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PESQUISA:
Princípio Científico e Educativo
Pedro Demo
Prefeitura Municipal de Campo Grande – MS
SEMED – Secretaria Municipal de Educação
DITEC
CSPTEC:Antonio Donizete de Souza
Introdução
 A ideia é fundamentar proposta de teoria e prática que
ultrapasse os muros da academia e da sofisticação
instrumental.
 Essa pretensão supõe que se desmitifique a pesquisa, para
não encerrá-la em sofisticações operáveis apenas por castas
superiores e raras.
 Para não ser mero objeto de pressões alheias, é mister encarar
a realidade com espírito crítico, tornando-a palco de possível
construção social alternativa.
 Faz parte dessa rota alternativa a expectativa de formação de
novos mestres, desde que pesquisar coincida com criar e
emancipar.
I
Pesquisar –
O que é?
1. Desmitificando o conceito
 O processo de pesquisa está quase sempre cercado de ritos
especiais, cujo acesso é reservado a poucos iluminados.
 Por fim, isso permite associar-se a pequeno grupo acima da
média, que, além de perfazer a nata acadêmica, também tende
a exclusivizar acesso a recursos.
 É preciso reconhecer que a formação sofisticada do
pesquisador não é mal em si. Ao contrário, faz parte da cena
sempre.
 Certamente, esse pesquisador “americano” (perito em
projeções, índices e taxas), além de muitas vezes decair na
banalização imitativa colonialista, propende a disseminar uma
visão curta do processo científico, atrelado ao empirismo e ao
positivismo.
 A desmitificação mais fundamental, porém, está na crítica à
separação artificial entre ensino e pesquisa.
 No oposto está a soberba do pesquisador exclusivo, que já
considera ensino como atividade menor.
 Saber desliga-se de mudar, o que pode acarretar para a atividade de
pesquisa estigmas muito preocupantes, tais como:
a) cultivo de distanciamento útil e mesmo recaída na neutralidade
farsante, comodista e elitista.
b) contradição flagrante entre discurso crítico, por vezes radical, e o
desvinculamento da prática, replicando conservadorismo gritante.
c) função de “bobo da corte”, reduzindo o conhecimento, sobretudo
o crítico, na prática a estratégias de controle e desmobilização social.
d) apropriação do saber, que passa sobretudo a manobra de
acesso ao poder, afastando-se da função de transmissão socializada.
e) favorecimento da alienação acadêmica no sentido de atividades
tão especulativas, que nunca se sabe bem para que servem na
prática, principalmente no cotidiano das pessoas e da sociedade.
 De si, as ciências sociais tratam apenas da práxis histórica, do seu
presente, passado e futuro. Teorizar sobre ela é fundamental , mas
seria prática inaudita permanecer apenas na teoria.
 Como ator social, o pesquisador é fenômeno político, que, na
pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os
confrontos e pelos interesses aos quais serve.
 Assim, desmitificar a pesquisa há de significar também o
reconhecimento da sua imisção natural na prática, para além de todas
as possíveis virtudes teóricas, em particular da sua conexão
necessária com a socialização do conhecimento.
 Prova visível da dicotomia artificial está no conceito de
extensão, inventado precisamente porque a universidade tende a fugir
da realidade concreta circundante.
 Professor é quem, tendo conquistado espaço acadêmico próprio
através da produção, tem condições e bagagem para transmitir via
ensino.
 A postura europeia tem o defeito de elitizar em excesso a pesquisa, se
partirmos de que deve fecundar todos os níveis do saber, mas tem de
correto a recusa de desvincular ensino de pesquisa.
 Dito isso, cabe explicitar que o nosso posicionamento
compreende a pesquisa não só como busca de
conhecimento, mas igualmente como atitude política , sem
reducionismo e embaralhamento, num todo só dialético.
 O conhecimento gerado na academia é diferente do
conhecimento comum, mas seria incompatível soberba não
reconhecer neste também “saber”.
 Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto
educativo, como princípio educativo que é, na base de qualquer
proposta emancipatória.
 Desmitificar a pesquisa há de significar, então, a superação de
condições atuais de reprodução do discípulo, comandadas por
um professor que nunca ultrapassou a condição de aluno.
 Por outra, criar não é retirar do nada.
 Vale, então, rever o conceito de aprendizagem, relacionado ao de
ensinar, sempre restritos os dois a posições receptivo-
domesticadoras.
2. Horizontes múltiplos da
pesquisa
 Compreendida como capacidade de elaboração própria, a pesquisa
condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto científico
(Demo, 1985b)
 Todavia, a pesquisa empírica é apenas um horizonte dela, que, se
exclusivizado, já denota desvirtuamento típico do conceito de pesquisa.
 Mesmo quando colocamos o desafio correto de que a pesquisa é
descoberta da realidade, trata-se de um conceito estreito de realidade, se
a restringirmos à sua manifestação empírica.
 Para muitos pode parecer estranho rejeitar que seja real apenas o que se
“vê”.
 Tomando exemplo próximo, o fenômeno do poder só pode ser captado
de modo realista, se de partida não acreditarmos em sua manifestação
externa, que sempre usa para mascarar.
 Sobretudo, faz parte do “empirismo” a demissão teórica, segundo a qual
se reduz o que é mais importante ao que é mais empírico, sacrificando a
realidade ao método de captação.
 Assim, o mínimo que podemos dizer é que há horizontes não-
empíricos, que fazem parte da realidade.
 De partida, é mister ressaltar que ao lado da preocupação empírica
deve haver preocupação teórica.
 De acordo com os quadros teóricos de referência, o real pode
variar, inclusive apresentar-se contraditório.
 A realidade que se quer captar é a mesma para todos, mas para
captar é preciso concepção teórica dela, que pode ser diferente em
todos.
 Se numa teoria nunca está inclusa a realidade toda, mas tão-somente
a maneira de a conceber, muito menos seria pensável encerrar em
manifestações empíricas.
 A hermenêutica é a arte de descobrir a entrelinha para além das
linhas, o contexto para além do texto, a significação para além da
palavra.
 Domínio teórico significa a construção, via pesquisa, da capacidade
de relacionar alternativas explicativas, de conhecer seus vazios e
virtudes, sua história, sua consistência, sua potencialidade, de cultivar
a polêmica dialogal construtiva, de especular chances possíveis de
caminhos outros ainda não devassados
 Faz parte, assim, da pesquisa teórica:
a) conhecer a fundo quadros de referência alternativos, clássicos e
modernos, ou os teóricos relevantes.
b) atualizar-se na polêmica teórica, sem modismos, para abastecer-se
e desinstalar-se.
c) elaborar precisão conceitual, atribuindo significado estrito aos
termos básicos de cada teoria.
d) aceitar o desafio criativo de propor a realidade à fixação
teórica, para que a prática não se reduza à “prática teórica”, e para
que a teoria se mantenha em seu devido lugar, como instrumentação
interpretativa e condição de criatividade.
e) investir na consciência crítica, que se alimenta de alternativas
explicativas, do vaivém entre teoria e prática, dos limites de cada
teoria.
