revolu- ção Acriana; V. Tratado de Petrópolis; VI. Bolívia; VII Peru; Título. CDD 981.12
  • 4. Essa é uma edição revisada do livro A Fundação do Acre: uma história revisada da anexação (fase invasiva, fase militar e fase diplomática). Ela será destinada às bibliotecas de diversas Universidades Federais. Como esse livro foi uma versão melhorada do quarto capítulo de minha Tese de Doutorado, dedico essa edição aos gestores e participantes do DINTER em História Social firmado entre a UFAC e USP (2011-2014). Coordenador do DINTER/USP – Prof. Dr. Marcos Silva Coordenador do DINTER/UFAC – Prof. Dr. Sávio Maia Minha Orientadora – Profa. Dra. Raquel Glezer (USP) Membro da minha banca de Qualificação – Prof. Dr. Lincoln Secco (USP) Membro da minha Banca de defesa – Profa. Dra. Maria Capelato (USP) Membro da minha Banca de defesa – Prof. Dr. Valdir Calixto (UFAC) Membro da minha Banca de defesa – Prof. Dr. Francisco Pinheiro (UFAC) TURMA DO DINTER Carlos Estevão Castelo Cássio Melo Daniel Klein Eduardo Carneiro Elisandra Lira Euzébio Monte Francielle Modesto Francisco Pereira Geórgia Lima Hélio Moreira Marcelo Murilo Nedy Bianca Albuquerque Sérgio Roberto Souza Valmir Araújo Wlisses da Silva
  • 5. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 05 1. A FASE INVASIVA 09 1.1 A conjuntura internacional 10 1.2 A invasão 15 2. A FASE MILITAR 20 2.1 O debate sobre a “Revolução Acriana” 24 2.2 A história revisada da “Revolução” 38 3. A FASE DIPLOMÁTICA 64 3.1 A Questão do Acre e os EUA 69 3.2 O Bolivian Syndicate 76 3.3 O Tratado de Petrópolis 99 3.4 O Tratado Brasil-Peru 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS 144 REFERÊNCIAS 147
  • 6. ~ 5 ~ INTRODUÇÃO O revisionismo era e ainda é necessário. A história era muito oficial, defendia sempre os vencedores e vivia submersa no triunfalismo [...] a história vinha sendo confundida com tradição. Esta tem sempre o propósito de controlar indivíduos, sociedade e inspirar classes. É um conceito intei- ramente corrompido e usado para fins de manu- tenção dos privilégios da classe dominante. (RODRIGUES, 1986, p. 142/3, grifo nosso). Esse livro é uma tentativa de explicar o processo histórico que resul- tou na nacionalização do território que hoje compreende o Estado do Acre. O caráter revisionista dele tem a ver com a crítica que faz ao conteúdo epo- peico1 da narrativa histórica oficial, que inventou um passado inaugural glori- oso para o Acre com o fim de despertar orgulho, otimismo e comunhão entre os acrianos2. Sendo assim, essa obra não tem qualquer compromisso 1 Narrativa que representa a origem do Acre como fantástica, repleta de atos memoráveis - bravura, heroísmo e patriotismo – que supostamente fizeram desse Estado o único “brasileiro por opção”. 2 O Novo Acordo Ortográfico brasileiro (Decreto Federal Nº 6.583, de 29 de setembro de 2008) prevê o uso da grafia “acriano”. Apesar de ratificada e promulgada, as mudanças ortográficas previstas ainda não entraram em vigor, pois o início de sua obrigatoriedade foi adiado de janeiro de 2013 para janeiro de 2016 (Cf. Decreto Nº 7875/2012). Nessa fase de transição, as novas regras já estão em uso em caráter experimental. Portanto, como as duas normas coexistem, as duas grafias “acreano” e “acriano” estão corretas. Optamos pela segunda porque o gentílico “acreano” já está centenariamente saturado por um sentido identitário megalomaníaco, que aponta para uma grandeza que não existe historicamente. O termo silencia inúmeras expressões de pertencimento e de gentílicos de comunidades nativas que moravam na região e que foram exterminadas durante o processo de invenção do Acre(ano). Por isso, o termo “acriano” é estrategicamente empregado aqui como uma ação de resistência ao culturicídio inscrito na grafia “Acre(ano)”, e todo o seu conteúdo “romântico” naturalizado pelas tradições, dentre elas aquela que diz que o “acreano” é o “único brasileiro por opção”. O termo “acriano” indica aqui o “acreano real”, aquele sujeito despido das tradições que o inventaram como modelo de brasilidade. É o “acreano” desmistificado de sua epopeia, desencantado de seus feitos supostamente “grandiosos” e patriótico. O “acriano” é aquele migrante de “carne e osso” que invadiu terras não pertencentes ao Brasil, que praticou o descaminho de borracha, que assassinou indígena e bolivianos por causa da ganância do “ouro preto” e tantas outras patologias sociais já listadas por Carneiro (2015). Portanto, a utilização do termo “acriano” nada tem a ver com o debate linguístico normativo, apenas representa mais uma forma de provocar fissuras na rede discursiva que sustenta o “acrEanismo”. O “acreano” é o “acriano higienizado”.
  • 7. ~ 6 ~ em preservar as tradições, as políticas simbólicas e os abusos da história que para sustentam o discurso da acrEanidade3. A revisão historiográfica defendida aqui foi pautada pela análise acurada das fontes, pela busca da veracidade dos fatos, e pelo estilo anti- comemorativo4 e antiepisódico5 de escrita da história. Ela tem como obje- tivo a produção de um conhecimento histórico mais sincero e honesto da formação histórica do Acre. Para tanto, foi preciso abandonar completa- mente a “visão romântica” que explica a nacionalização do Acre em fun- ção da liderança de Plácido de Castro e do heroísmo e patriotismo supostamente manifestados pelos protagonistas da chamada “Revolução Acriana”. Defendo aqui um ponto de vista multifocal da formação da frontei- ra sul ocidental da amazônia brasileira. Uma espécie de divisão tridimensi- onal, a saber: fase invasiva, fase militar e fase diplomática. Essas fases não são acontecimentos cronologicamente sequenciados no sentido de uma “evolução histórica”. A segunda fase não é uma continuação da primeira, e a terceira não é a da segunda. Cada etapa é entendida como um “proces- so” diferenciado, com duração, espacialidade e ritmo próprios. No entan- to, elas guardam certas relações mútuas de superposição, de simultaneidade e de influência, o que dificulta a percepção do neófito da singularidade de cada uma delas. A duração da primeira é mais longa que a das outras duas fases, uma vez que a região continuou atraindo migrantes até o fim do surto da borracha (por volta de 1914, Cf. Carneiro, 2015). A duração da segunda fase também não coincide com a da terceira, uma vez que os conflitos armados entre peruanos e brasileiros continuaram, mesmo após a assina- tura do Tratado de Petrópolis (1903). Já o início da terceira fase é anterior ao das duas primeiras, visto que as negociações sobre as fronteiras amazô- nicas iniciaram ainda na primeira metade do século XIX, tão logo foram as independências do Brasil, do Peru e da Bolívia foram proclamadas. 3 A “acreanidade” é entendida aqui como uma espécie de “discurso politicamente correto” que manipula o imaginário social dos acrianos para causar neles uma sensação de comunhão e de excepcionalidade. Não devemos esquecer que a linguagem é uma forma privilegiada por onde a ideologia se materializa. 4 Aquele que não tem compromisso prévio em promover o ufanismo. 5 Não analisa o acontecimento por ele mesmo, mas procura explicá-lo a partir das forças conjunturais e estruturais que lhe deram origem.
  • 8. ~ 7 ~ As três fases também se diferenciam no plano geográfico. A histó- ria da primeira não pode ser contada sem referência aos Estados que hoje compõem o atual nordeste brasileiro, principalmente o Ceará, de onde partiram a maior parte daqueles que se tornariam os “primeiros acrianos”. A história da segunda está vinculada à Manaus, pois de lá saíam os incen- tivos e financiamentos da Questão Acriana. Já a história da terceira tem a ver com o Rio de Janeiro, sede do Itamarati, e então capital do Brasil, pois foi ali que os tratados internacionais e os acordos para a aquisição legal do Acre foram planejados. Por conta desse enfoque “tridimensional”, cada fase é tratada em um capítulo à parte. O primeiro estuda a penetração brasileira em terras localizadas abaixo da linha Javari-Madeira no último quartel do século XIX. Esse processo foi chamado de “fase invasiva” porque os “bandei- rantes” nordestinos colonizaram um território que não pertencia legal- mente ao Brasil, pois era dos herdeiros do Vice-Reino espanhol do Peru (Bolívia e Peru). Também é chamada de “invasiva” porque o território já era habitado por inúmeras nações indígenas. Portanto, do ponto de vista do “não-acriano”, houve sim uma invasão. O segundo capítulo trata da fase militar. Ela é caracterizada pelos conflitos armados protagonizados por brasileiros às margens dos afluentes dos rios Purus e Juruá. Foi a fase de duração mais curta e, ao nosso enten- der, a de menor importância, no entanto, a mais destacada pelos historia- dores acomodados com a superficialidade dos "eventos" e amantes do “ídolo das origens” (BLOCH, 2001, p. 56). Coloco o conceito de “fase militar” como uma alternativa para o da “Revolução Acriana”, que sempre será mencionado aqui com o auxílio das aspas, pois o consideramos ina- propriado. Primeiro, porque o que aconteceu não foi uma revolução. Segundo, porque não foi necessariamente “acriano”, no máximo foi puru- ense, já que se limitou à parte oriental do atual território do Estado do Acre6. 6 A “Revolução Acriana” significava tão somente uma “revolução” cujos principais eventos ocorreram às margens do rio Acre. O formato territorial do Acre “brasileiro” foi um fenômeno dado a posteriori da dita “Revolução”, portanto, adjetivá-la como “acreana” no sentido identitário que o termo assume hoje é puro anacronismo. Além do mais, o território do Acre brasileiro tem inúmeros rios, a maioria deles “ocupada” por nordestinos. A história inaugural dessa unidade federativa não pode ficar refém do que aconteceu em apenas um dos rios. Acaso não houve história às margens dos outros rios? A história da formação histórica do Acre é, na verdade, uma história puruense, ou seja, a história das ações protagonizadas pela elite que morava às margens dos afluentes do rio Purus. O
  • 9. ~ 8 ~ O terceiro capítulo analisa os acordos que o governo brasileiro fir- mou com os EUA, com o Bolivian Syndicate, com a Bolívia e com o Peru para resolver pacificamente a Questão do Acre. Caso o Brasil não tivesse negociado com eles, de nada adiantaria a vitória militar acriana contra as tropas bolivianas. Exemplo disso é o caso dos EUA, que por causa do envolvimento de muitos financistas norte-americanos com o Bolivian Syndi- cate e por causa da indiferença do Brasil perante a Doutrina Monroe, se mostravam sensíveis aos reclames bolivianos. Foi preciso uma hábil enge- nharia política do Itamarati para obter a neutralidade estadunidense, pois naquela conjuntura, o Acre tenderia a ser de quem os ianques apoiassem, o Brasil não tinha como resisti-los por muito tempo. Enfim, a minha ingrata missão nesse livro foi “profanar” a história “sacralizada” da origem do Acre, fonte de todo ufanismo acriano. Como Agamben (2007, p. 66), creio que há “um tocar que desencanta e devolve ao uso aquilo que o sagrado havia separado e petrificado”. Acredito que a mai- or contribuição desse livro talvez seja a de “tocar” na história da anexação do Acre, pois quando os eventos fundadores do Acre são retirados do “altar” da oficialidade, a natureza “pecadora” deles aparecem, evidenciando os “vícios” da primeira geração de acrianos. Por isso, a revisão histórica que fizemos nesse livro é como se fosse uma “profanação do sagrado”. Antes que a cúpula “eclesiástica” defensora do “acrEanismo” convo- que esse jovem autor para a “inquisição”, antecipo-me em pedir clemência, uma vez que esse trabalho não pretende esgotar o assunto. Caso o intento persista e ele seja condenado à “fogueira”, que ateie a primeira centelha de fogo aquele que tenha lido ao menos a metade das obras indicadas na bibli- ografia desse livro. Aos inquisidores, o meu último pedido: que faça constar no epitáfio desse autor o seguinte dizer: “[Aqui jaz um herege que só] quis mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também na nossa his- tória, os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo benefí- cio se faz a história oficial” (PRADO JUNIOR, 1997, p. 8). BOA LEITURA! maior desafio da historiografia acriana sé recontar o processo de nacionalização do território do atual Estado do Acre levando em consideração também o “olhar” daqueles que viveram às margens dos afluentes do Juruá em fins do século XIX.
