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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
MUSEU NACIONAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
O Reencantamento do Mundo
Trama histórica e Arranjos Territoriais Pankararu
José Maurício Paiva Andion Arruti
Rio de Janeiro
1996
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 2
José Maurício Paiva Andion Arruti
O Reeencantamento do Mundo
Trama histórica e Arranjos Territoriais Pankararu
Dissertação apresentada ao PPGAS
do Museu Nacional, como requisito para a
obtenção do grau de Mestre em
Antropologia Social, realizada sob a
orientação do Prof. Dr. João Pacheco de
oliveira Filho e submetida à banca
composta pelos Prof. Dr. Mariza Peirano e
Otávio Velho.
Rio de Janeiro
fevereiro de 1996
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 3
À Ana,
Luciana
e Jorcyra.
Três mulheres que me inventaram.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 4
Resumo
Este trabalho tem por objeto as condições sociais e simbólicas da “invenção
cultural” e da “manipulação da identidade” entre grupos indígenas do Nordeste brasileiro,
concentrando-se sobre uma dessas situações: o etnônimo Pankararu, localizado no sertão
pernambucano do São Francisco, próximo à UHE de Itaparica. A análise desenvolve-se em
dois planos, cada um deles correspondendo a dois capítulos. Propomos uma interprestação
histórica sobre as emergências étnicas do Nordeste a partir das mudanças ideológicas e
contextuais que levaram o órgão indigenista oficial a atuar na região e o novo padrão de
indianidade gerado a partir daí, assim como das redes de contatos rituais e, depois, de
mediadores políticos e religiosos que permitiram a deflagração das emergências (Cap.1).
Apresentamos uma análise da emergência Pankarau e da construção de seu território a
partir da série de intervenções e ressignificações entre burocracia e política nativa, que
desembocam num “campo político autônomo” (Cap.2). Num segundo plano, propomos um
modelo descritivo capaz de sintetizar, sem reduzir, o processo de construção e mutação
territorial daqueles campo autônomo de novas relações sociais (Cap.3). Para em seguida
investirmos sobre as dinâmicas de desterritorializações e reterritorializações que fogem ao
recorte geométrico do território, descrevendo como uma topológica a constante produção
da etnicidade (Cap.4).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 5
Agradecimentos
O Macaco da Tinta
Este animal existe em abundância nas regiões do Norte e tem quatro ou
cinco polegadas de comprimento; os olhos são como cornalinas e o pêlo
é negro azeviche, sedoso e flexível, macio como uma almofada. possui
um instinto curioso: é grande apreciador da tinta nanquim, e quando as
pessoas escrevem, senta-se com as mãos uma sobre a outra e as pernas
cruzadas, esperando que tenham terminado, e bebe o que sobra da tinta.
Depois volta a sentar-se de cócoras e fica tranqüilo.
(J. L. Borges sobre Wang Ta-Hai, 1791)
O pequeno animal que me acompanha e se alimenta de tudo que deixo de escrever,
de tudo o que em meu discurso é lacunar, é falta, é incompletude, está sobre a mesa à
minha frente. Ele me olha mais excitado que o de costume, sabe que nestas páginas se
alimentará em fartura. Como cumprir aqui a tarefa do contra-dom?
As dívidas nunca são saldadas. Muitos sentimentos opostos combinam-se em mim
neste momento em que escrevo as últimas páginas deste trabalho. Dois deles são francos
lugares comuns aos quais não consigo resistir. Talvez confirmando a força dos lugares
comuns; com certeza revelando a razão já perdida das palavras rituais. A solidão do esforço
de redação de um trabalho dessas dimensões (não físicas ou teóricas, mas existenciais), é
algo que se sente a todo instante, a cada parágrafo, a cada dia, a cada fita transcrita, a cada
queixa anotada nas margens do caderno-de-campo, a cada maço de fotos constantemente
repassado, na busca de reminiscências e sensações que escaparam à toda caligrafia. Ao
mesmo tempo, nascendo de dentro desta solidão, a certeza de que não seria possível
manter-se são se, espreitando-nos, não existisse este círculo amoroso e amigável; rostos
que nos acenam de longe e prometem a recompensa do estar-ao-lado, depois que voltarmos
à superfície.
Muitos rostos me trouxeram à superfície e as listas são sempre infiéis. Fico, por
isso, com a menor delas. Emerson e Fabíola, por tudo de descoberta conjunta e recíproca;
Aline, Edu e Priscila, grandes empréstimos que aos poucos foram transformando-se em
conquistas; Nora e Jaime pela constante provocação e apoio (incluíndo o apoio definitivo
de suas casas nos momentos finais de redação); e como não?, minha família, José, Jorcyira,
Izabella, Alessandra e Lola (minha segunda mãe).
Ao meu orientador, o professor João Pacheco de Oliveira Filho, agradeço a total
liberdade e confiança em meu trabalho. Alguns mostraram extrema generosidade na leitura
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 6
de trechos desta dissertação, como os professores Moacir Palmeira e Márcio Goldman (à
época ainda mais professor que amigo) e os amigos Omar e, novamente, Emerson.
O trabalho de campo, por sua vez, multiplica as dívidas e os afetos. Muitas pessoas
mostraram-me que é possível ainda uma enorme dose de solidariedade com desconhecidos.
Ivson, Sílvia, José Filho e, principalmente, Vânia, foram fundamentais em Recife. Guga
(da ANAÍ-BA), recebeu-me com simpatia e despreendimento em Salvador. Em Petrolândia
(PE), Tacaratu (PE) e Paulo Afonso (BA), travei conhecimento e criei grande admiração
pelo trabalho de uma equipe pastoral, donde acredito ter retirado amigos e gostaria de
homenagear através do nome de Padre Adriano, sertanejo firme, que o acaso fez nascer na
Itália.
Em termos bastante concretos, esta dissertação não seria possível sem a bolsa
fornecida pelo CNPq e a dotação (tipo-B) do Concurso Fundação Ford/ANPOCS,
completadas durante o primeiro semestre de 1995 pela bolsa de assistente de pesquisa no
PPGAS do Museu Nacional, oferecida por meu orientador. Nem sem o apoio da grande
eficiência das funcionárias da secretaria e da biblioteca do PPGAS. Os colegas e
professores deste programa também mereceriam um agradecimento especial pelo ambiente
intelectual extremamente estimulante que me proporcionaram.
Um momento absolutamente mágico se produziu nos meses finais desta dissertação.
Minha filha Ana, nasceu em dezembro de 1995, quando tentava escrever as últimas páginas
que você tem nas mãos. O caos e a felicidade que a sua chegada instauraram na minha vida
são responsáveis por tudo de criativo que pode haver nessas páginas. A ela e sua mãe,
Luciana, eu agredeço isto, o inominável, o imensurável, o tão simples sentimento de ser
feliz.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 7
Conteúdo
Resumo ............................................................................................................................................................. 4
Agradecimentos ............................................................................................................................................... 5
Conteúdo .......................................................................................................................................................... 7
Apresentação.................................................................................................................................................... 8
Notas sobre o percurso do autor ao texto. ................................................................................................... 10
Notas sobre o nome e a pessoa.................................................................................................................... 13
Capítulo 1 – Da visibilidade.......................................................................................................................... 14
PARTE 1: OS DESAPARECIMENTOS .................................................................................................... 14
A produção da invisibilidade................................................................................................................... 14
Estratégias da conquista........................................................................................................................... 17
A mecânica do fim................................................................................................................................... 25
Memória da violência.............................................................................................................................. 32
PARTE 2: AS EMERGÊNCIAS................................................................................................................. 41
A produção da visibilidade...................................................................................................................... 41
A produção das emergências ................................................................................................................... 46
A instituição das viagens ......................................................................................................................... 53
Levantar aldeia ........................................................................................................................................ 59
Capítulo 2 – Do governo ............................................................................................................................... 67
PARTE 1: DOMÍNIO TUTELAR .............................................................................................................. 67
Atos de fundação ..................................................................................................................................... 67
O governo das coisas............................................................................................................................... 79
PARTE 2: RESSIGNIFICAÇÕES .............................................................................................................. 92
Arranjos anteriores .................................................................................................................................. 92
Burocracia e magia.................................................................................................................................. 98
A representação indígena....................................................................................................................... 102
Estado-pai-patrão................................................................................................................................... 105
Capítulo 3 - Etnogeografia ............................................................................................................................ 113
Um território Semântico ........................................................................................................................ 113
Geografia Jurídica. ................................................................................................................................ 117
Geografia Ecológica. ............................................................................................................................. 121
Geografia Mítica.................................................................................................................................... 126
Geografia dos homens ........................................................................................................................... 130
Geografia dos recursos. ......................................................................................................................... 138
Geografia ritual...................................................................................................................................... 144
Capítulo 4 - Uma aldeia aberta .................................................................................................................. 158
Topologia .............................................................................................................................................. 158
Desterritorializações e reterritorializações ............................................................................................ 159
Antropologia das políticas de identidade............................................................................................... 169
Ser e não ser .......................................................................................................................................... 179
A construção do contraste...................................................................................................................... 186
Uma escrava e dois senhores ................................................................................................................. 196
Anexos: ......................................................................................................................................................... 201
A1 - A morte e a morte de Cavalcante....................................................................................................... 201
Por Ulisses Lins de Albuquerque: ......................................................................................................... 201
Por João Binga: ..................................................................................................................................... 202
A2 - A categoria de "Remanescentes Indígenas"....................................................................................... 203
A3 - Lista das entrevistas gravadas............................................................................................................ 204
Bibliografia .................................................................................................................................................. 206
Documentos Citados.................................................................................................................................... 211
Outros documentos consultados................................................................................................................. 214
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 8
Apresentação
“Brejo dos Padres” é o nome de um pequeno vale de terras úmidas e muito férteis,
localizado em pleno sertão pernambucano. Seu formato alongado, semelhante a um
anfiteatro voltado para as margens do São Francisco, deve-se ao espraiamento de uma das
últimas ramificações do maciço da Borborema que penetra o estado de Pernambuco, onde
onde, ao alcançar as margens daquele rio, ganha o nome de Serra de Tacaratu. Em fins do
século XVIII foram reunidos ali, por obra de padres de uma missão da ordem de São Felipe
Néry, um grupo de índios provenientes de diferentes tribos: ou transferidos de aldeamentos
recém-extintos, ou fugidos da perseguição bandeirante, ou simplesmente recolhidos de sua
perambulação vagabunda. Mesmo antes, segundo o que diz a parca mas orgulhosa história
oficial do município de Tacaratu, quando a missão instalou-se no local, já existia alí uma
maloca indígena denominada Cana Brava, formada pela reunião de índios Pancarus,
Umaus Vouvês e Geritacós, presumivelmente do grupo lingüistico Kariri.
Em 1878, um ato imperial extinguiu esse aldeamento, ocupado então por pouco
mais de 350 índios. Ao extingui-lo, o governo imperial contou com a ajuda de alguns
importantes membros das localidades vizinhas, Tacaratú e Jatobá, para organizar a
redistribuição das terras daquele brejo entre os caboclos que permaneciam ali. Foram
distribuídos, então, pouco menos de 100 lotes familiares suficientes para os caboclos do
Brejo produzirem para suas famílias, crescerem e se misturarem definitiva e livremente à
população local, prosperando em seu próprio interesse e de sua Comarca.
Passados pouco mais de 60 anos, o Serviço de Proteção ao Índio funda no mesmo
vale, denominado ainda Brejo dos Padres, o posto indígena Pankararu, reconhecendo na
população local, de cerca de 1100 habitantes, legítimos remanescentes daqueles antigos
habitantes do aldeamento extinto. Hoje, 55 anos depois, os Pankararu, que as estimativas
oficiais dizem ultrapassar os 5000, não só cresceram e se multiplicaram como tornaram-se
cada vez mais visíveis, no município, no estado e no país, saindo freqüentemente de seu
torrão para apresentam o Toré nas capitais, como forma de reclamarem providências contra
a invasão de suas terras. Não só não foram extintos como também se expandiram, dando
origem a novos grupos, ou ajudando que outros emergissem e retomassem suas tradições.
A primeira parte desta dissertação, além de começar a colocar aspas e itálicos nas
expressões até agora utilizadas, se dedicará a explorar os movimentos que permitiram essas
sucessivas passagens dos Pankararu de um estado ao outro. Nesta primeira parte, nosso
interesse repousa na duração, isto é, nas seqüências de ações e seus desdobramentos no
tempo, em que as relações e deslocamentos sociais, ainda que substantivamente espaciais,
ganham sentido ao se sucederem e nessa sucessão mudarem de natureza, oscilando entre o
invisível e o visível.
Nada mais distante, portanto, do conselho de Fustel de Coulange que recomendava
aos interessados em ressuscitar uma época, que esquecessem tudo que sabiam de fases
posteriores da história. Ao contrário, como propõe W. Benjamin, o nosso procedimento é o
da empatia. Interessa aqui voltar à experiência de uma população que viveu o continuum da
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 9
história como sucessivos sobressaltados e silenciosos "estados de exceção" e que hoje, não
menos sobressaltados, mas muito menos silenciosos, contorcem a flecha do progresso que
para seus historiadores e antropólogos ausentes, corria livre num tempo vazio e
homogêneo. Em outras palavras, essa primeira parte pretende apenas o que Christofer Hill
reconheceu ser a necessidade das gerações que se sucedem: formular novas perguntas ao
passado, encontrar novas áreas de simpatia na medida em que revivem distintos aspectos
das experiências de suas predecessoras. Porque se o passado não muda, a história, ao
contrário, é feita sempre no presente e para o presente.
No primeiro capítulo, nossa argumentação se faz em torno dos processos de
invisibilização e visibilização dos objetos e dos sujeitos sociais: aí descrevemos tanto a
tecitura de uma larga rede de relações de alcance regional, capaz de manter e reativar
circuitos rituais e criar uma reciprocidade política, quanto a produção de novas formas
narrativas capazes de fazer com que certos aspectos da realidade, primeiro, deixem de ser e
depois, voltem a ser enunciáveis. A partir daí foi possível construir uma relativa simetria
entre alguns processos que caminharam em sentidos contrários e que podem ser expressos
pela idéia de “conquista” (TODOROV,1993), num sentido que, no entanto, ultrapassa e
subverte sua apreensão enquanto modalidade de guerra: a conquista da memória, a
conquista da visibilidade, a conquista da simbolização identitária definem a relação entre
os Pankararu - assim como muitos outros grupos indígenas - e o órgão indigenista oficial,
onde cabe aos primeiros a iniciativa dos avanços e da "atração" para, de certa forma,
colocar nos termos de um paradoxo a relação entre ideário e ação tutelar. Para desenvolver
esta idéia, a segunda parte deste capítulo reconstituímos parcialmente os circuitos das
emergências étnicas do Nordeste ao longo das décadas de 1930 e 1940, incluindo aí o
trabalho de produção dos fatos etnográficos e a reapropriação política e simbólica de
circuitos rituais, num movimento de revelação, descoberta e busca dos “direitos” e das
identidades.
No segundo capítulo nos debruçamos sobre a documentação produzida pelo órgão
tutelar, principalmente ao nível do posto indígena Pankararu, na busca de um melhor
entendimento sobre como operou o domínio tutelar no seu cotidiano e na especificidade de
um trabalho onde as diretrizes indigenistas tinham todo o tempo que deparar-se com o que
lhes pareciam inadequações: do ambiente, das verbas, da mobilidade da população e,
enfim, dos próprios índios. Neste capítulo trabalhamos com algumas narrativas sobre o que
poderíamos chamar (recorrendo ao estilo cortaziano dos manuais) maneiras de produzir
índios e aldeias. Para isso recorremos freqüentemente ao movimento de ida e volta entre
documento, bibliografia e memória, não apenas como recurso para cobrir lacunas, mas para
revelar o tanto de conflito que existe entre esses dois registros, o oral e o escrito, em seus
permanentes processos de mitificação. Esse material abre-se também para as questões
relativas ao processo de autonomização de um campo político, numa tentativa de voltar aos
problemas propostos por uma primeira antropologia política, visitando também o que
parece ser um fértil campo de investigação sobre exercício do clientelismo em contexto
étnico.
Na segunda metade deste trabalho, voltamos nosso interesse para a extensão. Nela
nos dedicamos não às sucessões, mas às sobreposições, abandonando o triângulo
“tempo/história/memória”, para investigarmos o “espaço/território/posições”. Deslocamos
nossos esforços na construção de uma interpretação histórica sobre um processo regional,
para a construção de um modelo descritivo capaz de trabalhar intensivamente com a noção
de território.
O Território indígena é um símbolo forte, capaz de catalisar grupos, lutas,
inovações jurídicas, pressões de diferentes naturezas e escalas. Mas é forte, sobretudo,
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 10
porque se afirma sobre uma idéia aparentemente muito simples, que está presente na
maioria dos discursos sobre o tema e que, como qualquer outro símbolo, retira sua força da
capacidade de condensar experiências, noções, crenças e aspirações, que são tão mais
intensificadas e plurivocais quanto mais o símbolo for capaz de reduzi-las a uma fórmula
elementar. Trata-se da expressão que, ao longo das lutas pela demarcação das terras
indígenas no Brasil, tornou-se uma espécie de dazibao impresso em postais, adesivos e
publicações simpatizantes ou militantes da causa indígena: "índio é terra". Na busca de
uma resposta, o território deixa de ser puro suporte, transformando-se em ponto de
convergência de processos naturais e sociais que em lugar de se polarizarem, se compõem
como um dos híbridos de que fala Latour (1994), através da convergência de discursos,
fatos e poderes que não podem ser reduzidos uns aos outros, mas percebidos como
constituindo uma rede.
No terceiro capítulo essa proposta ganha realidade através de uma descrição do que
concebemos como as várias geografias constituintes do território Pankararu, avançando
sobre temas abertos nos capítulos anteriores, como a autonomização do campo político e o
seu reverso, a sua magicização e ritualização. Neste ponto é possível jogar luz sobre algo
apenas esboçado no capítulo sobre as emergências: as formas culturais de lidar com a
territorialização. Revisitando problemáticas fundadoras, apontamos para a versão
Pankararu dos “valores místicos” e sua relação com a constituição de uma forma, ou ética
ou política.
No quarto e último capítulo proponho-me pensar os “limites do grupo” Pankararu,
trocando para isso o espaço geométrico pelo espaço relacional. Estabelecemos um
panorama da dispersão e da mobilidade Pankararu para pensar a identidade étnica como um
jogo de distâncias e aproximações. Exploramos, então, o que de contextual existe nas
identidades sociais, assim como no próprio trabalho etnográfico, deslocando um pouco a
insistência dos nossos olhares sobre o puramente contrastivo, para viabilizar uma reflexão
sobre o que seriam as condições sociais da “manipulação de identidade”. Para isso tivemos
que nos ocupar também do que vem a ser o “não-índio”. Já que as formas não são vazias, o
contraste e o contexto que explicam a possibilidade ou não de ser índio devem fazer
referência ao que existe do outro lado do portal.
Notas sobre o percurso do autor ao texto.
Esta dissertação tem seu ponto de partida marcado por um trabalho coletivo,
desenvolvido no âmbito do Projeto Estudos sobre Terras Indígenas (PETI) do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, ao qual estou ligado de
diferentes maneiras desde 1990, ano em que encerrava minha formação em história e,
através deste projeto, dava início aos meus primeiros contatos com a temática indígena e
com a bibliografia antropológica. Nesse projeto pude participar de discussões baseadas em
farto arquivo documental e da troca de experiências de campo entre os pesquisadores com
trabalhos em andamento, que tinham como foco a questão da territorialização das
sociedades indígenas e sua relação com o poder tutelar.
Tais discussões se empenhavam na criação de uma perspectiva sociológica que
abandonasse um tipo de produção sobre a questão da terra indígena freqüentemente presa à
prática da denúncia, para construir um olhar mais sistemático e não menos político sobre as
questões que envolvem a sua definição, organizando para isso um quadro de referências
tanto sobre os processos legais que levam até ela, quanto sobre as situações concretas a que
as populações étnicas (DESPRES,1975) estão submetidas no território nacional brasileiro.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 11
No momento de minha entrada no projeto, essas discussões se encaminhavam no
sentido da formulação de um tipo de acompanhamento dessas situações segundo o modelo
"atlas". Meu trabalho convergiu então para a leitura e discussão sobre questões
aparentemente técnicas, relacionadas com a definição das formas e problemas na
representação gráfica das áreas indígenas, com a natureza dos recortes regionais que
permitissem uma leitura comum de conjuntos de situações territoriais comparáveis e com a
seleção, organização e compatibilização de uma grande massa de material histórico que
deveria ser trabalhado em equipe. Além disso, em função do recorte regional do Atlas, me
envolvi com as questões mais diretamente relacionadas com a temática indígena no
Nordeste. Neste período compartilhei dos trabalhos de muitos companheiros, que foram em
grande medida absorvidos como parte de minha própria perspectiva e, por isso, difíceis de
serem discriminados. Além da orientação mais geral fornecida por João Pacheco de
Oliveira Filho, que veio a ser meu orientador nesta dissertação, sou tributário também do
trabalho de Antonio Carlos de S. Lima, a quem devo as primeiras bolsas de pesquisa nesta
temática.
Ao iniciar uma reflexão mais sistemática sobre o material recolhido para o conjunto
das áreas indígenas abarcadas pelo recorte que definimos então como Nordeste, passava a
fazer parte de um grupo anterior de mestrandos do PPGAS-MN que haviam iniciado,
muitas vezes do ponto zero, as reflexões sobre essas situações étnicas tão especiais. Os
trabalhos de Mércia Batista (1992) e Hênio Barreto Fo. (1992), Sidney Peres (1992),
Carlos G. Valle (1993) e Rodrigo Grunewald (1993) e os vários técnicos e metodológicos
de Jurandir Leite, foram por isso da maior importância para a constituição desta
dissertação, tanto na perspectiva analítica que abriram, quanto no mateial bruto que
trabalharam, permitindo algumas reanálises.
Tais observações sobre o trajeto do autor até o texto, por elementares que sejam,
ganham importância ao explicitarem quais as fontes e a inspiração dos movimentos
analíticos que se seguem e que, na dinâmica da escrita, eventualmente ficaram à sombra de
um narrador aparentemente absoluto e que não resistiu a pretensão à originalidade. Expor
os limites do trabalho, neste sentido, não significa demorar-me na enumeração de tudo que
poderia ter sido e não foi, ou do que ficou de fora e que poderia estar dentro, mas
justamente na explicitação d'o que foi feito e do como foi feito.