 A seguir, é importante ressaltar a preocupação metodológica.
 Primeiro, é constatação comum que todo cientista criativo e produtivo
marcou sua presença no mundo científico não só pela teoria e por
vezes pela prática, mas também sempre pela discussão metodológica.
 Ainda, também é constatação comum que metodologia científica é
uma das matérias mais estratégicas na formação
acadêmica, sobretudo na direção da motivação à pesquisa.
 Terceiro, é preciso lembrar que a distinção entre ciência e outros
saberes está no método, sobretudo.
 Nesse sentido, pesquisa metodológica é um dos horizontes
estratégicos da pesquisa como tal, que não se restringe a “decorar”
estatística com seus testes áridos, mas alcança a capacidade de
discutir criativamente caminhos alternativos para a ciência e mesmo de
criá-los.
 O mais interessante é o questionário criativo, constante e processual
da própria ciência: seu lugar na sociedade, o que pode e não pode
explicar, suas ideologias e mitos, ciência como mito moderno, para da
insatisfação retirar energia alternativa.
 Por fim, outro horizonte da pesquisa é a prática, por mais que as
ciências sociais, contraditoriamente, possam estranhar tal postura.
 Advêm disso repercussões drásticas, que vão desde o descrédito
crescente das ciências sociais, cada vez mais vistas como impotentes
frente aos problemas que apenas estudam, até o cúmulo de inventar
“especialidades” sem qualquer demonstração prática.
 Reproduz-se formidável indigestão teórica, de estilo
imitativo, quase sempre na direção de filiações tacanhas e
determinadas posturas, no que a falta de elaboração própria em
termos teóricos e metodológicos se combina com a falta de
confronto prático.
 Por essa porta artificial entra o fantasma da dicotomia entre saber
e mudar, cuja correlação tende a ser inversa.
 Todavia, não vale sacralizar a prática.
 A distância para com a prática é compreensível, sobretudo pelo
temor do confronto, que condiciona mudanças na teoria.
 A pesquisa participante é talvez a proposta mais ostensiva de
valorização da prática como fonte de conhecimento, apesar de
suas banalizações típicas.
 A ideologia recebe tratamento mais adequado, porque, sendo parte
integrante do processo científico em ciências sociais, o desafio
será como controlar, não como suprimir.
 A pesquisa prática – que nunca pode ser benfeita sem
teoria, método e empiria – é modo salutar de produção de
conhecimento, que possui ainda a vantagem de puxar para o
cotidiano a ciência.
3. A pesquisa como
descoberta e criação
 Em metodologia científica, descobrir e criar não são a mesma coisa.
 Na descoberta criou-se conceito novo, não realidade nova, embora a
partir daí se possa inventar usos novos do conhecimento.
 Num exemplo aplicável à história, a concepção de dialética estrutural-
objetiva busca delinear nela leis “férreas” do seu desenvolvimento, pelo
que a passagem do capitalismo para o socialismo se dá
inexoravelmente, pela própria lei da sua dinâmica interna.
 No texto Contribuição Para a Crítica da Economia Política, considerado
apenas nele mesmo, Marx desdobra esse tipo de concepção
dialética, que Lévi-Strauss supõe como estruturalista a seu modo
(Marx, 1973; Demo, 1989).
 Marx de certa forma alimentava, em momentos, a expectativa de fazer
da história uma ciência exata.
 Por outra, quando se fala de criar, temos proposta diversa de
ciência, desde os extremos hegelianos similares que exageram o lugar
das condições subjetivas, até o equilíbrio da dialética histórico-
 A história vem concebida como, de um lado, condicionada por
estruturas dadas, naturais e sociais, que jamais podem ser
ignoradas, e, de outro lado, condicionada pela possível intervenção
humana, que não precisa submeter-se passivamente às
circunstâncias dadas ou encontradas.
 Sem aprofundar a disputa entre dialéticas “objetivantes” e
“subjetivantes”, está claro que indicam concepções diferentes do
caminho científico, mas no fundo ressaltam a mesma importância
da pesquisa.
 A concepção formalista de ciência distingue e separa sujeito do
objeto e investe em metodologia objetiva como instrumentação de
cerceamento da subjetividade.
 Torna-se fatal a distinção entre ciência pura e aplicada, entre teoria
e prática, por questão de método.
 No outro lado, a concepção histórico-cultural de ciência coloca o
objeto construído como produto e processo científico
típico, admitindo que ciência é também criação.
 De um lado, temos de assumir que as ciências sociais não são
apenas questão de conhecimento, mas igualmente questão
histórico-social.
 De outro lado, aponta-se para a característica de uma realidade
histórica dinâmica e complexa, que jamais cabe na cabeça do
cientista integralmente.
 O termo construção pode ser exagerado, quando indica que o
cientista passa a “inventar” a realidade, sobrepondo a ela a rigidez
teórica ou o interesse ideológico.
 Esta discussão pode mostrar o quanto a pesquisa é fundamental
para descobrir e criar.
 Pesquisa se define aqui sobretudo pela capacidade de
questionamento, que não admite resultados
definitivos, estabelecendo a provisoriedade metódica como fonte
principal da renovação científica.
 A vantagem de posturas dialéticas está precisamente em colocar o
questionamento não apenas no método, mas igualmente na própria
realidade, até porque a ideologia não aparece só no sujeito, mas na
realidade como tal, por ser histórica e prática.
 Para descobrir e criar é preciso primeiro questionar.
 Para tanto, encerra-se a ciência na descoberta, reservando a
criatividade apenas para o nível do conhecimento.
 Na história, porém, a lógica que mais interessa não é a “lógica da
descoberta”, como dizia Popper, mas a lógica da criação, da
alternativa, da transformação, da esperança infinita.
 Pesquisa deve ser vista como processo social que perpassa toda
vida acadêmica e penetra na medula do professor e do aluno.
4. A pesquisa como diálogo
 Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente
com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante
do cotidiano.
 De um lado, é mister desmitificar o conceito de diálogo:
a) não é algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou algo ritual e
especial como é a necessidade de comunicação entre professor e aluno.
b) não é expressão dos consensos, da intelecção fácil e mecânica.
c) não se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo
comunicação, com todos os seus riscos e desafios.
 De um lado, é mister fazer aproximação devida entre pesquisar e
dialogar.
 Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam.
 O fenômeno do diálogo toca no complexo problema da comunicação
social, cuja compreensão adequada dificilmente escaparia do contexto
hermenêutico.
 Mas, ao lado disso, a comunicação tem a característica do ardil, porque é
sempre mais fácil confundir, desentender, enganar.
 Todavia, essa marca histórico-estrutural da comunicação não é diferente
da realidade social, que também possui a característica do mistério e do
ardil.
 Uma realidade dessa tessitura não pode ser de todo dominada, muito
menos vilipendiada como mero objeto de manipulação.
 Fundamental é nossa compreensão, porque, de partida, supera a
pesquisa como simples descoberta, que termina na analise teórica.