  • 10. ~ 9 ~ CAPÍTULO 1 A FASE INVASIVA Antes da epopeia da borracha e da chegada dos seringueiros, a região acreana é tida como não tendo história [...] Para a história oficial, o povo acreano se formou a partir da chegada dos serin- gueiros, cuja tarefa foi domesticar a natureza e os índios que faziam parte dela. A região apre- senta-se como uma "terra virgem", um "deserto" onde o imaginário do inferno verde se mistura às esperanças do Eldorado; a "última página, ainda a escrever-se, do Gênese" nas palavras de Eucli- des da Cunha [...] Como se pode ver, até antes das incursões de Serafim da Silva Salgado e de Manuel Urbano da Encarnação pelas terras hoje acreanas, o Acre não existia para a sociedade civilizada. Muitos são os pensadores da Amazô- nia que ao longo do século XX explicaram o Acre como uma obra fundamental dos cearen- ses. (CAVALCANTE, 2014, p. 11 e 26). A fase invasiva representa o período em que o território que hoje compreende o Estado do Acre foi “ocupado” por brasileiros. Tal região não pertencia legalmente ao Brasil, pois as terras ao sul da linha Javari-Madeira (Mapa 8 e 17) eram originalmente do Vice-Reino espa- nhol do Peru, do qual se originaram os países Peru e Bolívia. Tão logo obtiveram suas respectivas independências, esses dois países passaram a disputar entre si aquele território, que acabou figurando no mapa dessas repúblicas por quase toda a metade do século XIX. No da Bolí-
  • 11. ~ 10 ~ via, por exemplo, ele foi cartografado em 1894 pelo engenheiro Edu- ardo Idiáquez com o nome “Apolobamba” (Mapa 3, p. 101). O processo de “colonização” do Acre pelos brasileiros. Uma “obra ruinosa de ocupação destrutiva da região” (LIMA, 1975, p. 74), marcada por violência, culturicídio e corrupção. Como já explicamos em livro anterior (CARNEIRO, 2015), a “invasão” foi incentivada pelas empresas gomíferas que, por sua vez, eram “financiadas” pelo capital internacional, por meio de créditos obtidos em bancos ingleses e em Casas Exportadoras. Por isso, começaremos o capítulo falando um pouco sobre a conjuntura internacional da época. Antes de mais nada, é bom lembrar que os verdadeiros donos dessas terras eram os nativos. As inúmeras nações indígenas detinham a posse centenária da região que hoje figura no mapa do Estado do Acre. Portanto, independente do ângulo da análise, o brasileiro sempre aparecerá como invasor, quer seja do território boliviano e/ou perua- no, quer seja do território pertencente às tribos indígenas. Por isso, o título “Fase Invasiva”. 1.1 A Conjuntura Internacional O Acre é a realização brasileira do Século XIX. Últimos anos do século. Decorreu de um processo econômico-social desencadeado pela borracha. Sem borracha, é quase certo, não haveria Acre. As fronteiras entre o Brasil e Bolívia, nessa região, ficariam indefinidas, até que um ajuste e demarcação, de rotina, viesse dar o reconhecimento político jurídico dos limites entre as duas nações [...] a motiva- ção econômica estimulou aos brasileiros a explorar esse produto. (TOCANTINS, 1984, p. 37, grifo nosso). A incorporação econômica do Acre é produto da expansão da demanda internacional da bor- racha [...] o capital monopolista que vai finan- ciar o deslocamento da mão de obra
  • 12. ~ 11 ~ nordestina para o Acre e que vai assegurar o funcionamento do sistema de aviamento [...] o sistema fora estruturado, posto em funciona- mento e mantido sob a égide do capital monopolista internacional e funcionava com base no crédito. (SILVA, 1982, p. 2-3) Na segunda metade do século XIX, o interesse internacional pela borracha cresceu bastante por conta de sua utilização como maté- ria-prima nas indústrias automobilísticas. Ela saiu de uma condição de mera “droga do sertão” para se transformar em uma commodity funda- mental para a economia dos países desenvolvidos. Essa mudança de status só foi possível graças à invenção da técnica de vulcanização por Charles Goodyear (1800-1860) em 1839, que tornou a borracha mais resistente às variações do nível de calor ambiental. Na época, a região amazônica possuía o maior reservatório natu- ral de seringueiras do mundo. Apesar da crescente demanda internaci- onal, o governo brasileiro não se mostrou interessado em estimular a produção com a abertura de linhas de crédito. Os empresários nacio- nais também não quiseram investir, pois o empreendimento parecia muito arriscado. Diante do impasse, a Inglaterra, centro dinâmico da Economia-Mundo Capitalista até então, foi quem se empenhou em cri- ar condições para que a produção da borracha na Amazônia aumentas- se. Vários bancos ingleses e Casas Exportadoras se instalaram em Belém e em Manaus e passaram a oferecer facilidades de créditos para aqueles que pretendessem abrir seringais. O capital internacional financiou a emigração de quase meio milhão de nordestinos para a Amazônia. Com a grave seca iniciada no nordeste brasileiro em 1877, não foi difícil convencer os flagelados ao êxodo. A essas vítimas do engodo eram oferecidos transportes, ins- trumentos de trabalho, alimentação e certa quantidade em dinheiro e, é claro, a promessa do enriquecimento fácil. O nordestino se fez serin- gueiro por meio do endividamento e dessa condição ele raramente conseguia sair, uma vez que se tornava uma espécie “escravidão por dívida”. Manipulações contábeis eram feitas para “preservar esse vín- culo de sujeição”. Por isso, é que Teixeira (2009, p. 40) afirma que no
  • 13. ~ 12 ~ seringal acontecia uma “das formas mais odiosas formas de exploração do trabalho”. Segundo Samuel Benchimol, os recursos iniciais para o desenvolvimento da empresa seringueira estavam nas mãos de estrangeiros, ingleses e por- tugueses. Roberto Santos, com melhor precisão, admite que o capital inicial para dinamizar o empreendimento gomífero foi de origem inglesa e americana, trazido para cá através de agentes comerciais interessados na compra da borracha [...] sendo assim, o controle do processo de produção esteve essencialmente nas mãos dos centros industriais situados na Inglaterra e Estados Unidos que, através das praças impor- tadoras de Liverpool e New York, determinavam os cursos da economia extrativista da borracha. (SOBRINHO, 1992, p. 26, grifo nosso). O sistema de crédito que possibilitou a produção da borracha ficou conhecido como “sistema de aviamento”. Nele, o seringueiro comprava fiado aquilo que precisava e, ao final, pagava a dívida com pélas de borracha. O objetivo de toda essa rede comercial era garantir a oferta de borracha às indústrias capitalistas e a reprodução do capital estrangeiro investido na Amazônia. A extração da borracha inicialmente aconteceu de forma preda- tória, de modo que as seringueiras rapidamente se tornavam inutilizá- veis, obrigando o seringueiro a migrar para áreas mais férteis. E foi assim que os nordestinos ultrapassaram a fronteira do Brasil e invadi- ram território estrangeiro. Foi em consequência disso que surgiu a Questão do Acre, que ao nosso ver, nada mais foi do que um resultado da inserção da região na rede comercial capitalista. O “Esquema 1”, logo ao lado, sintetiza nossa explicação. Desne- cessário dizer que é apenas uma abstração, uma espécie de retrato em “preto e branco” da realidade histórica, que é um fenômeno dinâmico por natureza. Através se pode ver claramente que a Questão do Acre está genealogicamente ligada à expansão mundial do capitalismo. As
  • 14. ~ 13 ~ “raízes do Acre” não estão na migração dos nordestinos e sim no capi- tal internacional que financiou tal transumância. Esquema 1 – A expansão do Economia-Mundo Capitalista e a anexação do Acre ao Brasil. Fonte: elaboração do autor.
  • 15. ~ 14 ~ O sistema de aviamento interligava a região acriana ao centro dinâmico da economia mundial. Para os economistas “circulacionis- tas”7, isso era o bastante para qualificar a economia gomífera como capitalista. O fato de existir no seringal uma relação de trabalho basea- da na “escravidão por dívida” (CUNHA, 200; FIGUEIRA, 2004; GOMES, 2008), não descaracteriza o caráter capitalista da economia, uma vez que a escravidão estava a serviço da valorização do capital internacional. Mas esse debate pouco nos interessa aqui, visto que não afeta o teor de nossas conclusões. O que vale é perceber que o surto da borracha teve início com o ingresso do capital internacional na Ama- zônia, e o seu fim com a fuga dele. Como a Questão do Acre foi um subproduto do surto gomífero, é indispensável relacioná-la com a expansão capitalista na Amazônia. Os lucros das elites gomíferas do Brasil, da Bolívia e do Peru eram oriundos das “sobras” da volumosa quantidade de riquezas que eram exportados para o centro dinâmico capitalista em formas de pélas de borracha. A disputa pelo direito ao território acriano representava a luta pelo monopólio das “sobras” de tais riquezas. A nacionalidade do Acre pouco importava para o capital inter- nacional, pois independentemente de quem o administrasse – se Bolí- via, Brasil, Peru ou Bolivian Syndicate – as Casas Exportadoras continuariam operando como uma “bomba de sucção” de matérias- primas. Os maiores rendimentos continuariam com destino certo: o centro da economia-mundo capitalista. Afinal, “um hino e uma bandei- ra nunca foram verdadeiros obstáculos ao controle econômico exter- no” (LOPEZ, 2000, p. 50). Qualquer que seja a escolha do acontecimento fundador do Acre (Estado Independente - 1899, Revolução Acriana - 1902, Tratado de Petrópolis - 1903, etc.), ele sempre dependerá da “colonização” prévia da região que, por sua vez, estará sujeita às linhas de crédito lastreadas 7 Como o próprio nome já aponta, tais economistas defendem que a esfera da economia que caracteriza o sistema capitalista não é o da produção e sim o da circulação de mercadorias. Eles enfatizam o comércio e, consequentemente, o capital mercantil, e não tomam a “revolução industrial” ou o trabalho assalariado como identificadores do surgimento do capitalismo, como fazem os marxistas.
  • 16. ~ 15 ~ em capitais estrangeiros. Por isso é que a conjuntura internacional da época se faz importante na explicação da Questão do Acre. O desbravamento da selva para a formação e manutenção dos seringais exigia a mobilização de capitais necessários às despesas de transporte, pessoal, abastecimento e colocação posterior do que fosse obtido com a produção. Ao iniciar-se a empresa gomífera não havia capitais na Amazônia, mas logo que a borracha se mostrou um empreendimento rendo- so, capitais estrangeiros para aí se mobilizaram. Dessa for- ma, as casas aviadoras, contando a maior parte, com capital estrangeiro, tiveram também a função de finan- ciar a borracha. (PRADO e CAPELATO, 1989, p. 293, grifo nosso). Como se pode constatar na citação acima, os interesses econô- micos pela región de la goma atuaram como “motivações fundadoras” da Questão do Acre. No entanto, a narrativa epopeica secundariza as ambições dos “revolucionários” e eleva o suposto patriotismo deles como a razão de ser da anexação. O certo é que a sociedade acriana pouco se beneficiou do surto da borracha. “Os maiores lucros sobre a produção gomífera eram auferidos pelo mercado externo” (COÊLHO, 1982, p. 31). Os poucos seringalistas bem-sucedidos, em vez de investi- rem no “fim do mundo” (JACKSON, 2011), preferiam desfrutar da belle époque amazonense e “acender charuto cubano com notas de qui- nhentos mil réis” (BENCHIMOL, 1999, p. 142) nos cabarés de Manaus. 1.2 A invasão Pronto las desguarnecidas regiones del nordeste de Bolivia fueron invadidas por esos brasileros del Es- tado de Ceará que, después de afianzar su asenta- miento en las barracas caucheras en territorio boliviano, se resistieron a pagar impuestos al go- bierno y terminaron desconociendo la soberanía de Bolivia en esos territorios. Así nació el conflicto del Acre, por el descubrimiento de una nueva riqueza y la ambición de poseerla. (ACHA, 1980, p. 24 e 25, grifo nosso).
