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Introdução




     Este trabalho procura recuperar na história das sensibilida-
des, um tema que não foi suficientemente explorado: a coexistên-
cia do ufanismo e do ressentimento na formação da identidade
luso-brasileira. No caso do Brasil, os vínculos entre os cidadãos
e a nação, somados ao hábito de supervalorizá-la excessivamen-
te, decorrem de um modelo de história que exaltou os heróis, ao
mesmo tempo em que, reverenciou a natureza. Parte dos histo-
riadores do início do século XX exasperou as virtudes, criando a
ideia de um passado harmonioso, dissimulando o senso crítico e a
existência de incompatibilidades sociais. E, justamente pelos va-
lores presentes em nossa formação que a maioria dos sujeitos que
sofreram injustiças e desagravos e, portanto, desconectados desse
ideal formativo, tornaram-se ressentidos. A questão central que
norteia nossa pesquisa no século XVIII é, de que maneira os afe-
tos ativos (ufanismo) e reativos (ressentimento) se manifestaram
na formação da proto-identidade nacional? Todavia, não se trata
de uma obsessão pelas origens,1 pois o ufanismo, por exemplo, já
podia ser identificado entre os cronistas como Pêro Vaz de Ca-
minha, Pêro Lopes de Souza, Hans Staden, Pêro de Magalhães
Gandavo e Pedro Fernão Cardim.2
O presente trabalho se insere nesta rediscussão, entenden-
do que, apesar dos estados de impotência causados por esse
“mal estar”, prevaleceu a capciosa ideia de ostentação que os
brasileiros manifestam pelo país e por si mesmos e que segui-
damente as pesquisas de opinião pública, realizadas pelo Mi-
nistério do Meio Ambiente e pelo Instituto de Estudos das
Religiões evidenciam. Pretendemos desmistificar a ideia de
que nosso país seja o reino da natureza, da hospitalidade e da
cordialidade,3 criticando os pressupostos de que o sentimento
de identidade nacional esmaeceu no fim do período colonial
com as políticas de branqueamento e aburguesamento da so-
ciedade brasileira.
     Os sentimentos aqui estudados possuem referências plu-
rais. Referem-se à dominação ou encantamento que pode ser
vislumbrado emblematicamente na letra do Hino Nacional
brasileiro, ou no orgulho expresso por Gonçalves Dias na Can-
ção do Exílio (1843). E, também, à desafeição pela política,
a manutenção da vingança latente e infecunda que ofusca a
memória pela resignação ressentida.
     No primeiro caso, uma forma impositiva de promover a
nação e a nacionalidade pode ser identificada nos pressupostos
de um dos membros mais influentes do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, o Conde Affonso Celso (1860-1939).
Na obra “Por que ufano de meu país”, de 1900, a naturalização
da história passava pela enumeração das vantagens compara-
tivas do Brasil em relação a outras nações; entre elas, o clima,
a natureza, a mestiçagem e a história.4 Nesse pensamento, a
integração nacional e o patriotismo serviam de instrumentos
de crítica e de enfrentamento dos problemas que ameaçavam o
Brasil, tais como a política, o atraso econômico e os maus go-
vernos. Com esse direcionamento, buscou-se no passado uma
imagem que correspondesse a uma identidade nacional. A efí-



                              18
gie que mais se aproximava desse ideário era a do sertanista de
São Paulo.
     Essa mitologia, amplamente disseminada nos livros didá-
ticos até a década de 1980, era o resultado de disputas político-
-econômicas que associavam identidade, progresso e história.
É significativo, portanto, que historiadores como Alfredo Ellis
Jr., Affonso D’Escragnolle Taunay e Alcântara Machado, en-
tre outros, reivindicassem que o progresso da capital paulista
era fruto das ações heroicas de seus ancestrais, embora fos-
se necessário abrir mão da consanguinidade, para atribuir aos
imigrantes, uma identidade associada ao trabalho e ao desen-
volvimento de São Paulo e, consequentemente, do Brasil.5
     Por outro lado, o ressentimento foi objeto de atenção de
historiadores, antropólogos e sociólogos, principalmente quan-
do os campos de conhecimento histórico e psicológico alarga-
vam os horizontes da pesquisa.6 Assim, entendia-se que, na
história brasileira, o recalque era um legado histórico cujas ba-
ses se assentaram na atração pelos prazeres carnais, na ambição
e na amargura. Esses comportamentos traziam implicitamente
perturbações psíquicas e o sentimento de não pertencimento
ao Brasil.7 Nesse sentido, os sertanistas foram desmistifica-
dos, pois a obsessão pelo ouro os levou a cometerem delitos
para satisfazerem suas paixões.8 Tal desenlace revela que, sob o
manto de superioridade (ufanismo), ocultava-se um complexo
de inferioridade (ressentimento). Logo, esse contrassenso deu
sentido à necessidade de sucessivas redescobertas retóricas e à
constante busca pela identidade perdida.9 Afinal de contas, a
conjectura de uma nação branca e civilizada, cujo modelo se
espelhou na cultura francesa, na economia inglesa e, principal-
mente, no aburguesamento dos costumes, foi encoberta pela
disseminação do mito da democracia racial e pela política de
imigração do Império Brasileiro.10



                               19
E, se historicamente a sociedade brasileira foi marcada
pelo “equilíbrio de antagonismos”, isso também quer dizer
que, além da exaltação pátria, os brasileiros carecem de um
sentimento de identidade e não se reconhecem no discurso na-
cional.11 Gilberto Freyre admite o fenecimento deste tipo de
sentimento em fins do período colonial. 12 Mas, parece equivo-
cada a noção de que o amálgama de indivíduos extrovertidos e
introvertidos resultou de uma adaptação comportamental ca-
racterizada pelo prazer em provocar sofrimento nos outros e
nos animais e, ao mesmo tempo, pelo deleite com o sofrimento
físico e moral que lhe provocam. A versão de um comporta-
mento sadomasoquista não se resume a uma forma de prazer
da população brasileira. Ao contrário, parece-nos plausível que
o prazer não diz respeito à introspecção, mas à incapacidade
de reação às iniquidades dentro de um sistema de honrarias e
privilégios.
     É por este motivo que a pretensa cordialidade, ou mes-
mo a felicidade estampada no comportamento da população
brasileira também se manifesta na zombaria de semelhantes
e adventícios. No entanto, esta atitude também pode ser con-
siderada como uma forma de violência. A pulsão agressiva dá
sentido à existência humana; é um meio de proteção que ga-
rante a existência do sujeito e uma mediação com o grupo com
o qual se identifica.13 A derrisão é, portanto, uma condição
das sensibilidades originadas na mestiçagem e nos conflitos
existentes durante a fundação nacional, pois conectaram sa-
beres, comportamentos, imposições e resistências.14 Também
é importante mencionar que, nas primeiras décadas do século
XX, o aspecto crítico do ressentimento permitiu questionar o
personalismo e os limites políticos da colonização. Assim sen-
do, dever-se-ia superar o ranço da cordialidade, pois, durante
a mestiçagem, não houve solidariedade entre os brasileiros.15



                              20
As imagens ambíguas de exaltação e de negação da identi-
dade brasileira nos remeteu à gênese desse processo, isto é, aos
conflitos entre portugueses e brasileiros e entre luso-brasileiros
e espanhóis, no século XVIII. Portanto, é vital entender como
essas construções discursivas negavam e/ou exaltavam as ações
dos sertanistas e, por conseguinte, os usos do passado para for-
talecer uma identidade, mesmo que antes de a nação brasilei-
ra se constituir de fato. Desse modo, o estudo dos conflitos a
partir de suas raízes histórico-literárias na colônia permitiu a
compreensão da dinâmica dos debates que orientaram o fazer
historiográfico naquele momento. Por esse motivo, impor-
ta que estas sensibilidades, isto é, ufanismo e ressentimento
sejam observadas conjuntamente, pois se referem a compor-
tamentos (individuais e coletivos), a manipulações sociais, cul-
turais e históricas.
    Para evitar o anacronismo e melhor compreender a for-
ma como os comportamentos foram apreendidos em outros
tempos, é importante compulsar os significados de alguns
termos essenciais que fundamentaram a presente pesquisa.
Atualmente o termo ambivalência se refere ao estado em que
se experimentam, simultaneamente, em dadas circunstâncias,
sentimentos antagônicos. E sensibilidade é entendida como a
capacidade humana de sentir ou ter sentimentos, admitindo-
-se os aspectos psíquicos, filosóficos, literários, físico-quími-
cos, etc.16
     Mas a natureza do vocábulo sensibilidade na cultura portu-
guesa do início do século XVIII é deveras interessante e pro-
funda. Tinha como significado a predisposição dos sentidos
humanos às impressões dos objetos ou coisas que podiam dar
“gosto ou pena”. Com o sentido muito próximo de sentimento,
o termo estava associado à “delicadeza”, à susceptibilidade, à
“dor, trabalho, ou molície”. Considerava-se também o extre-



