O documento discute as profissões invisíveis na sociedade brasileira, como faxineiros, seguranças e empregadas domésticas. Apesar de serem essenciais para o funcionamento da sociedade, são frequentemente menosprezados e recebem salários precários. Os entrevistados, apesar de terem sonhos de outras carreiras, se sentem satisfeitos com seus trabalhos atuais por proverem sustento para suas famílias.
1. CADERNO DE PAUTA
N A T A L / R N , 2 3 d e M a i o d e 2 0 1 6 . A N O 1 - E D I Ç Ã O 0 0 6
Caderno de Pauta cadernodepauta www. cadernodepauta.blogspot.com.br
AS PROFISSÕES
INVISÍVEISRETRATO DE UMA SOCIEDADE DE CLASSES
Por Isabela Maia
Nós os encontramos todos os dias, eles estão
sempre lá, mas não os vemos. São invisíveis. Invisíveis
porque a sociedade se recusa a enxergá-los, assim como
a qualquer outra imperfeição no modelo de vida perfeita
que todos procuramos seguir à risca. Quase nos esquece-
mos que são pessoas de verdade quando estão fantasiados.
Entretanto, assim que colocam suas máscaras, no final do
expediente, máscaras que custaram mais do que jamais
poderão pagar, nos assimilamos.
No fundo, somos todos invisíveis. Todos usamos
máscaras, queremos nos encaixar, nos assimilar. Todavia,
parte de nós tem condições de usar o disfarce em tempo in-
tegral, e eles não. Por isso, os desconhecemos, os desasso-
ciamos com seres humanos. Eles são apenas objetos, seres
inanimados, coisas. Hoje não.
Essas pessoas são as mais importantes para o fun-
cionamento da sociedade, cuidam de sua higiêne, organ-
ização, estrutura. Como pode, então, ela ter a audácia de
menosprezá-las? Sem elas, que seriam das ruas, dos prédi-
os, dos hospitais, de todos os estabelecimentos, casas, su-
permercados?
Os trabalhos mais basais, estruturais e impor-
tantes do mundo são os que se realizam em mórbido
silêncio, sem grandes vangloriações, sobrecarregados
pelo peso exorbitante das contas a pagar. Os empregos
de pano, água, cimento, martelo, sustentados pela
esperança de sobreviver. Viver não é possível, não
sem as máscaras. Sem esses invisíveis aos olhos miopes do
mundo, a sociedade entraria em colapso. Viria o caos.
Chegou a hora de o mundo abrir os olhos, acord-
ar, de fazer a sociedade encarar seus rostos e aceitar: sim,
eles são seres humanos; sim, eles têm sentimentos. Eles
são os seguranças, os faxineiros, os lixeiros, as emprega-
das domésticas. Trabalhos tão comuns, que “qualquer um
pode fazer”, tão necessários, mas que geram tanto despre-
zo. Tamanho a ponto de seus próprios salários serem pre-
cários, exigindo deles a atuação em outros empregos para
que possam manter a família.
Talvez o fato de a educação ser precária implique
a desvalorização dos demais trabalhos que sustentam o país,
e, ainda, contribua para que a inconsistência de uma econo-
mia tão forte possuir índices tão precários seja ignorada pela
maioria da população. O importante é ter comida na mesa
todos os dias.
O problema – um dos vários – é que essa comida
deveria ser assegurada, no mínimo, por um salário digno,
mas nem isso acontece. Esses profissionais tão importantes
sofrem com tal sina, possuem uma sobrevida para trabalhar
em prol de uma sociedade que os menospreza. Será que ao
menos sabem disso?
Um homem comum, cerca de um metro e sessenta de
altura, pele parda, cor de achocolatado, bigodes grossos, ócu-
los de grau retangular, cabelos negros, disposto, sorridente.
Jailson Batista, 45 anos, trabalha como Auxiliar de Serviços
Gerais (ASG) na UFRN há 6 meses. Ele gosta de seu
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Grupo Permantente de Estudo da Entrevista / Universidade Federal do Rio Grande do Norte
2. Grupo Permantente de Estudo da Entrevista / Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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EXPEDIENTE Participaram desta edição: Sebastião Albano - coordenador; Thayane Guimarães - programação visual;
Isabela Maia - Reportagem e Redação
EXPEDIENTE
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trabalho, considera-o importante.
Trabalha o dia inteiro em prol de seu
próprio sustento, pois é um homem
livre, orgulha-se disso e ri quando con-
ta que não tem filhos ou esposa para
pegar no seu pé.
A escolha de seus trabalhos
não é arbitrária. A falta de oportuni-
dades o faz aceitar o que aparece. A ne-
cessidade de trabalhar o estimula, mas
o reconhecimento que recebe é satis-
fatório. Talvez pelo ambiente em que
exerça sua profissão não sofra nenhum
tipo de preconceito, talvez o problema
nunca seja o emprego. “Em vários can-
tos tem as pessoas que vai com a sua
cara e outras que não”. A sua sorte foi
encontrar um local de boa recepção,
onde pôde construir relacionamentos
amigáveis.