  • 17. ~ 16 ~ A busca do látex tornou-se um frenesi. A floresta foi devassada na procura de novas árvores produto- ras. O espaço territorial foi dilatado, não se res- peitando os limites estabelecidos entre nações vizinhas [...] A marcha para o oeste, o chamado deserto ocidental, na busca da seringueira, extrapo- lou os limites territoriais, implicando uma guerra não declarada entre o Brasil e a vizinha república da Bolívia. (SOBRINHO, 1992, p. 22 e 24). A história da presença humana no território que hoje compreen- de o Estado do Acre não começou com a chegada dos migrantes nor- destinos. Até a primeira metade do século XIX, quase 50 nações indígenas moravam naquela região. Alguns povos, ao que tudo indica, mantinham vínculos culturais milenares naquele território. Ali, a histó- ria de inúmeras nações indígenas terminou quando a dos brasileiros começou. A “colonização” praticada pela primeira geração de acrianos foi dramática para com os nativos. A fixação do homem branco nas terras do Acre significou o extermínio dos índios. A partir da segunda metade do século XIX, o fluxo migratório para a Amazônia teve um aumento considerável. Nas décadas de 1850 e 1860, como afirma Cavalcante (2014, p.15), ocorreram as primeiras expedições de reconhecimento das terras que, anos depois, fariam parte do Estado do Acre. Elas eram guiadas por “diretores ou encarregados de índios” nomeados pelo governo da Província do Amazonas e tinham como objetivo velado a obtenção de informações sobre a quantidade de seringueiras, de índios e de bolivianos naquelas plagas. Após con- firmada a ausência de bolivianos e o potencial gomífero da região, ope- rou-se um intenso processo de invasão8 na década de 1870. Foi preciso que o governo amazonense desejasse descobrir uma passagem livre das cachoeiras e menos extensa para os povoados da Bolívia, para que, então se iniciasse a fase de descobrimento da terra considerada a mais moça do 8 Vários fatores favoreceram a invasão: a) o território era rico em seringueiras; b) os bolivianos não protegiam as suas fronteiras; c) os brasileiros tinham facilidades creditícias para expandir a produção gomífera para além das fronteiras; etc.
  • 18. ~ 17 ~ Brasil. Chefiaram essas missões o pernambucano Serafim da Silva Salgado, o mulato amazonense Manuel Urbano da Encarnação, seguidos do explorador maranhense Antônio Rodrigues Pereira Lebre e do primeiro-tenente da armada nacional Augusto José Soares de Andréa, além de outros, como o geografo inglês Willian Chandless e o norte- americano A. I. Piper, sem esquecer João da Cunha Corrêa, o desvendador do Alto Juruá e de parte do Purus, anterior a todos os descobridores da acreânia. (BRANCO, 1950, p. 19). O explorador João Rodrigues Cametá9 saiu de Manaus em dire- ção ao sul amazônico em março de 1852 e se tornou o primeiro brasi- leiro a explorar o Purus. Entretanto, pelo que tudo indica, não chegou até o rio Acre. No mesmo ano, a Província do Amazonas10 contratou o nordestino Serafim da Silva Salgado para chefiar uma expedição rumo à Bolívia que, segundo consta, tinha por finalidade “descobrir uma comunicação com a república vizinha” (BRANCO, 1950, p. 21) e “transportar gado para baratear a subsistência da população da capital amazonense” (RIBEIRO, 2009, p. 19). É sabido que ele explorou o rio Purus até 10º 25’ de latitude sul, ou seja, ultrapassou o paralelo que, mais tarde, com o Tratado de Ayacucho (1867), definiria a fronteira do Brasil com a Bolívia. Em 1858, o diretor de índio João da Cunha Correia atingiu o Alto Juruá. Quando voltou, passou pelos rios Tarauacá, Envira e Purus. Em 1861, o governo do Amazonas voltou a contratar pessoas para invadir o território boliviano. Desta feita, o chefe da expedição foi o amazonense Manoel Urbano da Encarnação11, que subiu o rio Purus e alcançou o atual rio Acre e também o Xapuri. Ele é considerado por muitos como o “descobridor do Acre”, pois de acordo com a tradição inventada por Castello Branco (1950), ele teria sido o primeiro a identi- ficar seringueiras na região do Purus. 9 “Pacificador de índio” nomeado pelo governo do Amazonas desde 1848. 10 Foi neste ano que o Amazonas se desmembrou do Grão-Pará e foi elevado à categoria de província. 11 Era um negro com certos traços indígenas. Pela proximidade que ele tinha com os nativos, o mesmo já havia sido contratado pelo governo da Província do Amazonas como “diretor de índios” em 1853.
  • 19. ~ 18 ~ Em 1862, Manuel Urbano serviu de guia para que o engenheiro João Coutinho pesquisasse um atalho entre as regiões do Juruá e do Purus. Nos anos 1860, o próprio manauara e o seu filho Braz da Encarnação orientaram a expedição científica do inglês William Chan- dless, conhecida como a quinta a explorar a bacia do Purus. O cientista provavelmente foi, dentre outros, espionar as riquezas potencialmente comercializáveis da região. No início da segunda metade do século XIX, com o objetivo de facilitar a instalação de futuros colonos na região do Purus, para conhecer os rios e amansar os índios, e ainda objetivando a comunicação e o transporte de gado entre o Brasil e a Bolívia, o presidente da Província do Amazonas patrocinou expedições à região do Purus. (CAVALCANTE, 2014, p. 16). Apesar da importância de Manoel Urbano, quem de fato ficou consagrado como “fundador do Acre” foi o cearense João Gabriel de Carvalho e Melo. Segundo a tradição, foi ele quem primeiro “coloni- zou” uma parte do território que hoje pertence ao Estado do Acre. Em 1857, ele colonizou a região próxima da foz do rio Purus, no Estado do Amazonas, fundando nela os seus primeiros seringais. Enriquecido, continuou alimentando sua ganância, só que desta feita, por meio da invasão deliberada de território estrangeiro. Em 1877/78 (?), ele con- duziu a primeira leva de “invasores” para a extração clandestina de borracha no interior do território até então considerado estrangeiro. Com isso, além de “fundador do Acre”, também se tornou um dos maiores praticantes do crime de descaminho de mercadorias da Ama- zônia. A partir dele, a emigração de nordestinos para os afluentes do rio Purus aumentou. Sabe-se que somente em 1878, desembarcaram mais de 11 mil cearenses nas margens do rio Acre, quase todos arregi- mentados por firmas comerciais de Belém e Manaus tomadoras de empréstimos em bancos estrangeiros e em Casas Exportadoras. “Em poucos anos, o rio Acre estava todo ocupado, e assim também o Purus, até onde existia a seringueira, ou seja, até onde é a atual frontei- ra com a República do Peru” (MELO, 1968, p. 105). No final do sécu- lo XIX, o território já possuía uma população estimada de 25.000 (Cf.
  • 20. ~ 19 ~ BRAGA, 2002, p.15 e CABRAL, 1986, p.35) a 50.000 (MESSUTI, 1997, p. 54)12. Com tantos brasileiros, a soberania boliviana ficou com- prometida, uma vez que o exército andino no Purus não ultrapassava a ordem dos 900 soldados, que mais pareciam “um amontoado de famin- tos” (CHIAVENATO, 1981, p. 46). Em síntese, a formação da sociedade acriana foi um resultado da produção da borracha que, por sua vez, geopoliticamente acomodou o Acre na periferia do Sistema Mundo Capitalista. Os nordestinos que fundaram o Acre foram também quem serviram à reprodução amplia- da do capital estrangeiro exportado para aquela região. Portanto, para- fraseando o que afirmou Darcy Ribeiro com relação ao Brasil, o Acre “passou a existir para servir a reclamos alheios” (1995, p. 46), era um “moinho de gastar gentes” (1995a, p. 106). As primeiras vítimas foram as diversas nações indígenas que habitavam naquelas florestas. Depois foi a vez dos seringueiros, “gastos” no processo de produção da borra- cha por meio de um regime de trabalho semiescravo. Com a crise da economia gomífera, foi a vez da maioria dos seringalistas passar pelo “moinho”. 12 Craveiro Costa (2005) estima que havia 40 mil e Pedro Sobrinho (1992) diz que havia 20 mil.
  • 21. ~ 20 ~ CAPÍTULO 2 A FASE MILITAR Todo el conflicto giraba en torno a estos facto- res: Bolivia quería tomar las riendas del territo- rio del Acre, que por derecho le pertenecía, y el Estado del Amazonas perjudicado en sus re- caudaciones fiscales se oponía tenazmente, pe- ro entre bastidores, al funcionamiento de la aduana de Puerto Alonso. (RIBERA, 1997, p. 53). O sangue generoso derramado de ambos os lados constitui mais uma sombra no cenário da história mundial da borracha. (SANTOS, 1980, p. 204). A guerra do Acre foi uma luta tipicamente de fronteiras, posses de terras, anexação territorial [...] representa também uma paisagem do êxo- do nacional atrás de riquezas, não dentro do território brasileiro, mas fora dele. (BASTOS, 1968, p. 82) A narrativa epopeica elevou a “Revolução Acriana” ao status de acontecimento fundador do Acre13. No entanto, esse marco é arbitrá- 13 Enquanto comunidade de acrianos, o Acre é um processo perpetuamente inacabado, uma vez que a identidade coletiva é um fenômeno mantido por meio de políticas simbólicas. Enquanto território brasileiro, ele só apareceu oficialmente nos mapas a partir do Tratado de Petrópolis (1903). No entanto, o tratado é corriqueiramente entendido Oficialmente o Acre como um mero
  • 22. ~ 21 ~ rio. Ele enfatiza os fatos desconectados do processo14, inflando a importância de episódios e personagens. Esse tipo de história, como já alertou Braudel (1976, p. 12), é uma “narração precipitada, dramática, e de pouco fôlego”, pois “atenta para o tempo breve, para o indivíduo e para o acontecimento” (idem, ibidem). Os nordestinos ultrapassaram as fronteiras brasileiras na segunda metade do século XIX e “povoaram” território estrangeiro por causa da crescente valorização da borracha no mercado internacional. A região era farta em seringueiras e a economia gomífera prometia riqueza rápida aos exploradores. Invadir território estrangeiro e nele explorar e comer- cializar riquezas naturais de forma clandestina, constituíram, juntamente com o extermínio de nativos, nos principais crimes inaugurais da forma- ção histórica do Acre brasileiro. O governo boliviano, tão logo soube da ação criminosa dos brasi- leiros (Cf. ZAMBRANA, 1904, p. 28), se manifestou sobre o caso perante o Itamarati e exigiu do governo brasileiro céleres providências para equacionar a questão. Mesmo procedimento foi adotado pelo governo do Peru, já que também se dizia dono do Acre. A soberania boliviana ou peruana em terras acrianas representava uma afronta aos interesses econômicos dos seringalistas brasileiros e do Estado do Ama- zonas. O último perderia em impostos sobre a exportação da borracha e os primeiros corriam o risco de terem os seus títulos fundiários anula- dos. A decisão por iniciar a resistência armada não foi democrática, pois, como afirma Bastos (1969, p. 65), a Junta Revolucionária era for- mada apenas pelos “brasileiros prestigiosos da região”. Os seringueiros não foram consultados, até porque eles sequer tinham a liberdade de aderir ao movimento sem o consentimento prévio do patrão. Além do mais, nem todos os seringalistas apoiavam a causa, na verdade, a maio- ria nem sequer se envolveram diretamente nela. A “revolução” não foi um projeto popular. “registro de nascimento”, já que o nascimento propriamente só teria ocorrido na “Revolução Acriana”. 14 Barbara Weinstein (1993) não debate o impacto do capital estrangeiro na economia gomífera amazônica porque analisa os fatos do ponto de vista social e local.