 Pesquisar, assim, é sempre também dialogar, no sentido específico de
produzir conhecimento do outro para si, e de si para o outro, dentro do
contexto comunicativo nunca de todo devassável e que sempre pode ir a
pique.
 Sendo a desigualdade social o ardil principal da sociedade, é também o
maior desafio da comunicação.
 Pesquisa assume contornos existenciais, porque encerra o desafio
histórico-estrutural de compreender e enfrentar a desigualdade
social, num processo que nunca termina.
 Com isso chegamos a um ponto fundamental desta discussão, que é a
visão da pesquisa no contexto dos interesses sociais.
 Muitas vezes destaca-se essa questão sob o ângulo da curiosidade, que
estaria na base do espírito científico pesquisador.
 Entretanto, o móvel mais estrutural e histórico da pesquisa é sua raiz
política, no contexto do diálogo interesseiro.
 Outro exemplo é a pesquisa tecnológica, que adquiriu hoje o primeiro
lugar como estratégia de acumulação de capital, superando já a fonte da
mais-valia.
 Talvez estranhe colocar essa crueza histórica no contexto da pesquisa
como diálogo.
 Quer dizer, não podemos transformar pesquisa em ardil.
 Em seguida, cabe afirmar que, como princípio científico, a pesquisa
instrumenta qualquer interesse político, principalmente quando se pinta
de neutra.
 Dito isso, podemos valorizar à vontade pesquisa como diálogo, na
esperança social de que, através dela, se possa motivar o surgimento de
alternativas sociais mais aceitáveis.
 É possível alargar ainda mais a desmitificação do conceito estereotipado
de pesquisa, tendo em vista que aparece naturalmente – porque
necessariamente – na formação histórica do sujeito social competente.
 De certa maneira, pesquisa se confunde com a filosofia, em seu sentido
original: apreço pela sabedoria, tanto em sua modéstia que sabe antes
de mais nada que pouco sabe, como em sua exuberância que a tudo
questionava, inclusive a si mesma (Abbagnano, 1989).
 Nesse sentido, o que faz da aprendizagem algo criativo é a
pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao desafio, desfazendo
tendência meramente reprodutiva.
 Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa.
 E isso não redunda apenas em competência técnica e científica; funda
também um passo essencial no processo emancipatório.
II
A pesquisa como
princípio
científico
1. A questão curricular
 Na grade curricular aparecem matérias ordenadas dentro de algum
princípio didático e de certa concatenação entre elas.
 Embora façamos aqui visível caricatura, ela pode clarificar a vigência
estereotipada do mero ensinar, ao lado do mero aprender.
 Do lado do professor temos a visão empobrecida do ministrador de
aulas, ainda em grande parte pessoas que detêm apenas
graduação, sem experiência comprovada no campo científico.
 Essa marcas expressam a impropriedade flagrante da função de
professor, banalizada na condição de repassador barato de
conhecimento alheio.
 A noção de professor precisa ser totalmente revista, sem recair em
preciosismos importados de fora.
 Assim, vale perguntar: o que é professor?
a) em primeiro lugar, é pesquisador,.
b) é, a seguir, socializador de conhecimentos.
c) é, por fim, quem a partir de proposta de emancipação que concebe e
realiza em si mesmo, torna-se capaz de motivar o novo pesquisador no
aluno, evitando de todos os modos reduzi-lo a discípulo subalterno.
 Por exemplo, quem dá aula de introdução à educação faz isso porque é
capaz de escrever – pelo menos de reescrever à sua maneira – o que
seria introdução à educação.
 No extremo, é impossível ser professor “de qualquer coisa”, até porque
sequer seria viável ser monitor, entendendo-se por monitor alguém
que, não tendo necessariamente domínio da matéria, se apresenta
como instrutor útil eventual.
 Essa exigência pode recair na “idiotice especializada”, quando a
especialização resvala para o encerramento em detalhes que fazem
perder a noção do todo, dificultando o diálogo com a realidade.
 Mas parece claro que professor mais adequado de introdução à
educação seria aquele que tem produção própria nessa matéria, em
particular quem faz elaborações próprias, porque, além de dispor de
bagagem pessoal, é capaz de comparar as várias maneiras de
conceber a matéria, de imprimir forte dose de espírito crítico e
autocrítico, de formular o ambiente propício ao diálogo criativo com
todas as correntes, de fomentar a produção constante de argumentos
alternativos na área.
 Em termos muito simplificados, pode-se dizer que, no plano da teoria, é
mister exigir capacidade própria de elaboração, e , no plano da
prática, capacidade de recriar teoria e de unir saber & mudar.
 Ainda é importante repisar a necessidade de atualização constante, que
faz parte da pesquisa como questionamento cotidiano, com vistas a
evitar o instrutor que passa a vida toda dizendo sempre a mesma
coisa, à revelia do progresso científico, o que significa precariedade
dupla: apenas copiar, e surrar a cópia.
 Por outra, ainda que se deva cotidianizar a pesquisa, há um mínimo de
exigência qualitativa que se defronta com misérias típicas da nossa
sociedade, sobretudo com o amesquinhamento profissional e salarial.
 Sem chorar mágoas do subdesenvolvimento, é preciso saber encontrar
equilíbrio aceitável entre a condição favorecida e desigual dos que
podem dedicar-se ao estudo integral, e aquela da maioria que vai
estudar depois do trabalho.
 O importante é compreender que sem pesquisa não há ensino.
 Se a pesquisa é a razão do ensino, vale o reverso: o ensino é a razão da
pesquisa, se não quisermos alimentar a ciência como prepotência a
serviço de interesses particulares.
 Na carteira está sentado o aluno. Quem é ele?Em grande parte
acostumado à “decoreba”, à prova e à “cola” no trajeto dos graus
anteriores de ensino, chega à universidade com expectativas similares.
 Vê-se que a miséria do professor é a mesma do aluno, o qual será, em
seguida, o professor, dentro da mesma engrenagem reprodutiva.
 O primeiro disparate dessa relação degradante é o seu aspecto diretivo-
autoritário.
 Disso se depreende que é total disparate resumir o ensino à aula, porque
corresponde a reduzir a aprendizagem ao escutar passivamente.
 Essa posição é muitas vezes confundida com seminário, entendido com
mesa-redonda, na qual todos discutem juntos.
 Para motivarmos o elaborar científico, pelo menos a nível teórico, são
necessárias condições didáticas, tais como:
a) indução do contato pessoal do aluno com as teorias, através da
leitura, levando a interpretação própria.
b) manuseio de produtos científicos e teorias, em biblioteca adequada e
banco de dados.
c) transmissão de alguns ritos formais do trabalho científico.
 No fim das contas, o aluno não pode apenas escutar; tem que produzir, o
que exige investir em tal competência.
 Em certos lugares a elaboração aparece, em momentos, como desafio
de fazer em casa algum trabalho que exige reflexão e leitura, como
trabalho de grupo seguido de alguma elaboração, e sobretudo como
trabalho de fim de curso.
2. A questão da teoria &
prática
 Em ciências sociais, parece-nos claro que a prática deve ser
estritamente curricular, não somente teoria.