Mesmo com o 2˚ grau comple-
to, Jailson não encontra oportunidades
melhores. Nos últimos 10 anos tra-
balhou com diversos tipos de serviços,
por exemplo como balconista de su-
permercado. Ele lamenta não poder
escolher com o que vai trabalhar, mas
está bastante satisfeito com o que faz
no momento. Sua profissão é impor-
tante.
Natal Shopping, 10 de maio,
dia das mães. O shopping está lotado,
dia melhor para observar o tratamento
das pessoas aos faxineiros impossível,
e a descrição de como eles são vistos é
simples e direta: não são. Ignorados a
tal ponto que quando alguém os chama
para limpar a mesa, não olham, “não
deve ser comigo” podem pensar. A fal-
ta de educação e sensibilidade com a
qual são tratados é gritante.
Josilene, 31 anos, morena,
rosto arredondado, com bochechas
coradas de rouge, sorriso alegre, con-
stante, sonha em ser psicóloga. Ela
ama conversar com as pessoas, gos-
taria de ganhar a vida fazendo isso,
ajudando-as em seus problemas. E
por que não tentar entrar em uma uni-
versidade particular, aprender o que
gosta, quem sabe exercer a profissão?
Ah! O tempo não permite. Não pode
mais estudar, pois tem uma filhinha
de 2 anos e precisa cuidar dela, estudar
toma muito tempo, e ela prefere gastá-
lo com o trabalho, a filha, e o descanso.
Há apenas 4 meses trabalha
como ASG e gosta muito de seu tra-
balho, diz que lá eles são como uma
família. Nunca percebeu nenhum
tratamento negativo por parte das pes-
soas quando no trabalho e fora dele,
para ela não há diferença, só que no
trabalho temos que ser respeitosos:
“Aqui não pode falar palavrão por ex-
emplo, agora lá fora eu falo o que eu
quiser!”, ri. O importante é que res-
peitam os prazos, os direitos, pagam
os salários e ela pode pagar as contas
no final do mês. Pode até dar uma lem-
brancinha ou outra para a filha.
Sua aura jovial contagia, logo
ela está contando sobre peripécias de
sua vida, rindo alto e se divertindo.
Ivone, sua colega de trabalho, que es-
tava o tempo todo ao seu lado, tímida,
também começa a se soltar, pergunto
se ela gostaria de responder às pergun-
tas também. Ela parece animada. Jo-
silene pede licença, há uma mesa para
limpar.
Ivone, 46 anos, óculos retan-
gulares, pele morena, abaixo do peso,
cerca de 1,70, com uma miudez capaz
de disfarçar tamanha altura. De início
é muito retida, mas logo se solta, in-
fluenciada por Josi, começa a rir das
histórias da amiga e em certo momen-
to acaba segredando: “Se pudesse
ter qualquer profissão no mun-
do… Acho que seria jornalista!”.
É a primeira vez que trabalha
como ASG, e fazem apenas 3 meses.
Antes ela trabalhava em uma fábri-
ca de água sanitária, lá realizava todo
tipo de serviço, desde enxer caixas e
carregá-las a limpar locais e objetos di-
versos. Gostava muito de trabalhar na
fábrica: “todo mundo me amava”, rev-
ela com orgulho. Mas as condições não
eram tão boas, os pagamentos atrasa-
vam, às vezes nem vinham. Estava na
hora de mudar. Deu a sorte de encon-
trar uma empresa boa, acolhedora, e
agora já se encontra cercada de amigos
novamente.
O sentimento de comunidade
é tão forte nessas pessoas invisíveis,
que elas se tornam visíveis para si mes-
mas, e é o que importa. Podem fazer a
feira no final do mês. Já se acostumar-
am com o incômodo, não vale a pena
questionar, só fazer o trabalho calado.
Mas feliz.
As controvérsias presentes
nesse âmbito de discussão são in-
úmeras, pois uma espiral do silêncio
parece se formar de tanto que é dis-
seminada a mensagem: “Isso é nor-
mal. Não há nada a fazer”. A maioria
não parece achar injusta sua condição,
não parece perceber o quanto a socie-
dade os ignora, pois, de certo modo,
eles também a ignoram, vivem em seu
próprio mundo. Feliz. Falso.
Percebe-se que eles realizam
seu trabalho com motivação, mas, se
tivessem oportunidade de mudar, mu-
dariam. Então temos potenciais ad-
vogados, psicólogos, jornalistas, tudo,
que foram forçados a abrir mão desses
sonhos pois seu trabalho precisa ser
realizado por alguém. A sociedade pre-
cisa de suas bases, precisa de prédios
construídos, cidades limpas. Precisa
dos alicerces.
No final do dia, eles estão con-
tentes consigo mesmos, pois estão fa-
zendo o necessário para manterem seu
padrão de vida, e trabalhar, no Bras-
il, é motivo de orgulho. Não há nada
mais digno do que pronunciar: “Sou
trabalhador”. E se vão reconhecer é ir-
relevante, pois cada invisível se recon-
hece em si mesmo e no próximo. Há
glória, afinal.
Os alicerces são brasileiros
como todos os outros, sempre rindo,
procurando um motivo para ser feliz.
Trabalhar acaba sendo esse motivo. E
não há melhor estímulo do que saber
que se está beneficiando com seu es-
forço toda a nação.
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