  • 23. ~ 22 ~ Houve dissidentes - aqueles que apoiavam o governo boliviano; opositores – aqueles que esperavam a inter- venção direta do governo brasileiro na questão; indife- rentes – aqueles que, mesmo sabendo da insurreição, preferiram não fazer parte dela; e desinformados, aqueles que nem ao menos tomaram conhecimento da revolução. (Cf. CARNEIRO, 2008, p. 54-56). Além do mais, os movimentos de contestação à soberania boli- viana refletiam um projeto esquartejado, já que a desunião entre os brasileiros era reinante. José Carvalho não concordava com Galvez; Plácido de Castro não apoiava Orlando Lopes; Souza Braga mantinha rixas com Joaquim Victor; Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto acusavam-se mutuamente, etc. Sem dizer da “luta de classe” no interior do seringal, que também alimentava o espírito de desunião entre os acrianos15. Para se ter uma ideia da artificialidade dos relacionamentos ali existentes, basta dizer que Plácido de Castro foi provavelmente assas- sinado por um dos principais oficiais da “Revolução” do Alto Acre (Cf. TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 525), o coronel Alexandrino José da Silva. Outros membros da Junta Revolucionária também foram acu- sados como cúmplices do crime16 (Cf. CASTRO, 2002). 15 Segundo Abguar Bastos (1969, p. 81), Alexandrino da Silva assassinou um rapaz por apelido de “doutor”, a mando de Plácido de Castro, pelo simples fato de o mesmo ter provocado uma insubordinação entre os soldados acrianos. Se isso for verdade, provado está que a “comunhão” dos soldados era mantida pelo poder “patriótico” da espingarda e não pelo sentimento de pertença ao Brasil. 16 É o caso de Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto. O primeiro foi nomeado por Plácido de Castro ao cargo de Diretor de Fazenda do Estado Independente do Acre logo após a derrota dos bolivianos em Porto Acre (1903). Mas a “amizade” durou pouco, pois Plácido de Castro o desqualifica como um sujeito "afeminado" e "o mais medroso que tenho conhecido" (apud CASTRO, p. 61, 2002). Quando o Gabino Besouro, inimigo aberto de Plácido de Castro assumiu como prefeito Departamento do Alto Acre (janeiro/1908 a novembro de 1909), Rodrigo de Carvalho tratou logo de apoiá-lo, por isso recebeu um cargo de confiança na prefeitura. Já o segundo, Gentil Norberto, foi promovido à patente de coronel do exército acriano em 13 de maio de 1903, último ato oficial de Plácido de Castro como governador do Acre Meridional. Mas tão logo Plácido de
  • 24. ~ 23 ~ A fase militar pode ser dividida em duas17, a saber: a) aquela con- tra os bolivianos; b) aquela contra os peruanos. Infelizmente os confli- tos armados ocorridos no Juruá entre brasileiros e peruanos não serão abordados aqui, não porque eles sejam desprovidos de importância, pelo contrário, é porque merecem uma pesquisa mais apurada, coisa que pretendemos fazer em um livro a parte, quando conseguirmos ter acesso às fontes primárias. Mas, desde já, podemos afirmar que a escri- ta da história do Acre reflete a hegemonia política e econômica do “Purus” sobre o “Juruá”, pois enfatiza tanto os conflitos ocorridos às margens do rio Acre que tornou aqueles do Juruá "invisíveis". A própria Lei Nº 380/1948, que concedeu pensão especial aos veteranos da “Revolução Acriana”, não levou em consideração os combatentes juruaenses, uma vez que, para ela a “Revolução” foi ape- nas aquela liderada por Plácido de Castro18. Abaixo, transcrevemos um trecho de uma matéria publicada no jornal O Rebate, de Cruzeiro do Sul, em 29 de março de 1964, Cruzeiro do Sul, p. 1, cujo título é “Cru- zeiro do Sul não é Acre?”. A dita Revolução Acreana foi feita por brasileiros que desbravaram os altos rios Purus e Juruá e seus afluen- tes, regiões contestadas por bolivianos e peruanos. O Tratado de Petrópolis pôs fim a contenda com os boli- vianos, o mesmo não acontecendo com os peruanos, na bacia do Alto Juruá, onde o último combate entre peruanos, seringueiros e um pequeno contingente do 15 Batalhão de Fronteiras, desferiu-se a 4 e 5 de novembro de 1904. Combatentes daqueles dias, veem- Castro prosperou, Norberto o acusou de ter enriquecido às custas da “Revolução” (Cf. CASTRO, 2002, p. 364). Tão logo Plácido de Castro foi nomeado prefeito do Departamento do Alto Acre (julho/1906 - março/1907), ele fez questão de cancelar o contrato de prestação de serviços que Gentil Norberto mantinha com a prefeitura. Resumindo: os “companheiros de revolução” se tornaram desafetos por questões pecuniárias. 17 “O drama acreano desdobrou-se em duas fases: a primeira, no rio Acre [...] a segunda fase caracteriza-se pelos conflitos entre brasileiros e peruanos no Alto Purus e no Alto Juruá” (BARROS, 1993, p. 4). 18 O governo da Frente Popular do Acre (1999-2003) também não incluiu os eventos militares do Juruá na programação do Centenário da “Revolução Acriana”.
  • 25. ~ 24 ~ se pelas ruas de Cruzeiro do Sul e ainda nos seringais, velhos e oitenta anos de idade, arrastando-se na penú- ria, na miséria, na indigência [...] sabedores de que a Revolução Acreana não terminara com o Tratado de Petrópolis, visto que o mesmo referiu-se tão somente ao caso com a Bolívia. Em verdade, ela só terminou depois daquele combate e com o tratado com o Peru [...] Será que os homens de hoje ignoram que o sangue brasileiro correu nas barrancas do Juruá, desde o estirão dos Naus até o Amônes. A revolução no Juruá seria acreana, ou seria mexicana, indiana ou japonesa? (grifo nosso) Em síntese, podemos afirmar que a fase militar foi caracterizada pelo uso da violência19. Um punhado de migrantes resolveu defender a soberania brasileira no Acre (o maior reservatório natural de seringuei- ras do mundo) e expulsar os bolivianos “à bala”. Tudo por causa do $patriotismo$ daquela elite acriana que mantinha contato com o governo do amazonas. É bom que se diga que o Brasil não teve acrés- cimo de um palmo sequer de terra durante essa fase militar. Os confli- tos armados, quando muito, resultaram em um Estado Independente alheio ao Brasil. Apesar da importância do resultado advindo das trin- cheiras, a anexação do Acre não dependia apenas dele, pois de nada adiantaria a vitória militar sem o sucesso diplomático. 2.1 O debate sobre a “Revolução Acriana” A revolução acreana não teve o mesmo significado para cada segmento social envolvido nela [...] a Questão Acreana era sustentada por múltiplos interesses. O Governo do Amazonas queria manter a arrecadação dos impostos. Os seringalistas queriam garantir suas propriedades privadas e 19 O conceito de violência empregado aqui está associado ao uso da agressão físi- ca ou da ameaça do emprego da força para obrigar alguém a se submeter a uma vontade alheia. Com o fim de justificar os acrianos, há quem diga que a violência empregada pelos brasileiros fora uma ação autodefensiva, leia: “os seringueiros armados com a ajuda dos seringalistas e treinados por Plácido de Castro enfren- taram e revidaram as provocações do exército boliviano” (PESSOA, 2007, p. 117, grifo nosso).
  • 26. ~ 25 ~ a manutenção do lucro gumífero. Os profissionais liberais sonhavam em assumir importantes cargos públicos. E os seringueiros pretendiam quitar suas dívidas e, quem sabe, ter saldo para comprar o seu próprio seringal ou voltar à sua terra natal. (CARNEIRO, 2008, p. 57). Bolivian men who resisted were killed by refined torture, and their wives and daughters raped mercilessly. (STOKES, 1974, p. 373). Cuando los brasileños ocuparon el Acre por estar colonizado por connacionales tras dos rebeliones que recibieron el nombre de Revolución Acreana, por parte de quienes la hicieron, el de Guerra del Acre, para los observadores regionales, y de Guerra del Caucho para los observadores externos al conflicto. (VERA, 2009, p. 112). ]Inicialmente é bom reforçar que preferimos não empregar o termo Revolução Acriana a não ser com o auxílio das “aspas”. Primei- ro, porque ele induz o pesquisador iniciante a um julgamento precon- cebido inconsistente dos acontecimentos. Segundo, porque a classificação do conflito armado como “revolução” não faz dele uma revolução. Terceiro, porque o termo “acriano” dessa suposta “revolu- ção” induz o leitor a crer que os eventos se deram em toda extensão territorial anexada pelo Brasil20. E, por último, porque o nome Revolu- ção Acriana já está tão sacralizado que qualquer crítica que se faça a ele pode ser compreendida como uma afronta ao povo acriano. Usualmente o termo “Revolução Acriana” é utilizado para se referir à resistência armada ao governo boliviano liderada por Plácido de Castro nos meses de agosto de 1902 a janeiro de 190321. Acontece 20 Também não ficou limitada à região banhada pelo rio Acre, pois é sabido que as tropas de Plácido de Castro atuaram também às margens do rio Tauamanu (localizados hoje na Bolívia) e em outras localidades. No entanto, a narrativa dos “grandes eventos” imortalizaram essa versão, a saber: "quando se diz rio Acre é o mesmo que falar no palco da revolução, porque foi sobre o seu dorso que se desenrolaram os fatos capitais desse movimento" (TOCANTINS, 2001, Vol. II, p. 101). 21 Segundo Costa (2005, p. 176), ela "encerrava a fase militar da revolução". Esse ponto de vista está limitado às desavenças entre brasileiros e bolivianos, não incluindo aquelas com os peruanos. Mesmo assim, difere-se daqueles que defendem que a "revolução" só acabou mesmo em dia 13 de abril de 1903, quando o General do Exército brasileiro Olímpio da Silveira desorganizou as tropas “revolucionárias” acrianas. O próprio General é quem diz
  • 27. ~ 26 ~ que o governo boliviano não se fez presente em toda faixa territorial onde hoje figura o Estado do Acre. Além do mais, as campanhas mili- tares ocorridos no Vale do Juruá não foram lideradas por Plácido de Castro, muito menos tiveram como alvo de combate as autoridades bolivianas. Tal interpretação também atribui importância secundária aos movimentos de resistência ao governo boliviano anteriores ao de Plácido de Castro, como por exemplo, aqueles liderados por José Car- valho (1899), Luiz Galvez (1899), Orlando Lopes e Rodrigo de Carva- lho (1900), etc. Muitas outras interpretações e designações são possíveis, a seguir, identificaremos algumas. “Los historiadores bolivianos prefie- ren la expresíon Campaña del Acre” (SÁNCHEZ-ALBORNOZ, 2001, p. 176). Azcui (1925, p. 21, p.45) fala de “una insurrección filibustera” e “una conflagración separatista”. Goycochêa (2007, P. 50) e Maga- lhães (1941) afirmam a existência de “quatro revoluções acreanas”. Sotomayor (2013) enumera cinco revoluções. Craveiro Costa (2005) ora diz que a Revolução teve início com José Carvalho (idem, ibidem, p. 118), ora com Galvez (p. 120), e ora com Plácido de Castro (p. 121 e 144). Calixto (1985) defende a inexistência de revoluções no Acre. Magnoli (1997, p. 183) ajuíza que tudo não passou de uma “revolta” contra as autoridades bolivianas. O insurgente José Carvalho22, um dos líderes da causa acriana, publicou um livreto em 1904 chamado de A primeira insurreição Acreana (1904), onde tentou provar que o primeiro movimento de contestação à soberania estrangeira no Acre fora aquele liderado por ele. Qualificou o movimento de “insurreição”. Já Luiz Galvez e seus apoiadores defenderam o caráter “nobre” e “patriótico” da proclamação da Repú- blica do Acre (Cf. Braga, 2002) e tipificaram o acontecimento de “revolução”. Rodrigo de Carvalho também significou os feitos prota- gonizados pela expedição Floriano Peixoto (1900) como “Revolução Acriana” (Cf. OURIQUE, 1907, p. 152). que: "em nome do governo da União: terminada está a revolução acriana" (apud CASTRO, 2002, p. 135). Até hoje no Vale do Juruá há quem defenda que a “Revolução Acriana” só tenha terminado de fato com o Tratado Brasil-Peru (1909). 22 A “Revolução” não recebeu o apoio dos grandes comerciantes e políticos do Pará. Gentil Norberto deixou isso claro em uma carta enviada ao governador do Amazonas Silvério Nery em 16 de abril de 1901 (OURIQUE, 1907, p. 169- 168).