Depois de ter lidado com material de origem administrativa e historiográfica sobre
os Pankararu para a formulação das fichas do Atlas das Terras Indígenas do Nordeste, em
1993 realizaria meu primeiro período de "campo", graças ao convite para um trabalho de
assessoria ao Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), integrado no
projeto mais amplo, coordenado por Aurélio Vianna, de Avaliação e Planejamento das
Atividades do Pólo Sindical do Sub-Médio São Francisco, que agrega um total de dez
Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR). Esse projeto respondia a necessidades
explicitadas pela própria direção do Pólo, a sugestões feitas por Alfredo Wagner B. de
Almeida numa avaliação preliminar e a questionamentos de agências financiadoras da
entidade. Segundo essas demandas, seria importante que a avaliação das atividades do Pólo
levasse em conta não apenas o seu foco privilegiado de ação na época, isto é, a população
camponesa reassentada nas agrovilas em função da construção das UHE's, mas também
toda a diversidade de categorias de trabalhadores rurais e povos indígenas existentes em
sua área de abrangência, restituindo-lhe com isso, uma atuação de caráter mais amplo.
Neste quadro, os povos indígenas ocupavam um lugar especialmente problemático, tendo
sido eleitos por pelo menos dois desses STR's, os de Glória (BA) e Petrolândia (PE), como
seus maiores problemas, ao lado das invasões ilegais das áreas de sequeiro das agrovilas e
dos problemas de negociação com a CHESF. Meu trabalho deveria centrar sua análise
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 12
sobre a relação entre grupos indígenas e sindicalismo rural, na busca de uma resposta para
aqueles confrontos.
Nessa primeira viagem visitei as áreas dos Tuxá e dos Kantaruré, ambas no
município de Glória (BA) e a área indígena Pankararu (PE), a qual dediquei a maior parte
do tempo, por tratar-se da situação mais conflitiva. O interesse do projeto de avaliação do
Pólo também convergia para essa situação, já que boa parte das lideranças do STR local e
da direção do próprio Pólo estão diretamente envolvidos no conflito, com graves custos
políticos para aquelas organizações. Isso imprimiu sobre meus primeiros contatos diretos
com a área indígena e com o conflito fundiário "a marca da encomenda", como já assinalou
criticamente Sigaud, com relação aos trabalhos de "avaliação de impactos sociais". Na
prática, isso estabeleceu como horizonte desejável para o trabalho o atendimento de uma
demanda, a proposição de um receituário de medidas minimizadoras do conflito e gerou
uma tensão, desde sua origem, entre minha avaliação sobre a natureza e relevância das
questões a serem postas e as questões que me eram impostas, marcadas por claras
dicotomias, como índios/posseiros, positivo/negativo, legítimo/ilegítimo.
Como será detalhado no capítulo 3, a entrada em campo foi marcada pela tentativa
de manter-me longe das posições mais fortes sobre o conflito, evitando qualquer contato
direto, ao menos num primeiro momento, com as lideranças sindicais e com as lideranças
indígenas mais engajadas numa oposição direta aos posseiros. Tive então que evitar o que
seria uma entrada tradicional, através do posto indígena e do seu chefe, o que só seria
realizado numa segunda viagem. Isso fez com que antes da entrada propriamente dita na
área indígena, eu percorresse várias "entradas" em campo, cada vez que tinha que negociar
uma nova mediação. Nessa périplo me defrontei com agentes engajados em uma parte ou
em outra do conflito de diferentes maneiras e, em cada uma dessas vezes, era obrigado a
posicionar-me politicamente, definir "o lado" de que estava, ou, quando o interlocutor já
fazia uma idéia da minha posição, tinha que enfrentar a arguição sobre posições e valores
éticos. Descobri com algum custo que em "campo" não há lugar "fora" ou "acima", não há
espaço para o puro observador, da mesma forma que não há o puro informante (FAVRET-
SAADA,1977). Em pouco tempo todas as precauções para tornar-me o observador mais
discreto não impediram que fosse largamente conhecido e diretamente associado ao tema
do conflito, ao qual meus interlocutores condicionavam virtualmente qualquer conversa,
qualquer recolha de dados. Senti-me confusamente engajado, na busca de uma posição de
equilíbrio alcançada, não com a conciliação de perspectivas, mas apenas com uma ruptura
total. Depois de ter produzido o segundo relatório, em que tratava da questão do conflito,
voltei à área para entregar uma cópia aos dirigentes sindicais e outra às lideranças
indígenas. No caso dos primeiros fui submetido a uma sabatinada organizada no Pólo, com
a presença de dirigentes e assessores, que resultou numa discussão acalorada e num
profundo desagrado com o resultado final. No caso dos segundos, o texto e minha tentativa
de expô-lo foram recebidos como algo exótico e que os desapontava ao perceberem que o
resultado daquelas conversas era algo tão inócuo.
A dissertação começou a ganhar forma a partir desta inadequação. Durante a
segunda viagem (1994), para aliviar a minha imagem da carga associada ao conflito, usei o
recurso de introduzir as conversas a partir de um pequeno questionário sobre o percurso de
vida do informante. Esse, que inicialmente era apenas um subterfúgio, acabou por
transformar-se no ponto central do trabalho etnográfico e na fonte mais rica de novas
problemáticas, abrindo-me perspectivas que, provavelmente, eu não conheceria de outra
forma. Assim, a dissertação ganhava forma a partir da frustração da "encomenda" e da
criação de recursos próprios à dinâmica daquele trabalho de campo.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 13
Notas sobre o nome e a pessoa
Ao longo desta dissertação tornou-se evidente a dificuldade de optar por uma forma
única e padronizada de situar o autor. Muitas vezes situamo-nos na primeira pessoa do
plural, não por encarnarmos o "olhar de águia" ou a "nobreza" própria da objetividade
científica, mas por assumirmos nosso ponto de vista como uma postura política ou analítica
partilhada com outros autores ou, por buscarmos o ponto de vista do leitor, na tentativa de
construir uma narrativa em perspectiva e uma argumentação que pudesse ser compartilhada
por todos estes que estão "de fora" do campo. Em outras passagens a própria dissertação
assume o papel de protagonista, e o autor desaparece sob a terceira pessoa como forma de
reproduzir a sensação muito real de que, em vários momentos do trabalho de pesquisa e de
redação, o texto tinha um destino próprio que impulsionava-o mais do que era dirigido por
ele. Finalmente, em outros momentos menos numeroros, a primeira pessoa do singular
domina, fazendo ver que a construção dos argumentos, dos encadeamentos entre esferas e
escalas e a conexão entre personagens eram produtos, em primeiro lugar, da minha ação, da
minha posição e do meu trânsito entre textos e contextos, produtos de uma experiência
pontual e pessoal muito concreta. Essas flutuações da pessoa verbal respondem, então, à
necessidade de construção de um texto etnográfico menos objetivista, mas também aos
inconvenientes disto resultar numa solução única. O incômodo que tais flutuações possam
provocar no leitor deve ser visto menos como uma desconsideração deste problema, do que
como sua explicitação.
Outra opção por vezes incômoda também deve ser esclarecida. Depois de testar
algumas soluções possíveis e de discutir esse aspecto com meu orientador, resolvemos
manter os nomes reais das pessoas que estão no centro das nossas argumentações. Essa
opção, até se demonstre o contrário, era a mais coerente com a perspectiva mais ampla
adotada por este traalho: tomar tais personagens e situações como efetivamente históricas.
Este trabalho tem a intenção de ajudar a entender não só certas questões antropológicas e
sociológicas desterritorializadas e - até certa medida - atemporais, mas também parte
importante da história indígena, do indigenismo e do Nordeste e, por isso, os dados brutos
trazidos pelas reconstituições realizadas aqui são, provavelmente, tão ou mais duradouros e
relevantes do que os modelos que propus para lhes dar forma e inteligibilidade. Adotada
esta perspectiva principalmente para a primeira parte desta dissertação (capítulos 1 e 2),
tornou-se excessivamente artificial e confuso e inútil voltar ao uso das iniciais ou dos
pseudônimos na segunda parte, quando, de fato, teria sido possível assumir a forma mais
convencional - mais abstrata e generalizante - da análise antropológica.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 14
Capítulo 1 – Da visibilidade
PARTE 1: OS DESAPARECIMENTOS
É útil começar explorando a pergunta sobre o que tornou possível que uma
população se tornasse invisível, ou melhor, já que a cegueira está nos olhos e não no
mundo, o que fez com que gerações de homens de ciência e homens de estado pudessem
desconhecer ou não reconhecer, sistematicamente, algumas faixas de realidade, para logo
em seguida reconhecerem-na, por vezes com o alarde das surpreendentes descobertas. Essa
pergunta não desconhece o perigo de se afirmar a existência de continuidades que
atravessam os tempos, sempre prontas a serem simplesmente observadas, sem incidir em
naturalizações grosseiras. Mas reconhecido não existir esse corte radical entre o olho e o
mundo, entre sujeito e objeto, nossa pergunta é sobre como se constrói ou se impede uma
relação entre eles, sobre como o (re) conhecimento é ou deixa de ser possível, sobre a
emergência dos objetos que, nesse ato mesmo de emergir, se tornam sujeitos.
A produção da invisibilidade
1
Um dos epítetos atribuídos a Rondon, patrono (quase padroeiro) do indigenismo
oficial brasileiro, “o civilizador da última fronteira” (COUTINHO, 1975), condensa muitos
dos significados atribuídos à ação do SPI. Quando surgiu, em 1910, sua intervenção
privilegiou Santa Catarina, Oeste paulista, Mato Grosso e, a seguir, Amazônia. Seus
objetivos: nacionalização do interior, localização (no sentido de fixação) da mão-de-obra,
abertura de terras e diminuição dos custos da “fronteira”. Seu léxico: grupos isolados,
atração, pacificação, fases de aculturação, assimilação-não-traumática. Criado como
SPILTN - Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais - era
vinculado ao Ministério da Agricultura Indústria e Comércio e tinha como atribuições a
proteção aos indígenas e a fixação de mão-de-obra não-estrangeira no campo, assumindo o
perfil de uma agência de colonização. Tanto a proteção quanto a fixação seriam operadas
por meio de um controle do acesso à propriedade e treinamento técnico da força de
trabalho, num caso em postos indígenas e, em outro, em centros agrícolas, o que lhe dava
uma dimensão claramente geopolítica. O contexto institucional do surgimento deste órgão,
assim como as relações que isso mantém com nossa problemática serão explorados mais
adiante, bastando aqui uma rápida caracterização de suas bases ideológicas e de como elas
sustentam o que estamos chamando da “invisibilidade” dos grupos indígenas do Nordeste.
Em 1918, o SPI perderia sua parte “LTN”, mas manteria a intenção programática
de transformar o índio em pequeno produtor rural capaz de se auto-sustentar e se integrar
ao mercado nacional de mão-de-obra. Essa transformação era pensada em termos de fases
que levavam do estado fetichista dos primitivos ao estado de civilização do proletário
rural. Nesse sentido, a estratégia e a ação do órgão estão marcadas por uma visão do índio
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 15
baseada na idéia de “transitoriedade” (LEITE e LIMA,1986), segundo a qual o “índio” é
um estado que precisa ser superado, mas de uma forma controlada pelo Estado, sem a qual
essa transição leva infalivelmente à degeneração. Esse controle será produzido através da
figura jurídica da “tutela”, que é introduzida no código civil em 1918 e estabelece para o
índio uma capacidade civil relativa, condicionada pelos seus progressivos “graus de
civilização”. A finalidade da tutela é transformar, através da orientação e da autoridade, as
condutas desviantes de indivíduos ou grupos com relação a um código dominante,
partilhado e conhecido pelos membros de uma determinada sociedade (OLIVEIRA
F
o
,1988). Tal aparato jurídico e administrativo era justificado pelos objetivos de atrair e
pacificar os grupos indígenas que ainda resistiam ao avanço da fronteira agrícola, em pleno
século XX. Era preciso atrair e pacificar e não exterminar aquelas populações, obtendo-se
dessa forma a mão-de-obra necessária e já “aclimatada” para os ideais de desbravamento e
preparação das terras ainda não colonizadas. Nesse quadro não existia lugar para a atuação
do órgão indigenista no Nordeste, região de colonização das mais antigas e já totalmente
integrada.
Durante a década de 1930 essa distância entre a região Nordeste e as estratégias do
órgão parece se acentuar, já que em 1934, depois de ter passado pelo Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio (1930-1934), ele é absorvido pelo Ministério da Guerra
como parte da Inspetoria Especial de Fronteiras e, em 1936 é aprovado o seu regulamento,
no qual se enfatiza a “nacionalização dos silvícolas” e a sua incorporação como “guarda de
fronteiras”.
2
Como já foi apontado, o olhar “científico” dirigido sobre os índios do Nordeste, até
as primeiras décadas do séc. XX, acompanhava o diagnóstico da extinção desses grupos,
naturalizando uma realidade produzida por decisões estatais, de fundo jurídico, como
veremos mais adiante. E os primeiros acadêmicos ou curiosos que começam a descobrir
nos “remanescentes” daqueles grupos indígenas “extintos” algum interesse acadêmico, o
fazem orientados por uma visão etapista e evolutiva, muito semelhante à descrita acima,
que operava como base ideológica do SPI. Assim, ao final da década de 30 e durante a
década de 40, os homens de ciência que começam a se interessar em produzir descrições a
partir da observação local e direta sobre aqueles “remanescentes”, e não mais apenas a
partir de documentação histórica, procuram neles principalmente curiosidades folclóricas
em rápido desaparecimento, que poderiam ajudar a entender a composição mais ampla do
folclore nordestino e conseqüentemente, parte da cultura nacional. É sob essa inspiração,
além das preocupações de mapeamento lingüístico, que Carlos Estevão de Oliveira, Max
Boudin e Mário Melo visitam e escrevem na década de 1930, pequenos textos sobre os
Pankararu, os Fulni-ô e os Xucurú, publicando artigos circunstanciais com mitos, cantigas,
elementos de parentesco e considerações sobre seu artesanato e algumas festas. Nestes
casos sempre se fez presente a preocupação em distinguir, em meio aos hábitos já
miscigenados aos dos regionais, o que aqueles remanescentes mantinham da cultura
tradicional.
Apesar da década de 1940 já ter assistido ao primeiro surto de emergências étnicas,
de que falaremos mais adiante, ao longo da década de 50 a situação não muda muito.
Continuam surgindo textos principalmente sobre língua e vocabulário, e compilações de
dados dos sécs. XVI e XVII. As descrições de Curt Nimuendajú sobre os Timbira de 1929
são reaproveitadas várias vezes em reanálises e surge o nome de Estevão Pinto que, junto a
outros temas do folclore regional, debruça-se sobre o material histórico, escreve pequenos
trabalhos sobre os Fulni-ô, os Tupiniquim e os Pankararu, e os reúne em dois volumes
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 16
dedicados aos “Índios do Nordeste”, sob uma preocupação sempre culturalista. Mais
adiante, nas décadas de 60 e 70, para além das tradicionais compilações de documentos e
vocabulários, a perspectiva arqueológica tem um forte incremento através da criação do
Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, coordenado pelo Museu Paraense Emílio
Goelde, fonte da grande maioria dos trabalhos sobre o tema indígena dirigido à região
nestas décadas. Reforçava-se o olhar fragmentário e passadista sobre a face indígena da
região. (BALDUS, 1968 e 1984). Exceção a esta perspectiva é o importante trabalho de
Hohental (1960) que produz um levantamento de fontes históricas sobre os aldeamentos
do Vale do São Francisco e o completa com viagens aos postos indígenas que já haviam
sido criados pelo SPI na região, recolhendo informações que complementassem os dados
documentais e objetos artesanais, numa combinação entre perspectivas histórica e
sociológica que resultou num catálogo de denominações e localidades largamente usado
ainda hoje.
A perspectiva da perda e da extinção no entanto mantém um longo fôlego, vindo a
informar ainda trabalhos da década de 1970 que, em outros pontos metodológicos e
teóricos, rompiam com aqueles primeiros. Os trabalhos de Amorim (1970), Silva (s/d),
Soares (1977), Bandeira (1972) e Carvalho (1977) caminham numa direção sociologizante
(com maior ou menor sofisticação), em lugar dos tradicionais recortes culturalistas ou
filológicos, abordando os grupos em pauta (Kariri, Pankararé, Pankararu e Potiguara)
como realidades contemporâneas. Classificam-nos, entretanto, como “subsegmentos
rurais” e, mantendo o diagnóstico dos trabalhos anteriores, tomam sempre o ponto de vista
do seu acelerado e irreversível processo de descaracterização étnica, pelas vias da
“proletarização”, “integração” ou “aculturação”. Enquanto os autores anteriores,
informados por uma preocupação mais folclórica, interessavam-se em registrar o que ainda
existia de tradição, apoiados numa metodologia fundada no recolhimento de “traços
culturais”, destacados do contexto em que eram produzidos e postos em circulação, esses
últimos autores voltam seus esforços principalmente para a preocupação em descrever e
avaliar o grau, o ritmo e as formas do processo de descaracterização dos grupos indígenas,
dos quais seria possível reconhecer apenas uma “última dimensão indígena” (SILVA,s/d).
O trabalho de Amorim se destaca entre os citados acima por sua preocupação em
articular um quadro teórico explicativo da situação indígena do Nordeste, adequando uma
proposta interpretativa geral da antropologia brasileira daquele momento sobre o processo
de assimilação, para uma situação regional. Para o que nos interessa apontar aqui, ele traz
a versão mais sofisticada de um esquema de análise partilhado por todos os outros,
podendo-se talvez incluir aí as próprias formulações mais genéricas do indigenismo
oficial. Seu texto parte da teoria da “fricção interétnica” elaborada por Roberto Cardoso de
Oliveira, da qual retira a noção de “potencial de integração”, combinando-a com a noção
de part-society. Sob esse ponto de vista, o Nordeste brasileiro é escolhido por representar
um “caso limite no processo de integração, um dos extremos do contínuo que tem como
pólo oposto as populações tribais recém contactadas pelas frentes
pioneiras”(AMORIM,1970:11). Seu estudo leva à conclusão de que a condição de part-
society assumida pelo indígena nordestino “reflete um estágio no longo processo de
integração à sociedade nacional, que no curso de uma situação permanente de fricção
interétnica assume ao longo da História formas e aspectos diversos.”(idem:91). E ainda,
“não é difícil a afirmação de que, a persistir o processo [econômico de integração ao
mercado] pescadores e agricultores Potiguara, aqueles mais rapidamente que estes,
caminham no sentido de se reunirem a tantos outros indígenas brasileiros que hoje formam
o último extrato da grande reserva de mão de obra nacional.”(idem:94).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 17
Essas eram as bases que sustentaram por tanto tempo a invisibilidade dos grupos
indígenas do Nordeste. O esforço de análise e clarificação da realidade, forjado dentro da
academia, produziu sua cegueira com relação a uma realidade emergente. O esforço de
planejamento da ação estatal foi a fonte da incapacidade do Estado em prever as
reviravoltas que suas próprias teorias e estratégias de intervenção provocariam sobre as
populações tuteladas. A seguir propomos uma interpretação do processo que levou aqueles
grupos ao estado de invisibilidade e depois, que os fez (ou, pelo qual se fizeram) visíveis
novamente.
Estratégias da conquista
1
O avanço da colonização pelo território nunca se deu na forma de uma fronteira, ao
menos como normalmente ela é imaginada - arco que avança de forma progressiva e
definitiva sobre espaços abertos. Pelo contrário, aproximando-se da descrição de Morse
(apud:VELHO,1979) sobre o avanço bandeirante, a conquista do Nordeste também se
caracterizou como um movimento irregular, conjunto sucessivo e desigual de experiências
e negociações reversíveis de uma frente de expansão que nunca foi única, mas sim
múltipla e complexa. Não é possível falar da colonização como de um fio de civilização
que se estende sobre o espaço selvagem. Não é possível traçar sobre o mapa as diferentes
linhas de separação no tempo, entre branco e índio, civilização e primitivismo, áreas
ocupadas e não ocupadas, comunidades integradas e autônomas. O que chamamos de
fronteira, dando-lhe um sentido abstrato e teórico, normalmente produzido a partir do
Estado (e aqueles que limitam seu trabalho à análise das suas ideologias e práticas também
se fazem prisioneiros da sua perspectiva), na verdade tomou a forma de um arquipélago,
criado por diferentes formas de territorialização: o esforço e a violência dos
empreendimentos estatais e particulares, em suas incursões sertão adentro, conseguiam
plantar manchas de civilização, ilhas pastoris, comerciais ou de subsistência, que existiam
por meses, anos, para depois submergirem no nada ou na selvageria dos tapuia ou dos
quilombolas.
O desenho da distribuição dos aldeamentos indígenas no século XIX e no séc. XX
(eles não necessariamente coincidem, como veremos) é, em grande medida, fruto desse
movimento irregular que se desenvolveu sobretudo ao longo do São Francisco e dos seus
principais afluentes, como o Panema, o Moxotó e o Pajeú. Foi através do São Francisco
que o movimento colonial, inicialmente esparramado pela zona da mata, se afunilou no
agreste e penetrou fundo pelo sertão, sendo útil, portanto, uma rápida revisão das rotas que
abriram o interior nordestino até o século XIX, para então nos determos um pouco mais
demoradamente num último momento daqueles aldeamentos indígenas.
2
O São Francisco começa a ser “subido” depois de vencida a primeira resistência
indígena na sua embocadura, em 1572. Neste período as expedições partiam
principalmente de Pernambuco (década de setenta), Sergipe (década de noventa) e Bahia
(ao longo de todo esse período). Ensaios de penetração que em 1630 foram interrompidos
pela presença holandesa em todo o lado esquerdo do São Francisco, da sua foz até Paulo
Afonso. É só com a restauração pernambucana em 1654 que o avanço colonial português
pelo sertão é encarado de uma forma progressivamente sistemática. Um passo fundamental
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 18
para isso foi o apelo da administração portuguesa, em 1667, para que os bandeirantes,
paulistas e baianos, iniciassem a busca de ouro e pedras preciosas São Francisco acima, o
que resultou no afluxo de um grande número de bandeiras1
. Tem início, então, o avanço da
colonização do sertão interior nordestino, realizado através de três estratégias distintas e
sucessivas, ainda que por um largo período simultâneas. À estratégia da guerra justa
vieram se sobrepor sucessivamente, a estratégia da conversão e da mistura, cada uma delas
se opondo à anterior, ao mesmo tempo que revelando-se fruto dela.
