1. GRUPERT - Grupo Permanente de Entrevista www. cadernodepauta.blogspot.com.br
CADERNO DE PAUTA
N A T A L / R N , 2 4 d e N o v e m b r o d e 2 0 1 5 . A N O 1 - E D I Ç Ã O 0 0 3
Caderno de Pauta cadernodepauta www. cadernodepauta.blogspot.com.br
EM MINAS UM RIO DE LAMA;
EM PARIS UM RIO DE LÁGRIMAS
Por Ícaro César Carvalho
Não é de hoje que o mun-
do nos assusta com tragédias e bar-
báries. A humanidade sempre foi
ambiciosa, intolerante e em muitos
casos, cheia de ódio. Para piorar a
situação, as naturalizações de tais
atos tornam a muitos em pessoas
indiferentes, caladas e frias.
Quem acompanha o not-
iciário ou está sempre ligado nas
principais redes sociais viu que
duas grandes tragédias comoveram
o mundo nessa primeira quinzena
de novembro: o rompimento das
barragens em Mariana, Minas Ge-
rais, causando mortes e crimes am-
bientais com danos gravíssimos, e o
morticínio na França, onde o Esta-
do Islâmico, grupo radical extrem-
ista, aplicou mais um ato de ter-
rorismo ao invadir uma boate em
Paris, deixando mortos e feridos, e
espalhando terror e apreensão não
só entre os franceses mas todo o
mundo.
As lástimas como sempre,
chegam instantaneamente às re-
des sociais, comovendo usuários
e levantando opiniões de milhões.
Após os atentados na França as
redes sociais foram tomadas por
pessoas alterando suas fotos com
um fundo da bandeira francesa.
Um simples ato, que não julgo a
importância nem sua relevância
socialmente; entretanto, é um pe-
queno meio para se mostrar que
a tragédia comove os usuários das
redes, por menor que seja (sim, ex-
istem pessoas que participam por
modismo, e em muitos casos nem
sabe o que está fazendo).
As críticas vieram como a
lama em Minas: em enxurradas.
“Paga pau pra gringo”, “Temos
uma tragédia aqui também, colo-
quem a bandeira de Mariana, Mi-
nas e afins”. Também houve críti-
cas relativas ao que ocorreu ao
Cristo Redentor, no Rio de Janeiro,
onde foram acesas luzes nas cores
azul, branco e vermelho em apoio à
França, país que não se “importou”
com o incêndio na boate Kiss, no
sul do país, isto segundo os própri-
os usuários. Sim. É isso mesmo. Ve-
mos aqui pessoas discutindo sobre
qual tragédia é mais importante ou
qual delas merece a devida atenção
do usuário do Facebook, Twitter ou
Whatsapp.
Mais uma vez o homem
se preocupa com o pífio, e deixa
o mais importante de lado. Para
muitos, colocar o avatar cromáti-
co francês já é a prova de que se
ajudou de alguma forma, ou que é
possível mostrar que há um huma-
no por trás daquele perfil do Face-
book.
Já dizia Gonzaguinha: “Eu
fico com a pureza da resposta das
crianças”. Eu também prefiro. É
preferível ajudar da maneira que
pode com pequenas doações ou
orações ao Deus que lhe rege, as
entidades que o representam, do
que ser discutir nas redes sociais
sobre qual acontecimento é mais
relevante ou não. Oremos, rezemos
ou prestemos solidariedade a quem
quer que seja. Vítimas de tragédia
ou não. A humanidade mais do que
tudo precisa do próprio nome que a
rege: humanidade.
Foto: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/11/16/acir-gurgacz-presta-solidariedade-a-franca-e-
pede-punicao-a-poluidores-do-rio-doce>
2. Grupo Permantente de Estudo da Entrevista / Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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EXPEDIENTE Participaram desta edição: Emanoel Barreto - coordenador; Thayane Guimarães - programação visual;
Ícaro Cesar e Luiz Henrique Gomes - Repórteres.