 Uma das coisas mais ridículas em ciências sociais é a teoria sem
prática, ou a teoria como prática.
 Encarnam essa caricatura, hoje, sobretudo, economistas e
sociólogos, entre outros, que, não por acaso, é difícil definir na prática
para que servem.
 O óbvio aos olhos da sabedoria popular, ou seja: que as ciências
sociais se fazem para a construção de sociedades pelo menos mais
toleráveis, na academia é questão espúria, pois só interessa
estudar, analisar, sistematizar e discursar.
 È complexo acertar meio termo entre o “especialista em generalidades”
e o “idiota especializado”.
 Preocupa que as ciências sociais, muitas delas de berço filosófico e
crítico, insistam no especialista em generalidades, produzindo o
cientista apenas bom de discussão crítica.
 Todavia existe também o idiota especializado, mais facilmente
encontrado em especializações “micros”, como o economista que reduz
economia a técnica de manuseio empresarial, ou o sociólogo que reduz
sociologia às suas aplicações estatísticas para levantamentos empíricos.
 Por um lado, a prática não se restringe à aplicação concreta dos
conhecimentos teóricos, por mais que isto seja parte integrante.
 Por um lado, é fundamental defender a necessitação mútua de teoria &e
prática, na maior profundidade possível de ambas, porquanto nada é
mais essencial para uma teoria do que a respectiva prática e vice-versa.
 É mister superar ironias do nosso destino, como a de jogar no mercado
um “professor” que não sabe dar aulas, um advogado que nunca
conduziu um processo judicial, um contador que nunca fez contas de
uma empresa.
 Tomando o exemplo da formação de educador, caberia, de
partida, colocar que, em seu currículo, deve aparecer tempo inicial de
preparação propedêutica, de carga mais teórica, digamos, forte dose de
estudo da metodologia científica e da teoria referencial como
fundamentos da formação geral comum a todo educador e como
ferramenta para elaboração própria.
 A seguir aparece o sentido da especialização, com dose crescente
de prática.
 Avançando no tempo, deve aparecer com total clareza a capacidade
de construção do planejamento educacional pelas próprias mãos, no
equilíbrio entre boa teoria e boa prática.
 Será quimérico colocar essa pretensão nas condições atuais, mas
este é o desafio fundamental.
 Parece claro que a “aula” vai perdendo importância, à medida que
surge o cientista autônomo, o novo mestre, que aprende por
elaboração própria, não por imitação.
 Em vez de um “professor” para cada âmbito, pode-se organizar de
tal modo que no percurso de dois semestres o “aluno” elabora dois
ou mais trabalhos, escolhendo temas de maior interesse
 Alcançaríamos dois resultados relevantes: redefinimos o papel do
professor como orientador, quase flecha inteligente que indica o
caminho da biblioteca ou parceiro crítico, consciência vigilante;
redefinimos o papel do alunos, motivando a capacidade de escolha
e produção própria de temas.
3. “Dar conta de um tema”
 O trabalho pessoal de pesquisa encontra expressão própria no
desafio de assumir um tema para elaborar e defender, ainda
que possa restringir-se à produção teórica.
 Embora a pesquisa seja conquista lenta e progressiva, começa
no primeiro semestre.
 O professor tem seu lugar, como pesquisador e orientador, para
motivar no aluno o surgimento do novo mestre.
 “Dar conta de um tema significa, pois, retomar o contexto do
trabalho científico, geralmente apresentado como caminho de
comprovação de hipóteses.
 Assim, não cabem nesse desafio leituras pela metade, cópias
pirateadas de autores, número prévio de páginas, mera reprodução
de dados.
 Aqui temos um parâmetro de avaliação do novo mestre, por mais que
a nossa realidade mostre o contrário: o estudante conclui o curso sem
saber dar conta de um tema, não consegue escrever com clareza e
sistematização, não ordena, manuseia, constrói e interpreta dados, o
que revela continuar apenas “aluno”, até porque aprendeu com um
“professor” que nunca saiu da condição de “aluno”.
 Enfim, ressalte-se que o “trabalho de elaboração individual”, embora
imprescindível, pode levar ao isolamento ensimesmado do cientista.
4. A questão da avaliação
 A avaliação pode não respeitar o ritmo de cada um em seu
desenvolvimento intelectual e social, partindo para comparações
externas e de cima para baixo.
 Todavia, como não adianta mascarar a desigualdade social, a
avaliação acaba tornando-se inevitável em tem seu protótipo mais
duro na “mercadoria”, que tem custo.
 Esse mesmo contexto motivou o surgimento de escolas
alternativas, nas quais se tentou minimizar o lado da disciplina
comportamental, bem como da avaliação paramétrica.
 A farsa reaparece hoje na universidade, quando se busca
privilegiar caminhos que dispensam avaliação do
desempenho, mormente a promoção por mero tempo de serviço.
 Tal postura, hoje tão comum, em vez de diminuir o confronto da
desigualdade, apenas o mascara, exacerbando-o.
 Seria o erro oposto alijar o estudante da participação na definição
curricular, pelo menos no sentido de expressar-se sobre
expectativas de formação e profissionalização, de avaliar o
desempenho dos professores e da instituição, de apresentar crítica
a partir do seu ponto de vista, objetivando adequações necessárias
no tempo.
 Se desfazer polêmicas pertinentes, é possível discutir alternativas de
avaliação à luz do conceito de pesquisa.
 É sempre muito complexo avaliar mérito acadêmico, mesmo restrito à
demonstração teórica dos desafios científicos que mais escancaram os
limites da ciência, tanto na dificuldade de avaliar “isentamente”, pois no
fundo é impraticável, como na impossibilidade concreta de encontrar
critérios concensuais e definitivos.
 A par de critérios quantitativos, aparece quase sempre o de mercado, se
for possível colocar assim nesse espaço.
 Tudo isso se assanha sobremaneira na progressão de carreira para um
dia ser titular.
 Onde se destrói a avaliação acadêmica, já se exterminou a
universidade, porque morreu a pesquisa.
 O conceito de pesquisa leva a dizer que a avaliação do aluno precisa ser
radicalmente revista, para ser coerente com o desafio de gestação do
novo mestre.
 Segundo, em vez da prova, a forma mais fecunda e conveniente de
avaliar é motivar a produção científica em ambiente próprio, com
liberdade acadêmica, na qual o estudante possa enfrentar o desafio de
crescer por si.
 Com isso o professor enfrenta outros riscos e desafios.
 Deveria ser regra geral que, em cada semestre, o estudante
produzisse um número de elaborações próprias, que seriam a base
fundamental de avaliação.
 Por tudo isso, é indispensável que no fim da graduação se produza
“tese” científica convincente, na acepção exata de demonstração da
capacidade do novo mestres, que aí conclui uma etapa, para ingressar
na vida profissional com qualidade formal e política.
 Por fim, é preciso chamar a atenção para a unilateralidade da
avaliação, quando se restringe à elaboração teórica, por mais que seja
avanço incomparável, porquanto falta a prática.
 Por outra, prática não se resume à aplicação da teoria, embora isso
seja essencial.