                               21
mismo em relação às “delícias” da vida e o sentimentalismo
diante de “castigos” severos. Mas, o que chama nossa atenção
é o fato de aludir à estratificação social do Antigo Regime e a
um tipo de comportamento diferencial, pois admitia que a sen-
sibilidade “poderia” existir no coração de nobres e aristocratas
“nas matérias concernentes à honra, à gloria”.17 Essas atitudes
foram cruciais para o desencadeamento de sensibilidades plu-
rais e, por este motivo, decidimos investigá-las nos discursos
do século XVIII.
     As expressões ufanismo e ressentimento apresentam im-
precisões e estão imbricadas nos liames da cultura e da história
brasileira e europeia. Veja-se, por exemplo, que os termos ufa-
nia e ufano expressavam o sentido de superioridade, ostentação
e soberba, ou seja, eram expressões específicas daqueles com-
portamentos relacionados aos poderes que um grupo ou uma
pessoa tinha em relação aos outros, resultando numa forma de
orgulho e prazer. Essa forma de sentimento também trazia da
Antiguidade o título de herói (do hebraico hir, valente) apenas
aos “varões ilustres”, quer pelo sangue, quer pelas virtudes. As-
sim, naquele ambiente social, a sensibilidade se estabelecia no
distanciamento entre os “ilustres” e os homens comuns ou sem
virtudes. A raiz do termo “ufano” é remota e provavelmente
originária da língua espanhola. Significava “vangloriar-se de
si ou do que se dispõe”, associando-se à jactância e à vaidade,18
ou mesmo, “brio, ostentação, orgulho”.19 Em outros termos,
refere-se à sensibilidade que lhe é oposta.
     Curiosamente, em 1606, o desembargador Duarte Nunes
Leão afirmava que os portugueses abusavam dos vocábulos de
outras nações, evitando os de origem espanhola, pois “a ra-
zão he que além da emulação que entre estas gentes houve
despois que os reinos se dividirão, se encontraram os Portu-
gueses perpetuamente com os Castelhanos em duas letras, que



                               22
he mais notável differença que tem estas duas nações, & por
que se mais desconhecem”.20 Uma das aparições do temo “ufa-
nar” ocorreu entre os castelhanos, por volta do ano de 1290, o
qual se associava a uma origem e sentido germânico-gótico,
isto é, abundância, vaidade, pompa, ostentação; entretanto, os
fonemas “uf”, referem-se a esforço e surpresa agradável, sendo
que na língua portuguesa, “ufa”, significava admiração, ironia,
cansaço.21
     Essas acepções evidenciaram tensões de longa duração en-
tre portugueses e espanhóis em torno das disputas políticas e
territoriais, tanto na Península Ibérica quanto nos domínios
ultramarinos. A palavra ressentimento (do francês ressentiment)
significava sentimento ou pesar de “algua cousa”, algo latente,
que se referia ao conhecimento de algo ou do que poderia re-
sultar de um encadeamento.22 Na França do Século XVII, o
termo significava a suscetibilidade humana à moralidade, ao
verdadeiro, ao bem e ao prazer. No século seguinte - período
que nos interessa - o sentido correspondia às particularidades
humanas de ter sentimentos, como por exemplo, a piedade e
a tristeza e à “qualidade daquele que é sensível”.23 Portanto,
havia sensibilidades para o calor e para o frio e sensibilidades
concernentes à glória e à sensibilidade do coração. Trata-se
de uma constelação de sentimentos,24 os quais se relacionam
“às impressões dos objetos”, à moralidade, glória, honra e os
“[...] sentimentos de humanidade sobre a miséria dos outros,
os sentimentos de carinho e amor [...]”, sempre considerados
como algo louvável e surpreendente.25
     Em Nietzsche o ressentimento é o resultado de uma con-
figuração histórica na qual há sublevação dos “inferiores” con-
tra os “superiores”, sendo que o ódio recalcado se manifestava
através da “inveja, do ciúme assassino e do desejo de vingan-
ça”.26 Porém, o ressentimento não se resume a essa definição e



                              23
nem a comportamentos historicamente determinados; mesmo
esses podem se manifestar no mesmo plano estamental e no
“ódio” dos “superiores” pelos “subalternos”, alimentados por
período incerto. Atualmente, reconhece-se no ressentimento a
manifestação inconsciente das angústias ignoradas, muitas ve-
zes introjetadas nos indivíduos e que se vinculam à negação da
existência.27 Ansart nos lembra da impossibilidade de eliminar
o ressentimento da agressividade, pois é algo que faz parte da
formação do indivíduo e de sua personalidade.28
     Essencial a nossa argumentação é o fato de as sensibilida-
des associarem estratificação social e comportamentos ligados
à nobreza, honra, glória e linhagem, as quais caracterizavam o
surgimento de uma identidade que envolvia antagonicamente
política e sensibilidade. Aliás, ao estudarmos a documentação
do século XVIII, como por exemplo, relatórios de expedições
militares, sonetos, romance, diários de viagem, obras literárias
e correspondências (Códice Costa Matoso), percebemos o seu
inverso, isto é os afetos reativos decorrentes das imposições
políticas. Tais elementos são significativos para entendermos
a pluralidade dos ressentimentos e a motivação para os con-
flitos nas Minas Gerais do século XVIII e a presença destas
sensibilidades nas explorações militares dos sertões de Tibagi
e Guarapuava.
     Em termos contextuais dois momentos foram significati-
vos, pois desencadearam um processo de construção das sensi-
bilidades: a chamada Guerra dos Emboabas (1707-1709), na
região das minas e a cooperação e resistência ao governo de
Morgado de Mateus, entre 1765 e 1774, em São Paulo. Pa-
receu-nos significativo retomar algumas questões que ficaram
em suspenso, pois apenas uma face do processo foi abordada,
sendo necessário considerar pelo menos uma relação mais es-
pecífica com o seu desencadeamento, principalmente durante



                              24
a conquista dos sertões da capitania de São Paulo. A questão
que se coloca é a maneira como estas sensibilidades se mani-
festaram no final do período colonial, em termos de práticas
individuais e coletivas, tanto nos conflitos nas Minas Gerais,
quanto nos processos sociais e transformações na capitania de
São Paulo.
    As matrizes teóricas que inspiraram este trabalho são varia-
das. Ao nos situarmos no contexto historiográfico brasileiro, o
estudo de Kátia Maria Abud foi imprescindível. A autora des-
mistificou o “bandeirante” na história brasileira, enfatizando
que a produção de heróis permitiu, através da exacerbação e do
orgulho, projetar no âmbito das tensões e negociações sociais e
políticas uma imagem referencial dos paulistas e da própria na-
ção.29 Contudo, privilegiamos o desdobramento deste proces-
so, pois percebemos que envolvia sentimentos contraditórios.
Basicamente, exploramos a simultaneidade do ufanismo e do
ressentimento, o qual não ficou restrito às Minas Gerais, mas
também à capitania de São Paulo.30
    Pareceu-nos produtiva a ideia de recuperarmos algumas
premissas esquecidas no âmbito da renovação da história cul-
tural. Por outro lado, é impossível não nos referirmos à emer-
gência do indivíduo, a partir da Revolução Francesa. A partir
daquele momento se ampliou o sentimento do eu, da autoes-
tima, da escrita de si, da intimidade, do controle do corpo, da
higiene, das boas maneiras, da percepção dos prazeres, dos te-
mores, do amor, da raiva, da melancolia, das experiências pro-
vocadas pelas viagens, dos efeitos das invenções sobre os sujei-
tos, da relação de amor aos animais domésticos, das recepções
sensíveis e inteligíveis dos órgãos sensoriais, etc. Estas dimen-
sões da vida do homem, aqui exemplificadas pela emergência
do indivíduo em sua relação com a sociedade, arraigadas de
valores culturais que definiram uma visão de mundo e formas



                               25
de agir e reagir são exemplos de temas que os historiadores das
sensibilidades tem atualmente trabalhado.
     Não é novidade a reivindicação de uma história que trate
do sensível. Não é recente a reclamação de que alguns objetos
de estudo, como o louco, a criança, o corpo e o sexo tinham
sido excluídos pela tendência racionalizante na história.31 Ali-
ás, ainda é notória a aversão dos historiadores por uma histó-
ria das emoções ou das subjetividades humanas, embora esta
tenha sido bastante representativa na historiografia do início
do século XX. É neste sentido que Huizinga, por exemplo,
reconhecia a sensibilidade na histórica, uma vez que esta nos
faz compreender conexões. E, embora a história, não seja psi-
cologia, ela não elimina a atividade psicológica, pois tal escru-
tínio “[...] se converte em uma modalidade de compreensão
histórica das formas”.32 Simultaneamente aos pressupostos do
historiador holandês, Lucien Febvre valorizou, sobretudo, as
dimensões dos modos de sentir, as atitudes psicológicas, e a
ambivalência dos os sentimentos humanos, pois os seres hu-
manos internalizam oposições, e quando um dos sentimentos
predomina, o outro permanece em estado letárgico (o amor e o
ódio, por exemplo).33 Nesta mesma direção, o método crítico,
comparativo, retroativo e psíquico, proposto por Marc Bloch,
admitia a análise dos documentos à luz da uma psicologia do
testemunho, o qual permite compreender melhor a comple-
xidade da natureza humana, ao mesmo tempo em que situa o
homem na natureza, apoiando-se “[...] numa instintiva meta-
física do semelhante e do dessemelhante, do Um e do Múlti-
plo”.34
     De qualquer maneira e, apesar destas contribuições, as
emoções foram, por um longo tempo, consideradas como per-
turbação dos indivíduos, daí, em geral, sua repressão e minimi-
zação pela atividade intelectual. Neste aspecto, pode-se acom-