EXPEDIENTE
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A FORÇA DE MAMA ÁFRICA
Um relato da resistência e luta do negro
Por Luiz Henrique Gomes
Sexta-feira passada (20)
foi dia de lembrar a resistência ne-
gra, forjada a sangue e a dor. Dia
de lembrar seus heróis e heroínas,
seus martírios, sua luta e o seu grito
que, apesar de tentarem, não con-
seguiram conter.
Retirados de sua terra, ar-
rastados como bichos e transpor-
tados junto aos ratos e às pestes,
os negros não esqueceram seus
deuses, seus reinos e a antiga vida
deixada na África. Escravizados
no novo continente, a lembrança
de outra vida sempre permaneceu
na memória e foi o combustível
necessário para lutar contra o chic-
ote e a miséria.
As mulheres negras, antigas
rainhas e guerreiras africanas, eram
consideradas mulas na América.
Como todo negro, eram vistas como
propriedade do senhor de engenho,
dono do cafezal ou do algodoeiro,
mas contavam com um tormento:
eram estupradas e depois aban-
donadas com suas crias, crianças
sem pai que eram odiadas por todos
e vista como fruto do pecado.
Resistir às vontades dos
senhores era cruel, sem eufemis-
mos. Convém lembrar o que acon-
teceu com a negra Patsey, relatado
no livro Doze anos de escravidão,
de Solomon Northup, quando ten-
tou fugir do seu senhor: amarrada
a um tronco de árvore, nua, a negra
teve seu corpo agredido até o chic-
ote arrancar toda a pele de suas cos-
tas para ter, logo depois, sal grosso
jogado sobre a carne viva. Tudo na
frente dos outros escravos para que
servisse de lição.
O ódio, assim, foi se mistur-
ando ao sonho da liberdade. As fu-
Foto:Resistêncianegranorte-americana.Fonte:arte.tv
gas daquele inferno eram vistas pelos senhores como doença crônica de
uma gente preguiçosa. Havia quem acreditasse que era sinônimo de in-
gratidão: afinal, o pão mofado, a cachaça e a farinha eram um ato de bon-
dade!
E, na formação dos quilombos, ficou claro que já não eram o mes-
mo povo do continente africano. Os negros haviam se reinventado para
sobreviver tamanha fora a rigidez da escravidão. As religiões, as danças e
os hábitos sincréticos eram o resultado de seus gestos ancestrais e da ne-
cessidade de enganar o branco para continuar pedindo forças a Iemanjá,
Iansã e Exu, sem receber castigo.
Aos olhos dos escravos, fugitivos ou não, esses quilombos eram
verdadeiras fortalezas e reinos. Representavam a África, a liberdade e
a vida. Por isso cravavam com tanto afinco suas raízes nesse espaço – para
resistir às tentativas de destruição.
Com o fim da escravidão a luta e a resistência negra não acabaram.
O ódio contra a pele negra persistia e, por isso, jamais baixaram a guarda.
E até os dias atuais, o racismo continua a existir. Os casos da atriz
Taís Araújo, do goleiro Aranha e da jornalista Maju são retratos disso, mas
são os únicos que tiveram repercussão midiática no último ano. No entan-
to, semelhantes violências como a da negra Patsey persiste até os dias de
hoje: basta olhar o mapa da violência divulgado recentemente para ver que
no Rio Grande do Norte, a violência contra a mulher negra cresceu mais de
200%, nos últimos 10 anos.
Por isso, o dia da consciência negra é dia de saudar e lembrar toda
a caminhada de vitórias e derrotas do povo negro para não esquecer que o
sofrimento ainda está marcado na pele; que todo avanço foi fruto de muita
luta e resistência, e não é tolerável retroceder um só passo.
O racismo precisa ser combatido até que a liberdade seja alcança-
da. E isso só será possível quando a consciência for negra todos os dias.