  • 28. ~ 27 ~ O escritor Ferreira Reis (1937) compreende a “Revolução” como um conjunto de ofensivas à soberania boliviana. A primeira foi aquela liderada por José Carvalho; a segunda, a liderada por Luiz Gal- vez; a terceira, a liderada por Orlando Lopes e Rodrigo de Carvalho; e por último, aquela liderada por Plácido, também qualificada como a “Grande Revolução”. Já o escritor Bastos (1969, p. 64, grifo nosso) diz que “a revolução da borracha passou por três etapas bem definidas: a deposição das autoridades bolivianas por José Carvalho; a proclama- ção da República do Acre por Luis Galvez, e a retomada da ação com a vitória de Plácido de Castro sobre as tropas bolivianas”. No início do século XXI, o governo da Frente Popular do Acre (1999-2006) tratou a “Revolução Acriana” como um conjunto de iniciativas patrióticas realizadas com o fim de projetar um Acre brasileiro cada vez mais política e economicamente emancipado. Durante o Centenário do Acre, a expressão “Revolução Acriana” foi atribuída ao Estado Independente protagonizado por Galvez e também à autonomia obtida por meio da aprovação do Projeto de Lei de autoria do parlamentar Guiomard Santos. É como se os feitos de Galvez, de Plácido de Castro, de Guiomard Santos e de tantos outros fossem graus diferenciados de uma mesma luta, etapas de uma mesma saga. Assim sendo, o termo “Revolução Acriana” não foi considerado um “monopólio” do processo de anexação do Acre ao Brasil. Nesse sentido, lutar para tornar o Acre mais brasileiro (por meio da inserção dele em uma posição geopolítica mais privilegiada) também é considerada parte da “Revolução Acriana”. É como se a trajetória do povo acriano fosse constituída de “revoluções” esporádicas que atualizassem a “Revolução” enquanto mito fundador do Acre(ano)23. 23 A “Revolução Acriana” liderada por Plácido de Castro teve um fim concreto datável. No entanto, como o evento foi transformado em um “lugar de memória”, ganhando sentido imaterial, passou-se a dizer que os ideais que mobilizaram a “Revolução” de Plácido de Castro não se concretizaram plenamente com a anexação do Acre. E que, portanto, o “espírito revolucionário” do acriano, do qual Plácido de Castro foi significado como o maior portador (mas não o único), permanece na história, fazendo da “Revolução Acriana” um fenômeno atualizável, em graus e dimensões diferenciados.
  • 29. ~ 28 ~ Uma prova do que estamos falando aqui é o vídeo “100 anos Em Revolução”24, editado pelo governo do Estado do Acre em 2003, que tinha como objetivo contar a história do Acre. Como podemos perceber, o próprio título já transmite a ideia de revolução permanente. O vídeo inicia a narrativa pela migração dos nordestinos, depois passa para a “Revolução Acriana”, o movimento autonomista, a transformação do Acre em Estado, os movimentos sociais dos anos 1970 e 1980 e termina enfatizando a vitória da Frente Popular nas eleições para o governo do Estado em 1998. Tudo nos leva a crer que os idealizadores do vídeo quiseram produzir um efeito de sentido capaz de inserir a vitória eleitoral da Frente Popular do Acre na memória discursiva da “Revolução Acriana”. Dizer que a chegada do PT ao governo do Estado faz parte da “Revolução Acriana” é o mesmo que dizer que os líderes desse partido deviam ser venerados como os novos heróis do Acre. Imagem 1 – Reprodução da capa do DVD “100 anos Em Revolução”. Fonte: Arquivo pessoal. Essa manipulação da memória histórica induziu o telespectador a crer que a Frente Popular era a legítima herdeira e representante dos heróis no novo milênio. Logo abaixo transcrevemos alguns trechos da 24 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=T8adka-Ii4A&safe =active> acessado em janeiro de 2014.
  • 30. ~ 29 ~ narrativa exibida no vídeo. Como não podia deixar de ser, ela reforça o mito do patriotismo acriano e, não bastando esse abuso da história, ainda intentou “beatificar” a causa petista do “desenvolvimento sustentável” aproximando-a de fatos históricos já consagrados no imaginário social acriano. O Tratado de Petrópolis é o reconhecimento da pátria a um povo que foi à guerra pelo direito de ser brasileiro [...] Como nos tempos da Revolução Acriana a opressão ameaça a esperança do Acre [...] Chico exprime a evolução da cidadania acriana que vivida na plenitude da nossa cultura, na conformidade do nosso tempo e na interação com o nosso ambiente, chamamos de Florestania. Cem anos de luta impõem à presente geração o dever de continuar esse processo revolucionário HOJE evidente na causa do desenvolvimento sustentável. (GOVERNO DO ESTADO DO ACRE. CEM anos Em Revolução. Rio Branco: Assessoria de Imprensa/DPHAC, 2003. Edição eletrônica, (8 min.), Trechos escolhidos, grifo nosso). Como já foi falado, os movimentos de resistência ao domínio estrangeiro no Acre não formam uma série de acontecimentos conec- tados ou interligados entre si25. Não eram etapas de um mesmo projeto insurrecional26. O movimento liderado por Plácido de Castro não foi a 25 Nesse aspecto, discordamos do historiador Marcos Vinícius que defende exatamente o contrário, a saber: “o que temos dito, ao longo deste trabalho de valorização da Revolução Acreana como mito de origem de nossa identidade e cidadania, é que precisamos superar a visão ultrapassada de que ocorrem quatro diferentes movimentos revolucionários estanques e separados [...] como se esses episódios não possuíssem uma conexão interna e não fossem parte de um único movimento revolucionário” (O Acre é cem. In: jornal A Gazeta, de Rio Branco, em 06 de agosto de 1999, grifo nosso). 26 A "primeira" insurreição liderada por José Carvalho não teve como objetivo a criação de um Estado Independente, nem a nacionalização do território. Além do mais, apesar de a maioria dos levantes contra as autoridades bolivianas ter recebido ajuda financeira do governo do Amazonas, é bom lembrar que Silvério Nery, governador do Amazonas nos anos de 1900 a 1904, foi um crítico de seu antecessor Ramalho Júnior, que governou o Estado nos anos 1898 a 1900. O último financiou as "revoluções" de José de Carvalho e de Luiz Galvez. O primeiro financiou as "revoluções” dos “poetas” e a de Plácido de Castro. Pelo
  • 31. ~ 30 ~ conclusão de um processo iniciado por José Carvalho. A Expedição dos Poetas não foi um efeito do Estado Independente proclamado por Luiz Galvez. Todos eles foram tentativas autônomas e singulares de impedir o exercício da soberania boliviana na região banhada pelo rio Purus. O processo de anexação do Acre foi fruto de um projeto “quar- tejado”, pois não havia união nem entre os acrianos e nem entre os seus próprios líderes. Não seria coerente defender que o Estado Inde- pendente do Acre presidido por Luiz Galvez foi a materialização das ideias de José Carvalho ou a continuação da manifestação cívica lidera- da por ele contra os bolivianos. O último foi um dos maiores críticos do primeiro. Da mesma forma, não dá para dizer que os combates lide- rados por Plácido de Castro foi a continuação daqueles liderados por Orlando Lopes. O primeiro nunca concordou com a campanha militar chefiada pelo segundo. São bem eloquentes as provas que deixamos arquivadas do estado de indisciplina e balburdia em que se agitavam, então, no seio das revoluções acrianas, toda a sorte de ambições e outras degradantes paixões, que tudo abastar- davam, desuniam e dificultavam, enquanto nós, cá de lon- ge, julgávamos os seus elementos unidos, patrióticos e fortes como deviam ser. (OURIQUE, 1907, p. 160). Em geral, parece que a escrita da história da anexação do Acre seguiu a mesma “gramática narrativa”27 (Cf. TODOROV, 1969) dos textos históricos que significaram a fundação dos diversos Estados Nacionais ocidentais. Muda-se o cenário e os personagens, mas o rotei- ro permanece o mesmo. A história de ambos aparece como uma narra- tiva da comunhão: indivíduos dispersos se unem em favor de uma causa aparentemente comum e nobre e, sob o comando de um herói, protagonizam uma saga de sacrifícios e atos de bravura. que se sabe, os conflitos armados com os peruanos no Juruá não sofreram influência direta do governo do Amazonas. 27 A narratologia é o estudo das narrativas ficcionais e não ficcionais. A finalidade dela é criar uma “gramática” dos textos narrativos por meio da análise comparativa. Quem introduziu o termo pela primeira vez foi Tzetan Todorov em seu livro Gramática do Decameron (1969).
  • 32. ~ 31 ~ Como no caso do Acre, os Estados Nacionais também têm suas genealogias pontuadas em feitos “memoráveis” ligados a operações militares: guerras, batalhas, revoluções, inconfidências, etc. Por isso, o ensino de história é corriqueiramente voltado para a fomentação do patriotismo e do ufanismo. Ensina-se a criança a sentir orgulho das origens de seu país, mesmo que ela esteja vinculada ao genocídio; ensi- na-se a nutrir admiração pelos “heróis da Pátria”, mesmo que eles sejam assassinos. Esse tipo de operação semiológica é conceituado por Barthes (1993) como “significação mítica”, pois o historiador28 manipula o sen- tido do fato histórico de tal modo que ele ganha um significado irreal – uma falsa evidência que fica a serviço de um dado grupo social. O sen- tido da ação histórica é esvaziado e outro lhe é incorporado. O signo conserva a aparência do significante, mas se torna semanticamente outro. Dessa forma, a função do “mito” em Barthes não seria a de ocultar, por exemplo, o fato violento, mas o de revalorizá-lo ao ponto de fazê-lo digno de aprovação. Cabe ao historiador adotar uma posição crítica diante das fontes e recuperar o processo de manipulação simbó- lica que resultou no abuso da história. A narrativa da “Revolução Acriana” também está saturada de significações míticas. A primeira delas é a de que os acrianos, indepen- dente dos seus respectivos grupos de interesse, tenham se unido29 em favor de um Acre brasileiro. A segunda é a de que o movimento arma- 28 Trouxemos o debate de Barthes para a história, mas o debate original dele está no campo da linguística. 29 A sociedade gomífera era altamente desagregadora. “A condição de isolamento dos homens, acarretada por uma grande extensão territorial, afrouxa, senão desata os laços de solidariedade humana” (LIMA, 1975, p. 79). Os seringueiros “definhavam no isolamento, degradavam-se como ser humano, eram mais um vegetal do extrativismo” (SOUZA, 1977, p. 101). Por isso que o extrator foi qualificado por Oliveira Viana como “o mais apolítico dos brasileiros” (apud COSTA, 2005, p. 221). A relação entre seringueiros e seringalistas era hierárquica e violenta, impossibilitando a ideia de comunhão. E não havia consenso entre os seringalistas sobre a “Revolução”, muitos como Leite Barbosa preferiram apoiar o governo boliviano (Cf. CALIXTO, 2003, p. 162).