                               26
panhar, na historiografia recente, a emergência e a fecundidade
deste tipo de história nos encaminhamentos teóricos e meto-
dológicos e nas novas problemáticas a ela concernentes.35 E,
por acaso, o mundo moderno não interferiu na maneira como
os historiadores olharam e entenderam o passado? Isto explica,
um pouco, o surgimento de temas até então pouco explorados.
É possível que a reavaliação do passado pela desfragmentação
do presente seja uma forma de escapismo que nos leva a reco-
nhecer outros valores que fugiram à nossa apreensão. Mas é
importante reconhecer que a tarefa do historiador também é
tornar a história mais humana.36Foi justamente nessa “nova”
perspectiva que a história das sensibilidades encontrou um ca-
minho promissor e atualizou aqueles temas que tinham ficado
em suspenso.
    Não foi sem razão que o historiador Alain Corbin saiu em
defesa de uma identidade sonora para o século XIX, critican-
do também, em outros trabalhos, os poucos estudos sobre a
emoção, sentimentos e paixões.37 Mesmo porque, cabe ao pes-
quisador buscar a apreensão dos funcionamentos sociais pelo
interesse das “configurações do silêncio”, matéria viva, legível
e inexplorada. Entende-se que os trabalhos produzidos dentro
desta vertente historiográfica resultaram num caminho inteli-
gível para refletir como ocorreram algumas mudanças em re-
lação aos desejos, fantasias e imaginações entre a população da
colônia brasileira em fins do século XVIII.
    Ao seguir esta tendência historiográfica entendo que
a apreensão indiciária da vida dos homens em sociedade ao
longo do tempo é frágil. Mas como não perceber as cicatrizes
das emoções e das sensibilidades humanas, mesmo diante das
lacunas documentais e da fragilidade da narrativa do historia-
dor? Esse ponto merece atenção, pois a resposta está longe de
ser definitiva. Isto nos leva a refletir igualmente a existência, os



                                27
procedimentos e a validade deste tipo de pesquisa. Sem dúvida
a consciência da precariedade das respostas nos permite traba-
lhar nos limites obscuros da densidade do passado que se pro-
cura compreender. Particularmente, neste caso, é importante
considerar que o diálogo entre a história e a psicologia deve ser
cauteloso, principalmente porque não se trata de ressuscitar
os mortos, ou reconforta-los no divã. Ao contrário, a ausência
da interatividade entre o historiador e o passado pesquisado é
substituída pela inquirição e pela auscultação de representa-
ções fragmentarias, para revelar, quando possível, as subjetivi-
dades humanas, sem deixar de lado os aspectos objetivos. De
qualquer maneira, o contato com outras áreas do conhecimen-
to é estimulante, produtivo e ao mesmo tempo, arriscado. Mas
porque não correr o risco?
     Seguindo este percurso, investiguei as ações e reações às
manipulações sociais, as articulações entre as individualidades
dos sujeitos e as práticas sociais. A preocupação central foi ve-
rificar em que medida os poderes coloniais, pessoas comuns,
oficiais e soldados se satisfaziam ou sucumbiam a esses proces-
sos, por efeitos de conquistas, de perdas, ausências ou desvan-
tagens manifestadas em situações de êxito, engrandecimento,
desejos, fantasias, privação da vida e hostilidades, construindo,
simultaneamente, imagens espetaculares ou depreciativas da
natureza e da sociedade colonial.
     No capítulo 1, Raízes do ódio, discutimos a gênese do ufa-
nismo a partir da Guerra dos Emboabas. Além da exploração
dos principais referenciais historiográficos sobre o assunto,
como por exemplo, Taunay, Vasconcelos, Mello, Rodrigues,
Golgher, Boxer, Pitta, foram reinterpretados os documentos
do códice Matoso e a obra de Antonil, procurando evidenciar
as contraposições entre o ressentimento e o ufanismo, inicial-
mente vinculado aos valores metropolitanos. Notadamente as



                               28
posições flutuantes nas esferas dos “poderes coloniais” em rela-
ção aos conflitos nas Minas Gerais produziu uma documenta-
ção que resultou em orientações historiográficas distintas. No
que concerne à generalização da intransigência, destaca-se que
os conflitos entre paulistas e portugueses estavam ligados a in-
teresses contraditórios, dentro e fora destes mesmos grupos.
A conclusão é a de que o ufanismo em fins de setecentos não
foi genuinamente produzido pela força das ideias na colônia,
mas também pelas referências que eram abstraídas da cultura
portuguesa.
     No capítulo 2, Ufanismo, história e literatura, analisamos
a irradiação da sensibilidade ufanista na literatura do início
de setecentos, tendência que estava mais ligada aos valores
portugueses do que aos coloniais, e que acabou influencian-
do os historiadores paulistas. Neste sentido, consideraram-se
as ambiguidades em torno do ufanismo e do ressentimento,
a intermediação entre as “políticas de estado” e os interesses
pessoais. Desse modo, o capítulo comportou três momentos
importantes. Inicialmente, a análise focou a influência deci-
siva de Pedro Taques de Almeida Paes Leme no governo de
Morgado de Mateus, a valorização do passado e da nobilita-
ção, sendo perceptível a cooptação do historiador com o go-
verno colonial, através de sua habilidade no mapeamento dos
recursos minerais nos interiores paulistas. Referindo-se a Frei
Gaspar da Madre de Deus, refletiu-se como sua perspectiva
ufanista, que evocava apenas um passado heróico dos sertanis-
tas, valorizou a paisagem colonial ao mesmo tempo em que se
contrapunha aos discursos dos jesuítas franceses Charlevoix e
Vaissette que, inversamente, mostravam imagens da barbárie e
da degeneração social na formação da capital paulista. Nesses
casos, o ufanismo pode ser visto como um instrumento de luta
que parte do ressentimento decorrente da perda de privilégios



                              29
no âmbito dos conflitos e das negociações sociais. Seu dire-
cionamento, que reserva internalizações (recalques), procura
apresentar externamente somente os aspectos dignificantes
para causar impressão e dominar. A poesia de Cláudio Manuel
da Costa se inseria neste processo pela relação que manteve
com o ambiente conflituoso que transpassava a poesia do ouro.
Contudo, notou-se o descompasso entre a persona poética de
Cláudio Manuel da Costa com a paisagem mineira e a me-
lancolia decorrente de sua insatisfação pessoal diante da triste
realidade luso-brasileira.
     No capítulo 3, Ambição, nostalgia e ressentimento, analisa-
mos o projeto de exploração e colonização dos sertões de Ti-
bagi, de Francisco Tossi Columbina (1750), enfocando que
seu desejo de enriquecimento estava acima de vinculações mais
profundas com um senso de pertencimento à colônia. Como a
iniciativa foi crucial para o conhecimento dos sertões, foi apro-
veitada nos projetos de Morgado de Mateus. Neste contexto,
refletiu-se de maneira geral a conturbada administração de
Dom Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, os processos
que sofreu após o seu governo e suas tentativas de reabilita-
ção junto à coroa portuguesa. A participação de seu sobrinho,
Afonso Botelho de Sampaio e Souza também foi ponderada
em razão dos projetos de militarização e dominação territorial.
Mas o documento mais interessante deste capítulo é o “Diá-
rio da Navegação do Rio Tietê, Rio Grande, e Rio Gatemi”
(1769) do Sargento-Mor Theotônio José Juzarte que aponta a
saga de centenas de pessoas que se direcionaram para a imen-
sidão colonial. Foram identificados ali “dispositivos afetivos”
relacionados a estados de nostalgia, melancolia e solidão. Estes
comportamentos apareceram em razão de “perdas e ausências”
durante a viagem e o estabelecimento no forte Nossa Senhora
dos Prazeres no Iguatemi até sua capitulação. Ainda foi reser-



                               30
vado um espaço para a análise do posicionamento da vertente
paranista sobre a exploração dos sertões do Tibagi, cujo ideário
se assentava nos valores históricos e sociais das décadas iniciais
do século XX. O capítulo é finalizado com a análise de um
romance histórico que retomava a povoação de Iguatemi e re-
construía mitos em torno das questões indígenas.
      Nos dois capítulos finais, a documentação organizada por
Afonso Botelho de S. Paio e Souza e intitulada “Notícia da
conquista e descobrimento dos sertões do Tibagi” permitiu a
construção de dois momentos de análise para as explorações
militares aos sertões da capitania de São Paulo: o reconheci-
mento dos interiores coloniais e depois a exploração e ocupa-
ção dos Campos de Guarapuava. Invariavelmente, transpare-
cem nesses documentos as sensibilidades em oposição entre
indivíduos, grupos e instituições, mostrando ao mesmo tempo
como a sociedade colonial foi contraditória, produzindo ima-
gens espetaculares do território e das ações dos “homens bons”
que se sobrepuseram à realidade social na colônia.
     Na primeira parte, no capítulo 4, O ufanismo e o ressenti-
mento nos sertões de Tibagi, partiu-se dos dispositivos jurídicos
e da formação das Tropas Pagas, Auxiliares e de Ordenanças
para a compreensão dos mecanismos de promoção e de puni-
ção. Para isto, foi preciso identificar as articulações e desarticu-
lações em relação aos poderes na colônia enquanto mecanismo
de sustentação de uma lógica de sobrevivência. O foco central
se estabeleceu nas incursões militares que foram direciona-
das para o reconhecimento dos sertões e de sua hidrografia
(rios Iguaçu, Tibagi, Piquiri, Ivaí, Iguatemi, Tietê). Além de
analisar os ressentimentos desencadeados pelas disputas po-
líticas dentro da corporação militar, procurou-se avaliar as
motivações para as deserções, a impopularidade do governo
de Morgado de Mateus entre a população, os conflitos entre