A “guerra justa” tem lugar com as primeiras investidas bandeirantes pelo sertão
interior, e baseia-se no mesmo conceito jurídico-teológico medieval criado no contexto da
Guerra Santa contra os infiéis mouros, agora transplantado para a relação com os infiéis do
novo mundo2
. Ainda que houvesse controvérsia sobre os requisitos necessários ao
reconhecimento de determinada ação militar como guerra justa, toda ação chamada
“defensiva” justificava o título. Nesse caso, defensivas eram consideradas também as
ações de represália e prevenção de ataques de nações indígenas hostis, levando à larga
utilização deste argumento pelas tropas bandeirantes e de moradores do sertão do São
Francisco. É sobretudo devido a ela que os documentos de época registram tantos
“ataques” indígenas.
Essas guerras se estendem por todo o séc. XVII e XVIII, em muitos casos,
encontrando forte resistência indígena. A mais prolongada de todas e que mobilizou o
maior número de indígenas - cerca de dez mil, segundo cálculo de cronistas antigos - e
tropas de moradores e bandeirantes ficou conhecida por Guerra dos Bárbaros ou
Confederação dos Cariris e durou mais de 10 anos, tendo início no Rio Grande do Norte,
em 1664 e estendendo-se pela Paraíba, Ceará e Pernambuco (ALMEIDA,1977). Em
Pernambuco esse estado de conflito se estenderia por nova série de enfrentamentos entre
os anos de 1694 e 1702, mobilizando novamente as tropas que já haviam operado na
Guerra dos Bárbaros (BARBALHO,1988:vol.6)3
. As guerras, ameaças e capturas são
registradas em documentos esparsos por toda a primeira metade do XVIII, sob a sombra de
novas e eminentes guerras bárbaras. Assim, em 1700 por exemplo, com a justificativa de
se defenderem de novas investidas indígenas, os colonos das terras pernambucanas
organizavam trincheiras nos campos do Açú, para “futuras operações destinadas a, de vez,
arrasar os Jandiús”, principal grupo bárbaro do sertão naquele momento
(BARBALHO,1988:vol.6). Treze anos depois, sob o argumento de uma nova
confederação reunindo os Xucurú, Patió, Xocó, Guegues, Umans, Caratéus e Pepans,
organizavam-se novos ataques preventivos e, em 1715, o vice-rei autorizava “toda a guerra
ofensiva que puder, cativando a todos que nela aprisionar, os quais serão rematados em
praça pública para se tirarem os quintos de El-Rei... e o que restar das ditas presas se
1
Entre as quais, aquelas que viriam dar origem à mais poderosa empresa colonial do sertão do São
Francisco, a Casa da Torre. Numa das investidas da Casa da Torre durante as últimas décadas do séc. XVII,
na busca de salitre, pelo interior dos sertões de Rodelas, Paraiba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piaui e até
mesmo do Maranhão, um dos seus mestres auxiliares comandava um exército de 900 homens brancos, 200
índios mansos, 100 mamelucos, 150 escravos e alguns missionários (HOORNAERT,1992).
2
Na verdade, a análise da legislação colonial reconhece a captura de escravos indígenas através de duas
formas, a “guerra justa” e o “resgate”, enquanto a história social acrescenta a elas a forma dos “apresamentos
clandestinos” (FARAGE,1991). No Nordeste os resgates existiram principalmente na fase litorânea, servindo
à interação entre colonos e grupos Tupi, enquanto os apresamentos clandestinos foram tão generalizados que
tornaram-se virtualmente incomensuráveis para nós hoje. De qualquer modo, o formato de “guerra justa”
assume aqui um significado mais genérico que o expresso na legislação colonial, ao o concebermos mais
como “estratégia” que como figura jurídica.
3
Nelson Barbalho publicou entre 1982 e 1988 uma coletânea de 16 volumes, com documentos produzidos
entre 1600 e 1828, intitulada Cronologia Pernambucana: subsídios para a história do Agreste e do Sertão, que
será largamente utilizada daqui em diante.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 19
repartirá igualmente pelas pessoas que forem à dita guerra...” (BARBALHO,1988:vol.7).
Como resultado, continuavam sendo comercializados escravos Tapuias capturados em
guerras justas4
. Impedimento real ou puro pretexto, a resistência indígena mobilizava
ações enfáticas por parte do governo imperial que, em 1700, mandava fazer
... guerra geral a todos os índios de corso, entrando-se por todas as
partes assim pelos sertões desta capitania da Bahia como pela de
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, para [...] fazer mais
formidável o nosso poder, e mais seguro o estrago dos contrários, e me
constar que de presente têm os ditos bárbaros destruído muitas
povoações e fazendas de gados com a morte das pessoas que nelas
assistiam, por cuja causa se despovoarão precisamente todas as mais
que os bárbaros ainda não tem chegado, o que será a ruina total do
Brasil... (BARBALHO,1988:vol.6)
Por força da guerra, iam sendo estabelecidos povoados pelo interior das extensas
sesmarias, ou mais além, que serviam como cabeças de ponte para a requisição de novas.
A maioria desses povoados eram constituídos pelas próprias populações apresadas ou
“amansadas”, por homens livres pobres e até mesmo por mocambos, que então ocupavam
e defendiam aquelas terras e suas fazendas contra o avanço de bandos indígenas
“selvagens”. A estratégia da guerra era assim complementada com a instalação dessas
povoações de índios mansos - aos quais se podia confiar o gado - ou com a permissão para
a instalação de pequenos rendeiros e agregados, que serviam como verdadeiras praças
fortes, garantindo a ocupação das grandes sesmarias ou até mesmo as ampliando, sem que
para isso os sesmeiros necessitassem da mobilização de qualquer cabedal.
3
Parcialmente sobreposta no tempo a esta primeira estratégia, tem lugar a estratégia
de conquista de homens e terras pela conversão. Neste caso, o gentio era encarado como
mão-de-obra livre e administrado por missionários, reunidos em territórios exclusivos
(normalmente uma “légua em quadro”). Eram recorrentes os enfrentamentos entre
fazendeiros e missionários, onde o poder de mobilização de mão-de-obra e terras pelos
religiosos era questionada militar e legalmente. Os jesuítas foram provavelmente os
primeiros a estabelecer aldeamentos no rio São Francisco, na década de 1650, tentando
realizar aí o que já haviam começado a experimentar no Amazonas, nos rios maranhenses
e nos rios Uruguai, Paraguai e Paraná, isto é, uma experiência de aldeamentos afastados
dos centros coloniais, na tentativa de evitar o fracasso da experiência litorânea. No São
Francisco no entanto isso se mostrou praticamente impossível5
, já que o rio era justamente
o eixo da colonização sertaneja (HOORNAERT,1992). Depois deles vieram os
capuchinhos, oratorianos e franciscanos. A empresa missionária dos capuchinhos
organizava-se de forma semelhante a dos jesuítas. Ambos trabalhavam com uma estrutura
6
Em 1710 chegavam à praça do Recife, 15 deles “pertencentes ao quinto de sua majestade”
(BARBALHO,1988:vol.7). Nas décadas seguintes, mesmo depois da escravidão indígena ter sido
formalmente proibida, continuam os registros de guerras contra levantes de aldeias, muitas vezes em aliança
com negros fugidos (BARBALHO,1988:vol.8).
5
No fim do século XVII, quando os jesuitas iniciam a instalação, no sertão de Rodelas, das missões de
Sorobabé, Curumambá e Acará, a Casa da Torre ordena ao seu sargento-mor e ao capitão da aldeia da
Vargem que expúlsem de lá os jesuitas, o que acontece no mesmo ano da fundação dos aldeamentos
(BARBALHO,1988:vol. 5).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 20
de apoio localizada nas cidades do litoral, no caso jesuíta os “colégios” e no caso dos
capuchinhos os “hospícios” e, a partir dessa estrutura permanente, de onde também
retiravam o principal de suas rendas, estendiam sua ação pelo sertão instalando aldeias.
Assim, os capuchinhos franceses, que já haviam se instalado em Olinda (1649) e Recife
(1656)6
, em 1760 alcançavam um total de dez aldeias sustentadas pelo “hospício” da Bahia
e sete pelo de Pernambuco. O rompimento de relações diplomáticas entre Portugal e
França em 1698, no entanto, encerrou esse trabalho que é assumido anos depois pelos
capuchinhos italianos (HOORNAERT,1992). Os oratorianos fundam cinco aldeias em
Pernambuco e no Ceará, também na metade do XVII, mas passam, poucos anos depois, a
restringir sua ação aos trabalhos “deambulatórios”, transferindo alguns de seus
aldeamentos para os franciscanos. Junto com essas aldeias os franciscanos assumem
também, no final do séc. XVII, as missões abandonadas pelos jesuítas depois de sua
expulsão por Pombal (idem).
Assim, simultaneamente à última autorização oficial para que se fizessem guerras
contra os bárbaros em Pernambuco, tem lugar a primeira iniciativa imperial de incentivo
aos aldeamentos. Em 1700, o rei escreve ao governador daquele estado exigindo a
implantação de novas missões religiosas que acelerassem o povoamento dos sertões e
recomendando que os padres destinados às missões fossem acompanhados por tropas para
evitar a “insolência dos bárbaros” e as investidas de latifundiários, em especial as da Casa
da Torre, que tanto vinham obstruindo o trabalho missionário no sertão pernambucano.
Como forma de viabilizar tais missões, neste mesmo ano, surge o alvará régio que
ordenava que “a cada missão ou aldeiamento se desse uma légua de terra em quadro para
o sustento dos índios e missionários, e que cada aldeia se compusesse pelo menos de cem
casais” sendo que tais aldeias “fossem situadas à vontade dos índios e não ao arbítrio dos
sesmeiros ou donatários” (BARBALHO,1988:vol. 6). Tais aldeamentos deveriam cobrir a
função de “fazer face às constantes invasões de Acaroazes e Mocoazes sobre os
estabelecimentos pecuários e granjarias da população civilizada” (idem) com alguma
vantagem sobre as tropas bandeirantes e as guerras justas, que dispunham nas mãos de
particulares um poder cada vez mais desconfortável para o Estado. Esse é um momento
decisivo na ocupação do sertão, quando é possível acompanhar o esforço imperial de
ampliar sua rede de ação pelo interior, em substituição à livre ação dos proprietários
privados. Tal avanço passava a depender de um duplo esforço, o de dominar índios e
fazendeiros ferozes, cada um tentando estabelecer territórios próprios, indiferentes aos
objetivos estatais e civilizadores.
Além do incentivo à criação de missões, o governo imperial em 1700, alarmado
com os “arbítrios da Casa da Torre”, manda que sejam criados juízes ordinários de cinco
em cinco léguas pelo sertão de Rodelas, para dar o necessário apoio àquela iniciativa. Mais
tarde, no entanto, comunicado das ameaças que esses começavam a receber, passou a
enviar também àquelas localidades “ministros do Rei” acompanhados de soldados para
que ficassem “entendendo seus habitantes régulos que eram vassalos de S. Mj. e que não
era poderosa a distância a fazer que não resplandeça neles a sua suma justiça...” e para
evitar que tais ousadias provocassem uma desordem tal que se passasse a ter “...nesse caso
6
A atuação dos capuchinhos, como a dos jesuitas, era relativamente independente dos métodos e dos
objetivos estritamente coloniais, por razão de sua vinculação não ao padroado local, mas à Propaganda Fide,
criada para se contrapor às estreitas relações entre ação religiosa e objetivos estatais na América, Ásia e
África (HOORNAERT,1992).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 21
por muito maiores inimigos os nossos portugueses que os próprios índios...”7
(BARBALHO,1988:vol.6).
Nesse quadro a Igreja e suas missões surgiam como um recurso mais adequado e
cada vez mais necessário, como sugere a lei também outorgada nesses primeiros anos do
século XVIII, que proibia a implantação de fazendas de gado a menos de 10 léguas da
costa brasileira, por exigência dos senhores de engenho. É desta época que temos as
primeiras notícias da região sertaneja que nos interessa particularmente, conhecida então
como distrito da cachoeira de Paulo Afonso, quando é implantada aí a primeira fazenda de
gado, acompanhada de sítios de cultura, casas de agregado, currais etc. Acompanhando
esse grande incremento do avanço sobre o sertão, os capuchinhos são reintroduzidos no
trabalho missionário, mas agora através de um grupo italiano que, chegado em 1705, herda
os “hospícios” e aldeias de seus antecessores e criam duas prefeituras apostólicas, uma na
Bahia (1712) e outra, por desmembramento dessa primeira, em Pernambuco (1723). Como
resultado, em 1745, podem ser contadas 12 missões nas ilhas e às margens do São
Francisco.
Quadro 1
Relação dos aldeamentos de Missões religiosas de Pernambuco em 1745
Aldeia/missão Ilha Missionários Grupos reunidos
N. S. de Belém Acará capuchinhos
italianos
Poru e Brancararu
Beato Serafim da Várzea capuchinhos
italianos
Poru e Brancararu
S. Félix dos Cavalos capuchinhos
italianos
Cariri
S. Antonio Irapuâ capuchinhos
italianos
Cariri
N. S. da Piedade Inhamum franciscanos Cariri
N. S.dos remédios Pontal ? Tamaqueu
S. Maria S. Maria ? ?
N. S. do Pilar Caripós ? Caripó
N. S. do Ó Sorobabé ? Poru e Brancararu
N. S. da
Conceição
Assunção ou
Pambu
? Cariris
N. S da
Conceição
Aricobé ? Caboclos da língua
geral
(Fonte: BARBALHO,1988:vol.7)
É preciso fazer referência às dificuldades que essas missões encontravam em
imobilizar tais populações em territórios por eles administrados, o que provoca inúmeras
queixas de administradores com relação às “fugas” de índios das suas respectivas missões.
É comum que tais fugas sejam imediatamente ligadas a uma irredutível resistência
indígena à dominação, entretanto, como foi apontado para outro contexto
(MONTEIRO,1994), elas apresentavam uma grande ambiguidade, que pode não encaixar-
7
Acompanhavam ainda outras reformas administrativas no sentido de estreitar o controle administrativo
sobre aquelas terras, como a criação dos “juízes de fora”, ouvidores de comarcas e a subdivisão da Província
de Pernambuco em duas comarcas, uma de mesmo nome e outra denominada Alagoas (idem).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 22
se exatamente neste modelo de resistência que normalmente lhe é imputado. John
Monteiro chamou a atenção para o fato de tais fugas muitas vezes servirem como
mecanismo e trunfo de negociação entre índios e administradores, já que através delas os
índios podiam se engajar em outros aldeamentos cuja administração se mostrasse mais
branda ou “legítima”, segundo um padrão estabelecido na própria relação entre dominador
e dominado. Através de alguns depoimentos documentados em inventários ou processos
judiciais, Monteiro identifica como algumas das motivações destas fugas a recusa em
servir aos herdeiros do antigo senhor, a busca de parceiras para casamentos em outras
aldeias, a recusa em aceitar um novo dono imposto por venda, o tratamento mais brando
de um senhor com relação ao outro, numa relação de casos em que o fugido, em lugar de
sair definitivamente dos aldeamentos, procurava paradeiro em outros. Dessas observações
Monteiro destaca como tais fugas serviram para reduzir as tensões inerentes à relação
senhor/escravo e para realizar uma redistribuição de mão-de-obra, já que elas acabaram
sendo capitalizadas por alguns senhores mais fortes, que conseguiram reverter em seu
benefício uma forma potencial de resistência ao sistemas de trabalho forçado, recusando-
se, inclusive através da força, a restituir os “fugidos” aos seus antigos donos.
No caso dos aldeamentos das margens do São Francisco, a ambigüidade das fugas
nos interessa no que ela revela, não do sistema de aldeamentos e de sua possível crise, mas
de um determinado padrão de mobilidade daquelas populações étnicas que, se também
pode ser buscado em formas culturais anteriores aos aldeamentos, certamente encontram
razão num dos efeitos específicos da dinâmica de territorialização dos próprios
aldeamentos, quando estes, a fim de maximizar sua administração, juntavam e repartiam
grupos de diferentes origens, criando com isso laços sociais e políticos entre aquilo que os
missionários e outros administradores concebiam como unidades administrativas
estanques.
Assim, sem negar uma dimensão de resistência a estas translações, elas muitas
vezes não levavam às matas, mas a outros aldeamentos. Em 1698 por exemplo, dava-se
notícia de fugas de índios “sem razão alguma aparente para fazê-lo”, das missões da
diocese de Olinda (que alcançava todo o sertão pernambucano do São Francisco) para as
missões da Bahia, acarretando, segundo o Bispo de Olinda, “quebra de produtividade,
desordens nos trabalhos religiosos etc.” (BARBALHO,1988:vol. 6). Reclamações do
mesmo tipo perduraram ao longo da documentação até as primeiras décadas do século
XVIII, levando a sérias desavenças entre os administradores provinciais desses estados
que, depois de terem disputado as posses de diversas missões das ilhas do São Francisco,
em 1728 e 1773 (BARBALHO,1988:vol.8), viam nessas fugas uma perda substancial de
mão-de-obra e riqueza (LIMA SOBRINHO,1929). As razões que não eram aparentes aos
missionários e administradores parecem estar na composição étnica desses aldeamentos,
que reuniam uma grande variedade de grupos e que, em muitos casos, os separavam de
suas metades, alocadas em outros aldeamentos, junto a outros grupos. Isso é reforçado pela
observação de que, ao contrário dos casos relatados por Monteiro para São Paulo, nos
aldeamentos do São Francisco tais fugas não eram individuais, nem se constituíndo como
fugas em massa. Sua escala parece ter sido familiar.
Aproveitando-se dessa grande mobilidade indígena, em 1884 a junta governativa
de Pernambuco ordenava ao diretor do aldeamento de Cimbres o empréstimo de dois
casais de “índios inteligentes” e de boa conduta para a nova missão de Jacaré, no alto
sertão, “a fim de ensinar aos desta missão a cultura das terras e mais serviços em que se
deviam empregar para a sua subsistência”. O aldeamento de Jacaré localizava-se na Serra
Negra, sendo ocupado por cerca de 200 habitantes oriundos das tribos Pipipões, Omaris,
Chocós e Caracús, anteriormente fugidos de missões da beira do São Francisco. Assim,
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 23
existe um aspecto de grande relevância nessas “fugas” que está no que elas revelam, já a
partir de um período tão recuado, de uma dinâmica que nos será fundamental para a
construção do próximo capítulo. A ambigüidade das fugas neste contexto está no fato
delas traçarem um trajeto que não parte em linha reta dos aldeamentos para o espaço
selvagem, mas que desenha um ou vários circuitos de troca de homens e informação
(fatual e cultural) entre os aldeamentos.
4
No último quartel do séc. XVIII a política e a administração estatais passam por
transformações relacionadas ao projeto iluminista imposto por Pombal que produzem eco
na política de conquista colonial. Em função das disputas entre jesuítas e fazendeiros de
um lado (principalmente no Maranhão e Grão Pará), e das tentativas de reordenar as
formas econômicas na colônia de outro, é extinta a escravidão indígena e, em 1775 é
retirado o poder temporal dos missionários sobre os aldeamentos. Complementando essas
medidas e dando sentido a elas, em 1758 ordena-se a transformação dos aldeamentos em
vilas e dos missionários em párocos e, em 1775, passa-se a incentivar os casamentos
mistos, entre portugueses e índios (FARAGE, 1988, CUNHA,1992 e HOORNAERT,
1992). Tais emancipações administrativas preparavam a terceira estratégia de conquista,
marcada pela intenção explícita de romper com o isolamento relativo em que os
aldeamentos encerravam os indígenas. Numa tendência oposta, a administração pombalina
passa a incentivar e orientar a ocupação não indígena dos aldeamentos, na tentativa de
assimilar física e culturalmente os índios, criando uma população mais homogênea.
Se a estratégia da guerra concentrava energias em abrir terras e criar mão-de-obra
compulsória, na forma do escravo indígena, com altos custos militares e uma grande
dispersão da população que conseguia resistir, a estratégia da conversão também vinha
liberar terras, mas através da reunião da população indígena fragmentada pelas investidas
militares, colocando-a fora do alcance imediato dos proprietários de terras e do governo. A
estratégia da mistura surge nesse contexto como um avanço e uma economia, através do
apaziguamento de interesses conflitantes dentro de um múltiplo processo de colonização.
Transformar em “nacionais” as populações indígenas significava finalmente acabar com
todas as figuras de reserva, seja de terra ou de mão-de-obra, que então passam a estar
livres para sua mercantilização. Assim, no lugar das várias aldeias situadas nas ilhas do
São Francisco, é criada, em 1761, uma única vila, a de N. S. de Assunção. O mesmo
acontece com a missão de Santa Maria e com as de Cimbres e de Monte Alegre em 1762, e
com a de Palmeira dos Índios e outras, localizadas na Paraíba, no ano de 1763
(BARBALHO,1988:vol.8). Uma estratégia que mais tarde seria formalizada como
proposta de governo para a província de Pernambuco, como veremos a seguir, e que
durante a república continuaria sendo reeditada, mas então sob uma tradução cientificista e
humanitarista, na forma da doutrina indigenista de transformação daquelas populações em
trabalhadores nacionais.
Mesmo em 1808, quando se volta atrás em alguns avanços do diretório pombalino
e se re-instituem as guerras justas com o direito à escravização indígena, o ideário estatal
já está tão comprometido com esta nova perspectiva que essa segunda escravidão é
apresentada como temporária e revestida de uma justificativa pedagógica que presta contas
ao ideário de mutação daquelas populações: aqueles que ficassem responsáveis pelos
indígenas apresados deveriam ministrar-lhes o ensino agrícola, ofícios mecânicos e ensino
religioso. Ganhava a forma de lei uma mudança de perspectiva fundamental: o índio não
era mais pura alteridade que tem a qualidade da autonomia mas que por isso deve ser
objeto de destruição, ele agora é parte da população de súditos que forma o todo orgânico
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 24
que dá conteúdo à idéia de civilização e por isso não é mais objeto de destruição, mas
também não é mais autônomo e sim massa moldável, objeto de intervenção
transformadora.
