Artigo da Dra. Luísa Verdasca Sobral, Magistrada do Ministério Público Coordenadora da Comarca de Lisboa Oeste, para a newsletter de Novembro da Delegação de Cascais da Ordem dos Advogados.
1. DIGNIFICAR E CONFIAR NA JUSTIÇA
Diria que todos sabemos que a confiança na justiça constitui um
barómetro da vitalidade do Estado de Direito e qualquer
enfraquecimento atinge os seus valores constitutivos, que a todos
cabe fortalecer.
Como refere o Sr. Conselheiro António Henriques Gaspar “ A Justiça
é, e continuará a ser, a instituição referencial e o código de acesso da
democracia contínua, de exercício permanente e de todos os dias,
assegurando a efetividade da participação democrática de todos e
de cada um na determinação e definição dos seus direitos”.
A prioridade é o cidadão, enquanto sujeito de diretos e deveres.
Garantir o acesso ao direito e à justiça é um dever dos Estados
democráticos e deve ser assumido, definitivamente, como um
direito humano fundamental.
Mas a exponencial visibilidade atribuída aos tribunais como veículos
de regulação da vida democrática gerida pela comunicação social,
internet e redes sociais, com ambientes de alguma subjetividade,
implicações e evidências coletivas, permite gerar equívocos,
desinformação e potenciar no cidadão, confusões, emoções,
convicções e preconceitos, que importa clarificar e esclarecer de
forma mais independente, responsável e mais transparente.
As premissas são conhecidas, mas assumem-se na reflexão
recorrente, mas necessária, sobre a dicotomia entre o direito a uma
informação livre, crítica e a presunção de inocência, o respeito pela
vida privada ou o direito a um processo justo e na tensão dos
tempos da justiça versus dos media.
2. Defenda-se o que se defender sobre a reforma do estado da Justiça,
há toda uma área de atuação que, por não ser normativa, pode e
deve ser levada a cabo, desde já, por Todos com maior visibilidade
para o cidadão com o consequente reforço da credibilização da
justiça.
No fundo,
Urge colocar a Justiça como um desígnio nacional.
Urge saber como “comunicar “a Justiça.
Urge assumir a atividade judiciária com um maior grau de clareza e
de abertura como fator de maior compreensão da comunidade.
Urge implementar uma cultura comunicacional com os destinatários
das decisões, em detrimento de uma comunicação jurídico-
dogmática.
Urge adaptar a realidade judiciária às exigências do desenvolvimento
económico e social, através de uma resposta mais célere e menos
formal.
Urge dotar e fortalecer o sistema de justiça de planeamento, mais
formação e muitos mais meios humanos e técnicos.
Urge dotar de maior assessoria técnica especializada o exercício das
funções judiciárias.
Urge valorizar e motivar a excelente massa crítica existente nos
Tribunais.
Urge sinalizar e ultrapassar os reais bloqueios causadores da
morosidade processual.
Urge garantir e reforçar o princípio da especialização, estruturante
para a qualidade das decisões e para a celeridade processual.
Urge refletir sobre os sinais de sustentabilidade da intervenção social
primária.
Urge apostar mais numa transição digital amigável, construtiva e
eficaz como catalisador da transformação.
3. Urge maior investimento orçamental.
Urge dotar de maior estabilidade a legislação produzida.
Fatores que não colidem com as garantias de independência e
autonomia dos magistrados, pelo contrário, reforçam eticamente a
função judiciária e a sua legitimação institucional.
O caminho tem sido feito, com particular destaque, para a reforma
da organização judiciária, segundo a Lei n.º 62/2013, de26 de
agosto, Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ),
regulamentada pelo DL n.º 49/14, de 17/3, Regime aplicável à
Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (ROFTJ), com
uma mudança radical de paradigma na gestão dos tribunais de
primeira instância, com a criação de um órgão de gestão e a
definição anual de objetivos estratégicos e processuais específicos
com a exigência da monitorização do respetivo desempenho, com
níveis de eficácia e ganhos comunicacionais muito significativos.
A implementação da nova organização judiciária, veio consagrar um
órgão com funções consultivas muito relevantes para cada uma das
23 comarcas – Conselho Consultivo – com um papel de intervenção
junto da comunidade, composto pelos elementos integrantes do
órgão de gestão e por representantes das demais profissões
judiciárias, participantes na atividade da comarca, dos municípios
que a integram e dos utentes dos serviços de justiça, como forma de
promover o envolvimento dos profissionais da justiça e da
comunidade na gestão da comarca e contribui para uma maior
coerência e exposição da resposta judicial em todo o país.
Modelo de gestão que tem vindo, progressivamente, a construir uma
imagem mais positiva e bidirecional de organização dos tribunais, a
contribuir para uma maior proximidade ao cidadão, maior
acessibilidade e eficácia tecnológica e maior celeridade nas decisões.
Também com particular destaque, muito se tem feito no âmbito da
proteção das vítimas e das especialmente vulneráveis e na
consolidação de procedimentos de articulação e de
intercomunicabilidade de informação relevante entre as várias
jurisdições, designadamente na área criminal e na área de família e
menores, particularmente nos processos de regulação da
responsabilidade parental e na promoção e proteção das crianças e
jovens.
4. Exemplo disso, destaco a criação e implementação em 2019, na
Comarca de Lisboa Oeste, do Espaço de Intervenção e de Assessoria
no Combate à Violência da Comarca de Lisboa Oeste – Espaço IACV -
-- estratégia de combate à violência interpessoal e em particular ao
crime de violência doméstica e de género, com uma abrangência
territorial a todos os Municípios, (Sintra, Cascais, Amadora, Oeiras e
Mafra) que integra e o Gabinete de Assessoria Técnica (GAT) com
psicólogos clínicos, e o Gabinete de Apoio às Vítimas de Violência
Doméstica e de Género da Comarca (GAVLO) com técnicos de apoio
a vítima. Estrutura que reflete a concretização de uma reivindicação
do Ministério Público na comarca de Lisboa Oeste no combate a
estes fenómenos criminais.
Pretendeu-se dotar e reforçar a operacionalidade dos Tribunais e em
particular o Ministério Público, com ferramentas e de instrumentos
periciais especializados de assessoria técnico-forense, em tempo útil
e de forma célere, essenciais à investigação criminal e outras áreas
funcionais de intervenção do Ministério Público, por forma a
assegurar a eficiência do sistema de garantias dos direitos das vítimas
e a consolidar procedimentos de articulação e de
intercomunicabilidade de informação relevante entre a área criminal
e a área de família e menores, e ainda reforçar a articulação entre
entidades e instituições com competências de intervenção, como: os
órgãos de polícia criminal; as comissões de proteção de crianças e
jovens; as redes municipais de intervenção; a segurança social; as
escolas e as instituições de saúde, no âmbito da prevenção primária
e na resposta judiciária perante factos susceptíveis de integração
jurídico-criminal. Pretendeu-se mudar o paradigma, inserindo o
especialista de forma direta no sistema judicial, com ganhos de
eficiência, e de maior transparência e compreensão dos fenómenos
e facilitador de tomada de decisão por parte dos magistrados.
São alguns passos, porque há ainda um caminho a percorrer.
LUÍSA VERDASCA SOBRAL |Magistrada do Ministério Público
Coordenadora da Comarca de Lisboa Oeste
23-11-2020