                                31
militares e clérigos. Em relação aos discursos dos altos escalões
militares, ressaltou-se os argumentos provenientes das ideias
dos historiadores paulistas ligadas ao enaltecimento pessoal e
às vinculações e afastamentos com a natureza e a paisagem.
Em muitos casos a relação com a natureza decorria de valores
culturais e religiosos. Ao longo da documentação, percebeu-
-se a projeção do ufanismo como instrumento de luta contra
os espanhóis que rivalizavam nas áreas litigiosas da colônia e
como ele era utilizado em razão dos sucessos e fracassos nas
expedições militares.
     Na última parte, “Descoberta” e conflito: modos de sentir, modos
de representar refletimos as peculiaridades da exploração e ocu-
pação dos Campos de Guarapuava, as tentativas de ocupação
territorial a partir da aproximação com populações indígenas e
a aversão aos espanhóis. Avaliou-se como a interiorização e a
exteriorização dos “sentimentos” conduziam a comportamentos
que podiam se manifestar tanto na poesia que aludia ao mito do
eldorado, quanto na repugnância aos comportamentos sacríle-
gos dos índios Kaingangues e vice-versa. Estes modos duais de
sentir se voltavam para o maravilhamento da paisagem e sua
monumentalidade, para a questão religiosa ao mesmo tempo
em que criavam mitos sociais a partir dos ressentimentos.
     Deste modo, colocamos à disposição dos leitores a am-
bivalência das sensibilidades ao pensá-las enquanto maneiras
de agir e reagir dentro de estruturas sociais cooperadoras e
conflitantes que abrangiam diferentes temporalidades: paulis-
tas e “emboabas”; historiadores paulistas e jesuítas paraguaios;
“poderes metropolitanos” e “poderes coloniais”; “poderes co-
loniais” e população; “generais e soldados”; “oficiais e oficiais”,
“soldados e indígenas”.
     Portanto, o que se prossupõe é a confirmação da ambigui-
dade sensível, ressentimento e ufanismo, desencadeados simul-



                                 32
taneamente na construção de uma proto-identidade nacional.
Ela é vital para se entender a maneira como o ressentimento
foi duramente combatido em finais de setecentos. Em nos-
so entendimento estas sensibilidades podem ser vistas como
formas ou alternativas viáveis de combater o “outro”, afirman-
do desejos e intenções profundas sobre “pretensões” diluídas
na diversidade dos grupos humanos. Por fim, conclui-se que
estas sensibilidades conflitantes e correspondentes oscilaram
de um extremo ao outro, provocando um quadro de tensões
e de negociações que marcou a história colonial da América
portuguesa.


     Notas

1	    BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de
     Janeiro: Zahar, 2002.
2	   SILVESTRE, Vilma F. Séves de A. Raízes do ufanismo brasileiro:
     séculos XVI-XVIII. Dissertação de mestrado em História. Faculdade
     de Letras do Centro Regional das Beiras. Universidade Católica
     Portuguesa, 2002.
3	   CRESPO, S., NOVAES, E. O que os brasileiros pensam sobre a
     biodiversidade. Pesquisa Nacional de Opinião. Ministério do Meio
     Ambiente, Instituto de Estudos da Religião, 2006.
4	   CELSO, Affonso de A. F. Por que Me Ufano do Meu País: right or
     wrong, my country. 12ª. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia., 1943.
5	    ABUD, Kátia Maria. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições.
     A construção de um símbolo paulista: o bandeirante. Tese de doutorado
     em História, Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 1985.
     Ver também MOUTINHO, Jessita Maria Nogueira. A paulistanidade
     revista: algumas reflexões sobre um discurso político. Tempo Social,
     Revista de Sociologia, São Paulo, p. 109-117, 1991.
6	   BRESCIANI, S., NAXARA, M. Memória e (Res)sentimento.
     Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, p. 15-36; FERRO, Marc. O
     ressentimento na história: ensaio. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
7	   PRADO, Paulo. Província & nação. Paulística. Retrato do Brasil:
     ensaio sobre a tristeza brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
     Editora, 1972.




                                     33
8	 MELLO e SOUZA, Laura. Aspectos da historiografia da cultura
    sobre o Brasil colonial. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia
    brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003, p. 206.
9	 MEYER, M. Caminhos do imaginário no Brasil. São Paulo: Editora
    da Universidade de São Paulo, 2001.
10	 MARTIUS, K. F. P. Como se deve escrever a História do Brasil.
    In: Revista do IHGB. Rio de Janeiro, 6 (24), p. 381-403, jan., 1845;
    ALENCASTRO, L. F. de. RENAUX, M. L. Caras e modos dos
    migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. História da vida
    privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São
    Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 291-335.
11	 KEHL, M. R. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
12	 FREYRE, G. Casa grande & Senzala: introdução à sociedade patriarcal
    no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1990.
13	 LORENZ, K. L’agression, une histoire naturelle du mal. Paris:
    Flamarion, 1969.
14	 SUBRAHMANYAM, S. Connected Histories: Notes towards a
    Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, Vol.
    31, No. 3, Special Issue: The Eurasian Context of the Early Modern
    History of Mainland South East Asia, 1400-1800, Jul., 1997, p. 735-
    762.
15	 HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
    1995; REIS, J. C. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de
    Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000.
16	 Cf. FERNANDES, F. Dicionário de Sinônimos e Antônimos. Rio de
    janeiro: Globo, 1955; FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo
    Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0. Curitiba: Positivo Informática
    Ltda, 2004. Existem algumas variáveis. Veja-se, por exemplo, o termo
    emoção: “ato de mover (moralmente)”; “perturbação ou variação do espírito
    advinda de situações diversas, e que se manifesta como alegria, tristeza, raiva,
    etc.; abalo moral; comoção”; “reação intensa e breve do organismo a um
    lance inesperado, a qual se acompanha dum estado afetivo de conotação
    penosa ou agradável”; “estado de ânimo despertado por sentimento estético,
    religioso, etc.”, s.p.
17	 BLUTEAU, R. VOCABULARIO PORTUGUEZ & LATINO, áulico,
    anatômico, architetonico. Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de
    Jesus, 1712-1728, p. 584.
18	 DICCIONARIO DE LA LENGUA CASTELLANA, en que se explica
    el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases
    o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al
    uso de la lengua [...], Compuesto por la Real Academia Española, Que
    contiene las letras S.T.V.X.Y. Z, Madrid. Imprenta de la Real Academia




                                        34
Española, por los herederos de Francisco del Hierro, 1739, p. 384 e
    994, respectivamente.
19	 FONSECA, Simões da. Dicionário Encyclopédico Illustrado da
    Língua Portugueza. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier; Livreiro-Edidor,
    1911, p. 1155.
20	 LEÃO, D. N. Origem e orthographia da lingua portugueza. Lisboa:
    Typografia Rollandiana, 1784, p. 80.
21	 SILVESTRE, 2002, p. 8.
22	 BLUTEAU, 1712-1728, p. 277-78.
23	 FEBVRE, L. Combates pela história. Lisboa: Editorial Presença,
    1985.
24	 KHEL, 2004, p. 91.
25	 DICTIONNAIRE DE l’ACADÉMIE FRANÇAISE. Paris: Chez
    La Veuve de Jean Baptiste Coignard, 1694; DICTIONNAIRE DE
    l’ACADÉMIE FRANÇAISE. Paris: Chez La Vve B. Brunet, 1762.
26	 Ver NIETZCHE, F.W. Obras incompletas. São Paulo Nova Cultural,
    1991; NIETZCHE, F.W. Genealogia da moral. Uma polêmica. São
    Paulo: Cia. Das Letras, 2002.
27	 HAROCHE, Claudine. Elementos para uma antropologia política do
    ressentimento: laços emocionais e processos políticos. In: BRESCIANI,
    S., NAXARA, M. Memória e (Res)sentimento. Campinas: Editora da
    UNICAMP, 2004, p. 333-346.
28	ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In:
    BRESCIANI, S., NAXARA, M. Memória e (Res)sentimento. Campinas:
    Editora da UNICAMP, 2004, p. 15-36.
29	 ABUD, 1985, Op. Cit.
30	 Outra inspiração às ideias aqui propostas veio de PESAVENTO, Sandra
    Jatahy. Ressentimento e ufanismo: sensibilidades do Sul profundo. In:
    BRESCIANI, Stella, NAXARA, Márcia. Memória e (res)sentimento:
    indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp,
    2004, p. 223-238.
31	 DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História.
    São Paulo: Ensaio; Campinas: Editora da Universidade Estadual de
    Campinas, 1992.
32	 HUIZINGA, Johan. El concepto de la historia y otros ensayos. México:
    Fundo de Cultura Econômica, 1946, p. 58.
33	 Ver FEBVRE, L. Como reconstituir a vida afectiva de outrora? In:
    FEBVRE, L. In: Combates pela história. Lisboa: Editorial Presença, 1985,
    p.217-232. Aliás, para Febvre, sensibilidade é um termo em evidência desde
    o início do século XIV. Seu adjetivo antecedente era sensível, seu sinônimo
    a ternura. A primeira estava associada à sensação e, portanto, ligada às coisas
    ou objetos, e a segunda, associada ao sentimento e às “impressões que os
    objetos deixam na alma”.