Intensifica-se e explicita-se com isso, principalmente no Nordeste, a política de
reunião de diferentes grupos indígenas nos mesmos aldeamentos como forma de
homogenizá-los racial e socialmente, reduzindo o número de aldeamentos e tornando-os
mais densamente povoados, acelerando também a liberação de novas terras
(RIBEIRO,1970). Com a lei de terras de 1850, inaugura-se uma política fundiária ainda
mais agressiva através de uma decisão agregada àquela lei, que mandava incorporar aos
“próprios nacionais” as terras das aldeias de índios que “vivem dispersos e confundidos na
mesma população civilizada” (apud CUNHA,1992). Assim, depois de quebrada sua
resistência militar e introduzidos na lógica colonial pelas missões, essa nova orientação
leva-os à mestiçagem, estratégia agora mais eficaz de encaminhá-los ao desaparecimento.
Por isso, nesse último momento, os argumentos para a definição de uma política dirigida a
esses grupos já não eram apenas de caráter fundiário ou quantitativo, em que se acusava a
necessidade de novas terras ou a presença de poucos índios para a redução ou agrupamento
de aldeias, mas qualitativo, de caráter comportamental, onde se pretendia avaliar se
aquelas populações continuavam aparentando ou não serem indígenas, depois de toda uma
longa política de conversão e mistura; se elas continuavam ou não realizando suas
tradições, depois de serem tantas vezes reprimidas pelos poderes locais.
Em Pernambuco, a própria comissão criada para percorrer o estado, discriminando
quais seriam as terras públicas, é incumbida também de contar e medir as terras dos
aldeamentos indígenas, preparando-os para o ato de extinção.
5
É numa situação que revela a passagem as estratégias de conversão e de mistura,
que os primeiros registros do etnônimo Pankararu foram localizados, num levantamento
realizado por Hohental (1960). Num relatório do ano de 1702, referente à aldeia de N. S.
do Ó, organizada por missionários jesuítas na Ilha de Sorobabé, rio São Francisco, este
pesquisador encontra a primeira referência ao etnônimo: os “Pancararus” são citados junto
a outros três grupos, os Kararúzes (ou Cararús), os Tacaruba e os Porús. O aldeamento é
bem anterior a esta data e Hohental permite sugerir que os Pancararú e os Porú teriam se
agregado a ele entre 1696 (ano de um outro relatório em que não são citados) e 1702. Mais
tarde, os Pancararú e os Porú, que aparecem novamente associados, são localizados em
outros dois aldeamentos: no do Beato Serafim, em 1846, e no de N. S. de Belém, em 1845,
organizados por capuchinhos italianos nas ilhas da Vargem e do Acará, também no São
Francisco.
Já a localização dos atuais Pankararu, num dos contrafortes da Serra Grande ou
Serra da Borborema, próxima às margens do São Francisco, entre os municípios de
Tacaratu e Petrolândia, está associada ao registro de um quarto aldeamento, designado por
“Brejo dos Padres”, cuja origem e administração não é plenamente esclarecida pela
documentação e do qual sabe-se apenas que deve ter sido criado no início do século XIX
por oratorianos ou capuchinhos, possivelmente em 1802 (HOHENTAL,1960), a partir do
ajuntamento dos Pancararú e Porú com outros grupos identificados como Uman, Vouve e
Jeritacó (BARBALHO,1988:vol.8).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 25
Para que ganhe sua real dimensão de território de reunião, de mistura étnica, onde
são reunidos os mais diferentes grupos a fim de tornar mais fácil a produção do “caboclo”,
seria necessário acrescentar que a esta multiplicidade de denominações pode ainda ter se
somado, em função das reiteradas tentativas estatais e missionárias, grupos “brabios” da
Serra Negra, e a essas denominações tenham vindo se somar famílias de grupos hoje
conhecidos por Kambiwá e Kapinawá e de outros que já não é possível recuperar
(DOC.:1) 8
.
Além disso, segundo sua tradição oral, os Pankararu seriam “parentes” dos
Pankararé, hoje localizados no Raso da Catarina, estado da Bahia, dos quais teriam se
separado por fissão de um grupo anterior, a partir do desmembramento de um primeiro
aldeamento localizado no então designado Curral dos Bois (BA) (HOHENTAL,1960).
O aldeamento do Brejo dos Padres constituiu-se, assim, como fruto da estratégia de
desterritorialização e reterritorialização que levou ora à repartição, ora à concentração de
diferentes grupos étnicos num mesmo espaço restrito. Estes estavam geralmente bastante
próximos a uma promissora povoação, no caso Tacaratu, à qual poderia servir como
reserva de mão-de-obra. Assim, o aldeamento do Brejo dos Padres poderia ser
progressivamente “misturado”, para transformar-se, num futuro próximo, ele também,
numa próspera povoação, como qualquer outra.
A mecânica do fim
1
A lei de terras de 1850 dá início a uma série de alterações na organização do campo
em Pernambuco. Os trabalhos de discriminação das terras públicas são acompanhados das
políticas simultâneas de libertação dos escravos através do fundo de emancipação do
8
Para maior comodidade do leitor, limpeza do texto e facilidade de consúlta, optamos em numerar
sequencialmente os documentos que utilizamos ao longo do texto e relacioná-los numa única lista de
documentos citados ao final do trabalho.
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 26
Império, da tentativa de implantação da imigração norte-americana e das remodelações de
um determinado padrão de controle da mão-de-obra rural pobre, realizado na forma de
diferentes tipos de “colônias” que então são criadas, extintas, transformadas, agrupadas,
numa intensa busca da medida exata entre a tutela daquela população, que a ordem
demandava, e a liberação de homens e terras, que o progresso pedia. Por isso, a extinção
dos aldeamentos indígenas no Nordeste, e especificamente em Pernambuco, não pode ser
pensada apenas como desenvolvimento de uma série de ações que poderíamos ordenar
cronologicamente, sob a idéia de uma política indigenista com lógica própria, mas antes,
ela deve ser compreendida dentro deste quadro de alterações que compõem a reordenação
dos padrões de intervenção e controle sobre a população rural pobre nordestina num
momento de transição das relações de trabalho para o capitalismo
Foi no bojo desse processo e no contexto de ação da Comissão de Demarcação das
Terras Públicas da Capitania de Pernambuco, em 1857, que se realizou o único
levantamento sistemático sobre a situação das aldeias indígenas existentes no Pernambuco
do século XIX, ao qual temos acesso através de um relatório da Diretoria de Índios de
Lages (DOC.:1). Apesar do seu caráter extremamente sucinto, esse levantamento nos dá
uma espécie de instantâneo insuspeito dos últimos momentos de existência daqueles oito
aldeamentos. Suas informações substantivas podem ser resumidas no quadro da próxima
página.
Com exceção do aldeamento de Assunção, o relatório cita atos de expropriação
territorial em todos os outros, realizados por meios mais diretos e violentos ou através de
mecanismos legalmente regulamentados. A descrição fornecida pode ser reordenada de
forma a nos ajudar numa aproximação dos mecanismos acionados. No caso do
Aldeamento de Escada, por exemplo, existiam três tipos de ocupações legais, conflitantes
com a posse indígena. A primeira era urbana: no centro da aldeia estava localizada a Vila
de Escada, com 238 casas, em sua maioria de não índios, pagando um real de foro por
palmo ocupado. O segundo tipo correspondia a dois grandes arrendamentos de mil braças
em quadro cada. Nenhum dos dois arrendatários no entanto pagava o foro devido à
Diretoria Geral de Índios e, num dos casos, nem o limite das mil braças era respeitado,
tendo seu arrendatário avançado sobre novas terras para a instalação de engenhos de
açúcar. O terceiro tipo de destinação era a dos pequenos arrendamentos, renováveis
trianualmente, cuja quantidade não é mencionada. Como a documentação deixa perceber, a
situação de arrendamento permite ao arrendatário ultrapassar progressivamente os limites
de seus lotes e avançar sobre o restante das terras, geralmente através da derrubada das
matas que demarcam os limites entre suas áreas e a dos aldeados.
No caso de Barreiros a “Aldêia foi situada sem medição” no centro das terras
concedidas (não fica claro se antes ou depois) a João Paes Velho, que então a faz remover
para outro lugar e com sua extensão reduzida a apenas uma “légua em quadro”, em lugar
das quatro a que teria direito. Além disso, as bordas do aldeamento passam a ser
arrendadas para a edificação de engenhos de cana de açúcar, sendo que apenas parte desses
arrendatários pagavam os foros devidos. Com a tentativa da Diretoria corrigir a situação,
os rendeiros inadimplentes, revoltados com as cobranças, passaram a arrancar os marcos
dos limites e a invadir o restante das terras do aldeamento, reduzindo drasticamente aquela
última légua em quadra que restara à população aldeada. Outro exemplo da prática de
arrendamentos das terras do aldeamento para a edificação de engenhos, mas num momento
ainda não conflitivo, pode ser encontrado no aldeamento do Brejo dos Padres, que assistia
ao surgimento de diversas plantações de cana e à construção de várias moendas, parte
pertencente aos índios e parte pertencente “a divêrsas pessoas do povo que não tem pago
foro a esta Aldêia” (idem).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 27
Quadro 2
Aldeamentos de Pernambuco em 1857
Nome Comarca Localização Distância
de Recife
População indígena Dimensões
1 - Aldeia
da Escada
Vitória margem oriental
do Ipojuca
10 léguas 212 em 68 famílias 4 “léguas em
quadro”, invadidas
em 2 léguas
2 - Aldeia
de Barreiros
Rio
Formoso
margem sul do
rio Uma
23 léguas 460 em 191 famílias 4 “léguas em
quadro”, quase
totalmente invadida
3 - Aldeia
de Cimbres
Brejo da
Madre de
Deus
Serra do Orubá,
até as margens
do Ipojuca
64 léguas 789 em 238 famílias sem medição oficial,
com cerca de 3 x 2
léguas
4 - Aldeia
de Águas
Bellas
Garanhuns margem norte
do rio Panema
90 léguas 382 em 96 famílias os marcos foram
arrancados por
proprietários
vizinhos
5 - Aldeia
da Baixa
Verde
Flores ? 110 léguas foram dispersados por
fazendeiros vizinhos
6 - Aldeia
do Brejo
dos Padres
Tacartu ? 120 léguas 290 em 98 famílias 2 “léguas em
quadro”
7 - Aldeia
da Assunção
Boa Vista Ilha do rio São
Francisco
128 léguas 177 em 64 famílias 5 léguas na maior
largura da ilha, alem
de outras ilhas para
plantações
8 - Aldeia
de Santa
Maria
Boa Vista 3 ilhas contíguas
do rio São
Francisco
132 léguas 124 em 29 famílias,
reagrupadas depois
de dispersadas por
fazendeiros vizinhos
-
(Fonte: DOC.:1)
Nos casos dos aldeamentos de Címbres e de Assunção, as suas terras estavam
sendo “esbulhadas” pelas Câmaras Municipais, sendo que o esbulho do aldeamento de
Assunção teria se completado pela ação de um juiz que, “a pretexto de pertencer o terreno
da Aldêia ao Patrimônio da Matriz, fez por em praça e foi arrematada a Ilha ... a hum
cunhado deste, e igualmente foi arrematado tudo o que pertencia a Aldêia por
insignificante preço” (idem). O mesmo mecanismo é usado também em Águas Belas com
resultados diferentes, já que depois da destruição dos marcos fronteiriços os próprios
índios passam a pagar foros ao pároco local, sob a alegação de que eles teriam doado as
terras a Nossa Senhora e, assim sendo, elas teriam passado a ser da Igreja e estar sob a
administração do seu representante, o pároco.
Na Baixa Verde e em Santa Maria a expropriação se realiza por puro ato de
violência. No primeiro caso, foram assassinados o Diretor de Índios e 60 aldeados, o
restante do aldeamento foi dispersado e “livres pessoas do povo”, “Próprios Nacionais”,
passaram a ocupar as suas terras. Já no segundo, a tomada das ilhas pelos fazendeiros foi
acompanhada da perseguição à sua população que então “se tem incorporado as ordas
selvagens que habitão a Serra Negra” (idem).
São assim mecanismos de expropriação: A) as terras arrendadas no interior dos
aldeamentos cujos foros deixam de ser pagos ao mesmo tempo em que suas extensões se
expandem; B) a reivindicação, por párocos, das terras doadas à Santa como pertencentes à
Igreja e por isso devendo estar sob sua administração; C) as transferências para outros
locais com suas áreas reduzidas; ou simplesmente D) o massacre e a expulsão. Este é o
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 28
leque das ações do progressivo desaparecimento físico dos aldeamentos que momentos
antes serviam para reunir grupos dispersos. Como resposta, restavam a esses grupos
poucas opções: ou o acordo com relação ao pagamento pelas terras que usavam, ou a fuga
para os agrupamentos de índios que ainda, em fins do séc. XIX e em pleno Nordeste,
mantinham-se arredios, refugiando-se neste último símbolo de resistência, a Serra Negra.
De outro lado, esse relatório deixa entrever que o tipo de atuação concreta restava à
Diretoria de Índios: A) um precário serviço de “aviventamento” dos marcos das aldeias,
tornando apenas mais visível o que era na verdade uma fronteira bastante frágil, B) a
reivindicação na justiça dos terrenos subtraídos ilegalmente, caso em que “...para
reivindicar o terreno [era] precizo autorização para a despeza que deve fazer-se em
diversos pleitos”, autorizações essas que, como diz o autor, dificilmente eram atendidas; e
C) uma tênue tentativa de mediação legal dos interesses conflitantes, para a qual faltava
em muitos casos interesse, em outros autonomia: “... e não está a Diretoria Geral
autorizada para receber esses foros do acordo para demarcar o terreno por que nenhumas
ordens do Governo tem recebido a tal respeito” (idem).
Sua atuação limitava-se ao exercício de uma autoridade muito frágil que só obtinha
sucesso quando era possível reproduzir entre a Diretoria e os invasores ou arrendatários
inadimplentes a mesma relação de poder da qual se pretendia proteger os aldeamentos
indígenas. No caso de Águas Belas por exemplo, depois de informar que quase todos os
marcos já haviam sido destruídos pelos proprietários vizinhos, o autor do relatório diz que
o “Diretor Actual” pretendia remediar o problema investindo sobre aqueles “usurpadores
mais recentes”, pela razão destes não serem “potentados”, ainda que alguns já tivessem se
adiantado em oferecer o pagamento de rendas à aldeia.
Ao final da sumária descrição, o autor faz sugestões de intervenção que, acreditava,
poderiam solucionar tanto as queixas dos fazendeiros que tinham seu gado furtado por
“selvagens”, quanto as queixas dos índios “esbulhados”, com as quais “a Diretoria Geral é
efetivamente atormentada”. O primeiro passo seria retomar as terras usurpadas e aviventar
todos os marcos dos aldeamentos, porque isto feito os índios teriam condições de produzir
o suficiente para suprir não só as suas próprias necessidades, como para cobrir as despesas
mais urgentes das outras aldeias. Como prova de sua viabilidade o autor cita os
aldeamentos de Escada e de Águas Belas, que têm “...conseguido fazer alguns
arrendamentos que já chegam para socorrer os índios enfermos, órfãos e velhos
decrépitos” e ainda alcançar um saldo que era administrado pela “Diretoria”. Conseguidas
as terras usurpadas, o segundo passo seria distribuir as ferramentas necessárias à lavoura e
reorganizar os aldeamentos segundo um regulamento semelhante ao das Colônias
Militares, acompanhado da construção de uma Casa de Correção em cada comarca “...
onde fossem penitenciados os proletários que se recusam a trabalhar”, assim como aqueles
que fugiam das aldeias. Ao se tornarem produtivas, acrescenta o autor, as aldeias estariam
também fornecendo à agricultura mais “dois mil colonos aclimatados e robustos”, num
momento em que justamente se reclama da “falta de braços”. Se aquela imensa massa de
proletários que vagava ociosa por todo o interior da província impunemente, diz o
relatório, fosse reunida em aldeamentos/colônias militares, ela daria mais impulso à
lavoura que aqueles colonos europeus, trazidos ao país ao custo de vultosos recursos e que
sofriam de todos os problemas de adaptação ao clima.
Temos aqui reunidos então, os principais elementos que constituirão, décadas
depois, durante o regime republicano, as propostas de militares positivistas e das elites
agrárias que vieram a se alocar no Ministério da Agricultura Indústria e Comércio. Não são
as mesmas propostas porque as idéias não percorrem o tempo descarnadas e, a cada
momento, é necessário situar a produção dos quadros de referência e do jogo de relações
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 29
políticas que lhes dão um sentido preciso, como veremos a seguir. Mas, se concordamos
em descartar o fantasma das continuidades históricas e a busca das origens, em oposição a
eles não podemos criar o fantasma da descontinuidade e da originalidade, que nos leva a
desconhecer que os aparelhos estatais e os momentos históricos muitas vezes recriam o
mesmo e que, se o seu quadro ideológico dá uma coerência às suas propostas, elas na
verdade podem estar “requentando” práticas e discursos muito anteriores, gerados em
contextos ideológicos mais ou menos distintos.
2
Assim, as soluções propostas pelo relatório de 1878 têm o seu próprio contexto, o
quadro mais amplo de idéias que estavam em pleno debate, no Pernambuco do final do
séc. XIX, mas que seriam aplicadas apenas parcialmente, com base nos instrumentos legais
gerados pela lei de terras de 1850. Nesta década surge a “Sociedade Auxiliadora da
Agricultura”, que reunirá, com maior ou menor sucesso ao longo do tempo, proprietários e
comerciantes pernambucanos em morosas disputas intra-classe dominante no sentido de
uma modernização do campo. Nessas discussões surgia como fator de ameaça, mas que
podia ser convertido em fonte de recursos, a abolição da escravatura: o temor de ver seus
escravos libertos numa desordem que em seu imaginário sempre remetia ao Haití, era
contrabalançada pela proposta de mobilizarem-se por uma abolição “lenta e gradual”,
através de indenizações com o dinheiro público que, argumentavam, seria convertido na
modernização dos engenhos e na imigração estrangeira (a americana), fundamentais para
sanar a reclamada “falta de braços” e modernizar o campo (BOMPASTOR, 1988)
Na verdade, como nos lembra Bompastor, a abundância de mão-de-obra no campo
tornava os proprietários indiferentes à imigração, que rapidamente fracassou, mas a
retórica da “falta de braços”, converteu-se na conquista das indenizações e na criação de
expedientes que respondiam às
“constantes reclamações [...] por leis que reprimam a vadiagem e
instituam o trabalho compulsório e a residência fixa para a população
pobre livre, principalmente depois das grandes secas da década de 70
que deslocaram para a zona da mata grande contingente de população
do agreste e sertão, contribuindo na ameaça à ordem e às propriedades
dos 'homens de bem'. “ (Memorial de Joaquim A. dos Santos Souza,
apresentado ao Congresso Agrícola de Pernambuco. apud
BOMPASTOR, 1988)
Expedientes que visavam à repressão da “vagabundagem” e da “ociosidade”
através de um “regime policial severo, a que deverão estar sujeitos todos os indivíduos
sem arte e sem ofício” (idem). Assim, respeitando essas orientações, a década de 18709
assiste a um rápido desaparecimento dos aldeamentos, sob a alegação padronizada de que
“os poucos índios que ali habitam, acham-se já confundidos na massa geral da população”,
como foi alegado ainda em 1869. Segundo o Barão de Buíque, Diretor Geral dos Índios em
1872, os aldeamentos que ainda existiam na província “conviria reduzir a um ou dois” 'já
que “em geral não vão bem nos aldeamentos, e dão-se continuamente conflitos, por causas
das terras” (DOC.:2).
9
As informações que se seguem foram extraidas da leitura de relatórios dos presidentes de província de
Pernambuco, microfilmados na Biblioteca Nacional (código PR-SPR 115. Rolos de 1 a 7, correspondente ao
período de 1838 a 1889).
Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 30
De fato, nessa década os aldeamentos são extintos sumariamente, guardando o
tempo apenas necessário para a medição das suas terras e sua repartição em lotes. Em 1869
eram registrados ainda oito aldeamentos em Pernambuco, sendo já iniciado o processo de
extinção de alguns deles: Brejo dos Padres, comarca de Tacaratu, Urubá, município de
Cimbres; Santa Maria da Boa Vista, município de Boa Vista; Assunção, na ilha da
Assunção, comarca de Cabrobó, Barreiros, município de Barreiros, Panema, da fregusia de
Águas Belas, município de Buíque; Baixa Verde, município de Flores; Escada, município
de Santo Antão (DOC.:3). Seis anos depois, o governo provincial já teria reduzido esse
número para quatro (DOC.:4).
3
A concentração desses desaparecimentos num estrito período de tempo pode ser
explicada com o recurso a três alterações de contexto: o impacto da lei de terras de 1850, a
aproximação da abolição e a conseqüente reorganização do controle sobre a população
pobre rural, como já foi visto. Mas também deve-se ao avanço efetivo de uma malha de
estradas de ferro e carroçáveis que alcançou tardiamente, em meados do século XIX, o
sertão interior, criando novos núcleos economicamente ativos e valorizando as suas terras.
Assim, se em 1802 era criada “a primeira estrada tronco-central de Pernambuco” cobrindo
um total de 59 localidades e alcançando os sertões do Panema e do Moxotó, num formato
semelhante ao da atual BR 232 (BARBALHO,1988:vol.12), em 1872, haviam se
acrescentado a ela quatro estradas de rodagem, sendo apenas 2 centrais, a de Santo Antão e
a de Limoeiro, que avançavam pouco mais de 50 km pelo interior da província (DOC.:2).
Um outro roteiro foi estabelecido pela Estrada de Ferro São Francisco, que também passou
a servir como meio de progressivo incremento das localidades interioranas.
Mas, a estrada que seria responsável pelo impacto mais direto sobre a região onde
se localiza o aldeamento de nosso interesse seria finalizada em 1882: a Estrada de Ferro
Paulo Afonso, cuja estação final era a localidade de Jatobá, à beira do São Francisco
(DOC.:5). Entre essa localidade e a vila de Tacaratu, no alto da serra, estava o aldeamento
de Brejo dos Padres. O impacto de uma estrada de ferro não era desconhecido pelos
proprietários e poderes locais e pode-se ter uma idéia da valorização das terras da região
através das transformações que lhe sucederam: dois anos depois da sua inauguração, era
iniciada a construção da primeira igreja da localidade, antes servida apenas pela de
Tacaratu, por iniciativa de um frei capuchinho e do engenheiro chefe da ferrovia e, apenas
cinco anos depois, em 1887, aquela minúscula localidade já tinha crescido o suficiente
para ser elevada à vila e tomar para si o papel de sede do governo, antes localizada em
Tacaratu.