 Como avaliar o mundo da qualidade política é questão
complexíssima, assumida em manifestações como pesquisa
participante, avaliação qualitativa, hermenêutica
social, fenomenologia, todas tão pertinentes quanto ainda tateantes.
 A avaliação apenas formal é fuga, porque atesta que não sabemos
avaliar conteúdos, m as, se benfeita, já representa cuidado
providencial, que resgata a noção de pesquisa como descoberta
científica.
III
A pesquisa como
princípio
educativo
1. Educação, pesquisa e
emancipação
 Emancipação é o processo histórico de conquista e exercício da qualidade de
ator consciente e produtivo.
 No mesmo todo aparece o momento da prática, em dois horizontes
concatenados.
 Conceber e executar projeto emancipatório supõe de modo geral dois suportes
mais visíveis, que são a busca de auto-sustentação e de autogestão, algo
econômico e político.
 Auto-sustentação significa o processo de trabalho e produção através do qual
se provê a sobrevivência material e, nesse sentido, volta-se ao enfrentamento
da pobreza socioeconômica, marcada pela privação material.
 A compreensão adequada da emancipação somente é viável no quadro da
desigualdade social, como questão histórico-estrutural.
 Emancipação quer dizer recuperar o espaço próprio que outros usurparam, já
que poder não é bem abundante disponível, mas apropriado no contexto do
conflito social.
 Emancipação não é atitude isolada, porque nada em sociedade é espontâneo
estritamente.
 Essa questão atinge o âmago da estrutura do poder.
 É patente a relevância da educação e da pesquisa par a o processo
emancipatório.
 Educação política não se esgota na face propriamente política (da
qualidade política), mas inclui sempre a face técnica, ligada à
informação e ao ensino.
 A escola – que não faz milagres – pode fungir papel estratégico
como instrumento público de equalização de
oportunidades, universalizante no 1º grau, para concepção e
exercício da cidadania.
 Tudo é contraditado no dia-a-dia de uma sociedade que relega
educação ao nível dos piores serviços públicos, manietando
professores em situação de profunda indignidade profissional.
 Dentro desse contexto, o conceito de pesquisa é
fundamental, porque está na raiz da consciência crítica
questionadores, desde a recusa de ser massa de manobra, objeto
dos outros, matéria de espoliação, até a produção de alternativas
com vistas à consecução de sociedade pelo menos mais tolerável.
 Talvez se possa estranhar, mas isso começa no pré-
escolar, compreendido de o a 6 anos de idade, porquanto mais do
que ninguém a criança, vindo ao mundo, coloca-se em estado
estrutural de descoberta e criação.
2. Limitações do apenas
ensinar No “ensinar” cabe menos o desafio da emancipação com base em
pesquisa do que a imposição domesticadora que leva a reproduzir
discípulos.
 A sala de aulas, lugar em si privilegiado para processos emancipatórios
através da formação educativa, torna-se prisão da criatividade
cerceada, à medida que se instala um ambiente meramente transmissivo
e imitativo de informações de segunda mão.
 Vale afirmar que o problema mais agudo da escola não é o aluno, por ser
pobre, inculto, mas o professor, que ainda é apenas “aluno”.
 Para se falar da importância da educação é mister saber seus limites.
 Para além da crítica, é fundamental perguntar por pistas de atuação
alternativa.
 A amplitude da aplicação do conceito de pesquisa deve ser modulada de
acordo com as funções na escola, levando-se em conta a sua
desmitificação, mas sem jamais afastar-se do compromisso de
elaboração própria, de questionamento criativo, de desdobramento do
senso pela descoberta e pela criação, chegando-se ao seu núcleo
político de atuação social consciente.
 Na luta pela valorização do profissional deve entrar com ênfase o
compromisso com a pesquisa, no quadro da coerência
emancipatória, que é sempre o núcleo mais digno da educação.
 Desafio concreto será que o professor passe a “elaborar” suas
aulas, com mão própria, acrescentando, sempre que possível e
couber, pelo menos sínteses pessoais.
 No começo a dificuldade de elaboração própria será
considerável, recomendando modéstia, que pode iniciar com meras
sínteses aproximativas.
 A segunda preocupação é a reação sistemática e criativa contra os vezos
tradicionais da mera “aula”.
 Todavia, há lugar para a aula, como expediente informativo, para
introduzir temas e unidades, para ouvir-se recados do professor.
 É essencial impregnar a convivência com os alunos com estratégias de
pesquisa, através das quais são motivados a toda hora a pelo menos
digerir o que escutam através de exercícios pessoais.
 Na concepção de Paulo Freire, é fundamental a distinção entre
alfabetizar como reprodução da escrita e da leitura, e alfabetizar como ler
criticamente a realidade
 O professor precisa investir na ideia de chegar a motivar o aluno a fazer
elaboração própria, colocando isso como meta da formação.
 O caderno de notas precisa evoluir de simples cópia das aulas para
ensaio de elaboração, pelo menos de síntese própria.
 O aluno não vai reinventar a lei da gravidade ou o alfabeto.
 O professor vale pelo que instrui – a criança precisa também literalmente
aprender – mas sobretudo pelo que motiva a emancipação social, técnica
e politicamente.
3. Limitações do apenas
aprender
 A escola continua curral formal, onde o galo é tratado.
 A cola no confronto com o domador, contém típica duplicidade, como
todo fenômeno político.
 Na cola pode emergir algo da contra-ideologia, enquanto demonstração
da capacidade de reação por parte do oprimido, e que passa pela
pesquisa.
 O intuito não é nem acabar simplesmente com a prova, nem elogiar a
cola.
 Por outra, decorar não é sempre necessariamente um mal.
 Entretanto, até aqui está em jogo a “qualidade formal”, algo
essencial, ma metade do todo: avalia-se se o aluno sabe e se sabe
descobrir.
 Através de tais expedientes, entra a prática, ao lado da teoria, e a
pesquisa adquire seu lugar político, ao lado da teoria, e a pesquisa
adquire seu lugar político, além da instrumentação formal.
 O boletim sempre revela “notas” também referidas a
comportamento, por vezes cultivando moralismos baratos, envoltos
em disciplinas quadradas.
 Moral e cívica deve ser impulso educativo à construção e definição
da cidadania, nunca o fechamento em ideologias prévias, porquanto
a da direita é a mesma que a da esquerda, se pretende apenas
doutrinar.
 Em boa parte o desafio da qualidade política está em fomentar a
iniciativa do aluno, sobretudo aquela organizada.
4. Vazios da escola formal
 Reivindicar a pesquisa na escola formal significa, por
coerência, refazer algo da autocrítica.
 A influência da escola sobre a criança é cada vez mais “formal”
e, neste sentido, vazia, pela artificialidade da sua organização
distanciada da sociedade diária ou pela concorrência avassaladora
com os meios de comunicação.
 Colabora na decadência da escola pública sem dúvida a atuação
estatal, que tende a retratar nela a própria pobreza de um Estado
afastado dos compromissos para com a sociedade e de uma
sociedade subjugada como massa de manobra.