                                        35
34	 BLOCH, 2002, p. 112.
35	 Ver VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural.
    In: Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de
    Janeiro: Campus, 1997, pp. 127-160. Ver também DOSSE, François.
    Os historiadores do mental. In: A história em Migalhas: dos Annales
    à Nova História. São Paulo: Ensaio, 1992, p. 85. Vários trabalhos
    foram desenvolvidos dentro desta orientação historiográfica. A título
    de exemplo cito: MANDROU, R. Magistrados e feiticeiros na França
    do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 1978, que se preocupou com
    os modos de sentir ligados às práticas da feitiçaria e sua eliminação na
    longa duração; DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente. São
    Paulo: Cia das Letras, 1989, que procurou entender os medos de longa
    duração e as atitudes diante da morte; ÁRIÉS, P. O homem diante da
    morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981, que trabalhou com essa
    mesma perspectiva.
36	 RIOUX, Jean-Pierre, SIRINELLI, Jean-François. Para uma história
    cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.
37	 Ver CORBIN, A. Les cloches de la terre: les paysage sonore et culture
    sensible dans les campagnes au XIXe siécle. Paris: Flamarion, 2004;
    VIDAL, l. Alain Corbin: o Prazer do historiador. Rev. Bras. Hist.,
    vol. 25, n. 49, p. 11-31; Ver CORBIN, A. O território do vazio: a
    praia e o imaginário Ocidental. São Paulo: Companhia das Letras,
    1989; CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social
    nos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987;
    CORBIN, Alain. Do Limousin às culturas sensíveis. In: RIOUX, Jean-
    Pierre, SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa :
    Editorial Estampa, 1998, p. 97-110. CORBIN, Alain. Bastidores. In:
    PERROT, Michelle, et al. História da Vida Privada. São Paulo:
    Companhia das Letras, 1991, p. 412-611.




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A coexistência do ufanismo e do ressentimento na formação da identidade luso-brasileira