A esta altura já tinham sido realizadas as recomendações do engenheiro José Luiz
da Silva, da Comissão de Demarcação de Terras Públicas, segundo as quais não era
necessário que restasse nem mesmo um aldeamento em Pernambuco, sendo suficiente a
demarcação de lotes familiares de 22500 braças quadradas, com a venda em hasta pública
das terras restantes. De fato, em 1878 já teriam sido todos extintos (DOC.:6). No discurso
oficial, a solução para os conflitos em que os aldeamentos estavam envolvidos era fazer
com que os próprios aldeamentos deixassem de existir. E, recomendava ainda, “não deve
perder de vista a precaução de ser privada ao índio contemplado na partilha dos terrenos a
faculdade do alienar os que lhe couberem porque só assim conseguir-se-há prende-los ao
solo e evitar que, abusando de sua bôa fé o defraudem por negociações lesivas os
especuladores” (DOC.:7). Uma recomendação que, já vimos, obedecia à orientação mais
geral de imobilização da população rural pobre como forma de solucionar a tão reclamada
“falta de braços”.
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  • 1. 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MUSEU NACIONAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL O Reencantamento do Mundo Trama histórica e Arranjos Territoriais Pankararu José Maurício Paiva Andion Arruti Rio de Janeiro 1996
  • 2. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 2 José Maurício Paiva Andion Arruti O Reeencantamento do Mundo Trama histórica e Arranjos Territoriais Pankararu Dissertação apresentada ao PPGAS do Museu Nacional, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Antropologia Social, realizada sob a orientação do Prof. Dr. João Pacheco de oliveira Filho e submetida à banca composta pelos Prof. Dr. Mariza Peirano e Otávio Velho. Rio de Janeiro fevereiro de 1996
  • 3. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 3 À Ana, Luciana e Jorcyra. Três mulheres que me inventaram.
  • 4. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 4 Resumo Este trabalho tem por objeto as condições sociais e simbólicas da “invenção cultural” e da “manipulação da identidade” entre grupos indígenas do Nordeste brasileiro, concentrando-se sobre uma dessas situações: o etnônimo Pankararu, localizado no sertão pernambucano do São Francisco, próximo à UHE de Itaparica. A análise desenvolve-se em dois planos, cada um deles correspondendo a dois capítulos. Propomos uma interprestação histórica sobre as emergências étnicas do Nordeste a partir das mudanças ideológicas e contextuais que levaram o órgão indigenista oficial a atuar na região e o novo padrão de indianidade gerado a partir daí, assim como das redes de contatos rituais e, depois, de mediadores políticos e religiosos que permitiram a deflagração das emergências (Cap.1). Apresentamos uma análise da emergência Pankarau e da construção de seu território a partir da série de intervenções e ressignificações entre burocracia e política nativa, que desembocam num “campo político autônomo” (Cap.2). Num segundo plano, propomos um modelo descritivo capaz de sintetizar, sem reduzir, o processo de construção e mutação territorial daqueles campo autônomo de novas relações sociais (Cap.3). Para em seguida investirmos sobre as dinâmicas de desterritorializações e reterritorializações que fogem ao recorte geométrico do território, descrevendo como uma topológica a constante produção da etnicidade (Cap.4).
  • 5. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 5 Agradecimentos O Macaco da Tinta Este animal existe em abundância nas regiões do Norte e tem quatro ou cinco polegadas de comprimento; os olhos são como cornalinas e o pêlo é negro azeviche, sedoso e flexível, macio como uma almofada. possui um instinto curioso: é grande apreciador da tinta nanquim, e quando as pessoas escrevem, senta-se com as mãos uma sobre a outra e as pernas cruzadas, esperando que tenham terminado, e bebe o que sobra da tinta. Depois volta a sentar-se de cócoras e fica tranqüilo. (J. L. Borges sobre Wang Ta-Hai, 1791) O pequeno animal que me acompanha e se alimenta de tudo que deixo de escrever, de tudo o que em meu discurso é lacunar, é falta, é incompletude, está sobre a mesa à minha frente. Ele me olha mais excitado que o de costume, sabe que nestas páginas se alimentará em fartura. Como cumprir aqui a tarefa do contra-dom? As dívidas nunca são saldadas. Muitos sentimentos opostos combinam-se em mim neste momento em que escrevo as últimas páginas deste trabalho. Dois deles são francos lugares comuns aos quais não consigo resistir. Talvez confirmando a força dos lugares comuns; com certeza revelando a razão já perdida das palavras rituais. A solidão do esforço de redação de um trabalho dessas dimensões (não físicas ou teóricas, mas existenciais), é algo que se sente a todo instante, a cada parágrafo, a cada dia, a cada fita transcrita, a cada queixa anotada nas margens do caderno-de-campo, a cada maço de fotos constantemente repassado, na busca de reminiscências e sensações que escaparam à toda caligrafia. Ao mesmo tempo, nascendo de dentro desta solidão, a certeza de que não seria possível manter-se são se, espreitando-nos, não existisse este círculo amoroso e amigável; rostos que nos acenam de longe e prometem a recompensa do estar-ao-lado, depois que voltarmos à superfície. Muitos rostos me trouxeram à superfície e as listas são sempre infiéis. Fico, por isso, com a menor delas. Emerson e Fabíola, por tudo de descoberta conjunta e recíproca; Aline, Edu e Priscila, grandes empréstimos que aos poucos foram transformando-se em conquistas; Nora e Jaime pela constante provocação e apoio (incluíndo o apoio definitivo de suas casas nos momentos finais de redação); e como não?, minha família, José, Jorcyira, Izabella, Alessandra e Lola (minha segunda mãe). Ao meu orientador, o professor João Pacheco de Oliveira Filho, agradeço a total liberdade e confiança em meu trabalho. Alguns mostraram extrema generosidade na leitura
  • 6. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 6 de trechos desta dissertação, como os professores Moacir Palmeira e Márcio Goldman (à época ainda mais professor que amigo) e os amigos Omar e, novamente, Emerson. O trabalho de campo, por sua vez, multiplica as dívidas e os afetos. Muitas pessoas mostraram-me que é possível ainda uma enorme dose de solidariedade com desconhecidos. Ivson, Sílvia, José Filho e, principalmente, Vânia, foram fundamentais em Recife. Guga (da ANAÍ-BA), recebeu-me com simpatia e despreendimento em Salvador. Em Petrolândia (PE), Tacaratu (PE) e Paulo Afonso (BA), travei conhecimento e criei grande admiração pelo trabalho de uma equipe pastoral, donde acredito ter retirado amigos e gostaria de homenagear através do nome de Padre Adriano, sertanejo firme, que o acaso fez nascer na Itália. Em termos bastante concretos, esta dissertação não seria possível sem a bolsa fornecida pelo CNPq e a dotação (tipo-B) do Concurso Fundação Ford/ANPOCS, completadas durante o primeiro semestre de 1995 pela bolsa de assistente de pesquisa no PPGAS do Museu Nacional, oferecida por meu orientador. Nem sem o apoio da grande eficiência das funcionárias da secretaria e da biblioteca do PPGAS. Os colegas e professores deste programa também mereceriam um agradecimento especial pelo ambiente intelectual extremamente estimulante que me proporcionaram. Um momento absolutamente mágico se produziu nos meses finais desta dissertação. Minha filha Ana, nasceu em dezembro de 1995, quando tentava escrever as últimas páginas que você tem nas mãos. O caos e a felicidade que a sua chegada instauraram na minha vida são responsáveis por tudo de criativo que pode haver nessas páginas. A ela e sua mãe, Luciana, eu agredeço isto, o inominável, o imensurável, o tão simples sentimento de ser feliz.
  • 7. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 7 Conteúdo Resumo ............................................................................................................................................................. 4 Agradecimentos ............................................................................................................................................... 5 Conteúdo .......................................................................................................................................................... 7 Apresentação.................................................................................................................................................... 8 Notas sobre o percurso do autor ao texto. ................................................................................................... 10 Notas sobre o nome e a pessoa.................................................................................................................... 13 Capítulo 1 – Da visibilidade.......................................................................................................................... 14 PARTE 1: OS DESAPARECIMENTOS .................................................................................................... 14 A produção da invisibilidade................................................................................................................... 14 Estratégias da conquista........................................................................................................................... 17 A mecânica do fim................................................................................................................................... 25 Memória da violência.............................................................................................................................. 32 PARTE 2: AS EMERGÊNCIAS................................................................................................................. 41 A produção da visibilidade...................................................................................................................... 41 A produção das emergências ................................................................................................................... 46 A instituição das viagens ......................................................................................................................... 53 Levantar aldeia ........................................................................................................................................ 59 Capítulo 2 – Do governo ............................................................................................................................... 67 PARTE 1: DOMÍNIO TUTELAR .............................................................................................................. 67 Atos de fundação ..................................................................................................................................... 67 O governo das coisas............................................................................................................................... 79 PARTE 2: RESSIGNIFICAÇÕES .............................................................................................................. 92 Arranjos anteriores .................................................................................................................................. 92 Burocracia e magia.................................................................................................................................. 98 A representação indígena....................................................................................................................... 102 Estado-pai-patrão................................................................................................................................... 105 Capítulo 3 - Etnogeografia ............................................................................................................................ 113 Um território Semântico ........................................................................................................................ 113 Geografia Jurídica. ................................................................................................................................ 117 Geografia Ecológica. ............................................................................................................................. 121 Geografia Mítica.................................................................................................................................... 126 Geografia dos homens ........................................................................................................................... 130 Geografia dos recursos. ......................................................................................................................... 138 Geografia ritual...................................................................................................................................... 144 Capítulo 4 - Uma aldeia aberta .................................................................................................................. 158 Topologia .............................................................................................................................................. 158 Desterritorializações e reterritorializações ............................................................................................ 159 Antropologia das políticas de identidade............................................................................................... 169 Ser e não ser .......................................................................................................................................... 179 A construção do contraste...................................................................................................................... 186 Uma escrava e dois senhores ................................................................................................................. 196 Anexos: ......................................................................................................................................................... 201 A1 - A morte e a morte de Cavalcante....................................................................................................... 201 Por Ulisses Lins de Albuquerque: ......................................................................................................... 201 Por João Binga: ..................................................................................................................................... 202 A2 - A categoria de "Remanescentes Indígenas"....................................................................................... 203 A3 - Lista das entrevistas gravadas............................................................................................................ 204 Bibliografia .................................................................................................................................................. 206 Documentos Citados.................................................................................................................................... 211 Outros documentos consultados................................................................................................................. 214
  • 8. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 8 Apresentação “Brejo dos Padres” é o nome de um pequeno vale de terras úmidas e muito férteis, localizado em pleno sertão pernambucano. Seu formato alongado, semelhante a um anfiteatro voltado para as margens do São Francisco, deve-se ao espraiamento de uma das últimas ramificações do maciço da Borborema que penetra o estado de Pernambuco, onde onde, ao alcançar as margens daquele rio, ganha o nome de Serra de Tacaratu. Em fins do século XVIII foram reunidos ali, por obra de padres de uma missão da ordem de São Felipe Néry, um grupo de índios provenientes de diferentes tribos: ou transferidos de aldeamentos recém-extintos, ou fugidos da perseguição bandeirante, ou simplesmente recolhidos de sua perambulação vagabunda. Mesmo antes, segundo o que diz a parca mas orgulhosa história oficial do município de Tacaratu, quando a missão instalou-se no local, já existia alí uma maloca indígena denominada Cana Brava, formada pela reunião de índios Pancarus, Umaus Vouvês e Geritacós, presumivelmente do grupo lingüistico Kariri. Em 1878, um ato imperial extinguiu esse aldeamento, ocupado então por pouco mais de 350 índios. Ao extingui-lo, o governo imperial contou com a ajuda de alguns importantes membros das localidades vizinhas, Tacaratú e Jatobá, para organizar a redistribuição das terras daquele brejo entre os caboclos que permaneciam ali. Foram distribuídos, então, pouco menos de 100 lotes familiares suficientes para os caboclos do Brejo produzirem para suas famílias, crescerem e se misturarem definitiva e livremente à população local, prosperando em seu próprio interesse e de sua Comarca. Passados pouco mais de 60 anos, o Serviço de Proteção ao Índio funda no mesmo vale, denominado ainda Brejo dos Padres, o posto indígena Pankararu, reconhecendo na população local, de cerca de 1100 habitantes, legítimos remanescentes daqueles antigos habitantes do aldeamento extinto. Hoje, 55 anos depois, os Pankararu, que as estimativas oficiais dizem ultrapassar os 5000, não só cresceram e se multiplicaram como tornaram-se cada vez mais visíveis, no município, no estado e no país, saindo freqüentemente de seu torrão para apresentam o Toré nas capitais, como forma de reclamarem providências contra a invasão de suas terras. Não só não foram extintos como também se expandiram, dando origem a novos grupos, ou ajudando que outros emergissem e retomassem suas tradições. A primeira parte desta dissertação, além de começar a colocar aspas e itálicos nas expressões até agora utilizadas, se dedicará a explorar os movimentos que permitiram essas sucessivas passagens dos Pankararu de um estado ao outro. Nesta primeira parte, nosso interesse repousa na duração, isto é, nas seqüências de ações e seus desdobramentos no tempo, em que as relações e deslocamentos sociais, ainda que substantivamente espaciais, ganham sentido ao se sucederem e nessa sucessão mudarem de natureza, oscilando entre o invisível e o visível. Nada mais distante, portanto, do conselho de Fustel de Coulange que recomendava aos interessados em ressuscitar uma época, que esquecessem tudo que sabiam de fases posteriores da história. Ao contrário, como propõe W. Benjamin, o nosso procedimento é o da empatia. Interessa aqui voltar à experiência de uma população que viveu o continuum da
  • 9. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 9 história como sucessivos sobressaltados e silenciosos "estados de exceção" e que hoje, não menos sobressaltados, mas muito menos silenciosos, contorcem a flecha do progresso que para seus historiadores e antropólogos ausentes, corria livre num tempo vazio e homogêneo. Em outras palavras, essa primeira parte pretende apenas o que Christofer Hill reconheceu ser a necessidade das gerações que se sucedem: formular novas perguntas ao passado, encontrar novas áreas de simpatia na medida em que revivem distintos aspectos das experiências de suas predecessoras. Porque se o passado não muda, a história, ao contrário, é feita sempre no presente e para o presente. No primeiro capítulo, nossa argumentação se faz em torno dos processos de invisibilização e visibilização dos objetos e dos sujeitos sociais: aí descrevemos tanto a tecitura de uma larga rede de relações de alcance regional, capaz de manter e reativar circuitos rituais e criar uma reciprocidade política, quanto a produção de novas formas narrativas capazes de fazer com que certos aspectos da realidade, primeiro, deixem de ser e depois, voltem a ser enunciáveis. A partir daí foi possível construir uma relativa simetria entre alguns processos que caminharam em sentidos contrários e que podem ser expressos pela idéia de “conquista” (TODOROV,1993), num sentido que, no entanto, ultrapassa e subverte sua apreensão enquanto modalidade de guerra: a conquista da memória, a conquista da visibilidade, a conquista da simbolização identitária definem a relação entre os Pankararu - assim como muitos outros grupos indígenas - e o órgão indigenista oficial, onde cabe aos primeiros a iniciativa dos avanços e da "atração" para, de certa forma, colocar nos termos de um paradoxo a relação entre ideário e ação tutelar. Para desenvolver esta idéia, a segunda parte deste capítulo reconstituímos parcialmente os circuitos das emergências étnicas do Nordeste ao longo das décadas de 1930 e 1940, incluindo aí o trabalho de produção dos fatos etnográficos e a reapropriação política e simbólica de circuitos rituais, num movimento de revelação, descoberta e busca dos “direitos” e das identidades. No segundo capítulo nos debruçamos sobre a documentação produzida pelo órgão tutelar, principalmente ao nível do posto indígena Pankararu, na busca de um melhor entendimento sobre como operou o domínio tutelar no seu cotidiano e na especificidade de um trabalho onde as diretrizes indigenistas tinham todo o tempo que deparar-se com o que lhes pareciam inadequações: do ambiente, das verbas, da mobilidade da população e, enfim, dos próprios índios. Neste capítulo trabalhamos com algumas narrativas sobre o que poderíamos chamar (recorrendo ao estilo cortaziano dos manuais) maneiras de produzir índios e aldeias. Para isso recorremos freqüentemente ao movimento de ida e volta entre documento, bibliografia e memória, não apenas como recurso para cobrir lacunas, mas para revelar o tanto de conflito que existe entre esses dois registros, o oral e o escrito, em seus permanentes processos de mitificação. Esse material abre-se também para as questões relativas ao processo de autonomização de um campo político, numa tentativa de voltar aos problemas propostos por uma primeira antropologia política, visitando também o que parece ser um fértil campo de investigação sobre exercício do clientelismo em contexto étnico. Na segunda metade deste trabalho, voltamos nosso interesse para a extensão. Nela nos dedicamos não às sucessões, mas às sobreposições, abandonando o triângulo “tempo/história/memória”, para investigarmos o “espaço/território/posições”. Deslocamos nossos esforços na construção de uma interpretação histórica sobre um processo regional, para a construção de um modelo descritivo capaz de trabalhar intensivamente com a noção de território. O Território indígena é um símbolo forte, capaz de catalisar grupos, lutas, inovações jurídicas, pressões de diferentes naturezas e escalas. Mas é forte, sobretudo,
  • 10. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 10 porque se afirma sobre uma idéia aparentemente muito simples, que está presente na maioria dos discursos sobre o tema e que, como qualquer outro símbolo, retira sua força da capacidade de condensar experiências, noções, crenças e aspirações, que são tão mais intensificadas e plurivocais quanto mais o símbolo for capaz de reduzi-las a uma fórmula elementar. Trata-se da expressão que, ao longo das lutas pela demarcação das terras indígenas no Brasil, tornou-se uma espécie de dazibao impresso em postais, adesivos e publicações simpatizantes ou militantes da causa indígena: "índio é terra". Na busca de uma resposta, o território deixa de ser puro suporte, transformando-se em ponto de convergência de processos naturais e sociais que em lugar de se polarizarem, se compõem como um dos híbridos de que fala Latour (1994), através da convergência de discursos, fatos e poderes que não podem ser reduzidos uns aos outros, mas percebidos como constituindo uma rede. No terceiro capítulo essa proposta ganha realidade através de uma descrição do que concebemos como as várias geografias constituintes do território Pankararu, avançando sobre temas abertos nos capítulos anteriores, como a autonomização do campo político e o seu reverso, a sua magicização e ritualização. Neste ponto é possível jogar luz sobre algo apenas esboçado no capítulo sobre as emergências: as formas culturais de lidar com a territorialização. Revisitando problemáticas fundadoras, apontamos para a versão Pankararu dos “valores místicos” e sua relação com a constituição de uma forma, ou ética ou política. No quarto e último capítulo proponho-me pensar os “limites do grupo” Pankararu, trocando para isso o espaço geométrico pelo espaço relacional. Estabelecemos um panorama da dispersão e da mobilidade Pankararu para pensar a identidade étnica como um jogo de distâncias e aproximações. Exploramos, então, o que de contextual existe nas identidades sociais, assim como no próprio trabalho etnográfico, deslocando um pouco a insistência dos nossos olhares sobre o puramente contrastivo, para viabilizar uma reflexão sobre o que seriam as condições sociais da “manipulação de identidade”. Para isso tivemos que nos ocupar também do que vem a ser o “não-índio”. Já que as formas não são vazias, o contraste e o contexto que explicam a possibilidade ou não de ser índio devem fazer referência ao que existe do outro lado do portal. Notas sobre o percurso do autor ao texto. Esta dissertação tem seu ponto de partida marcado por um trabalho coletivo, desenvolvido no âmbito do Projeto Estudos sobre Terras Indígenas (PETI) do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, ao qual estou ligado de diferentes maneiras desde 1990, ano em que encerrava minha formação em história e, através deste projeto, dava início aos meus primeiros contatos com a temática indígena e com a bibliografia antropológica. Nesse projeto pude participar de discussões baseadas em farto arquivo documental e da troca de experiências de campo entre os pesquisadores com trabalhos em andamento, que tinham como foco a questão da territorialização das sociedades indígenas e sua relação com o poder tutelar. Tais discussões se empenhavam na criação de uma perspectiva sociológica que abandonasse um tipo de produção sobre a questão da terra indígena freqüentemente presa à prática da denúncia, para construir um olhar mais sistemático e não menos político sobre as questões que envolvem a sua definição, organizando para isso um quadro de referências tanto sobre os processos legais que levam até ela, quanto sobre as situações concretas a que as populações étnicas (DESPRES,1975) estão submetidas no território nacional brasileiro.