 Ainda assim, continua sendo um dos espaços mais estratégicos de
equalização de oportunidades, que, não por acaso, deve ser
universalizado.
 Esse repto recoloca a questão da qualidade formal política.
IV
Prática de
pesquisa e
educação
1. Construindo a prática
 É difícil embutir no currículo a prática, a começar pelos vícios
históricos dos “estágios” e da “extensão”.
 A extensão – pertinente quando intrínseca – arrasta-se no
voluntariado e na ilusão de evitar o afastamento da universidade
de seus compromissos sociais.
 Prática não se restringe à aplicação da teoria, por mais que seja
essencial
 Qualidade formal não se faz sem qualidade política e vice-versa.
 Essa questão se torna ainda mais congruente, se lembrarmos
que as ciências sociais dedicam a pesquisar a práxis histórica do
homem, algo de ostensiva praticidade e cotidianidade.
 Valorizar a prática não leva a qualquer prática.
 Na grade curricular, a prática deve aparecer de modo
gradativo, passo a passo, como qualquer disciplina, tendo como
meta a formação teórico-prática, ao longo, digamos, de 8
semestres.
 Por fim, é fundamental que exista, como integralização
curricular, o trabalho de conclusão do curso, no estilo de uma
tese, direcionado a motivar o aluno a produzir proposta teórico-
prática de realização profissional.
 Conforme propostas alternativas, a prática tem papel
fundamental de confronto e fecundação teórica, assim como
vale repisar que é papel da teoria o confronto e fecundação
prática.
 As marcas limitantes da prática atormentam o teórico e o
conduzem a fugir dela muitas vezes.
 Faz parte da dialética compreender tal fecundação contrária
entre teoria e prática, trazendo à cena dos critérios de
cientificidade não somente os formais
(coerência, consistência, lógica), mas igualmente os
políticos, apanhados hoje no conceito de discutibilidade:
somente se aceita como científico o que é discutível formal e
politicamente.
 Para chegar a mudar como projeto emancipatório, entra em
cena compromisso social com um tipo de sociedade e de
história, que pede posicionamento político.
 No extremo, a prática isolada se torna fanatismo, ao recusar
toda discussão de si mesma e a própria ideia de alternativa.
 A conversa sobre transformação histórica começa a ficar séria.
 Discutir a prática significa sempre também recolocar a questão
da cidadania.
 O profissional competente se realiza em dois horizontes mais
marcantes: como capaz de operar a instrumentação científica em
termos de aplicação prática e como capaz de ser ator eficaz na
realidade histórica.
 No primeiro caso temos a atitude mais comum, decorrente de
elitização pela qual passa a formação dita “superior”.
 Embora a qualidade política não possa ser efetivada às custas da
qualidade formal, neste caso trata-se exatamente do contrário:
realizar qualidade formal às expensas da qualidade política.
 No segundo caso, trata-se de atitude já crítica, embora restrita à
inquietude individual.
 No terceiro caso, temos o cientista capaz de perceber a importância
da luta histórica na ocupação dos espaços sociais, no contexto da
unidade de contrários, com realce para a forma organizada de
cidadania.
 Não se trata de buscar limites estritos em meio a realidade tão fluida
e escorregadia, como são os posicionamentos políticos.
2. Pinceladas de um
currículo (ISEP)
 O trajeto curricular de 8 semestres começa por ano dedicado à
fundamentação teórica e metodológica, como instrumentação imediata
da elaboração própria.
 A forma de avaliação típica é o trabalho de pesquisa para cada disciplina
ao final do semestre, precedido de pelo menos 3 cumulativos, para
facilitar o desdobramento crescente e a orientação do professor.
 O aluno se apresenta ao respectivo orientador pelo menos 2 vezes na
semana e com ele discute o trajeto semestral, inclusive a prática, sendo
esta a forma principal de frequência.
 Nos dois anos seguintes entra em cena o estudo profissionalizante.
 A prática recebe o nome de intermediária, definida como atividade
sistemática eficaz, embora limitada no tempo (média de 1 dia na
semana), cabendo a extensão nesse espaço facilmente.
 Tem o papel de confrontar com a realidade tudo o que se vê na teoria, de
modo sistemático e eficaz, já combinando saber e mudar.
 No quarto ano, a carga da prática será maior, descrita como prática
profissional, através da qual o aluno assume papel específico
institucional, de meio tempo, da forma mais integrada possível, como
qualquer profissional.
 Em termos de metas, poderíamos sumarias em qualidade formal e
qualidade política.
 Faz parte da qualidade formal o domínio teórico, a versatilidade
metodológica, a capacidade de aplicação prática, o treino no manuseio
de dados.
 A qualidade política perpassa muitos momentos possíveis na construção
curricular, desde o aparecimento do contexto social em disciplinas que
isso permitam (estudos sociais, por exemplo), até maneiras de aplicação
concreta que liguem saber & mudar.
 Assim dita “moral e cívica, em vez de ser sermão da direita u da
esquerda, poderia tornar-se algo produzido pela iniciativa
discente, questionando a problemática social vigente e seus contornos
culturais: família, religião, governo, Estado, justiça
social, juventude, droga, sexo
 A iniciativa do aluno é o maior patrimônio didático, sem o que de pouco
adiantaria a competência do professor.
 Na realização do currículo é sempre questão vital a relação
professor/aluno, em particular nessa proposta, que supõe
relacionamento capaz de conviver com a ambiência emancipatória com
base na pesquisa..
 Voltando a uma discussão metodológica sobre critérios de
cientificidade, intriga sempre a presença insistente do argumento de
autoridade, que, de si, jamais deveria ser argumento, mas acaba sendo
o dominante.
 O argumento de autoridade, todavia, torna-se mais tolerável quando
ocupa o espaço da autoridade do argumento, significando a
respeitabilidade de um cientista obtida a peso de seu mérito
acadêmico.
 Professor autoritário é aquele que se vale da posição de força porque
lhe faltam argumentos ou que esbraveja agressivamente porque não
tem o que ensinar, ou que tolhe a discussão crítica para evitar que se
descubram os seus vazios.
 Autoridade fundada no mérito convive com consciência crítica de seus
limites, que cabe como uma luva no conceito de pesquisa.
 4. A “rotina” do ISEP toma a seguinte forma: pela manhã, são
programados pelo menos 2 eventos semanais
(conferências, exposições, experiências, audiovisuais) e
intermitentemente aulas estratégicas, que podem até tomar as 5
manhãs (por exemplo, um curso de estatística ou de gramática); pela
tarde, há orientação, estando os orientadores integralmente disponíveis
para pelo menos 2 contatos semanais com cada aluno.
 O aluno iniciante sofre fase de profunda desestruturação, porque está
manietando à cópia (aula e prova).
 O aluno passa a “administrar” seu tempo: comparece às orientações, sai
par a prática em média 4 horas semanais (no 1º ano), precisa ler e
escrever.
 Emerge “liberdade acadêmica” na escolha dos temas, na organização da
orientação e da prática, na elaboração própria.