  • 1. Introdução Este trabalho procura recuperar na história das sensibilida- des, um tema que não foi suficientemente explorado: a coexistên- cia do ufanismo e do ressentimento na formação da identidade luso-brasileira. No caso do Brasil, os vínculos entre os cidadãos e a nação, somados ao hábito de supervalorizá-la excessivamen- te, decorrem de um modelo de história que exaltou os heróis, ao mesmo tempo em que, reverenciou a natureza. Parte dos histo- riadores do início do século XX exasperou as virtudes, criando a ideia de um passado harmonioso, dissimulando o senso crítico e a existência de incompatibilidades sociais. E, justamente pelos va- lores presentes em nossa formação que a maioria dos sujeitos que sofreram injustiças e desagravos e, portanto, desconectados desse ideal formativo, tornaram-se ressentidos. A questão central que norteia nossa pesquisa no século XVIII é, de que maneira os afe- tos ativos (ufanismo) e reativos (ressentimento) se manifestaram na formação da proto-identidade nacional? Todavia, não se trata de uma obsessão pelas origens,1 pois o ufanismo, por exemplo, já podia ser identificado entre os cronistas como Pêro Vaz de Ca- minha, Pêro Lopes de Souza, Hans Staden, Pêro de Magalhães Gandavo e Pedro Fernão Cardim.2
  • 2. O presente trabalho se insere nesta rediscussão, entenden- do que, apesar dos estados de impotência causados por esse “mal estar”, prevaleceu a capciosa ideia de ostentação que os brasileiros manifestam pelo país e por si mesmos e que segui- damente as pesquisas de opinião pública, realizadas pelo Mi- nistério do Meio Ambiente e pelo Instituto de Estudos das Religiões evidenciam. Pretendemos desmistificar a ideia de que nosso país seja o reino da natureza, da hospitalidade e da cordialidade,3 criticando os pressupostos de que o sentimento de identidade nacional esmaeceu no fim do período colonial com as políticas de branqueamento e aburguesamento da so- ciedade brasileira. Os sentimentos aqui estudados possuem referências plu- rais. Referem-se à dominação ou encantamento que pode ser vislumbrado emblematicamente na letra do Hino Nacional brasileiro, ou no orgulho expresso por Gonçalves Dias na Can- ção do Exílio (1843). E, também, à desafeição pela política, a manutenção da vingança latente e infecunda que ofusca a memória pela resignação ressentida. No primeiro caso, uma forma impositiva de promover a nação e a nacionalidade pode ser identificada nos pressupostos de um dos membros mais influentes do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Conde Affonso Celso (1860-1939). Na obra “Por que ufano de meu país”, de 1900, a naturalização da história passava pela enumeração das vantagens compara- tivas do Brasil em relação a outras nações; entre elas, o clima, a natureza, a mestiçagem e a história.4 Nesse pensamento, a integração nacional e o patriotismo serviam de instrumentos de crítica e de enfrentamento dos problemas que ameaçavam o Brasil, tais como a política, o atraso econômico e os maus go- vernos. Com esse direcionamento, buscou-se no passado uma imagem que correspondesse a uma identidade nacional. A efí- 18
  • 3. gie que mais se aproximava desse ideário era a do sertanista de São Paulo. Essa mitologia, amplamente disseminada nos livros didá- ticos até a década de 1980, era o resultado de disputas político- -econômicas que associavam identidade, progresso e história. É significativo, portanto, que historiadores como Alfredo Ellis Jr., Affonso D’Escragnolle Taunay e Alcântara Machado, en- tre outros, reivindicassem que o progresso da capital paulista era fruto das ações heroicas de seus ancestrais, embora fos- se necessário abrir mão da consanguinidade, para atribuir aos imigrantes, uma identidade associada ao trabalho e ao desen- volvimento de São Paulo e, consequentemente, do Brasil.5 Por outro lado, o ressentimento foi objeto de atenção de historiadores, antropólogos e sociólogos, principalmente quan- do os campos de conhecimento histórico e psicológico alarga- vam os horizontes da pesquisa.6 Assim, entendia-se que, na história brasileira, o recalque era um legado histórico cujas ba- ses se assentaram na atração pelos prazeres carnais, na ambição e na amargura. Esses comportamentos traziam implicitamente perturbações psíquicas e o sentimento de não pertencimento ao Brasil.7 Nesse sentido, os sertanistas foram desmistifica- dos, pois a obsessão pelo ouro os levou a cometerem delitos para satisfazerem suas paixões.8 Tal desenlace revela que, sob o manto de superioridade (ufanismo), ocultava-se um complexo de inferioridade (ressentimento). Logo, esse contrassenso deu sentido à necessidade de sucessivas redescobertas retóricas e à constante busca pela identidade perdida.9 Afinal de contas, a conjectura de uma nação branca e civilizada, cujo modelo se espelhou na cultura francesa, na economia inglesa e, principal- mente, no aburguesamento dos costumes, foi encoberta pela disseminação do mito da democracia racial e pela política de imigração do Império Brasileiro.10 19
  • 4. E, se historicamente a sociedade brasileira foi marcada pelo “equilíbrio de antagonismos”, isso também quer dizer que, além da exaltação pátria, os brasileiros carecem de um sentimento de identidade e não se reconhecem no discurso na- cional.11 Gilberto Freyre admite o fenecimento deste tipo de sentimento em fins do período colonial. 12 Mas, parece equivo- cada a noção de que o amálgama de indivíduos extrovertidos e introvertidos resultou de uma adaptação comportamental ca- racterizada pelo prazer em provocar sofrimento nos outros e nos animais e, ao mesmo tempo, pelo deleite com o sofrimento físico e moral que lhe provocam. A versão de um comporta- mento sadomasoquista não se resume a uma forma de prazer da população brasileira. Ao contrário, parece-nos plausível que o prazer não diz respeito à introspecção, mas à incapacidade de reação às iniquidades dentro de um sistema de honrarias e privilégios. É por este motivo que a pretensa cordialidade, ou mes- mo a felicidade estampada no comportamento da população brasileira também se manifesta na zombaria de semelhantes e adventícios. No entanto, esta atitude também pode ser con- siderada como uma forma de violência. A pulsão agressiva dá sentido à existência humana; é um meio de proteção que ga- rante a existência do sujeito e uma mediação com o grupo com o qual se identifica.13 A derrisão é, portanto, uma condição das sensibilidades originadas na mestiçagem e nos conflitos existentes durante a fundação nacional, pois conectaram sa- beres, comportamentos, imposições e resistências.14 Também é importante mencionar que, nas primeiras décadas do século XX, o aspecto crítico do ressentimento permitiu questionar o personalismo e os limites políticos da colonização. Assim sen- do, dever-se-ia superar o ranço da cordialidade, pois, durante a mestiçagem, não houve solidariedade entre os brasileiros.15 20
  • 5. As imagens ambíguas de exaltação e de negação da identi- dade brasileira nos remeteu à gênese desse processo, isto é, aos conflitos entre portugueses e brasileiros e entre luso-brasileiros e espanhóis, no século XVIII. Portanto, é vital entender como essas construções discursivas negavam e/ou exaltavam as ações dos sertanistas e, por conseguinte, os usos do passado para for- talecer uma identidade, mesmo que antes de a nação brasilei- ra se constituir de fato. Desse modo, o estudo dos conflitos a partir de suas raízes histórico-literárias na colônia permitiu a compreensão da dinâmica dos debates que orientaram o fazer historiográfico naquele momento. Por esse motivo, impor- ta que estas sensibilidades, isto é, ufanismo e ressentimento sejam observadas conjuntamente, pois se referem a compor- tamentos (individuais e coletivos), a manipulações sociais, cul- turais e históricas. Para evitar o anacronismo e melhor compreender a for- ma como os comportamentos foram apreendidos em outros tempos, é importante compulsar os significados de alguns termos essenciais que fundamentaram a presente pesquisa. Atualmente o termo ambivalência se refere ao estado em que se experimentam, simultaneamente, em dadas circunstâncias, sentimentos antagônicos. E sensibilidade é entendida como a capacidade humana de sentir ou ter sentimentos, admitindo- -se os aspectos psíquicos, filosóficos, literários, físico-quími- cos, etc.16 Mas a natureza do vocábulo sensibilidade na cultura portu- guesa do início do século XVIII é deveras interessante e pro- funda. Tinha como significado a predisposição dos sentidos humanos às impressões dos objetos ou coisas que podiam dar “gosto ou pena”. Com o sentido muito próximo de sentimento, o termo estava associado à “delicadeza”, à susceptibilidade, à “dor, trabalho, ou molície”. Considerava-se também o extre- 21
  • 6. mismo em relação às “delícias” da vida e o sentimentalismo diante de “castigos” severos. Mas, o que chama nossa atenção é o fato de aludir à estratificação social do Antigo Regime e a um tipo de comportamento diferencial, pois admitia que a sen- sibilidade “poderia” existir no coração de nobres e aristocratas “nas matérias concernentes à honra, à gloria”.17 Essas atitudes foram cruciais para o desencadeamento de sensibilidades plu- rais e, por este motivo, decidimos investigá-las nos discursos do século XVIII. As expressões ufanismo e ressentimento apresentam im- precisões e estão imbricadas nos liames da cultura e da história brasileira e europeia. Veja-se, por exemplo, que os termos ufa- nia e ufano expressavam o sentido de superioridade, ostentação e soberba, ou seja, eram expressões específicas daqueles com- portamentos relacionados aos poderes que um grupo ou uma pessoa tinha em relação aos outros, resultando numa forma de orgulho e prazer. Essa forma de sentimento também trazia da Antiguidade o título de herói (do hebraico hir, valente) apenas aos “varões ilustres”, quer pelo sangue, quer pelas virtudes. As- sim, naquele ambiente social, a sensibilidade se estabelecia no distanciamento entre os “ilustres” e os homens comuns ou sem virtudes. A raiz do termo “ufano” é remota e provavelmente originária da língua espanhola. Significava “vangloriar-se de si ou do que se dispõe”, associando-se à jactância e à vaidade,18 ou mesmo, “brio, ostentação, orgulho”.19 Em outros termos, refere-se à sensibilidade que lhe é oposta. Curiosamente, em 1606, o desembargador Duarte Nunes Leão afirmava que os portugueses abusavam dos vocábulos de outras nações, evitando os de origem espanhola, pois “a ra- zão he que além da emulação que entre estas gentes houve despois que os reinos se dividirão, se encontraram os Portu- gueses perpetuamente com os Castelhanos em duas letras, que 22
  • 7. he mais notável differença que tem estas duas nações, & por que se mais desconhecem”.20 Uma das aparições do temo “ufa- nar” ocorreu entre os castelhanos, por volta do ano de 1290, o qual se associava a uma origem e sentido germânico-gótico, isto é, abundância, vaidade, pompa, ostentação; entretanto, os fonemas “uf”, referem-se a esforço e surpresa agradável, sendo que na língua portuguesa, “ufa”, significava admiração, ironia, cansaço.21 Essas acepções evidenciaram tensões de longa duração en- tre portugueses e espanhóis em torno das disputas políticas e territoriais, tanto na Península Ibérica quanto nos domínios ultramarinos. A palavra ressentimento (do francês ressentiment) significava sentimento ou pesar de “algua cousa”, algo latente, que se referia ao conhecimento de algo ou do que poderia re- sultar de um encadeamento.22 Na França do Século XVII, o termo significava a suscetibilidade humana à moralidade, ao verdadeiro, ao bem e ao prazer. No século seguinte - período que nos interessa - o sentido correspondia às particularidades humanas de ter sentimentos, como por exemplo, a piedade e a tristeza e à “qualidade daquele que é sensível”.23 Portanto, havia sensibilidades para o calor e para o frio e sensibilidades concernentes à glória e à sensibilidade do coração. Trata-se de uma constelação de sentimentos,24 os quais se relacionam “às impressões dos objetos”, à moralidade, glória, honra e os “[...] sentimentos de humanidade sobre a miséria dos outros, os sentimentos de carinho e amor [...]”, sempre considerados como algo louvável e surpreendente.25 Em Nietzsche o ressentimento é o resultado de uma con- figuração histórica na qual há sublevação dos “inferiores” con- tra os “superiores”, sendo que o ódio recalcado se manifestava através da “inveja, do ciúme assassino e do desejo de vingan- ça”.26 Porém, o ressentimento não se resume a essa definição e 23