  • 33. ~ 32 ~ do tenha sido “revolucionário”30. A terceira é a de que os acrianos tenham lutado “para serem brasileiros”31. A quarta é a de que a “Revo- lução” tenha sido a responsável direta pela anexação do Acre. A quinta é a de que a “Revolução” de Plácido de Castro tenha sido de fato “acriana”, uma vez que foi no máximo “puruense”. A sexta é quando se afirma que a união em torno da Questão do Acre definiu o apareci- mento do acrianismo32. A sétima é aquela que inocenta os “revolucio- nários” do extermínio indígena, etc. Os revolucionários não pegaram em armas em defesa da nacionalidade brasileira, e sim pelos direitos advindos 30 “A revolução foi estritamente reacionária. O objetivo dela era conservar a ordem contra quaisquer mudanças vindas de um governo boliviano na região. O emprego do signo revolução não revela o caráter revolucionário do movimento, e sim um diálogo interdiscursivo que os letrados que apoiavam o movimento mantinham com o discurso liberal europeu” (CARNEIRO, 2008, p. 74). 31 "A maioria dos patrões, proprietário dos seringais, é constituída de homens analfabetos e rudes, exclusivamente dominados por interesses de ordem individual" (LIMA, 1998, p. 88, grifo nosso). Aquelas pessoas que se envolveram na “Revolução”, estavam “extasiadas de ambição, defendiam seu patrimônio” (MEIRA, 1974, p. 48). E entre os letrados que defendiam a causa, Rodrigo de Carvalho dizia: "patriotas como Gentil Norberto são em grande número e tem como pátria o dinheiro" (apud OURIQUE, 1907, p. 177). A forma mais tradicional utilizada para convencer os seringalistas a virarem “patriotas” foi dando-lhes patente de oficial. Segundo Alfredo Cabral (1984, p. 53), “Plácido de Castro vendo as coisas um pouco turvas enviou ao Tarauacá um emissário com poderes de requisitar forças dando patente de capitão para os donos de seringal que conduzissem pelo menos vinte homens” [grifo nosso]. Além do mais, o Estado brasileiro só desenvolveu ações concretas e planejadas para a formação da nação no início do século XX. Em fins do século XIX, inexistia um sentimento de identidade coletiva no Brasil (CARVALHO, 1990, p. 32). O desenvolvimento da “religião cívica” entre os brasileiros foi dificultado pelos regionalismos, pelos resquícios da escravidão, pelas constantes imigrações estrangeiras e pelos movimentos separatistas, dentre outros. 32 Rodrigo de Carvalho em uma carta enviada ao governador do Amazonas em 4 de março de 1901, explica ao mesmo que para os seringalistas locais pouco importava se o Acre seria um país autônomo ou um município do Amazonas, pois estavam preocupados mesmos era em assegurar o lucro gomífero. “Posso asseverar a V. Ex. que a ambição dos aviadores e comandantes - é o contrabando de mercadorias e a borracha” (Cf. OURIQUE, 1907, p. 152).
  • 34. ~ 33 ~ dela. Ser brasileiro era estar debaixo das leis brasileiras. Não se pode esquecer que, na época, havia um grande temor de que o governo boliviano aumentasse os impostos, invalidasse os títulos fundiários expedidos pelo governo amazonense e impusesse restrições quanto ao corte da seringueira. Devido a isso, a maior parte da elite gomífera preferiu ficar sob a jurisdição brasileira. É bom que se diga que os migrantes teriam sua nacio- nalidade brasileira garantida caso a Bolívia exer- cesse sua soberania naquela região, o que mudaria é que ali, estariam na condição de estrangeiros. (CAR- NEIRO, 2008, p. 73, grifo nosso). A nacionalização do Acre não foi o resultado de um “destino manifesto”. Ninguém migrou para o extremo ocidente amazônico em fins do século XIX para nacionalizar o Acre, pois ali era “uma terra para ganhar dinheiro e não para fundar um lar” e “uma terra para ganhar dinheiro e enriquecer não pode inspirar compaixão” como afirma Benchimol (1977, p. 186, 216). O discurso patriota dos líderes da “Revolução” dissimula a “desmedida ambição” (idem, ibidem, p. 216) que tinham "por interesses econômicos ligados à extração do látex” (CAR- DOSO, 1977, p. 25). Los que se atreven a sostener que la revolución del Acre fue un movimiento espontáneo de los pobladores, que deseaban independizarse de Bolivia y acogerse al pabellón brasilero, faltan a la verdad. Allí no hubo más que el sórdido interés del Gobernador de Amazonas por apoderarse de aquellas rentas y el de un cierto número de aventureros, adeptos su- yos, dispuestos a medrar en esa empresa. (ARAMAYO, 1903, p. 55). Só importava o bem presente, como as perspectivas imedi- atas de lucro certo, do dinheiro e do crédito fácil. A mira- gem da riqueza célere e a volta à terra de origem compunham o binômio psicológico do seringueiro, a ideia- força que o animava ao sacrifício na floresta. (TOCAN- TINS, 2001, Vol. I, p. 255, grifo nosso). As mitificações operadas pela historiografia acriana são da mes- ma “gramática” daquelas praticadas pelas histórias oficiais da Guerra
  • 35. ~ 34 ~ do Paraguai e da Revolução Francesa. Em ambos os casos houve uma tentativa de esvaziar a brutalidade dos acontecimentos por meio de jus- tificativas “nobres”. Em relação ao primeiro, muitos livros já denuncia- ram o “terror” e a “política da guilhotina”, como foi o caso de Le livre noir de la Révolution Française, organizado por Escande. Em relação ao segundo, dentre muitos, podemos citar Genocídio Americano, de Chiave- nato. Esse último diz que a Guerra do Paraguai não teve nada de lou- vável, pois foi “uma guerra de interesses econômicos” (CHIAVENATO, 1979, p.11) ligada ao imperialismo inglês. Portanto, desmascara a “fantasia nacionalista com episódios heroicos e militaris- tas [...] o patriotismo e a bravura dos nossos soldados encobrem a vila- nia dos motivos” (idem, ibidem, p.11 e 10). Será que há situações em que o emprego da violência se torna moralmente aceitável? Em que circunstâncias é oportuna a promoção de uma guerra? Não entraremos nesse debate, mas tratamos aqui o fenômeno bélico como uma patologia social. Toda violência é uma forma de agressão a outrem, independente dos motivos. E esse com- portamento, é o que mais aproxima o homem do reino animal ou da vida selvagem. A guerra é incompatível com o grau de civilidade alcan- çado pela humanidade. Portanto, não há razão para defendermos o caráter pretensamente benéfico de uma guerra ou de uma revolução. Inúmeros são os exemplos de narrativas que heroificam o guer- reiro e monumentalizam os feitos bélicos. Não apenas justificam a vio- lência, mas também exigem das gerações presentes e futuras uma admiração por ela. Na Grécia Antiga, por exemplo, os gregos aparecem como aqueles que combatiam em nome da virtude. Já durante a forma- ção dos Estados Nacionais, a força ideológica justificadora da violência foi o patriotismo. No século XX, os líderes dos movimentos socialistas diziam que a “ditadura do proletariado” era uma forma de combater a desigualdade social. Todos tentam prestar contas de suas ações recorrendo direta ou indiretamente à noção de “guerra justa”. O termo foi criado por Agos- tinho de Hipona (354 - 430) e faz menção a situações em que o empre- go das armas pode se tornar um mal necessário33. Em geral, se diz que 33 O holandês Hugo Grócio (1583-1645), considerado o pai da filosofia do direito, em sua obra De Jure Belli ac Pacis (O Direito da Guerra e da Paz, 1625),
  • 36. ~ 35 ~ a guerra é “justa” quando motivada por sentimentos “nobres”, quando os objetivos delas são “legítimos” e quando o agressor é um agente “legal”. Para Maquiavel (2006), toda guerra se mostra justa, desde que necessária. Muitos outros filósofos também se manifestaram a favor do uso da violência em dadas circunstâncias, tais como Hobbes, Nietzs- che, Hegel, Marx e Marcuse. As “guerras justas” geralmente são representadas como uma ação militar do bem contra o mal. No entanto, os critérios que definem o bem e o mal são ideologicamente marcados34 e isso torna o discurso da aceitação da guerra um recurso meramente retórico. Hannah Arendt (1998 e 1994) julgava como criminosos os praticantes da “violência revolucionária”, chegou inclusive a comparar os crimes de guerra aos do genocídio. Em qualquer que seja a situação, a história das guerras sempre será “a história do gênio humano aplicado à destruição” (MAGNOLI, 2013, p. 16). A própria representação hegemônica da identidade acriana está saturada de significações míticas. Isso tem a ver com a opção pela nar- rativa histórica maniqueísta em que os sujeitos ou os grupos sociais aparecem tipificados em figuras opostas: vítimas e algozes, heróis e bandidos. Inicialmente, o mal foi associado à figura do estrangeiro. Depois, aos seringalistas exploradores de seringueiros e também a todos aqueles que não apoiavam a causa da autonomia acriana. Em seguida, foi a vez do fazendeiro “sulista” ser estigmatizado. O mal sempre está corporificado no “outro”, e é dessa forma que o “eu” acri- ano foi inventado como figura do “bem”. A construção do “outro” nada mais foi do que uma tentativa de livrar o “eu” acriano dos seus traços históricos indesejáveis. Pois, se dado acriano não assumir a causa do grupo dominante é logo desquali- ficado como “aquele que não ama o Acre”. Mas o “eu” e o “outro” também autoriza o uso da violência em determinadas circunstancias. Essa obra influenciou o Direito Internacional, que tem sua origem na doutrina da Guerra Justa. 34 Sou da opinião de More (1995, p.114), que diz que “na realidade nenhuma guerra que se conheça na história, no presente ou no futuro que se possa prever, foi justa”.
  • 37. ~ 36 ~ estão indissociavelmente ligados, eles formam o “mesmo” da socieda- de acriana, pois nela a figura do “herói” e do “bandido” se misturam. O Acre do seringueiro “patriota” foi o mesmo do seringueiro assassino de índios. O Acre do seringalista benfeitor da “Revolução Acriana” foi o mesmo do seringalista promotor de correrias contra nati- vos e corrupção contábeis contra o seringueiro. O Acre de Galvez foi o mesmo de Neutel Maia35, e o Galvez que proclamou o Estado Inde- pendente do Acre foi o mesmo que ganhou dinheiro como cafetão em Manaus. O Acre de Plácido de Castro foi o mesmo de Gabino Besou- ro36, e o Plácido de Castro que “libertou” o Acre foi o mesmo que semiescravizava seringueiros em seus latifúndios. O Acre de Guiomard Santos37 foi o mesmo de Oscar Passos38, e o mesmo Guiomard Santos autor do projeto que elevou o Acre à categoria de Estado foi o mesmo simpatizante pelo fascismo italiano que militou na Ação Integralista Brasileira (AIB) nos anos 193039. Ou será que o Acre de Chico Mendes foi diferente do Acre de Darly Alves40? Finalizo esse tópico com algumas perguntas: os acontecimentos militares ligados à Questão do Acre teriam realmente sido uma revolu- ção? Não teria sido uma guerra? Ou uma confederação? Uma revolta? Um levante? Um motim? Um ajuntamento? Uma amotinação? Uma conjuração? Uma assuada? Uma intentona? Uma sublevação? Uma sedição? Uma rebelião? Uma subversão? Uma resistência? Uma insur- reição? Quem dá mais? Tantas são as possibilidades, por que batizaram os feitos como “Revolução”? Uma coisa é certa, um movimento arma- 35 Dono do seringal Volta Empresa, que viria a se tornar a atual cidade de Rio Branco. Ele era muito influente na época, no entanto, se posicionou contra as ações políticas de Galvez, sendo, inclusive preso por isso. 36 Político acusado de mandar matar Plácido de Castro. 37 Político filiado ao PSD, grande defensor da autonomia acriana nos anos 1950. 38 Ex-governador do Território do Acre, político filiado ao PTB de grande expressão regional. Ele era contra a elevação do Acre à categoria de Estado, por isso foi estigmatizado pela historiografia marcadamente autonomista. 39 Cf. Revista Anauê!, Rio de Janeiro, ano I, n.2, maio de 1935, p. 15. 40 Condenado pela justiça como mandante do assassinato de Chico Mendes.