 Por outra, o professor também propende a instalar-se na rotina
imitativa, razão pela qual é fundamental que produza sempre textos
próprios, que devem aparecer em lugar destaque na biblioteca.
 Faz parte da “rotina” o tempo integral, para professor e aluno.
 Espera-se um “profissional recriado”, muito diferente dos vigentes, capaz
de construir um projeto próprio educativo e assistencial, ao mesmo tempo
competente cientificamente e participativo politicamente.

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  • 1. PESQUISA: Princípio Científico e Educativo Pedro Demo Prefeitura Municipal de Campo Grande – MS SEMED – Secretaria Municipal de Educação DITEC CSPTEC:Antonio Donizete de Souza
  • 2. Introdução  A ideia é fundamentar proposta de teoria e prática que ultrapasse os muros da academia e da sofisticação instrumental.  Essa pretensão supõe que se desmitifique a pesquisa, para não encerrá-la em sofisticações operáveis apenas por castas superiores e raras.  Para não ser mero objeto de pressões alheias, é mister encarar a realidade com espírito crítico, tornando-a palco de possível construção social alternativa.  Faz parte dessa rota alternativa a expectativa de formação de novos mestres, desde que pesquisar coincida com criar e emancipar.
  • 4. 1. Desmitificando o conceito  O processo de pesquisa está quase sempre cercado de ritos especiais, cujo acesso é reservado a poucos iluminados.  Por fim, isso permite associar-se a pequeno grupo acima da média, que, além de perfazer a nata acadêmica, também tende a exclusivizar acesso a recursos.  É preciso reconhecer que a formação sofisticada do pesquisador não é mal em si. Ao contrário, faz parte da cena sempre.  Certamente, esse pesquisador “americano” (perito em projeções, índices e taxas), além de muitas vezes decair na banalização imitativa colonialista, propende a disseminar uma visão curta do processo científico, atrelado ao empirismo e ao positivismo.  A desmitificação mais fundamental, porém, está na crítica à separação artificial entre ensino e pesquisa.  No oposto está a soberba do pesquisador exclusivo, que já considera ensino como atividade menor.
  • 5.  Saber desliga-se de mudar, o que pode acarretar para a atividade de pesquisa estigmas muito preocupantes, tais como: a) cultivo de distanciamento útil e mesmo recaída na neutralidade farsante, comodista e elitista. b) contradição flagrante entre discurso crítico, por vezes radical, e o desvinculamento da prática, replicando conservadorismo gritante. c) função de “bobo da corte”, reduzindo o conhecimento, sobretudo o crítico, na prática a estratégias de controle e desmobilização social. d) apropriação do saber, que passa sobretudo a manobra de acesso ao poder, afastando-se da função de transmissão socializada. e) favorecimento da alienação acadêmica no sentido de atividades tão especulativas, que nunca se sabe bem para que servem na prática, principalmente no cotidiano das pessoas e da sociedade.  De si, as ciências sociais tratam apenas da práxis histórica, do seu presente, passado e futuro. Teorizar sobre ela é fundamental , mas seria prática inaudita permanecer apenas na teoria.
  • 6.  Como ator social, o pesquisador é fenômeno político, que, na pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os confrontos e pelos interesses aos quais serve.  Assim, desmitificar a pesquisa há de significar também o reconhecimento da sua imisção natural na prática, para além de todas as possíveis virtudes teóricas, em particular da sua conexão necessária com a socialização do conhecimento.  Prova visível da dicotomia artificial está no conceito de extensão, inventado precisamente porque a universidade tende a fugir da realidade concreta circundante.  Professor é quem, tendo conquistado espaço acadêmico próprio através da produção, tem condições e bagagem para transmitir via ensino.  A postura europeia tem o defeito de elitizar em excesso a pesquisa, se partirmos de que deve fecundar todos os níveis do saber, mas tem de correto a recusa de desvincular ensino de pesquisa.
  • 7.  Dito isso, cabe explicitar que o nosso posicionamento compreende a pesquisa não só como busca de conhecimento, mas igualmente como atitude política , sem reducionismo e embaralhamento, num todo só dialético.  O conhecimento gerado na academia é diferente do conhecimento comum, mas seria incompatível soberba não reconhecer neste também “saber”.  Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta emancipatória.  Desmitificar a pesquisa há de significar, então, a superação de condições atuais de reprodução do discípulo, comandadas por um professor que nunca ultrapassou a condição de aluno.  Por outra, criar não é retirar do nada.  Vale, então, rever o conceito de aprendizagem, relacionado ao de ensinar, sempre restritos os dois a posições receptivo- domesticadoras.
  • 8. 2. Horizontes múltiplos da pesquisa  Compreendida como capacidade de elaboração própria, a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto científico (Demo, 1985b)  Todavia, a pesquisa empírica é apenas um horizonte dela, que, se exclusivizado, já denota desvirtuamento típico do conceito de pesquisa.  Mesmo quando colocamos o desafio correto de que a pesquisa é descoberta da realidade, trata-se de um conceito estreito de realidade, se a restringirmos à sua manifestação empírica.  Para muitos pode parecer estranho rejeitar que seja real apenas o que se “vê”.  Tomando exemplo próximo, o fenômeno do poder só pode ser captado de modo realista, se de partida não acreditarmos em sua manifestação externa, que sempre usa para mascarar.  Sobretudo, faz parte do “empirismo” a demissão teórica, segundo a qual se reduz o que é mais importante ao que é mais empírico, sacrificando a realidade ao método de captação.
  • 9.  Assim, o mínimo que podemos dizer é que há horizontes não- empíricos, que fazem parte da realidade.  De partida, é mister ressaltar que ao lado da preocupação empírica deve haver preocupação teórica.  De acordo com os quadros teóricos de referência, o real pode variar, inclusive apresentar-se contraditório.  A realidade que se quer captar é a mesma para todos, mas para captar é preciso concepção teórica dela, que pode ser diferente em todos.  Se numa teoria nunca está inclusa a realidade toda, mas tão-somente a maneira de a conceber, muito menos seria pensável encerrar em manifestações empíricas.  A hermenêutica é a arte de descobrir a entrelinha para além das linhas, o contexto para além do texto, a significação para além da palavra.  Domínio teórico significa a construção, via pesquisa, da capacidade de relacionar alternativas explicativas, de conhecer seus vazios e virtudes, sua história, sua consistência, sua potencialidade, de cultivar a polêmica dialogal construtiva, de especular chances possíveis de caminhos outros ainda não devassados
  • 10.  Faz parte, assim, da pesquisa teórica: a) conhecer a fundo quadros de referência alternativos, clássicos e modernos, ou os teóricos relevantes. b) atualizar-se na polêmica teórica, sem modismos, para abastecer-se e desinstalar-se. c) elaborar precisão conceitual, atribuindo significado estrito aos termos básicos de cada teoria. d) aceitar o desafio criativo de propor a realidade à fixação teórica, para que a prática não se reduza à “prática teórica”, e para que a teoria se mantenha em seu devido lugar, como instrumentação interpretativa e condição de criatividade. e) investir na consciência crítica, que se alimenta de alternativas explicativas, do vaivém entre teoria e prática, dos limites de cada teoria.  A seguir, é importante ressaltar a preocupação metodológica.  Primeiro, é constatação comum que todo cientista criativo e produtivo marcou sua presença no mundo científico não só pela teoria e por vezes pela prática, mas também sempre pela discussão metodológica.