  • 8. nem a comportamentos historicamente determinados; mesmo esses podem se manifestar no mesmo plano estamental e no “ódio” dos “superiores” pelos “subalternos”, alimentados por período incerto. Atualmente, reconhece-se no ressentimento a manifestação inconsciente das angústias ignoradas, muitas ve- zes introjetadas nos indivíduos e que se vinculam à negação da existência.27 Ansart nos lembra da impossibilidade de eliminar o ressentimento da agressividade, pois é algo que faz parte da formação do indivíduo e de sua personalidade.28 Essencial a nossa argumentação é o fato de as sensibilida- des associarem estratificação social e comportamentos ligados à nobreza, honra, glória e linhagem, as quais caracterizavam o surgimento de uma identidade que envolvia antagonicamente política e sensibilidade. Aliás, ao estudarmos a documentação do século XVIII, como por exemplo, relatórios de expedições militares, sonetos, romance, diários de viagem, obras literárias e correspondências (Códice Costa Matoso), percebemos o seu inverso, isto é os afetos reativos decorrentes das imposições políticas. Tais elementos são significativos para entendermos a pluralidade dos ressentimentos e a motivação para os con- flitos nas Minas Gerais do século XVIII e a presença destas sensibilidades nas explorações militares dos sertões de Tibagi e Guarapuava. Em termos contextuais dois momentos foram significati- vos, pois desencadearam um processo de construção das sensi- bilidades: a chamada Guerra dos Emboabas (1707-1709), na região das minas e a cooperação e resistência ao governo de Morgado de Mateus, entre 1765 e 1774, em São Paulo. Pa- receu-nos significativo retomar algumas questões que ficaram em suspenso, pois apenas uma face do processo foi abordada, sendo necessário considerar pelo menos uma relação mais es- pecífica com o seu desencadeamento, principalmente durante 24
  • 9. a conquista dos sertões da capitania de São Paulo. A questão que se coloca é a maneira como estas sensibilidades se mani- festaram no final do período colonial, em termos de práticas individuais e coletivas, tanto nos conflitos nas Minas Gerais, quanto nos processos sociais e transformações na capitania de São Paulo. As matrizes teóricas que inspiraram este trabalho são varia- das. Ao nos situarmos no contexto historiográfico brasileiro, o estudo de Kátia Maria Abud foi imprescindível. A autora des- mistificou o “bandeirante” na história brasileira, enfatizando que a produção de heróis permitiu, através da exacerbação e do orgulho, projetar no âmbito das tensões e negociações sociais e políticas uma imagem referencial dos paulistas e da própria na- ção.29 Contudo, privilegiamos o desdobramento deste proces- so, pois percebemos que envolvia sentimentos contraditórios. Basicamente, exploramos a simultaneidade do ufanismo e do ressentimento, o qual não ficou restrito às Minas Gerais, mas também à capitania de São Paulo.30 Pareceu-nos produtiva a ideia de recuperarmos algumas premissas esquecidas no âmbito da renovação da história cul- tural. Por outro lado, é impossível não nos referirmos à emer- gência do indivíduo, a partir da Revolução Francesa. A partir daquele momento se ampliou o sentimento do eu, da autoes- tima, da escrita de si, da intimidade, do controle do corpo, da higiene, das boas maneiras, da percepção dos prazeres, dos te- mores, do amor, da raiva, da melancolia, das experiências pro- vocadas pelas viagens, dos efeitos das invenções sobre os sujei- tos, da relação de amor aos animais domésticos, das recepções sensíveis e inteligíveis dos órgãos sensoriais, etc. Estas dimen- sões da vida do homem, aqui exemplificadas pela emergência do indivíduo em sua relação com a sociedade, arraigadas de valores culturais que definiram uma visão de mundo e formas 25
  • 10. de agir e reagir são exemplos de temas que os historiadores das sensibilidades tem atualmente trabalhado. Não é novidade a reivindicação de uma história que trate do sensível. Não é recente a reclamação de que alguns objetos de estudo, como o louco, a criança, o corpo e o sexo tinham sido excluídos pela tendência racionalizante na história.31 Ali- ás, ainda é notória a aversão dos historiadores por uma histó- ria das emoções ou das subjetividades humanas, embora esta tenha sido bastante representativa na historiografia do início do século XX. É neste sentido que Huizinga, por exemplo, reconhecia a sensibilidade na histórica, uma vez que esta nos faz compreender conexões. E, embora a história, não seja psi- cologia, ela não elimina a atividade psicológica, pois tal escru- tínio “[...] se converte em uma modalidade de compreensão histórica das formas”.32 Simultaneamente aos pressupostos do historiador holandês, Lucien Febvre valorizou, sobretudo, as dimensões dos modos de sentir, as atitudes psicológicas, e a ambivalência dos os sentimentos humanos, pois os seres hu- manos internalizam oposições, e quando um dos sentimentos predomina, o outro permanece em estado letárgico (o amor e o ódio, por exemplo).33 Nesta mesma direção, o método crítico, comparativo, retroativo e psíquico, proposto por Marc Bloch, admitia a análise dos documentos à luz da uma psicologia do testemunho, o qual permite compreender melhor a comple- xidade da natureza humana, ao mesmo tempo em que situa o homem na natureza, apoiando-se “[...] numa instintiva meta- física do semelhante e do dessemelhante, do Um e do Múlti- plo”.34 De qualquer maneira e, apesar destas contribuições, as emoções foram, por um longo tempo, consideradas como per- turbação dos indivíduos, daí, em geral, sua repressão e minimi- zação pela atividade intelectual. Neste aspecto, pode-se acom- 26
  • 11. panhar, na historiografia recente, a emergência e a fecundidade deste tipo de história nos encaminhamentos teóricos e meto- dológicos e nas novas problemáticas a ela concernentes.35 E, por acaso, o mundo moderno não interferiu na maneira como os historiadores olharam e entenderam o passado? Isto explica, um pouco, o surgimento de temas até então pouco explorados. É possível que a reavaliação do passado pela desfragmentação do presente seja uma forma de escapismo que nos leva a reco- nhecer outros valores que fugiram à nossa apreensão. Mas é importante reconhecer que a tarefa do historiador também é tornar a história mais humana.36Foi justamente nessa “nova” perspectiva que a história das sensibilidades encontrou um ca- minho promissor e atualizou aqueles temas que tinham ficado em suspenso. Não foi sem razão que o historiador Alain Corbin saiu em defesa de uma identidade sonora para o século XIX, critican- do também, em outros trabalhos, os poucos estudos sobre a emoção, sentimentos e paixões.37 Mesmo porque, cabe ao pes- quisador buscar a apreensão dos funcionamentos sociais pelo interesse das “configurações do silêncio”, matéria viva, legível e inexplorada. Entende-se que os trabalhos produzidos dentro desta vertente historiográfica resultaram num caminho inteli- gível para refletir como ocorreram algumas mudanças em re- lação aos desejos, fantasias e imaginações entre a população da colônia brasileira em fins do século XVIII. Ao seguir esta tendência historiográfica entendo que a apreensão indiciária da vida dos homens em sociedade ao longo do tempo é frágil. Mas como não perceber as cicatrizes das emoções e das sensibilidades humanas, mesmo diante das lacunas documentais e da fragilidade da narrativa do historia- dor? Esse ponto merece atenção, pois a resposta está longe de ser definitiva. Isto nos leva a refletir igualmente a existência, os 27
  • 12. procedimentos e a validade deste tipo de pesquisa. Sem dúvida a consciência da precariedade das respostas nos permite traba- lhar nos limites obscuros da densidade do passado que se pro- cura compreender. Particularmente, neste caso, é importante considerar que o diálogo entre a história e a psicologia deve ser cauteloso, principalmente porque não se trata de ressuscitar os mortos, ou reconforta-los no divã. Ao contrário, a ausência da interatividade entre o historiador e o passado pesquisado é substituída pela inquirição e pela auscultação de representa- ções fragmentarias, para revelar, quando possível, as subjetivi- dades humanas, sem deixar de lado os aspectos objetivos. De qualquer maneira, o contato com outras áreas do conhecimen- to é estimulante, produtivo e ao mesmo tempo, arriscado. Mas porque não correr o risco? Seguindo este percurso, investiguei as ações e reações às manipulações sociais, as articulações entre as individualidades dos sujeitos e as práticas sociais. A preocupação central foi ve- rificar em que medida os poderes coloniais, pessoas comuns, oficiais e soldados se satisfaziam ou sucumbiam a esses proces- sos, por efeitos de conquistas, de perdas, ausências ou desvan- tagens manifestadas em situações de êxito, engrandecimento, desejos, fantasias, privação da vida e hostilidades, construindo, simultaneamente, imagens espetaculares ou depreciativas da natureza e da sociedade colonial. No capítulo 1, Raízes do ódio, discutimos a gênese do ufa- nismo a partir da Guerra dos Emboabas. Além da exploração dos principais referenciais historiográficos sobre o assunto, como por exemplo, Taunay, Vasconcelos, Mello, Rodrigues, Golgher, Boxer, Pitta, foram reinterpretados os documentos do códice Matoso e a obra de Antonil, procurando evidenciar as contraposições entre o ressentimento e o ufanismo, inicial- mente vinculado aos valores metropolitanos. Notadamente as 28
  • 13. posições flutuantes nas esferas dos “poderes coloniais” em rela- ção aos conflitos nas Minas Gerais produziu uma documenta- ção que resultou em orientações historiográficas distintas. No que concerne à generalização da intransigência, destaca-se que os conflitos entre paulistas e portugueses estavam ligados a in- teresses contraditórios, dentro e fora destes mesmos grupos. A conclusão é a de que o ufanismo em fins de setecentos não foi genuinamente produzido pela força das ideias na colônia, mas também pelas referências que eram abstraídas da cultura portuguesa. No capítulo 2, Ufanismo, história e literatura, analisamos a irradiação da sensibilidade ufanista na literatura do início de setecentos, tendência que estava mais ligada aos valores portugueses do que aos coloniais, e que acabou influencian- do os historiadores paulistas. Neste sentido, consideraram-se as ambiguidades em torno do ufanismo e do ressentimento, a intermediação entre as “políticas de estado” e os interesses pessoais. Desse modo, o capítulo comportou três momentos importantes. Inicialmente, a análise focou a influência deci- siva de Pedro Taques de Almeida Paes Leme no governo de Morgado de Mateus, a valorização do passado e da nobilita- ção, sendo perceptível a cooptação do historiador com o go- verno colonial, através de sua habilidade no mapeamento dos recursos minerais nos interiores paulistas. Referindo-se a Frei Gaspar da Madre de Deus, refletiu-se como sua perspectiva ufanista, que evocava apenas um passado heróico dos sertanis- tas, valorizou a paisagem colonial ao mesmo tempo em que se contrapunha aos discursos dos jesuítas franceses Charlevoix e Vaissette que, inversamente, mostravam imagens da barbárie e da degeneração social na formação da capital paulista. Nesses casos, o ufanismo pode ser visto como um instrumento de luta que parte do ressentimento decorrente da perda de privilégios 29
  • 14. no âmbito dos conflitos e das negociações sociais. Seu dire- cionamento, que reserva internalizações (recalques), procura apresentar externamente somente os aspectos dignificantes para causar impressão e dominar. A poesia de Cláudio Manuel da Costa se inseria neste processo pela relação que manteve com o ambiente conflituoso que transpassava a poesia do ouro. Contudo, notou-se o descompasso entre a persona poética de Cláudio Manuel da Costa com a paisagem mineira e a me- lancolia decorrente de sua insatisfação pessoal diante da triste realidade luso-brasileira. No capítulo 3, Ambição, nostalgia e ressentimento, analisa- mos o projeto de exploração e colonização dos sertões de Ti- bagi, de Francisco Tossi Columbina (1750), enfocando que seu desejo de enriquecimento estava acima de vinculações mais profundas com um senso de pertencimento à colônia. Como a iniciativa foi crucial para o conhecimento dos sertões, foi apro- veitada nos projetos de Morgado de Mateus. Neste contexto, refletiu-se de maneira geral a conturbada administração de Dom Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, os processos que sofreu após o seu governo e suas tentativas de reabilita- ção junto à coroa portuguesa. A participação de seu sobrinho, Afonso Botelho de Sampaio e Souza também foi ponderada em razão dos projetos de militarização e dominação territorial. Mas o documento mais interessante deste capítulo é o “Diá- rio da Navegação do Rio Tietê, Rio Grande, e Rio Gatemi” (1769) do Sargento-Mor Theotônio José Juzarte que aponta a saga de centenas de pessoas que se direcionaram para a imen- sidão colonial. Foram identificados ali “dispositivos afetivos” relacionados a estados de nostalgia, melancolia e solidão. Estes comportamentos apareceram em razão de “perdas e ausências” durante a viagem e o estabelecimento no forte Nossa Senhora dos Prazeres no Iguatemi até sua capitulação. Ainda foi reser- 30