  • 38. ~ 37 ~ do não se torna “revolucionário” só porque foi assim chamado pelos seus promotores41. A adoção de uma abordagem jurídico-penal poderia lançar luz a essas perguntas. O fato bélico acriano poderia estudado conforme o tipo criminal existente na legislação penal brasileira em vigor da épo- ca42. Aliás, assim foi feito com Luiz Galvez e José Carvalho, pois ambos tiveram problemas com a justiça brasileira por causa da “Revo- lução”. O primeiro por ser estrangeiro foi praticamente expulso do país e o segundo foi processado pelo crime de lesa pátria, além de ter sido proibido de manter residência fixa no Estado do Amazonas. A resistência a essa abordagem seria óbvia, pois os "heróis acria- nos" acabariam enquadrados em algum tipo criminal43. Talvez algum dia os juristas sejam mais perspicazes que os historiadores e fomentem o debate sobre essa dimensão criminal da “revolução”. Afinal, os “revolucionários” acrianos promoveram a desobediência aos tratados e acordos internacionais firmados pelo Brasil de forma deliberada, rom- peram com o monopólio estatal do uso da força, praticaram comércio clandestino de borracha e de outras mercadorias nas fronteiras amazô- nicas, opuseram-se à execução de ordens legais, impediram funcionário público nomeado de exercer suas atribuições, cometeram assassinatos e lesões corporais a outrem, dificultaram a arrecadação de tributo legiti- mamente instituído, e provocaram uma nação estrangeira a hostilizar e quase declarar guerra ao Brasil. Muitas dessas práticas assinaladas já eram tipificadas como crime no Código Penal brasileiro de 1890. 41 Do ponto de vista do governo boliviano foi uma guerra. Do ponto de vista de José de Carvalho (2002), uma insurreição. Do ponto de vista dos próprios protagonistas dos acontecimentos, uma revolução. Do ponto de vista do governo federal brasileiro, um movimento separatista. Segundo Eugene Seeger, cônsul- geral dos EUA, “um ato de pirataria moderna” (apud BANDEIRA, 1978, p. 161). Zambrana (1904, p. 26) informa que Puerto Alonso estava sendo bloqueada por “piratas y aventureros”. 42 Esse foi o procedimento utilizado por Dantas (2011) em situação analítica semelhante. 43 Pelas leis bolivianas eram criminosos, pois exerciam atividade econômica de forma clandestina, algo próximo do crime de descaminho de mercadoria no atual código penal brasileiro.
  • 39. ~ 38 ~ O discurso patriótico tentou justificar toda essa gama de com- portamentos socialmente patológicos, reinventando o “crime” como prática digna de comemoração. “Lutar por amor ao Brasil” foi um “fetiche” empregado para inocentar os primeiros acrianos de suas prá- ticas penalmente imputáveis. Certamente não assassinavam indígenas por “patriotismo”. Quem sabe um dia alguém promova, ao menos simbolicamente, o julgamento póstumo daqueles acrianos à luz do Código Penal da época. Mas qualquer leitor de Hobsbawm (2010), sendo ele boliviano ou não, tipificaria os acrianos ao menos como “bandidos sociais” - criminosos que se consideram “portadores de justiça (idem, ibidem, p. 9) por lutarem “contra governos injustos” (idem, ibidem, p. 32). Eles justifi- cam a prática de atos proibidos por lei por meio de argumentos “humanitários”. Esse tipo de bandido “desafia simultaneamente a ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm ou aspi- ram ter o poder, a lei e o controle dos recursos (no caso, os bolivia- nos)” (idem, ibidem, p. 21). Em nome de uma causa, eles se negam a obedecer as autoridades legalmente constituídas. Hobsbawm (2010, p. 27) lembra que “a recusa de pagar impostos é um delito sujeito às penas da lei, e a recusa de obedecer à lei é punida com o cárcere”. Então, seriam os “heróis” acrianos “bandidos sociais”? 2.2 A história revisada da “Revolução” Eugene Seeger, Cônsul-Geral dos Estados Unidos, qualificava a insurreição de Plácido de Castro como ato de pirataria moderna, dirigido pelos polí- ticos e especuladores de Manaus e executado pela mais vil espécie de aventureiros e facínoras, com a assistência do Governo do Brasil. Os ladrões de bor- racha do Amazonas, em sua opinião, apresentavam com a vestimenta do patriotismo ultrajado e acusavam a Bolívia de estar vendida aos ianques, cuja política expansionista ameaçava o Brasil e o resto da América do Sul. (BANDEIRA, 1978, p. 161, grifo nosso). Mercenarios recolectados en los antros del vicio y la miseria, trabajadores obligados por sus patrones a ba- tirse y perder la vida por una causa ignorada por ellos, lógicamente, debían perder la moral ante indivi-
  • 40. ~ 39 ~ duos patriotas que abandonaron las fruiciones del ho- gar por acudir en amparo de nuestra integridad terri- torial. (AZCUI, 1925, p. 97, grifo nosso). Los representantes de esa revolución que bajo el man- to del patriotismo practicaron las mayores infamias avergonzando la diplomacia brasilera […] levantando en alto falso patriotismo que encubre fines inconfesa- bles. (ZAMBRANA, 1904, p. 86 e 94). As terras banhadas pelos rios Purus e Juruá figuravam oficial- mente nos mapas bolivianos desde a assinatura do Tratado de Ayacu- cho (1867), no entanto, não foram imediatamente ocupadas. O governo boliviano preferiu concentrar a mão de obra do país nas minas de prata, que eram o principal motor da economia andina naquele momento. A Bolívia só se preocupou com a região pelos idos de 1894, quando o coronel José Manuel Pando denunciou a invasão brasileira. Por conta disso, este coronel ganhou tanta notoriedade em seu país que acabou se tornando presidente nos anos 1899-1904. O impacto da denúncia deu origem a uma série de reuniões diplomáticas entre os governos do Brasil e o da Bolívia. Em 19 de fevereiro de 1895, houve a assinatura de um Protocolo que previa a demarcação definitiva dos limites entre os dois países. Segundo Corrêa (1899, p. 47), tal Protocolo estava em "flagrante desacordo com o Tra- tado de 1867", pois defendia uma "linha geodésica oblíqua" como fronteira entre os dois países. Fato é que o governo brasileiro reconhe- cia o território como sendo estrangeiro, tanto é que autorizou a instala- ção de um posto aduaneiro boliviano em Puerto Alonso44 em 22 de outubro de 1898. Como o próprio Abguar Bastos (1969, p. 64) diz, os acrianos provocaram a “transformação do Acre boliviano em Acre brasileiro”. O governo do Amazonas procurava estimular um “clima de ten- são e revolta” (CABRAL, 1986, p. 37) na região, espalhando boatos con- 44 O nome Puerto Alonso foi uma homenagem dada ao presidente boliviano Severo Alonso. A inauguração do posto aconteceu em 03 de janeiro de 1899 e teve muita repercussão no Brasil, principalmente nas praças de Belém e Manaus, onde, até então, eram recolhidos os impostos sobre a exportação de toda borracha oriunda do Acre. Os bolivianos já haviam tentado construir uma alfândega em 23 de setembro de 1898, mas sem sucesso (Cf. REIS, 1937, p. 17).
  • 41. ~ 40 ~ tra os bolivianos. Os seringalistas também faziam sua parte, dizendo que sofreriam castigos por trabalharem em terras estrangeiras. “Nada mais falso, tudo não passou de fantasia destinada a levantar a opinião nacio- nal contra a ocupação do Acre” (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 248). Muitos brasileiros passaram a ter o boliviano José Paravicini “não como o representante legítimo de um país que, sob os resguardos dos tratados internacionais se empossava do território acreano; e sim como o algoz dos brasileiros, o usurpador de rendas nacionais” (idem, ibidem, p. 248). Três eram os principais receios da elite gomífera acriana com relação à consolidação da soberania boliviana na região, a saber: a) invalidação dos títulos fundiários expedidos pelo governo amazonense; b) o aumento arbitrário do valor dos impostos; c) a imposição de nor- mas para o corte da seringueira. Atingidas em seus interesses, as classes dominantes ama- zonenses insuflaram, por toda parte, a ideia de uma suble- vação contra a missão boliviana. Nos jornais, nos seringais, no parlamento e até nos bares procurava-se incutir a ideia de que a pátria havia sido lesada pela adoção da medida de permitir a posse da Bolívia no Alto-Acre. Não se dizia, porém, que, subjacente a isso, estavam os interesses econômicos profundamente afetados [...] a campanha objetivara sacudir a opinião pública. (CALIX- TO, 1985, p. 111, grifo nosso). Al estallar la conflagración separatista, el Acre contaba con más de treinta mil habitantes, mostrándose case la to- talidad indiferente a lo que ocurría, de tal modo que los promotores de la revuelta, para hacer consentir en su po- pularidad expedían despachos de coroneles a granel, sin que por ello lograsen el concurso de los agraciados, porque el ideal de los acreanos era el de continuar como hasta en- tonces, sin freno a sus desmanes ni autoridades que los go- bernase, imperando entre ellos los de mayor fuerza física y los instintos sanguinarios más depravadas. (AZCUI, 1925, p. 45, grifo nosso). A República brasileira não podia realizar uma guerra contra a Bolívia em favor dos acrianos. Isso poderia ser interpretado como uma ação imperialista brasileira, além do mais, seria um desrespeito aos Tra- tados e Acordos Internacionais anteriormente firmados. Os governos do
  • 42. ~ 41 ~ Amazonas e do Pará também não podiam assumir oficialmente uma postura contrária às decisões do governo federal, que reconhecia aquele território como estrangeiro. Mesmo assim, nos bastidores, as autoridades amazonenses confabulavam contra os bolivianos, afinal o comércio da borracha havia elevado a receita pública daquele Estado de 3.710 (três mil, setecentos e dez) contos de réis em 1890 para 33.081 (trinta e três mil, oitenta e um) contos de réis em 1900 (Cf. CORRÊA, 1899, p. 160). E foi esse fato $patriótico$ que conduziu inúmeras lideranças à “Revo- lução” no Acre. Todo el conflicto giraba en torno a estos factores: Bolivia quería tomar las riendas del territorio del Acre, que por dere- cho le pertenecía, y el Estado del Amazonas perjudicado en sus recaudaciones fiscales se oponía tenazmente, pero entre bastidores, al funcionamiento de la aduana de Puerto Alon- so. Para efectuar esa oposición contaba con la adhesión de los seringueros, los empleados públicos, los empleados loca- les y los comerciantes del Pará e Manaos, un complejo de in- tereses que se movían para oponerse a los cabios de una situación que les estaba produciendo riquezas y poder políti- co. (RIBERA, 1997, p. 53). Foram necessários apenas vinte e dois dias do estabelecimento do Posto Aduaneiro boliviano para que uma Junta Revolucionária fosse organizada com o fim de derrubá-lo. E no dia primeiro de maio do mesmo ano, José Carvalho - advogado cearense e secretário do superin- tendente da comarca do município amazonense de Floriano Peixoto, do qual o Acre arbitrariamente fazia parte – exigiu a saída do delegado boli- viano Moisés Santivanez e de toda sua comitiva de Puerto Alonso. O advogado foi confrontá-lo com apenas oito pessoas (CARVALHO, 2002, p. 27), dentre eles, um dos seringalistas mais importante da região, o Dr. Joaquim Victor. Por conta da legislação da época, a intimação não podia ser um ato oficial do governo do Amazonas, devido a isso, José Carvalho estrategicamente recolher a assinatura de 57 seringalistas em um manifesto contra a delegação boliviana. As autoridades bolivianas resolveram deixar a região de forma pacífica, mas a expulsão teve rápida repercussão, e antes mesmo de o mês encerrar, no dia 24 de maio, José Carvalho já havia sido processado por crime de lesa-pátria e proibido de residir no Estado do Amazonas.