  • 11. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 11 No momento de minha entrada no projeto, essas discussões se encaminhavam no sentido da formulação de um tipo de acompanhamento dessas situações segundo o modelo "atlas". Meu trabalho convergiu então para a leitura e discussão sobre questões aparentemente técnicas, relacionadas com a definição das formas e problemas na representação gráfica das áreas indígenas, com a natureza dos recortes regionais que permitissem uma leitura comum de conjuntos de situações territoriais comparáveis e com a seleção, organização e compatibilização de uma grande massa de material histórico que deveria ser trabalhado em equipe. Além disso, em função do recorte regional do Atlas, me envolvi com as questões mais diretamente relacionadas com a temática indígena no Nordeste. Neste período compartilhei dos trabalhos de muitos companheiros, que foram em grande medida absorvidos como parte de minha própria perspectiva e, por isso, difíceis de serem discriminados. Além da orientação mais geral fornecida por João Pacheco de Oliveira Filho, que veio a ser meu orientador nesta dissertação, sou tributário também do trabalho de Antonio Carlos de S. Lima, a quem devo as primeiras bolsas de pesquisa nesta temática. Ao iniciar uma reflexão mais sistemática sobre o material recolhido para o conjunto das áreas indígenas abarcadas pelo recorte que definimos então como Nordeste, passava a fazer parte de um grupo anterior de mestrandos do PPGAS-MN que haviam iniciado, muitas vezes do ponto zero, as reflexões sobre essas situações étnicas tão especiais. Os trabalhos de Mércia Batista (1992) e Hênio Barreto Fo. (1992), Sidney Peres (1992), Carlos G. Valle (1993) e Rodrigo Grunewald (1993) e os vários técnicos e metodológicos de Jurandir Leite, foram por isso da maior importância para a constituição desta dissertação, tanto na perspectiva analítica que abriram, quanto no mateial bruto que trabalharam, permitindo algumas reanálises. Tais observações sobre o trajeto do autor até o texto, por elementares que sejam, ganham importância ao explicitarem quais as fontes e a inspiração dos movimentos analíticos que se seguem e que, na dinâmica da escrita, eventualmente ficaram à sombra de um narrador aparentemente absoluto e que não resistiu a pretensão à originalidade. Expor os limites do trabalho, neste sentido, não significa demorar-me na enumeração de tudo que poderia ter sido e não foi, ou do que ficou de fora e que poderia estar dentro, mas justamente na explicitação d'o que foi feito e do como foi feito. Depois de ter lidado com material de origem administrativa e historiográfica sobre os Pankararu para a formulação das fichas do Atlas das Terras Indígenas do Nordeste, em 1993 realizaria meu primeiro período de "campo", graças ao convite para um trabalho de assessoria ao Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), integrado no projeto mais amplo, coordenado por Aurélio Vianna, de Avaliação e Planejamento das Atividades do Pólo Sindical do Sub-Médio São Francisco, que agrega um total de dez Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR). Esse projeto respondia a necessidades explicitadas pela própria direção do Pólo, a sugestões feitas por Alfredo Wagner B. de Almeida numa avaliação preliminar e a questionamentos de agências financiadoras da entidade. Segundo essas demandas, seria importante que a avaliação das atividades do Pólo levasse em conta não apenas o seu foco privilegiado de ação na época, isto é, a população camponesa reassentada nas agrovilas em função da construção das UHE's, mas também toda a diversidade de categorias de trabalhadores rurais e povos indígenas existentes em sua área de abrangência, restituindo-lhe com isso, uma atuação de caráter mais amplo. Neste quadro, os povos indígenas ocupavam um lugar especialmente problemático, tendo sido eleitos por pelo menos dois desses STR's, os de Glória (BA) e Petrolândia (PE), como seus maiores problemas, ao lado das invasões ilegais das áreas de sequeiro das agrovilas e dos problemas de negociação com a CHESF. Meu trabalho deveria centrar sua análise
  • 12. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 12 sobre a relação entre grupos indígenas e sindicalismo rural, na busca de uma resposta para aqueles confrontos. Nessa primeira viagem visitei as áreas dos Tuxá e dos Kantaruré, ambas no município de Glória (BA) e a área indígena Pankararu (PE), a qual dediquei a maior parte do tempo, por tratar-se da situação mais conflitiva. O interesse do projeto de avaliação do Pólo também convergia para essa situação, já que boa parte das lideranças do STR local e da direção do próprio Pólo estão diretamente envolvidos no conflito, com graves custos políticos para aquelas organizações. Isso imprimiu sobre meus primeiros contatos diretos com a área indígena e com o conflito fundiário "a marca da encomenda", como já assinalou criticamente Sigaud, com relação aos trabalhos de "avaliação de impactos sociais". Na prática, isso estabeleceu como horizonte desejável para o trabalho o atendimento de uma demanda, a proposição de um receituário de medidas minimizadoras do conflito e gerou uma tensão, desde sua origem, entre minha avaliação sobre a natureza e relevância das questões a serem postas e as questões que me eram impostas, marcadas por claras dicotomias, como índios/posseiros, positivo/negativo, legítimo/ilegítimo. Como será detalhado no capítulo 3, a entrada em campo foi marcada pela tentativa de manter-me longe das posições mais fortes sobre o conflito, evitando qualquer contato direto, ao menos num primeiro momento, com as lideranças sindicais e com as lideranças indígenas mais engajadas numa oposição direta aos posseiros. Tive então que evitar o que seria uma entrada tradicional, através do posto indígena e do seu chefe, o que só seria realizado numa segunda viagem. Isso fez com que antes da entrada propriamente dita na área indígena, eu percorresse várias "entradas" em campo, cada vez que tinha que negociar uma nova mediação. Nessa périplo me defrontei com agentes engajados em uma parte ou em outra do conflito de diferentes maneiras e, em cada uma dessas vezes, era obrigado a posicionar-me politicamente, definir "o lado" de que estava, ou, quando o interlocutor já fazia uma idéia da minha posição, tinha que enfrentar a arguição sobre posições e valores éticos. Descobri com algum custo que em "campo" não há lugar "fora" ou "acima", não há espaço para o puro observador, da mesma forma que não há o puro informante (FAVRET- SAADA,1977). Em pouco tempo todas as precauções para tornar-me o observador mais discreto não impediram que fosse largamente conhecido e diretamente associado ao tema do conflito, ao qual meus interlocutores condicionavam virtualmente qualquer conversa, qualquer recolha de dados. Senti-me confusamente engajado, na busca de uma posição de equilíbrio alcançada, não com a conciliação de perspectivas, mas apenas com uma ruptura total. Depois de ter produzido o segundo relatório, em que tratava da questão do conflito, voltei à área para entregar uma cópia aos dirigentes sindicais e outra às lideranças indígenas. No caso dos primeiros fui submetido a uma sabatinada organizada no Pólo, com a presença de dirigentes e assessores, que resultou numa discussão acalorada e num profundo desagrado com o resultado final. No caso dos segundos, o texto e minha tentativa de expô-lo foram recebidos como algo exótico e que os desapontava ao perceberem que o resultado daquelas conversas era algo tão inócuo. A dissertação começou a ganhar forma a partir desta inadequação. Durante a segunda viagem (1994), para aliviar a minha imagem da carga associada ao conflito, usei o recurso de introduzir as conversas a partir de um pequeno questionário sobre o percurso de vida do informante. Esse, que inicialmente era apenas um subterfúgio, acabou por transformar-se no ponto central do trabalho etnográfico e na fonte mais rica de novas problemáticas, abrindo-me perspectivas que, provavelmente, eu não conheceria de outra forma. Assim, a dissertação ganhava forma a partir da frustração da "encomenda" e da criação de recursos próprios à dinâmica daquele trabalho de campo.
  • 13. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 13 Notas sobre o nome e a pessoa Ao longo desta dissertação tornou-se evidente a dificuldade de optar por uma forma única e padronizada de situar o autor. Muitas vezes situamo-nos na primeira pessoa do plural, não por encarnarmos o "olhar de águia" ou a "nobreza" própria da objetividade científica, mas por assumirmos nosso ponto de vista como uma postura política ou analítica partilhada com outros autores ou, por buscarmos o ponto de vista do leitor, na tentativa de construir uma narrativa em perspectiva e uma argumentação que pudesse ser compartilhada por todos estes que estão "de fora" do campo. Em outras passagens a própria dissertação assume o papel de protagonista, e o autor desaparece sob a terceira pessoa como forma de reproduzir a sensação muito real de que, em vários momentos do trabalho de pesquisa e de redação, o texto tinha um destino próprio que impulsionava-o mais do que era dirigido por ele. Finalmente, em outros momentos menos numeroros, a primeira pessoa do singular domina, fazendo ver que a construção dos argumentos, dos encadeamentos entre esferas e escalas e a conexão entre personagens eram produtos, em primeiro lugar, da minha ação, da minha posição e do meu trânsito entre textos e contextos, produtos de uma experiência pontual e pessoal muito concreta. Essas flutuações da pessoa verbal respondem, então, à necessidade de construção de um texto etnográfico menos objetivista, mas também aos inconvenientes disto resultar numa solução única. O incômodo que tais flutuações possam provocar no leitor deve ser visto menos como uma desconsideração deste problema, do que como sua explicitação. Outra opção por vezes incômoda também deve ser esclarecida. Depois de testar algumas soluções possíveis e de discutir esse aspecto com meu orientador, resolvemos manter os nomes reais das pessoas que estão no centro das nossas argumentações. Essa opção, até se demonstre o contrário, era a mais coerente com a perspectiva mais ampla adotada por este traalho: tomar tais personagens e situações como efetivamente históricas. Este trabalho tem a intenção de ajudar a entender não só certas questões antropológicas e sociológicas desterritorializadas e - até certa medida - atemporais, mas também parte importante da história indígena, do indigenismo e do Nordeste e, por isso, os dados brutos trazidos pelas reconstituições realizadas aqui são, provavelmente, tão ou mais duradouros e relevantes do que os modelos que propus para lhes dar forma e inteligibilidade. Adotada esta perspectiva principalmente para a primeira parte desta dissertação (capítulos 1 e 2), tornou-se excessivamente artificial e confuso e inútil voltar ao uso das iniciais ou dos pseudônimos na segunda parte, quando, de fato, teria sido possível assumir a forma mais convencional - mais abstrata e generalizante - da análise antropológica.
  • 14. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 14 Capítulo 1 – Da visibilidade PARTE 1: OS DESAPARECIMENTOS É útil começar explorando a pergunta sobre o que tornou possível que uma população se tornasse invisível, ou melhor, já que a cegueira está nos olhos e não no mundo, o que fez com que gerações de homens de ciência e homens de estado pudessem desconhecer ou não reconhecer, sistematicamente, algumas faixas de realidade, para logo em seguida reconhecerem-na, por vezes com o alarde das surpreendentes descobertas. Essa pergunta não desconhece o perigo de se afirmar a existência de continuidades que atravessam os tempos, sempre prontas a serem simplesmente observadas, sem incidir em naturalizações grosseiras. Mas reconhecido não existir esse corte radical entre o olho e o mundo, entre sujeito e objeto, nossa pergunta é sobre como se constrói ou se impede uma relação entre eles, sobre como o (re) conhecimento é ou deixa de ser possível, sobre a emergência dos objetos que, nesse ato mesmo de emergir, se tornam sujeitos. A produção da invisibilidade 1 Um dos epítetos atribuídos a Rondon, patrono (quase padroeiro) do indigenismo oficial brasileiro, “o civilizador da última fronteira” (COUTINHO, 1975), condensa muitos dos significados atribuídos à ação do SPI. Quando surgiu, em 1910, sua intervenção privilegiou Santa Catarina, Oeste paulista, Mato Grosso e, a seguir, Amazônia. Seus objetivos: nacionalização do interior, localização (no sentido de fixação) da mão-de-obra, abertura de terras e diminuição dos custos da “fronteira”. Seu léxico: grupos isolados, atração, pacificação, fases de aculturação, assimilação-não-traumática. Criado como SPILTN - Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais - era vinculado ao Ministério da Agricultura Indústria e Comércio e tinha como atribuições a proteção aos indígenas e a fixação de mão-de-obra não-estrangeira no campo, assumindo o perfil de uma agência de colonização. Tanto a proteção quanto a fixação seriam operadas por meio de um controle do acesso à propriedade e treinamento técnico da força de trabalho, num caso em postos indígenas e, em outro, em centros agrícolas, o que lhe dava uma dimensão claramente geopolítica. O contexto institucional do surgimento deste órgão, assim como as relações que isso mantém com nossa problemática serão explorados mais adiante, bastando aqui uma rápida caracterização de suas bases ideológicas e de como elas sustentam o que estamos chamando da “invisibilidade” dos grupos indígenas do Nordeste. Em 1918, o SPI perderia sua parte “LTN”, mas manteria a intenção programática de transformar o índio em pequeno produtor rural capaz de se auto-sustentar e se integrar ao mercado nacional de mão-de-obra. Essa transformação era pensada em termos de fases que levavam do estado fetichista dos primitivos ao estado de civilização do proletário rural. Nesse sentido, a estratégia e a ação do órgão estão marcadas por uma visão do índio
  • 15. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 15 baseada na idéia de “transitoriedade” (LEITE e LIMA,1986), segundo a qual o “índio” é um estado que precisa ser superado, mas de uma forma controlada pelo Estado, sem a qual essa transição leva infalivelmente à degeneração. Esse controle será produzido através da figura jurídica da “tutela”, que é introduzida no código civil em 1918 e estabelece para o índio uma capacidade civil relativa, condicionada pelos seus progressivos “graus de civilização”. A finalidade da tutela é transformar, através da orientação e da autoridade, as condutas desviantes de indivíduos ou grupos com relação a um código dominante, partilhado e conhecido pelos membros de uma determinada sociedade (OLIVEIRA F o ,1988). Tal aparato jurídico e administrativo era justificado pelos objetivos de atrair e pacificar os grupos indígenas que ainda resistiam ao avanço da fronteira agrícola, em pleno século XX. Era preciso atrair e pacificar e não exterminar aquelas populações, obtendo-se dessa forma a mão-de-obra necessária e já “aclimatada” para os ideais de desbravamento e preparação das terras ainda não colonizadas. Nesse quadro não existia lugar para a atuação do órgão indigenista no Nordeste, região de colonização das mais antigas e já totalmente integrada. Durante a década de 1930 essa distância entre a região Nordeste e as estratégias do órgão parece se acentuar, já que em 1934, depois de ter passado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930-1934), ele é absorvido pelo Ministério da Guerra como parte da Inspetoria Especial de Fronteiras e, em 1936 é aprovado o seu regulamento, no qual se enfatiza a “nacionalização dos silvícolas” e a sua incorporação como “guarda de fronteiras”. 2 Como já foi apontado, o olhar “científico” dirigido sobre os índios do Nordeste, até as primeiras décadas do séc. XX, acompanhava o diagnóstico da extinção desses grupos, naturalizando uma realidade produzida por decisões estatais, de fundo jurídico, como veremos mais adiante. E os primeiros acadêmicos ou curiosos que começam a descobrir nos “remanescentes” daqueles grupos indígenas “extintos” algum interesse acadêmico, o fazem orientados por uma visão etapista e evolutiva, muito semelhante à descrita acima, que operava como base ideológica do SPI. Assim, ao final da década de 30 e durante a década de 40, os homens de ciência que começam a se interessar em produzir descrições a partir da observação local e direta sobre aqueles “remanescentes”, e não mais apenas a partir de documentação histórica, procuram neles principalmente curiosidades folclóricas em rápido desaparecimento, que poderiam ajudar a entender a composição mais ampla do folclore nordestino e conseqüentemente, parte da cultura nacional. É sob essa inspiração, além das preocupações de mapeamento lingüístico, que Carlos Estevão de Oliveira, Max Boudin e Mário Melo visitam e escrevem na década de 1930, pequenos textos sobre os Pankararu, os Fulni-ô e os Xucurú, publicando artigos circunstanciais com mitos, cantigas, elementos de parentesco e considerações sobre seu artesanato e algumas festas. Nestes casos sempre se fez presente a preocupação em distinguir, em meio aos hábitos já miscigenados aos dos regionais, o que aqueles remanescentes mantinham da cultura tradicional. Apesar da década de 1940 já ter assistido ao primeiro surto de emergências étnicas, de que falaremos mais adiante, ao longo da década de 50 a situação não muda muito. Continuam surgindo textos principalmente sobre língua e vocabulário, e compilações de dados dos sécs. XVI e XVII. As descrições de Curt Nimuendajú sobre os Timbira de 1929 são reaproveitadas várias vezes em reanálises e surge o nome de Estevão Pinto que, junto a outros temas do folclore regional, debruça-se sobre o material histórico, escreve pequenos trabalhos sobre os Fulni-ô, os Tupiniquim e os Pankararu, e os reúne em dois volumes
  • 16. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 16 dedicados aos “Índios do Nordeste”, sob uma preocupação sempre culturalista. Mais adiante, nas décadas de 60 e 70, para além das tradicionais compilações de documentos e vocabulários, a perspectiva arqueológica tem um forte incremento através da criação do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, coordenado pelo Museu Paraense Emílio Goelde, fonte da grande maioria dos trabalhos sobre o tema indígena dirigido à região nestas décadas. Reforçava-se o olhar fragmentário e passadista sobre a face indígena da região. (BALDUS, 1968 e 1984). Exceção a esta perspectiva é o importante trabalho de Hohental (1960) que produz um levantamento de fontes históricas sobre os aldeamentos do Vale do São Francisco e o completa com viagens aos postos indígenas que já haviam sido criados pelo SPI na região, recolhendo informações que complementassem os dados documentais e objetos artesanais, numa combinação entre perspectivas histórica e sociológica que resultou num catálogo de denominações e localidades largamente usado ainda hoje. A perspectiva da perda e da extinção no entanto mantém um longo fôlego, vindo a informar ainda trabalhos da década de 1970 que, em outros pontos metodológicos e teóricos, rompiam com aqueles primeiros. Os trabalhos de Amorim (1970), Silva (s/d), Soares (1977), Bandeira (1972) e Carvalho (1977) caminham numa direção sociologizante (com maior ou menor sofisticação), em lugar dos tradicionais recortes culturalistas ou filológicos, abordando os grupos em pauta (Kariri, Pankararé, Pankararu e Potiguara) como realidades contemporâneas. Classificam-nos, entretanto, como “subsegmentos rurais” e, mantendo o diagnóstico dos trabalhos anteriores, tomam sempre o ponto de vista do seu acelerado e irreversível processo de descaracterização étnica, pelas vias da “proletarização”, “integração” ou “aculturação”. Enquanto os autores anteriores, informados por uma preocupação mais folclórica, interessavam-se em registrar o que ainda existia de tradição, apoiados numa metodologia fundada no recolhimento de “traços culturais”, destacados do contexto em que eram produzidos e postos em circulação, esses últimos autores voltam seus esforços principalmente para a preocupação em descrever e avaliar o grau, o ritmo e as formas do processo de descaracterização dos grupos indígenas, dos quais seria possível reconhecer apenas uma “última dimensão indígena” (SILVA,s/d). O trabalho de Amorim se destaca entre os citados acima por sua preocupação em articular um quadro teórico explicativo da situação indígena do Nordeste, adequando uma proposta interpretativa geral da antropologia brasileira daquele momento sobre o processo de assimilação, para uma situação regional. Para o que nos interessa apontar aqui, ele traz a versão mais sofisticada de um esquema de análise partilhado por todos os outros, podendo-se talvez incluir aí as próprias formulações mais genéricas do indigenismo oficial. Seu texto parte da teoria da “fricção interétnica” elaborada por Roberto Cardoso de Oliveira, da qual retira a noção de “potencial de integração”, combinando-a com a noção de part-society. Sob esse ponto de vista, o Nordeste brasileiro é escolhido por representar um “caso limite no processo de integração, um dos extremos do contínuo que tem como pólo oposto as populações tribais recém contactadas pelas frentes pioneiras”(AMORIM,1970:11). Seu estudo leva à conclusão de que a condição de part- society assumida pelo indígena nordestino “reflete um estágio no longo processo de integração à sociedade nacional, que no curso de uma situação permanente de fricção interétnica assume ao longo da História formas e aspectos diversos.”(idem:91). E ainda, “não é difícil a afirmação de que, a persistir o processo [econômico de integração ao mercado] pescadores e agricultores Potiguara, aqueles mais rapidamente que estes, caminham no sentido de se reunirem a tantos outros indígenas brasileiros que hoje formam o último extrato da grande reserva de mão de obra nacional.”(idem:94).