  • 15. vado um espaço para a análise do posicionamento da vertente paranista sobre a exploração dos sertões do Tibagi, cujo ideário se assentava nos valores históricos e sociais das décadas iniciais do século XX. O capítulo é finalizado com a análise de um romance histórico que retomava a povoação de Iguatemi e re- construía mitos em torno das questões indígenas. Nos dois capítulos finais, a documentação organizada por Afonso Botelho de S. Paio e Souza e intitulada “Notícia da conquista e descobrimento dos sertões do Tibagi” permitiu a construção de dois momentos de análise para as explorações militares aos sertões da capitania de São Paulo: o reconheci- mento dos interiores coloniais e depois a exploração e ocupa- ção dos Campos de Guarapuava. Invariavelmente, transpare- cem nesses documentos as sensibilidades em oposição entre indivíduos, grupos e instituições, mostrando ao mesmo tempo como a sociedade colonial foi contraditória, produzindo ima- gens espetaculares do território e das ações dos “homens bons” que se sobrepuseram à realidade social na colônia. Na primeira parte, no capítulo 4, O ufanismo e o ressenti- mento nos sertões de Tibagi, partiu-se dos dispositivos jurídicos e da formação das Tropas Pagas, Auxiliares e de Ordenanças para a compreensão dos mecanismos de promoção e de puni- ção. Para isto, foi preciso identificar as articulações e desarticu- lações em relação aos poderes na colônia enquanto mecanismo de sustentação de uma lógica de sobrevivência. O foco central se estabeleceu nas incursões militares que foram direciona- das para o reconhecimento dos sertões e de sua hidrografia (rios Iguaçu, Tibagi, Piquiri, Ivaí, Iguatemi, Tietê). Além de analisar os ressentimentos desencadeados pelas disputas po- líticas dentro da corporação militar, procurou-se avaliar as motivações para as deserções, a impopularidade do governo de Morgado de Mateus entre a população, os conflitos entre 31
  • 16. militares e clérigos. Em relação aos discursos dos altos escalões militares, ressaltou-se os argumentos provenientes das ideias dos historiadores paulistas ligadas ao enaltecimento pessoal e às vinculações e afastamentos com a natureza e a paisagem. Em muitos casos a relação com a natureza decorria de valores culturais e religiosos. Ao longo da documentação, percebeu- -se a projeção do ufanismo como instrumento de luta contra os espanhóis que rivalizavam nas áreas litigiosas da colônia e como ele era utilizado em razão dos sucessos e fracassos nas expedições militares. Na última parte, “Descoberta” e conflito: modos de sentir, modos de representar refletimos as peculiaridades da exploração e ocu- pação dos Campos de Guarapuava, as tentativas de ocupação territorial a partir da aproximação com populações indígenas e a aversão aos espanhóis. Avaliou-se como a interiorização e a exteriorização dos “sentimentos” conduziam a comportamentos que podiam se manifestar tanto na poesia que aludia ao mito do eldorado, quanto na repugnância aos comportamentos sacríle- gos dos índios Kaingangues e vice-versa. Estes modos duais de sentir se voltavam para o maravilhamento da paisagem e sua monumentalidade, para a questão religiosa ao mesmo tempo em que criavam mitos sociais a partir dos ressentimentos. Deste modo, colocamos à disposição dos leitores a am- bivalência das sensibilidades ao pensá-las enquanto maneiras de agir e reagir dentro de estruturas sociais cooperadoras e conflitantes que abrangiam diferentes temporalidades: paulis- tas e “emboabas”; historiadores paulistas e jesuítas paraguaios; “poderes metropolitanos” e “poderes coloniais”; “poderes co- loniais” e população; “generais e soldados”; “oficiais e oficiais”, “soldados e indígenas”. Portanto, o que se prossupõe é a confirmação da ambigui- dade sensível, ressentimento e ufanismo, desencadeados simul- 32
  • 17. taneamente na construção de uma proto-identidade nacional. Ela é vital para se entender a maneira como o ressentimento foi duramente combatido em finais de setecentos. Em nos- so entendimento estas sensibilidades podem ser vistas como formas ou alternativas viáveis de combater o “outro”, afirman- do desejos e intenções profundas sobre “pretensões” diluídas na diversidade dos grupos humanos. Por fim, conclui-se que estas sensibilidades conflitantes e correspondentes oscilaram de um extremo ao outro, provocando um quadro de tensões e de negociações que marcou a história colonial da América portuguesa. Notas 1 BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 2 SILVESTRE, Vilma F. Séves de A. Raízes do ufanismo brasileiro: séculos XVI-XVIII. Dissertação de mestrado em História. Faculdade de Letras do Centro Regional das Beiras. Universidade Católica Portuguesa, 2002. 3 CRESPO, S., NOVAES, E. O que os brasileiros pensam sobre a biodiversidade. Pesquisa Nacional de Opinião. Ministério do Meio Ambiente, Instituto de Estudos da Religião, 2006. 4 CELSO, Affonso de A. F. Por que Me Ufano do Meu País: right or wrong, my country. 12ª. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia., 1943. 5 ABUD, Kátia Maria. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições. A construção de um símbolo paulista: o bandeirante. Tese de doutorado em História, Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 1985. Ver também MOUTINHO, Jessita Maria Nogueira. A paulistanidade revista: algumas reflexões sobre um discurso político. Tempo Social, Revista de Sociologia, São Paulo, p. 109-117, 1991. 6 BRESCIANI, S., NAXARA, M. Memória e (Res)sentimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, p. 15-36; FERRO, Marc. O ressentimento na história: ensaio. Rio de Janeiro: Agir, 2009. 7 PRADO, Paulo. Província & nação. Paulística. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1972. 33
  • 18. 8 MELLO e SOUZA, Laura. Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil colonial. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003, p. 206. 9 MEYER, M. Caminhos do imaginário no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. 10 MARTIUS, K. F. P. Como se deve escrever a História do Brasil. In: Revista do IHGB. Rio de Janeiro, 6 (24), p. 381-403, jan., 1845; ALENCASTRO, L. F. de. RENAUX, M. L. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 291-335. 11 KEHL, M. R. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. 12 FREYRE, G. Casa grande & Senzala: introdução à sociedade patriarcal no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1990. 13 LORENZ, K. L’agression, une histoire naturelle du mal. Paris: Flamarion, 1969. 14 SUBRAHMANYAM, S. Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, Vol. 31, No. 3, Special Issue: The Eurasian Context of the Early Modern History of Mainland South East Asia, 1400-1800, Jul., 1997, p. 735- 762. 15 HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; REIS, J. C. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000. 16 Cf. FERNANDES, F. Dicionário de Sinônimos e Antônimos. Rio de janeiro: Globo, 1955; FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0. Curitiba: Positivo Informática Ltda, 2004. Existem algumas variáveis. Veja-se, por exemplo, o termo emoção: “ato de mover (moralmente)”; “perturbação ou variação do espírito advinda de situações diversas, e que se manifesta como alegria, tristeza, raiva, etc.; abalo moral; comoção”; “reação intensa e breve do organismo a um lance inesperado, a qual se acompanha dum estado afetivo de conotação penosa ou agradável”; “estado de ânimo despertado por sentimento estético, religioso, etc.”, s.p. 17 BLUTEAU, R. VOCABULARIO PORTUGUEZ & LATINO, áulico, anatômico, architetonico. Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728, p. 584. 18 DICCIONARIO DE LA LENGUA CASTELLANA, en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua [...], Compuesto por la Real Academia Española, Que contiene las letras S.T.V.X.Y. Z, Madrid. Imprenta de la Real Academia 34
  • 19. Española, por los herederos de Francisco del Hierro, 1739, p. 384 e 994, respectivamente. 19 FONSECA, Simões da. Dicionário Encyclopédico Illustrado da Língua Portugueza. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier; Livreiro-Edidor, 1911, p. 1155. 20 LEÃO, D. N. Origem e orthographia da lingua portugueza. Lisboa: Typografia Rollandiana, 1784, p. 80. 21 SILVESTRE, 2002, p. 8. 22 BLUTEAU, 1712-1728, p. 277-78. 23 FEBVRE, L. Combates pela história. Lisboa: Editorial Presença, 1985. 24 KHEL, 2004, p. 91. 25 DICTIONNAIRE DE l’ACADÉMIE FRANÇAISE. Paris: Chez La Veuve de Jean Baptiste Coignard, 1694; DICTIONNAIRE DE l’ACADÉMIE FRANÇAISE. Paris: Chez La Vve B. Brunet, 1762. 26 Ver NIETZCHE, F.W. Obras incompletas. São Paulo Nova Cultural, 1991; NIETZCHE, F.W. Genealogia da moral. Uma polêmica. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002. 27 HAROCHE, Claudine. Elementos para uma antropologia política do ressentimento: laços emocionais e processos políticos. In: BRESCIANI, S., NAXARA, M. Memória e (Res)sentimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, p. 333-346. 28 ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In: BRESCIANI, S., NAXARA, M. Memória e (Res)sentimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, p. 15-36. 29 ABUD, 1985, Op. Cit. 30 Outra inspiração às ideias aqui propostas veio de PESAVENTO, Sandra Jatahy. Ressentimento e ufanismo: sensibilidades do Sul profundo. In: BRESCIANI, Stella, NAXARA, Márcia. Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 223-238. 31 DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1992. 32 HUIZINGA, Johan. El concepto de la historia y otros ensayos. México: Fundo de Cultura Econômica, 1946, p. 58. 33 Ver FEBVRE, L. Como reconstituir a vida afectiva de outrora? In: FEBVRE, L. In: Combates pela história. Lisboa: Editorial Presença, 1985, p.217-232. Aliás, para Febvre, sensibilidade é um termo em evidência desde o início do século XIV. Seu adjetivo antecedente era sensível, seu sinônimo a ternura. A primeira estava associada à sensação e, portanto, ligada às coisas ou objetos, e a segunda, associada ao sentimento e às “impressões que os objetos deixam na alma”. 35
  • 20. 34 BLOCH, 2002, p. 112. 35 Ver VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp. 127-160. Ver também DOSSE, François. Os historiadores do mental. In: A história em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio, 1992, p. 85. Vários trabalhos foram desenvolvidos dentro desta orientação historiográfica. A título de exemplo cito: MANDROU, R. Magistrados e feiticeiros na França do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 1978, que se preocupou com os modos de sentir ligados às práticas da feitiçaria e sua eliminação na longa duração; DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 1989, que procurou entender os medos de longa duração e as atitudes diante da morte; ÁRIÉS, P. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981, que trabalhou com essa mesma perspectiva. 36 RIOUX, Jean-Pierre, SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. 37 Ver CORBIN, A. Les cloches de la terre: les paysage sonore et culture sensible dans les campagnes au XIXe siécle. Paris: Flamarion, 2004; VIDAL, l. Alain Corbin: o Prazer do historiador. Rev. Bras. Hist., vol. 25, n. 49, p. 11-31; Ver CORBIN, A. O território do vazio: a praia e o imaginário Ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; CORBIN, Alain. Do Limousin às culturas sensíveis. In: RIOUX, Jean- Pierre, SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa : Editorial Estampa, 1998, p. 97-110. CORBIN, Alain. Bastidores. In: PERROT, Michelle, et al. História da Vida Privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 412-611. 36