  • 43. ~ 42 ~ Talvez isso possa ser explicado pelo fato de José Carvalho ser funcioná- rio público e o governo do Amazonas temer ser acusado de envolvimen- to na “insurreição”. Depois desses acontecimentos, a região do atual Acre foi novamente entregue para a administração boliviana. Os cin- quenta dias, que sucederam ao 24 de maio, foram de muitas especula- ções e articulações políticas entre os seringalistas e os políticos de Manaus sobre o destino do Acre. Os “patriotas” não podiam deixar a questão de lado, pois sabiam que, com a coleta dos impostos, os bolivia- nos haviam faturado “uma fortuna com a espoliação da borracha” (CARVALHO, 2002, p. 20). O governador Ramalho Júnior (Amazonas), ao lado de outras providências, tentava, junto ao Presidente da Repúbli- ca Campos Sales, conseguir uma solução para o caso acrea- no: propunha contrair o Amazonas um empréstimo de um milhão de libras para indenizar a Bolívia, a fim de que ela desistisse de suas pretensões. (REIS, 1937, p. 18). O governador do Amazonas Ramalho Júnior aproveitou o impas- se diplomático entre os dois países para contratar secretamente um espanhol, “dono de casa de jogos e prostituição” em Manaus (CARVA- LHO, 2002, p. 45) para liderar a “aventura infeliz e criminosa” (idem, ibi- dem) de tornar o Acre um país independente. Segundo Azcui (1925, p. 20), o governador havia prometido a Galvez “20% de lo que se recauda- ra por impuesto sobre la goma”. Tocantins (2001, Vol. I, p. 440) trata Ramalho Júnior como "idealizador e sustentáculo da República do Acre". Em oposição às cautelas da diplomacia, o governador Ramalho Junior agia em desconexão com o pensamento do governo federal, de onde surgiram rumores de intervenção no Estado, efeitos em seguida, após longo relatório, minucioso e ao mesmo tempo energético, do governador ao presidente [...] A imprensa do Rio, ainda que não enfaticamente, fazia coro com o noticiário passional que vinha do Amazonas. (BASTOS, 1969, p. 64) Sobre Galvez, as opiniões são muitas, a maioria o tem como um "oportunista" e "fanfarrão" (SOUZA, 1983; BARROS, 1993; RIBERA,
  • 44. ~ 43 ~ 1997). Mas há quem o interprete como um grande intelectual e diploma- ta (DANTAS, 2012)45. O certo é que além dele o governador do Ama- zonas também contratou "vinte homens, todos veteranos da guerra de Cuba" (idem, ibidem, p. 23). É bom que se diga que não há nada de estra- nho nessa prática, pois a contratação de mercenários faz parte da cultura militar ocidental há milênios. Segundo Bruyère-Ostells (2012), a Revolu- ção Francesa tentou quebrar essa tradição por meio do alistamento mili- tar voluntário. No entanto, “eles sempre constituíram a espinha dorsal dos exércitos europeus” (idem, ibidem, p. 8). Ahora hace su entrada en el escenario de la historia del Acre un personaje que parece sacado de una novela, Luiz Galves Rodríguez de Arias, español, ex funcionario de la Embaja- da de España el la Argentina, soldado de fortuna, mercena- rio, ex estudiante de derecho, dicen que también trató de seguir la carrera de las armas pero fue expulsado por inmo- ral. (RIBERA, 1997, p. 67, grifo nosso). Abro aqui um parêntese para dizer que o próprio Plácido de Cas- tro também foi acusado de mercenarismo por ter enriquecido com a “revolução” (CASTRO, 2002, p. 364). Após o Tratado de Petrópolis, ele se tornou dono de terras no Acre (idem, ibidem, p. 363), no Amazonas (idem, ibidem, p. 30), no Rio Grande do Norte (idem, ibidem, p. 365) e na Bolívia (idem, ibidem, p. 32). Também dizia-se que ele era dono do jornal Correio da Noite (Cf. idem, ibidem, p. 222). Embora Genesco Castro (2002) tenha explicado que o patrimônio deixado por Plácido de Castro fora comprado a crédito (desculpa utilizada até hoje por políticos de má fé), a desconfiança permanece. Até mesmo Cláudio Lima (1998, p. 227), um dos grandes admiradores do “herói”, confirma que ele “enriqueceu com espantosa rapidez”. 45 Por conta dessa mesma interpretação que a Assembleia Legislativa (ALEAC) do Estado do Acre o homenageou com uma estátua posta em frente ao prédio da ALEAC em 26 de novembro de 2008. Nela, Galvez foi imortalizado como o "primeiro legislador do Acre" (Fonte: <http://www.aleac.net> acessado em fevereiro de 2013). Vale ressaltar que Galvez nunca convocou uma única assembleia de seringalistas para deliberar sobre o teor das dezenas de decretos assinados por ele.
  • 45. ~ 44 ~ O próprio líder da Revolução afirma que “entrando o Território do Acre para a comunhão brasileira, recolhi-me à vida industrial e comercial que absorve quase toda a minha atividade” (Plácido de Castro – julho de 1908 apud CASTRO, 2002, p. 269). É sabido que Plácido de Castro antes da Revolução trabalhava em Manaus como agrimensor, por isso, enquanto uma pesquisa apurada não responder os motivos que levaram o “herói” a mudar de profissão após a “Revolução”, a dúvida vai persistir. Ele mesmo tentou explicar sua prosperidade dizendo que “si alguém nesta terra entrou pela porta da honra e do sacrifício esse alguém, desculpa-me a falta de modéstia, fui eu” (idem, ibidem). Constitui fato notório o recebimento de Luiz Galvez Rodrigues de Arias, da importância de Cr$ 440.000,00 do Estado do Amazonas, por sua chefia no movimento revolucionário no Acre que culminou com a fundação de uma república independente. A negociação do preço dos trabalhos revolucionários começou com a chagada ao Acre do Tenente BURLAMAQUI [...] Galvez apresentou sua proposta para a rendição, isto é, para dar por terminada sua tarefa: custariam 800 contos, logo reduzido para 440 contos [...] E Plácido de Castro, teria também sido indenizado por seu trabalho bélico no Acre? A respos- ta é afirmativa. Segundo notícia publicada no Jornal LA UNIÓN, que se editava em Manaus [...] com efeito, o n° 34 do referido Jornal, do dia 8 de abril de 1904, pode-se ler o seguinte: un telegrama del Pará de fecha 5, dice que el Gobierno federal expidió orden a la Delegacia Fiscal para entregar a Plácido de Castro, o a su orden, la mitad del producto recaudado de impuesto del Acre, hasta la fecha em que si firme el tratado de Petrópolis. O arti- culista não esclarece quanto teria recebido Plácido de Cas- tro, nem mesmo afirmou que tivesse ele recebido a importância que lhe era autorizado entregar pelo governo federal. (LEITE, Romeu César. Os Chefes da Revolução Acreana teriam sido mercenários? In: jornal O Rio Bran- co, de Rio Branco, em 22 de janeiro de 1976, Nº 207, p. 7, grifo nosso). Outro indício de mercenarismo é a considerável quantidade de estrangeiros nas tropas acrianas. Fato comprovado pela lista dos vetera- nos da “Revolução Acriana” produzida durante a feitura do Projeto de Lei que pretendia conceder pensão aos ex-combatentes (Lei Nº 380, de
  • 46. ~ 45 ~ 10 de setembro de 1948). Fica difícil acreditar que esses estrangeiros, que mal haviam chegado ao Brasil, tenham empunhado armas para tornar o Acre o único Estado “brasileiro por opção”. Em uma carta de 18 de junho de 1902, portanto, antes do início da “Revolução” iniciada em 6 de agosto, Rodrigo de Carvalho diz: “bal- deamos a carga da Maria Thereza, a bordo dela vem o Dr. Gentil com armamento e um capitão com vinte e tantos soldados, commissio- nados pelo governador para fazer a revolução” (apud OURIQUE, 1907, p. 223, grifo nosso). Se levarmos em consideração que o próprio Plácido de Castro afirmou ter iniciado o combate contra os bolivianos em 6 de agosto de 1902 com apenas 33 homens (Cf. CASTRO, 2002, p. 56), fica fácil deduzirmos que o episódio inaugural da “Revolução Acria- na” ou da “Grande Revolução” também foi protagonizado por merce- nários. Esse debate era inútil na época, pois para os “barões da borra- cha”, “pouco lhes importa a procedência do herói. A sua origem. Ou sua moral. O que é preciso, e se impõe desesperadamente é salvar o Acre” (LIMA, 1998, p. 50). Zambrana (1904, p. 162) diz que “los revoluciona- rios del Acre, comandados por Plácido de Castro [...] se hallaban situa- dos en Caquetá [...] tenían bajo sus órdenes fuera de las tropas revolucionarias, unos cincuenta o sesenta hombres de la guarnición estadoal de Manaos” [grifo nosso]. Parece ser inegável que havia pes- soas comissionadas nas tropas revolucionárias, ou seja, que ali estavam sem qualquer motivação patriótica ou compromisso ideológico. Fechemos o parêntese e prossigamos dizendo que "Luiz Galvez, com dinheiro e armas do governo do Amazonas, seguiu para o Acre" (REIS, 1937, p. 19). Lá chegando, em 14 de julho de 1899, “simuló la convocatoria de un comício popular del que resultó proclamado Presi- dente de la República Independente del Acre” (ZAMBRANA, 1904, p. 59). Segundo Ribeira (1997, p. 69), tudo não passou de “un plan larga- mente estudiado por Ramallo Junior (gobernador do Amazonas) para ir moldeando la opinión pública brasileña en contra de la posesión del ter- ritorio de Acre por Bolivia”. O governo do espanhol não foi unanimidade, pois desde os pri- meiros meses de seu governo teve que combater “todos os focos de agi- tação” (TOCANTINS, 2001, Vol. I, p.349). Vários grupos se insurgiram: o liderado pelo coronel Neutel Maia, do seringal Empresa; o do Capitão
  • 47. ~ 46 ~ Leite Barbosa, de Humaitá; e o da Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, do Alto Acre. Além do mais, segundo Tocantins, “as pessoas de maior destaque (de Xapuri) não haviam aderido ao Estado Indepen- dente” (idem, ibidem, p. 350). Isso sem dizer do Juruá, que nem sequer tomou conhecimento dos decretos expedidos por Galvez. De Xapuri, Galvez receberia ofício assinado por Manoel Odorico de Carvalho, auto-intitulado Prefeito de Seguran- ça Pública pela vontade soberana do povo, comunican- do que, no alto Acre, a população resolvia não aderir a essa revolução sem primeiro ouvir a decisão do governo brasi- leiro [...] Somava-se a este movimento dissidente do Alto Acre, um outro que, sob a denominação de Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, procurava, de todas as formas, minar o governo provisório. No baixo Acre, para completar, havia, ainda, a propaganda anti-governo provisório, liderado por Neutel Maia do seringal Empresa e pelo Capitão Leite Barbosa, do seringal Humaitá, este último outrora ativo colaborador na administração Paravi- cini. (CALIXTO, 2003, p. 162, grifo nosso). Em fins de 1899, Galvez proibiu a exportação da borracha em represália às Casas Exportadoras de Manaus e de Belém que se negavam a reconhecer os atos fiscais do Estado Independente do Acre. Essa ação desagradou vários seringalistas que antes o apoiavam, dentre eles, Souza Braga, dono dos seringais Benfica, Riozinho e Niterói. Galvez também perdeu o apoio de Rodrigo de Carvalho, um dos principais membros da Junta Revolucionária, e de Alberto Moreira, um jornalista que represen- tava os interesses do novo país em território brasileiro. Em 28 de dezembro de 1899, “apoiado por um pequeno grupo de descontentes” (AGUIAR, 2000, p. 88), Souza Braga foi aclamado Presi- dente do Estado Livre do Acre. O primeiro decreto expedido foi o banimento de Galvez; o segundo foi a declaração de livre comércio nos rios e o consequente restabelecimento da ordem comercial. Souza Braga chegou a dizer que “entre o governo de Paravicini e o de Galvez não há grande diferença, assemelha-se na forma e no fundo, deprimir o caráter nacional brasileiro e arruinar a nossa fortuna” (apud TOCANTINS, 2001, Vol. I, p. 389, grifo nosso).