  • 17. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 17 Essas eram as bases que sustentaram por tanto tempo a invisibilidade dos grupos indígenas do Nordeste. O esforço de análise e clarificação da realidade, forjado dentro da academia, produziu sua cegueira com relação a uma realidade emergente. O esforço de planejamento da ação estatal foi a fonte da incapacidade do Estado em prever as reviravoltas que suas próprias teorias e estratégias de intervenção provocariam sobre as populações tuteladas. A seguir propomos uma interpretação do processo que levou aqueles grupos ao estado de invisibilidade e depois, que os fez (ou, pelo qual se fizeram) visíveis novamente. Estratégias da conquista 1 O avanço da colonização pelo território nunca se deu na forma de uma fronteira, ao menos como normalmente ela é imaginada - arco que avança de forma progressiva e definitiva sobre espaços abertos. Pelo contrário, aproximando-se da descrição de Morse (apud:VELHO,1979) sobre o avanço bandeirante, a conquista do Nordeste também se caracterizou como um movimento irregular, conjunto sucessivo e desigual de experiências e negociações reversíveis de uma frente de expansão que nunca foi única, mas sim múltipla e complexa. Não é possível falar da colonização como de um fio de civilização que se estende sobre o espaço selvagem. Não é possível traçar sobre o mapa as diferentes linhas de separação no tempo, entre branco e índio, civilização e primitivismo, áreas ocupadas e não ocupadas, comunidades integradas e autônomas. O que chamamos de fronteira, dando-lhe um sentido abstrato e teórico, normalmente produzido a partir do Estado (e aqueles que limitam seu trabalho à análise das suas ideologias e práticas também se fazem prisioneiros da sua perspectiva), na verdade tomou a forma de um arquipélago, criado por diferentes formas de territorialização: o esforço e a violência dos empreendimentos estatais e particulares, em suas incursões sertão adentro, conseguiam plantar manchas de civilização, ilhas pastoris, comerciais ou de subsistência, que existiam por meses, anos, para depois submergirem no nada ou na selvageria dos tapuia ou dos quilombolas. O desenho da distribuição dos aldeamentos indígenas no século XIX e no séc. XX (eles não necessariamente coincidem, como veremos) é, em grande medida, fruto desse movimento irregular que se desenvolveu sobretudo ao longo do São Francisco e dos seus principais afluentes, como o Panema, o Moxotó e o Pajeú. Foi através do São Francisco que o movimento colonial, inicialmente esparramado pela zona da mata, se afunilou no agreste e penetrou fundo pelo sertão, sendo útil, portanto, uma rápida revisão das rotas que abriram o interior nordestino até o século XIX, para então nos determos um pouco mais demoradamente num último momento daqueles aldeamentos indígenas. 2 O São Francisco começa a ser “subido” depois de vencida a primeira resistência indígena na sua embocadura, em 1572. Neste período as expedições partiam principalmente de Pernambuco (década de setenta), Sergipe (década de noventa) e Bahia (ao longo de todo esse período). Ensaios de penetração que em 1630 foram interrompidos pela presença holandesa em todo o lado esquerdo do São Francisco, da sua foz até Paulo Afonso. É só com a restauração pernambucana em 1654 que o avanço colonial português pelo sertão é encarado de uma forma progressivamente sistemática. Um passo fundamental
  • 18. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 18 para isso foi o apelo da administração portuguesa, em 1667, para que os bandeirantes, paulistas e baianos, iniciassem a busca de ouro e pedras preciosas São Francisco acima, o que resultou no afluxo de um grande número de bandeiras1 . Tem início, então, o avanço da colonização do sertão interior nordestino, realizado através de três estratégias distintas e sucessivas, ainda que por um largo período simultâneas. À estratégia da guerra justa vieram se sobrepor sucessivamente, a estratégia da conversão e da mistura, cada uma delas se opondo à anterior, ao mesmo tempo que revelando-se fruto dela. A “guerra justa” tem lugar com as primeiras investidas bandeirantes pelo sertão interior, e baseia-se no mesmo conceito jurídico-teológico medieval criado no contexto da Guerra Santa contra os infiéis mouros, agora transplantado para a relação com os infiéis do novo mundo2 . Ainda que houvesse controvérsia sobre os requisitos necessários ao reconhecimento de determinada ação militar como guerra justa, toda ação chamada “defensiva” justificava o título. Nesse caso, defensivas eram consideradas também as ações de represália e prevenção de ataques de nações indígenas hostis, levando à larga utilização deste argumento pelas tropas bandeirantes e de moradores do sertão do São Francisco. É sobretudo devido a ela que os documentos de época registram tantos “ataques” indígenas. Essas guerras se estendem por todo o séc. XVII e XVIII, em muitos casos, encontrando forte resistência indígena. A mais prolongada de todas e que mobilizou o maior número de indígenas - cerca de dez mil, segundo cálculo de cronistas antigos - e tropas de moradores e bandeirantes ficou conhecida por Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris e durou mais de 10 anos, tendo início no Rio Grande do Norte, em 1664 e estendendo-se pela Paraíba, Ceará e Pernambuco (ALMEIDA,1977). Em Pernambuco esse estado de conflito se estenderia por nova série de enfrentamentos entre os anos de 1694 e 1702, mobilizando novamente as tropas que já haviam operado na Guerra dos Bárbaros (BARBALHO,1988:vol.6)3 . As guerras, ameaças e capturas são registradas em documentos esparsos por toda a primeira metade do XVIII, sob a sombra de novas e eminentes guerras bárbaras. Assim, em 1700 por exemplo, com a justificativa de se defenderem de novas investidas indígenas, os colonos das terras pernambucanas organizavam trincheiras nos campos do Açú, para “futuras operações destinadas a, de vez, arrasar os Jandiús”, principal grupo bárbaro do sertão naquele momento (BARBALHO,1988:vol.6). Treze anos depois, sob o argumento de uma nova confederação reunindo os Xucurú, Patió, Xocó, Guegues, Umans, Caratéus e Pepans, organizavam-se novos ataques preventivos e, em 1715, o vice-rei autorizava “toda a guerra ofensiva que puder, cativando a todos que nela aprisionar, os quais serão rematados em praça pública para se tirarem os quintos de El-Rei... e o que restar das ditas presas se 1 Entre as quais, aquelas que viriam dar origem à mais poderosa empresa colonial do sertão do São Francisco, a Casa da Torre. Numa das investidas da Casa da Torre durante as últimas décadas do séc. XVII, na busca de salitre, pelo interior dos sertões de Rodelas, Paraiba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piaui e até mesmo do Maranhão, um dos seus mestres auxiliares comandava um exército de 900 homens brancos, 200 índios mansos, 100 mamelucos, 150 escravos e alguns missionários (HOORNAERT,1992). 2 Na verdade, a análise da legislação colonial reconhece a captura de escravos indígenas através de duas formas, a “guerra justa” e o “resgate”, enquanto a história social acrescenta a elas a forma dos “apresamentos clandestinos” (FARAGE,1991). No Nordeste os resgates existiram principalmente na fase litorânea, servindo à interação entre colonos e grupos Tupi, enquanto os apresamentos clandestinos foram tão generalizados que tornaram-se virtualmente incomensuráveis para nós hoje. De qualquer modo, o formato de “guerra justa” assume aqui um significado mais genérico que o expresso na legislação colonial, ao o concebermos mais como “estratégia” que como figura jurídica. 3 Nelson Barbalho publicou entre 1982 e 1988 uma coletânea de 16 volumes, com documentos produzidos entre 1600 e 1828, intitulada Cronologia Pernambucana: subsídios para a história do Agreste e do Sertão, que será largamente utilizada daqui em diante.
  • 19. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 19 repartirá igualmente pelas pessoas que forem à dita guerra...” (BARBALHO,1988:vol.7). Como resultado, continuavam sendo comercializados escravos Tapuias capturados em guerras justas4 . Impedimento real ou puro pretexto, a resistência indígena mobilizava ações enfáticas por parte do governo imperial que, em 1700, mandava fazer ... guerra geral a todos os índios de corso, entrando-se por todas as partes assim pelos sertões desta capitania da Bahia como pela de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, para [...] fazer mais formidável o nosso poder, e mais seguro o estrago dos contrários, e me constar que de presente têm os ditos bárbaros destruído muitas povoações e fazendas de gados com a morte das pessoas que nelas assistiam, por cuja causa se despovoarão precisamente todas as mais que os bárbaros ainda não tem chegado, o que será a ruina total do Brasil... (BARBALHO,1988:vol.6) Por força da guerra, iam sendo estabelecidos povoados pelo interior das extensas sesmarias, ou mais além, que serviam como cabeças de ponte para a requisição de novas. A maioria desses povoados eram constituídos pelas próprias populações apresadas ou “amansadas”, por homens livres pobres e até mesmo por mocambos, que então ocupavam e defendiam aquelas terras e suas fazendas contra o avanço de bandos indígenas “selvagens”. A estratégia da guerra era assim complementada com a instalação dessas povoações de índios mansos - aos quais se podia confiar o gado - ou com a permissão para a instalação de pequenos rendeiros e agregados, que serviam como verdadeiras praças fortes, garantindo a ocupação das grandes sesmarias ou até mesmo as ampliando, sem que para isso os sesmeiros necessitassem da mobilização de qualquer cabedal. 3 Parcialmente sobreposta no tempo a esta primeira estratégia, tem lugar a estratégia de conquista de homens e terras pela conversão. Neste caso, o gentio era encarado como mão-de-obra livre e administrado por missionários, reunidos em territórios exclusivos (normalmente uma “légua em quadro”). Eram recorrentes os enfrentamentos entre fazendeiros e missionários, onde o poder de mobilização de mão-de-obra e terras pelos religiosos era questionada militar e legalmente. Os jesuítas foram provavelmente os primeiros a estabelecer aldeamentos no rio São Francisco, na década de 1650, tentando realizar aí o que já haviam começado a experimentar no Amazonas, nos rios maranhenses e nos rios Uruguai, Paraguai e Paraná, isto é, uma experiência de aldeamentos afastados dos centros coloniais, na tentativa de evitar o fracasso da experiência litorânea. No São Francisco no entanto isso se mostrou praticamente impossível5 , já que o rio era justamente o eixo da colonização sertaneja (HOORNAERT,1992). Depois deles vieram os capuchinhos, oratorianos e franciscanos. A empresa missionária dos capuchinhos organizava-se de forma semelhante a dos jesuítas. Ambos trabalhavam com uma estrutura 6 Em 1710 chegavam à praça do Recife, 15 deles “pertencentes ao quinto de sua majestade” (BARBALHO,1988:vol.7). Nas décadas seguintes, mesmo depois da escravidão indígena ter sido formalmente proibida, continuam os registros de guerras contra levantes de aldeias, muitas vezes em aliança com negros fugidos (BARBALHO,1988:vol.8). 5 No fim do século XVII, quando os jesuitas iniciam a instalação, no sertão de Rodelas, das missões de Sorobabé, Curumambá e Acará, a Casa da Torre ordena ao seu sargento-mor e ao capitão da aldeia da Vargem que expúlsem de lá os jesuitas, o que acontece no mesmo ano da fundação dos aldeamentos (BARBALHO,1988:vol. 5).
  • 20. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 20 de apoio localizada nas cidades do litoral, no caso jesuíta os “colégios” e no caso dos capuchinhos os “hospícios” e, a partir dessa estrutura permanente, de onde também retiravam o principal de suas rendas, estendiam sua ação pelo sertão instalando aldeias. Assim, os capuchinhos franceses, que já haviam se instalado em Olinda (1649) e Recife (1656)6 , em 1760 alcançavam um total de dez aldeias sustentadas pelo “hospício” da Bahia e sete pelo de Pernambuco. O rompimento de relações diplomáticas entre Portugal e França em 1698, no entanto, encerrou esse trabalho que é assumido anos depois pelos capuchinhos italianos (HOORNAERT,1992). Os oratorianos fundam cinco aldeias em Pernambuco e no Ceará, também na metade do XVII, mas passam, poucos anos depois, a restringir sua ação aos trabalhos “deambulatórios”, transferindo alguns de seus aldeamentos para os franciscanos. Junto com essas aldeias os franciscanos assumem também, no final do séc. XVII, as missões abandonadas pelos jesuítas depois de sua expulsão por Pombal (idem). Assim, simultaneamente à última autorização oficial para que se fizessem guerras contra os bárbaros em Pernambuco, tem lugar a primeira iniciativa imperial de incentivo aos aldeamentos. Em 1700, o rei escreve ao governador daquele estado exigindo a implantação de novas missões religiosas que acelerassem o povoamento dos sertões e recomendando que os padres destinados às missões fossem acompanhados por tropas para evitar a “insolência dos bárbaros” e as investidas de latifundiários, em especial as da Casa da Torre, que tanto vinham obstruindo o trabalho missionário no sertão pernambucano. Como forma de viabilizar tais missões, neste mesmo ano, surge o alvará régio que ordenava que “a cada missão ou aldeiamento se desse uma légua de terra em quadro para o sustento dos índios e missionários, e que cada aldeia se compusesse pelo menos de cem casais” sendo que tais aldeias “fossem situadas à vontade dos índios e não ao arbítrio dos sesmeiros ou donatários” (BARBALHO,1988:vol. 6). Tais aldeamentos deveriam cobrir a função de “fazer face às constantes invasões de Acaroazes e Mocoazes sobre os estabelecimentos pecuários e granjarias da população civilizada” (idem) com alguma vantagem sobre as tropas bandeirantes e as guerras justas, que dispunham nas mãos de particulares um poder cada vez mais desconfortável para o Estado. Esse é um momento decisivo na ocupação do sertão, quando é possível acompanhar o esforço imperial de ampliar sua rede de ação pelo interior, em substituição à livre ação dos proprietários privados. Tal avanço passava a depender de um duplo esforço, o de dominar índios e fazendeiros ferozes, cada um tentando estabelecer territórios próprios, indiferentes aos objetivos estatais e civilizadores. Além do incentivo à criação de missões, o governo imperial em 1700, alarmado com os “arbítrios da Casa da Torre”, manda que sejam criados juízes ordinários de cinco em cinco léguas pelo sertão de Rodelas, para dar o necessário apoio àquela iniciativa. Mais tarde, no entanto, comunicado das ameaças que esses começavam a receber, passou a enviar também àquelas localidades “ministros do Rei” acompanhados de soldados para que ficassem “entendendo seus habitantes régulos que eram vassalos de S. Mj. e que não era poderosa a distância a fazer que não resplandeça neles a sua suma justiça...” e para evitar que tais ousadias provocassem uma desordem tal que se passasse a ter “...nesse caso 6 A atuação dos capuchinhos, como a dos jesuitas, era relativamente independente dos métodos e dos objetivos estritamente coloniais, por razão de sua vinculação não ao padroado local, mas à Propaganda Fide, criada para se contrapor às estreitas relações entre ação religiosa e objetivos estatais na América, Ásia e África (HOORNAERT,1992).
  • 21. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 21 por muito maiores inimigos os nossos portugueses que os próprios índios...”7 (BARBALHO,1988:vol.6). Nesse quadro a Igreja e suas missões surgiam como um recurso mais adequado e cada vez mais necessário, como sugere a lei também outorgada nesses primeiros anos do século XVIII, que proibia a implantação de fazendas de gado a menos de 10 léguas da costa brasileira, por exigência dos senhores de engenho. É desta época que temos as primeiras notícias da região sertaneja que nos interessa particularmente, conhecida então como distrito da cachoeira de Paulo Afonso, quando é implantada aí a primeira fazenda de gado, acompanhada de sítios de cultura, casas de agregado, currais etc. Acompanhando esse grande incremento do avanço sobre o sertão, os capuchinhos são reintroduzidos no trabalho missionário, mas agora através de um grupo italiano que, chegado em 1705, herda os “hospícios” e aldeias de seus antecessores e criam duas prefeituras apostólicas, uma na Bahia (1712) e outra, por desmembramento dessa primeira, em Pernambuco (1723). Como resultado, em 1745, podem ser contadas 12 missões nas ilhas e às margens do São Francisco. Quadro 1 Relação dos aldeamentos de Missões religiosas de Pernambuco em 1745 Aldeia/missão Ilha Missionários Grupos reunidos N. S. de Belém Acará capuchinhos italianos Poru e Brancararu Beato Serafim da Várzea capuchinhos italianos Poru e Brancararu S. Félix dos Cavalos capuchinhos italianos Cariri S. Antonio Irapuâ capuchinhos italianos Cariri N. S. da Piedade Inhamum franciscanos Cariri N. S.dos remédios Pontal ? Tamaqueu S. Maria S. Maria ? ? N. S. do Pilar Caripós ? Caripó N. S. do Ó Sorobabé ? Poru e Brancararu N. S. da Conceição Assunção ou Pambu ? Cariris N. S da Conceição Aricobé ? Caboclos da língua geral (Fonte: BARBALHO,1988:vol.7) É preciso fazer referência às dificuldades que essas missões encontravam em imobilizar tais populações em territórios por eles administrados, o que provoca inúmeras queixas de administradores com relação às “fugas” de índios das suas respectivas missões. É comum que tais fugas sejam imediatamente ligadas a uma irredutível resistência indígena à dominação, entretanto, como foi apontado para outro contexto (MONTEIRO,1994), elas apresentavam uma grande ambiguidade, que pode não encaixar- 7 Acompanhavam ainda outras reformas administrativas no sentido de estreitar o controle administrativo sobre aquelas terras, como a criação dos “juízes de fora”, ouvidores de comarcas e a subdivisão da Província de Pernambuco em duas comarcas, uma de mesmo nome e outra denominada Alagoas (idem).
  • 22. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 22 se exatamente neste modelo de resistência que normalmente lhe é imputado. John Monteiro chamou a atenção para o fato de tais fugas muitas vezes servirem como mecanismo e trunfo de negociação entre índios e administradores, já que através delas os índios podiam se engajar em outros aldeamentos cuja administração se mostrasse mais branda ou “legítima”, segundo um padrão estabelecido na própria relação entre dominador e dominado. Através de alguns depoimentos documentados em inventários ou processos judiciais, Monteiro identifica como algumas das motivações destas fugas a recusa em servir aos herdeiros do antigo senhor, a busca de parceiras para casamentos em outras aldeias, a recusa em aceitar um novo dono imposto por venda, o tratamento mais brando de um senhor com relação ao outro, numa relação de casos em que o fugido, em lugar de sair definitivamente dos aldeamentos, procurava paradeiro em outros. Dessas observações Monteiro destaca como tais fugas serviram para reduzir as tensões inerentes à relação senhor/escravo e para realizar uma redistribuição de mão-de-obra, já que elas acabaram sendo capitalizadas por alguns senhores mais fortes, que conseguiram reverter em seu benefício uma forma potencial de resistência ao sistemas de trabalho forçado, recusando- se, inclusive através da força, a restituir os “fugidos” aos seus antigos donos. No caso dos aldeamentos das margens do São Francisco, a ambigüidade das fugas nos interessa no que ela revela, não do sistema de aldeamentos e de sua possível crise, mas de um determinado padrão de mobilidade daquelas populações étnicas que, se também pode ser buscado em formas culturais anteriores aos aldeamentos, certamente encontram razão num dos efeitos específicos da dinâmica de territorialização dos próprios aldeamentos, quando estes, a fim de maximizar sua administração, juntavam e repartiam grupos de diferentes origens, criando com isso laços sociais e políticos entre aquilo que os missionários e outros administradores concebiam como unidades administrativas estanques. Assim, sem negar uma dimensão de resistência a estas translações, elas muitas vezes não levavam às matas, mas a outros aldeamentos. Em 1698 por exemplo, dava-se notícia de fugas de índios “sem razão alguma aparente para fazê-lo”, das missões da diocese de Olinda (que alcançava todo o sertão pernambucano do São Francisco) para as missões da Bahia, acarretando, segundo o Bispo de Olinda, “quebra de produtividade, desordens nos trabalhos religiosos etc.” (BARBALHO,1988:vol. 6). Reclamações do mesmo tipo perduraram ao longo da documentação até as primeiras décadas do século XVIII, levando a sérias desavenças entre os administradores provinciais desses estados que, depois de terem disputado as posses de diversas missões das ilhas do São Francisco, em 1728 e 1773 (BARBALHO,1988:vol.8), viam nessas fugas uma perda substancial de mão-de-obra e riqueza (LIMA SOBRINHO,1929). As razões que não eram aparentes aos missionários e administradores parecem estar na composição étnica desses aldeamentos, que reuniam uma grande variedade de grupos e que, em muitos casos, os separavam de suas metades, alocadas em outros aldeamentos, junto a outros grupos. Isso é reforçado pela observação de que, ao contrário dos casos relatados por Monteiro para São Paulo, nos aldeamentos do São Francisco tais fugas não eram individuais, nem se constituíndo como fugas em massa. Sua escala parece ter sido familiar. Aproveitando-se dessa grande mobilidade indígena, em 1884 a junta governativa de Pernambuco ordenava ao diretor do aldeamento de Cimbres o empréstimo de dois casais de “índios inteligentes” e de boa conduta para a nova missão de Jacaré, no alto sertão, “a fim de ensinar aos desta missão a cultura das terras e mais serviços em que se deviam empregar para a sua subsistência”. O aldeamento de Jacaré localizava-se na Serra Negra, sendo ocupado por cerca de 200 habitantes oriundos das tribos Pipipões, Omaris, Chocós e Caracús, anteriormente fugidos de missões da beira do São Francisco. Assim,
  • 23. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 23 existe um aspecto de grande relevância nessas “fugas” que está no que elas revelam, já a partir de um período tão recuado, de uma dinâmica que nos será fundamental para a construção do próximo capítulo. A ambigüidade das fugas neste contexto está no fato delas traçarem um trajeto que não parte em linha reta dos aldeamentos para o espaço selvagem, mas que desenha um ou vários circuitos de troca de homens e informação (fatual e cultural) entre os aldeamentos. 4 No último quartel do séc. XVIII a política e a administração estatais passam por transformações relacionadas ao projeto iluminista imposto por Pombal que produzem eco na política de conquista colonial. Em função das disputas entre jesuítas e fazendeiros de um lado (principalmente no Maranhão e Grão Pará), e das tentativas de reordenar as formas econômicas na colônia de outro, é extinta a escravidão indígena e, em 1775 é retirado o poder temporal dos missionários sobre os aldeamentos. Complementando essas medidas e dando sentido a elas, em 1758 ordena-se a transformação dos aldeamentos em vilas e dos missionários em párocos e, em 1775, passa-se a incentivar os casamentos mistos, entre portugueses e índios (FARAGE, 1988, CUNHA,1992 e HOORNAERT, 1992). Tais emancipações administrativas preparavam a terceira estratégia de conquista, marcada pela intenção explícita de romper com o isolamento relativo em que os aldeamentos encerravam os indígenas. Numa tendência oposta, a administração pombalina passa a incentivar e orientar a ocupação não indígena dos aldeamentos, na tentativa de assimilar física e culturalmente os índios, criando uma população mais homogênea. Se a estratégia da guerra concentrava energias em abrir terras e criar mão-de-obra compulsória, na forma do escravo indígena, com altos custos militares e uma grande dispersão da população que conseguia resistir, a estratégia da conversão também vinha liberar terras, mas através da reunião da população indígena fragmentada pelas investidas militares, colocando-a fora do alcance imediato dos proprietários de terras e do governo. A estratégia da mistura surge nesse contexto como um avanço e uma economia, através do apaziguamento de interesses conflitantes dentro de um múltiplo processo de colonização. Transformar em “nacionais” as populações indígenas significava finalmente acabar com todas as figuras de reserva, seja de terra ou de mão-de-obra, que então passam a estar livres para sua mercantilização. Assim, no lugar das várias aldeias situadas nas ilhas do São Francisco, é criada, em 1761, uma única vila, a de N. S. de Assunção. O mesmo acontece com a missão de Santa Maria e com as de Cimbres e de Monte Alegre em 1762, e com a de Palmeira dos Índios e outras, localizadas na Paraíba, no ano de 1763 (BARBALHO,1988:vol.8). Uma estratégia que mais tarde seria formalizada como proposta de governo para a província de Pernambuco, como veremos a seguir, e que durante a república continuaria sendo reeditada, mas então sob uma tradução cientificista e humanitarista, na forma da doutrina indigenista de transformação daquelas populações em trabalhadores nacionais. Mesmo em 1808, quando se volta atrás em alguns avanços do diretório pombalino e se re-instituem as guerras justas com o direito à escravização indígena, o ideário estatal já está tão comprometido com esta nova perspectiva que essa segunda escravidão é apresentada como temporária e revestida de uma justificativa pedagógica que presta contas ao ideário de mutação daquelas populações: aqueles que ficassem responsáveis pelos indígenas apresados deveriam ministrar-lhes o ensino agrícola, ofícios mecânicos e ensino religioso. Ganhava a forma de lei uma mudança de perspectiva fundamental: o índio não era mais pura alteridade que tem a qualidade da autonomia mas que por isso deve ser objeto de destruição, ele agora é parte da população de súditos que forma o todo orgânico
  • 24. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 24 que dá conteúdo à idéia de civilização e por isso não é mais objeto de destruição, mas também não é mais autônomo e sim massa moldável, objeto de intervenção transformadora. Intensifica-se e explicita-se com isso, principalmente no Nordeste, a política de reunião de diferentes grupos indígenas nos mesmos aldeamentos como forma de homogenizá-los racial e socialmente, reduzindo o número de aldeamentos e tornando-os mais densamente povoados, acelerando também a liberação de novas terras (RIBEIRO,1970). Com a lei de terras de 1850, inaugura-se uma política fundiária ainda mais agressiva através de uma decisão agregada àquela lei, que mandava incorporar aos “próprios nacionais” as terras das aldeias de índios que “vivem dispersos e confundidos na mesma população civilizada” (apud CUNHA,1992). Assim, depois de quebrada sua resistência militar e introduzidos na lógica colonial pelas missões, essa nova orientação leva-os à mestiçagem, estratégia agora mais eficaz de encaminhá-los ao desaparecimento. Por isso, nesse último momento, os argumentos para a definição de uma política dirigida a esses grupos já não eram apenas de caráter fundiário ou quantitativo, em que se acusava a necessidade de novas terras ou a presença de poucos índios para a redução ou agrupamento de aldeias, mas qualitativo, de caráter comportamental, onde se pretendia avaliar se aquelas populações continuavam aparentando ou não serem indígenas, depois de toda uma longa política de conversão e mistura; se elas continuavam ou não realizando suas tradições, depois de serem tantas vezes reprimidas pelos poderes locais. Em Pernambuco, a própria comissão criada para percorrer o estado, discriminando quais seriam as terras públicas, é incumbida também de contar e medir as terras dos aldeamentos indígenas, preparando-os para o ato de extinção. 5 É numa situação que revela a passagem as estratégias de conversão e de mistura, que os primeiros registros do etnônimo Pankararu foram localizados, num levantamento realizado por Hohental (1960). Num relatório do ano de 1702, referente à aldeia de N. S. do Ó, organizada por missionários jesuítas na Ilha de Sorobabé, rio São Francisco, este pesquisador encontra a primeira referência ao etnônimo: os “Pancararus” são citados junto a outros três grupos, os Kararúzes (ou Cararús), os Tacaruba e os Porús. O aldeamento é bem anterior a esta data e Hohental permite sugerir que os Pancararú e os Porú teriam se agregado a ele entre 1696 (ano de um outro relatório em que não são citados) e 1702. Mais tarde, os Pancararú e os Porú, que aparecem novamente associados, são localizados em outros dois aldeamentos: no do Beato Serafim, em 1846, e no de N. S. de Belém, em 1845, organizados por capuchinhos italianos nas ilhas da Vargem e do Acará, também no São Francisco. Já a localização dos atuais Pankararu, num dos contrafortes da Serra Grande ou Serra da Borborema, próxima às margens do São Francisco, entre os municípios de Tacaratu e Petrolândia, está associada ao registro de um quarto aldeamento, designado por “Brejo dos Padres”, cuja origem e administração não é plenamente esclarecida pela documentação e do qual sabe-se apenas que deve ter sido criado no início do século XIX por oratorianos ou capuchinhos, possivelmente em 1802 (HOHENTAL,1960), a partir do ajuntamento dos Pancararú e Porú com outros grupos identificados como Uman, Vouve e Jeritacó (BARBALHO,1988:vol.8).
  • 25. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 25 Para que ganhe sua real dimensão de território de reunião, de mistura étnica, onde são reunidos os mais diferentes grupos a fim de tornar mais fácil a produção do “caboclo”, seria necessário acrescentar que a esta multiplicidade de denominações pode ainda ter se somado, em função das reiteradas tentativas estatais e missionárias, grupos “brabios” da Serra Negra, e a essas denominações tenham vindo se somar famílias de grupos hoje conhecidos por Kambiwá e Kapinawá e de outros que já não é possível recuperar (DOC.:1) 8 . Além disso, segundo sua tradição oral, os Pankararu seriam “parentes” dos Pankararé, hoje localizados no Raso da Catarina, estado da Bahia, dos quais teriam se separado por fissão de um grupo anterior, a partir do desmembramento de um primeiro aldeamento localizado no então designado Curral dos Bois (BA) (HOHENTAL,1960). O aldeamento do Brejo dos Padres constituiu-se, assim, como fruto da estratégia de desterritorialização e reterritorialização que levou ora à repartição, ora à concentração de diferentes grupos étnicos num mesmo espaço restrito. Estes estavam geralmente bastante próximos a uma promissora povoação, no caso Tacaratu, à qual poderia servir como reserva de mão-de-obra. Assim, o aldeamento do Brejo dos Padres poderia ser progressivamente “misturado”, para transformar-se, num futuro próximo, ele também, numa próspera povoação, como qualquer outra. A mecânica do fim 1 A lei de terras de 1850 dá início a uma série de alterações na organização do campo em Pernambuco. Os trabalhos de discriminação das terras públicas são acompanhados das políticas simultâneas de libertação dos escravos através do fundo de emancipação do 8 Para maior comodidade do leitor, limpeza do texto e facilidade de consúlta, optamos em numerar sequencialmente os documentos que utilizamos ao longo do texto e relacioná-los numa única lista de documentos citados ao final do trabalho.
  • 26. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 26 Império, da tentativa de implantação da imigração norte-americana e das remodelações de um determinado padrão de controle da mão-de-obra rural pobre, realizado na forma de diferentes tipos de “colônias” que então são criadas, extintas, transformadas, agrupadas, numa intensa busca da medida exata entre a tutela daquela população, que a ordem demandava, e a liberação de homens e terras, que o progresso pedia. Por isso, a extinção dos aldeamentos indígenas no Nordeste, e especificamente em Pernambuco, não pode ser pensada apenas como desenvolvimento de uma série de ações que poderíamos ordenar cronologicamente, sob a idéia de uma política indigenista com lógica própria, mas antes, ela deve ser compreendida dentro deste quadro de alterações que compõem a reordenação dos padrões de intervenção e controle sobre a população rural pobre nordestina num momento de transição das relações de trabalho para o capitalismo Foi no bojo desse processo e no contexto de ação da Comissão de Demarcação das Terras Públicas da Capitania de Pernambuco, em 1857, que se realizou o único levantamento sistemático sobre a situação das aldeias indígenas existentes no Pernambuco do século XIX, ao qual temos acesso através de um relatório da Diretoria de Índios de Lages (DOC.:1). Apesar do seu caráter extremamente sucinto, esse levantamento nos dá uma espécie de instantâneo insuspeito dos últimos momentos de existência daqueles oito aldeamentos. Suas informações substantivas podem ser resumidas no quadro da próxima página. Com exceção do aldeamento de Assunção, o relatório cita atos de expropriação territorial em todos os outros, realizados por meios mais diretos e violentos ou através de mecanismos legalmente regulamentados. A descrição fornecida pode ser reordenada de forma a nos ajudar numa aproximação dos mecanismos acionados. No caso do Aldeamento de Escada, por exemplo, existiam três tipos de ocupações legais, conflitantes com a posse indígena. A primeira era urbana: no centro da aldeia estava localizada a Vila de Escada, com 238 casas, em sua maioria de não índios, pagando um real de foro por palmo ocupado. O segundo tipo correspondia a dois grandes arrendamentos de mil braças em quadro cada. Nenhum dos dois arrendatários no entanto pagava o foro devido à Diretoria Geral de Índios e, num dos casos, nem o limite das mil braças era respeitado, tendo seu arrendatário avançado sobre novas terras para a instalação de engenhos de açúcar. O terceiro tipo de destinação era a dos pequenos arrendamentos, renováveis trianualmente, cuja quantidade não é mencionada. Como a documentação deixa perceber, a situação de arrendamento permite ao arrendatário ultrapassar progressivamente os limites de seus lotes e avançar sobre o restante das terras, geralmente através da derrubada das matas que demarcam os limites entre suas áreas e a dos aldeados. No caso de Barreiros a “Aldêia foi situada sem medição” no centro das terras concedidas (não fica claro se antes ou depois) a João Paes Velho, que então a faz remover para outro lugar e com sua extensão reduzida a apenas uma “légua em quadro”, em lugar das quatro a que teria direito. Além disso, as bordas do aldeamento passam a ser arrendadas para a edificação de engenhos de cana de açúcar, sendo que apenas parte desses arrendatários pagavam os foros devidos. Com a tentativa da Diretoria corrigir a situação, os rendeiros inadimplentes, revoltados com as cobranças, passaram a arrancar os marcos dos limites e a invadir o restante das terras do aldeamento, reduzindo drasticamente aquela última légua em quadra que restara à população aldeada. Outro exemplo da prática de arrendamentos das terras do aldeamento para a edificação de engenhos, mas num momento ainda não conflitivo, pode ser encontrado no aldeamento do Brejo dos Padres, que assistia ao surgimento de diversas plantações de cana e à construção de várias moendas, parte pertencente aos índios e parte pertencente “a divêrsas pessoas do povo que não tem pago foro a esta Aldêia” (idem).
  • 27. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 27 Quadro 2 Aldeamentos de Pernambuco em 1857 Nome Comarca Localização Distância de Recife População indígena Dimensões 1 - Aldeia da Escada Vitória margem oriental do Ipojuca 10 léguas 212 em 68 famílias 4 “léguas em quadro”, invadidas em 2 léguas 2 - Aldeia de Barreiros Rio Formoso margem sul do rio Uma 23 léguas 460 em 191 famílias 4 “léguas em quadro”, quase totalmente invadida 3 - Aldeia de Cimbres Brejo da Madre de Deus Serra do Orubá, até as margens do Ipojuca 64 léguas 789 em 238 famílias sem medição oficial, com cerca de 3 x 2 léguas 4 - Aldeia de Águas Bellas Garanhuns margem norte do rio Panema 90 léguas 382 em 96 famílias os marcos foram arrancados por proprietários vizinhos 5 - Aldeia da Baixa Verde Flores ? 110 léguas foram dispersados por fazendeiros vizinhos 6 - Aldeia do Brejo dos Padres Tacartu ? 120 léguas 290 em 98 famílias 2 “léguas em quadro” 7 - Aldeia da Assunção Boa Vista Ilha do rio São Francisco 128 léguas 177 em 64 famílias 5 léguas na maior largura da ilha, alem de outras ilhas para plantações 8 - Aldeia de Santa Maria Boa Vista 3 ilhas contíguas do rio São Francisco 132 léguas 124 em 29 famílias, reagrupadas depois de dispersadas por fazendeiros vizinhos - (Fonte: DOC.:1) Nos casos dos aldeamentos de Címbres e de Assunção, as suas terras estavam sendo “esbulhadas” pelas Câmaras Municipais, sendo que o esbulho do aldeamento de Assunção teria se completado pela ação de um juiz que, “a pretexto de pertencer o terreno da Aldêia ao Patrimônio da Matriz, fez por em praça e foi arrematada a Ilha ... a hum cunhado deste, e igualmente foi arrematado tudo o que pertencia a Aldêia por insignificante preço” (idem). O mesmo mecanismo é usado também em Águas Belas com resultados diferentes, já que depois da destruição dos marcos fronteiriços os próprios índios passam a pagar foros ao pároco local, sob a alegação de que eles teriam doado as terras a Nossa Senhora e, assim sendo, elas teriam passado a ser da Igreja e estar sob a administração do seu representante, o pároco. Na Baixa Verde e em Santa Maria a expropriação se realiza por puro ato de violência. No primeiro caso, foram assassinados o Diretor de Índios e 60 aldeados, o restante do aldeamento foi dispersado e “livres pessoas do povo”, “Próprios Nacionais”, passaram a ocupar as suas terras. Já no segundo, a tomada das ilhas pelos fazendeiros foi acompanhada da perseguição à sua população que então “se tem incorporado as ordas selvagens que habitão a Serra Negra” (idem). São assim mecanismos de expropriação: A) as terras arrendadas no interior dos aldeamentos cujos foros deixam de ser pagos ao mesmo tempo em que suas extensões se expandem; B) a reivindicação, por párocos, das terras doadas à Santa como pertencentes à Igreja e por isso devendo estar sob sua administração; C) as transferências para outros locais com suas áreas reduzidas; ou simplesmente D) o massacre e a expulsão. Este é o
  • 28. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 28 leque das ações do progressivo desaparecimento físico dos aldeamentos que momentos antes serviam para reunir grupos dispersos. Como resposta, restavam a esses grupos poucas opções: ou o acordo com relação ao pagamento pelas terras que usavam, ou a fuga para os agrupamentos de índios que ainda, em fins do séc. XIX e em pleno Nordeste, mantinham-se arredios, refugiando-se neste último símbolo de resistência, a Serra Negra. De outro lado, esse relatório deixa entrever que o tipo de atuação concreta restava à Diretoria de Índios: A) um precário serviço de “aviventamento” dos marcos das aldeias, tornando apenas mais visível o que era na verdade uma fronteira bastante frágil, B) a reivindicação na justiça dos terrenos subtraídos ilegalmente, caso em que “...para reivindicar o terreno [era] precizo autorização para a despeza que deve fazer-se em diversos pleitos”, autorizações essas que, como diz o autor, dificilmente eram atendidas; e C) uma tênue tentativa de mediação legal dos interesses conflitantes, para a qual faltava em muitos casos interesse, em outros autonomia: “... e não está a Diretoria Geral autorizada para receber esses foros do acordo para demarcar o terreno por que nenhumas ordens do Governo tem recebido a tal respeito” (idem). Sua atuação limitava-se ao exercício de uma autoridade muito frágil que só obtinha sucesso quando era possível reproduzir entre a Diretoria e os invasores ou arrendatários inadimplentes a mesma relação de poder da qual se pretendia proteger os aldeamentos indígenas. No caso de Águas Belas por exemplo, depois de informar que quase todos os marcos já haviam sido destruídos pelos proprietários vizinhos, o autor do relatório diz que o “Diretor Actual” pretendia remediar o problema investindo sobre aqueles “usurpadores mais recentes”, pela razão destes não serem “potentados”, ainda que alguns já tivessem se adiantado em oferecer o pagamento de rendas à aldeia. Ao final da sumária descrição, o autor faz sugestões de intervenção que, acreditava, poderiam solucionar tanto as queixas dos fazendeiros que tinham seu gado furtado por “selvagens”, quanto as queixas dos índios “esbulhados”, com as quais “a Diretoria Geral é efetivamente atormentada”. O primeiro passo seria retomar as terras usurpadas e aviventar todos os marcos dos aldeamentos, porque isto feito os índios teriam condições de produzir o suficiente para suprir não só as suas próprias necessidades, como para cobrir as despesas mais urgentes das outras aldeias. Como prova de sua viabilidade o autor cita os aldeamentos de Escada e de Águas Belas, que têm “...conseguido fazer alguns arrendamentos que já chegam para socorrer os índios enfermos, órfãos e velhos decrépitos” e ainda alcançar um saldo que era administrado pela “Diretoria”. Conseguidas as terras usurpadas, o segundo passo seria distribuir as ferramentas necessárias à lavoura e reorganizar os aldeamentos segundo um regulamento semelhante ao das Colônias Militares, acompanhado da construção de uma Casa de Correção em cada comarca “... onde fossem penitenciados os proletários que se recusam a trabalhar”, assim como aqueles que fugiam das aldeias. Ao se tornarem produtivas, acrescenta o autor, as aldeias estariam também fornecendo à agricultura mais “dois mil colonos aclimatados e robustos”, num momento em que justamente se reclama da “falta de braços”. Se aquela imensa massa de proletários que vagava ociosa por todo o interior da província impunemente, diz o relatório, fosse reunida em aldeamentos/colônias militares, ela daria mais impulso à lavoura que aqueles colonos europeus, trazidos ao país ao custo de vultosos recursos e que sofriam de todos os problemas de adaptação ao clima. Temos aqui reunidos então, os principais elementos que constituirão, décadas depois, durante o regime republicano, as propostas de militares positivistas e das elites agrárias que vieram a se alocar no Ministério da Agricultura Indústria e Comércio. Não são as mesmas propostas porque as idéias não percorrem o tempo descarnadas e, a cada momento, é necessário situar a produção dos quadros de referência e do jogo de relações
  • 29. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 29 políticas que lhes dão um sentido preciso, como veremos a seguir. Mas, se concordamos em descartar o fantasma das continuidades históricas e a busca das origens, em oposição a eles não podemos criar o fantasma da descontinuidade e da originalidade, que nos leva a desconhecer que os aparelhos estatais e os momentos históricos muitas vezes recriam o mesmo e que, se o seu quadro ideológico dá uma coerência às suas propostas, elas na verdade podem estar “requentando” práticas e discursos muito anteriores, gerados em contextos ideológicos mais ou menos distintos. 2 Assim, as soluções propostas pelo relatório de 1878 têm o seu próprio contexto, o quadro mais amplo de idéias que estavam em pleno debate, no Pernambuco do final do séc. XIX, mas que seriam aplicadas apenas parcialmente, com base nos instrumentos legais gerados pela lei de terras de 1850. Nesta década surge a “Sociedade Auxiliadora da Agricultura”, que reunirá, com maior ou menor sucesso ao longo do tempo, proprietários e comerciantes pernambucanos em morosas disputas intra-classe dominante no sentido de uma modernização do campo. Nessas discussões surgia como fator de ameaça, mas que podia ser convertido em fonte de recursos, a abolição da escravatura: o temor de ver seus escravos libertos numa desordem que em seu imaginário sempre remetia ao Haití, era contrabalançada pela proposta de mobilizarem-se por uma abolição “lenta e gradual”, através de indenizações com o dinheiro público que, argumentavam, seria convertido na modernização dos engenhos e na imigração estrangeira (a americana), fundamentais para sanar a reclamada “falta de braços” e modernizar o campo (BOMPASTOR, 1988) Na verdade, como nos lembra Bompastor, a abundância de mão-de-obra no campo tornava os proprietários indiferentes à imigração, que rapidamente fracassou, mas a retórica da “falta de braços”, converteu-se na conquista das indenizações e na criação de expedientes que respondiam às “constantes reclamações [...] por leis que reprimam a vadiagem e instituam o trabalho compulsório e a residência fixa para a população pobre livre, principalmente depois das grandes secas da década de 70 que deslocaram para a zona da mata grande contingente de população do agreste e sertão, contribuindo na ameaça à ordem e às propriedades dos 'homens de bem'. “ (Memorial de Joaquim A. dos Santos Souza, apresentado ao Congresso Agrícola de Pernambuco. apud BOMPASTOR, 1988) Expedientes que visavam à repressão da “vagabundagem” e da “ociosidade” através de um “regime policial severo, a que deverão estar sujeitos todos os indivíduos sem arte e sem ofício” (idem). Assim, respeitando essas orientações, a década de 18709 assiste a um rápido desaparecimento dos aldeamentos, sob a alegação padronizada de que “os poucos índios que ali habitam, acham-se já confundidos na massa geral da população”, como foi alegado ainda em 1869. Segundo o Barão de Buíque, Diretor Geral dos Índios em 1872, os aldeamentos que ainda existiam na província “conviria reduzir a um ou dois” 'já que “em geral não vão bem nos aldeamentos, e dão-se continuamente conflitos, por causas das terras” (DOC.:2). 9 As informações que se seguem foram extraidas da leitura de relatórios dos presidentes de província de Pernambuco, microfilmados na Biblioteca Nacional (código PR-SPR 115. Rolos de 1 a 7, correspondente ao período de 1838 a 1889).
  • 30. Arruti, 1996 - O Reencantamento do Mundo / 30 De fato, nessa década os aldeamentos são extintos sumariamente, guardando o tempo apenas necessário para a medição das suas terras e sua repartição em lotes. Em 1869 eram registrados ainda oito aldeamentos em Pernambuco, sendo já iniciado o processo de extinção de alguns deles: Brejo dos Padres, comarca de Tacaratu, Urubá, município de Cimbres; Santa Maria da Boa Vista, município de Boa Vista; Assunção, na ilha da Assunção, comarca de Cabrobó, Barreiros, município de Barreiros, Panema, da fregusia de Águas Belas, município de Buíque; Baixa Verde, município de Flores; Escada, município de Santo Antão (DOC.:3). Seis anos depois, o governo provincial já teria reduzido esse número para quatro (DOC.:4). 3 A concentração desses desaparecimentos num estrito período de tempo pode ser explicada com o recurso a três alterações de contexto: o impacto da lei de terras de 1850, a aproximação da abolição e a conseqüente reorganização do controle sobre a população pobre rural, como já foi visto. Mas também deve-se ao avanço efetivo de uma malha de estradas de ferro e carroçáveis que alcançou tardiamente, em meados do século XIX, o sertão interior, criando novos núcleos economicamente ativos e valorizando as suas terras. Assim, se em 1802 era criada “a primeira estrada tronco-central de Pernambuco” cobrindo um total de 59 localidades e alcançando os sertões do Panema e do Moxotó, num formato semelhante ao da atual BR 232 (BARBALHO,1988:vol.12), em 1872, haviam se acrescentado a ela quatro estradas de rodagem, sendo apenas 2 centrais, a de Santo Antão e a de Limoeiro, que avançavam pouco mais de 50 km pelo interior da província (DOC.:2). Um outro roteiro foi estabelecido pela Estrada de Ferro São Francisco, que também passou a servir como meio de progressivo incremento das localidades interioranas. Mas, a estrada que seria responsável pelo impacto mais direto sobre a região onde se localiza o aldeamento de nosso interesse seria finalizada em 1882: a Estrada de Ferro Paulo Afonso, cuja estação final era a localidade de Jatobá, à beira do São Francisco (DOC.:5). Entre essa localidade e a vila de Tacaratu, no alto da serra, estava o aldeamento de Brejo dos Padres. O impacto de uma estrada de ferro não era desconhecido pelos proprietários e poderes locais e pode-se ter uma idéia da valorização das terras da região através das transformações que lhe sucederam: dois anos depois da sua inauguração, era iniciada a construção da primeira igreja da localidade, antes servida apenas pela de Tacaratu, por iniciativa de um frei capuchinho e do engenheiro chefe da ferrovia e, apenas cinco anos depois, em 1887, aquela minúscula localidade já tinha crescido o suficiente para ser elevada à vila e tomar para si o papel de sede do governo, antes localizada em Tacaratu. A esta altura já tinham sido realizadas as recomendações do engenheiro José Luiz da Silva, da Comissão de Demarcação de Terras Públicas, segundo as quais não era necessário que restasse nem mesmo um aldeamento em Pernambuco, sendo suficiente a demarcação de lotes familiares de 22500 braças quadradas, com a venda em hasta pública das terras restantes. De fato, em 1878 já teriam sido todos extintos (DOC.:6). No discurso oficial, a solução para os conflitos em que os aldeamentos estavam envolvidos era fazer com que os próprios aldeamentos deixassem de existir. E, recomendava ainda, “não deve perder de vista a precaução de ser privada ao índio contemplado na partilha dos terrenos a faculdade do alienar os que lhe couberem porque só assim conseguir-se-há prende-los ao solo e evitar que, abusando de sua bôa fé o defraudem por negociações lesivas os especuladores” (DOC.:7). Uma recomendação que, já vimos, obedecia à orientação mais geral de imobilização da população rural pobre como forma de solucionar a tão reclamada “falta de braços”.