  • 11.  Ainda, também é constatação comum que metodologia científica é uma das matérias mais estratégicas na formação acadêmica, sobretudo na direção da motivação à pesquisa.  Terceiro, é preciso lembrar que a distinção entre ciência e outros saberes está no método, sobretudo.  Nesse sentido, pesquisa metodológica é um dos horizontes estratégicos da pesquisa como tal, que não se restringe a “decorar” estatística com seus testes áridos, mas alcança a capacidade de discutir criativamente caminhos alternativos para a ciência e mesmo de criá-los.  O mais interessante é o questionário criativo, constante e processual da própria ciência: seu lugar na sociedade, o que pode e não pode explicar, suas ideologias e mitos, ciência como mito moderno, para da insatisfação retirar energia alternativa.  Por fim, outro horizonte da pesquisa é a prática, por mais que as ciências sociais, contraditoriamente, possam estranhar tal postura.  Advêm disso repercussões drásticas, que vão desde o descrédito crescente das ciências sociais, cada vez mais vistas como impotentes frente aos problemas que apenas estudam, até o cúmulo de inventar “especialidades” sem qualquer demonstração prática.
  • 12.  Reproduz-se formidável indigestão teórica, de estilo imitativo, quase sempre na direção de filiações tacanhas e determinadas posturas, no que a falta de elaboração própria em termos teóricos e metodológicos se combina com a falta de confronto prático.  Por essa porta artificial entra o fantasma da dicotomia entre saber e mudar, cuja correlação tende a ser inversa.  Todavia, não vale sacralizar a prática.  A distância para com a prática é compreensível, sobretudo pelo temor do confronto, que condiciona mudanças na teoria.  A pesquisa participante é talvez a proposta mais ostensiva de valorização da prática como fonte de conhecimento, apesar de suas banalizações típicas.  A ideologia recebe tratamento mais adequado, porque, sendo parte integrante do processo científico em ciências sociais, o desafio será como controlar, não como suprimir.  A pesquisa prática – que nunca pode ser benfeita sem teoria, método e empiria – é modo salutar de produção de conhecimento, que possui ainda a vantagem de puxar para o cotidiano a ciência.
  • 13. 3. A pesquisa como descoberta e criação  Em metodologia científica, descobrir e criar não são a mesma coisa.  Na descoberta criou-se conceito novo, não realidade nova, embora a partir daí se possa inventar usos novos do conhecimento.  Num exemplo aplicável à história, a concepção de dialética estrutural- objetiva busca delinear nela leis “férreas” do seu desenvolvimento, pelo que a passagem do capitalismo para o socialismo se dá inexoravelmente, pela própria lei da sua dinâmica interna.  No texto Contribuição Para a Crítica da Economia Política, considerado apenas nele mesmo, Marx desdobra esse tipo de concepção dialética, que Lévi-Strauss supõe como estruturalista a seu modo (Marx, 1973; Demo, 1989).  Marx de certa forma alimentava, em momentos, a expectativa de fazer da história uma ciência exata.  Por outra, quando se fala de criar, temos proposta diversa de ciência, desde os extremos hegelianos similares que exageram o lugar das condições subjetivas, até o equilíbrio da dialética histórico-
  • 14.  A história vem concebida como, de um lado, condicionada por estruturas dadas, naturais e sociais, que jamais podem ser ignoradas, e, de outro lado, condicionada pela possível intervenção humana, que não precisa submeter-se passivamente às circunstâncias dadas ou encontradas.  Sem aprofundar a disputa entre dialéticas “objetivantes” e “subjetivantes”, está claro que indicam concepções diferentes do caminho científico, mas no fundo ressaltam a mesma importância da pesquisa.  A concepção formalista de ciência distingue e separa sujeito do objeto e investe em metodologia objetiva como instrumentação de cerceamento da subjetividade.  Torna-se fatal a distinção entre ciência pura e aplicada, entre teoria e prática, por questão de método.  No outro lado, a concepção histórico-cultural de ciência coloca o objeto construído como produto e processo científico típico, admitindo que ciência é também criação.  De um lado, temos de assumir que as ciências sociais não são apenas questão de conhecimento, mas igualmente questão histórico-social.
  • 15.  De outro lado, aponta-se para a característica de uma realidade histórica dinâmica e complexa, que jamais cabe na cabeça do cientista integralmente.  O termo construção pode ser exagerado, quando indica que o cientista passa a “inventar” a realidade, sobrepondo a ela a rigidez teórica ou o interesse ideológico.  Esta discussão pode mostrar o quanto a pesquisa é fundamental para descobrir e criar.  Pesquisa se define aqui sobretudo pela capacidade de questionamento, que não admite resultados definitivos, estabelecendo a provisoriedade metódica como fonte principal da renovação científica.  A vantagem de posturas dialéticas está precisamente em colocar o questionamento não apenas no método, mas igualmente na própria realidade, até porque a ideologia não aparece só no sujeito, mas na realidade como tal, por ser histórica e prática.  Para descobrir e criar é preciso primeiro questionar.  Para tanto, encerra-se a ciência na descoberta, reservando a criatividade apenas para o nível do conhecimento.
  • 16.  Na história, porém, a lógica que mais interessa não é a “lógica da descoberta”, como dizia Popper, mas a lógica da criação, da alternativa, da transformação, da esperança infinita.  Pesquisa deve ser vista como processo social que perpassa toda vida acadêmica e penetra na medula do professor e do aluno.
  • 17. 4. A pesquisa como diálogo  Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do cotidiano.  De um lado, é mister desmitificar o conceito de diálogo: a) não é algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou algo ritual e especial como é a necessidade de comunicação entre professor e aluno. b) não é expressão dos consensos, da intelecção fácil e mecânica. c) não se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo comunicação, com todos os seus riscos e desafios.  De um lado, é mister fazer aproximação devida entre pesquisar e dialogar.  Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam.  O fenômeno do diálogo toca no complexo problema da comunicação social, cuja compreensão adequada dificilmente escaparia do contexto hermenêutico.  Mas, ao lado disso, a comunicação tem a característica do ardil, porque é sempre mais fácil confundir, desentender, enganar.
  • 18.  Todavia, essa marca histórico-estrutural da comunicação não é diferente da realidade social, que também possui a característica do mistério e do ardil.  Uma realidade dessa tessitura não pode ser de todo dominada, muito menos vilipendiada como mero objeto de manipulação.  Fundamental é nossa compreensão, porque, de partida, supera a pesquisa como simples descoberta, que termina na analise teórica.  Pesquisar, assim, é sempre também dialogar, no sentido específico de produzir conhecimento do outro para si, e de si para o outro, dentro do contexto comunicativo nunca de todo devassável e que sempre pode ir a pique.  Sendo a desigualdade social o ardil principal da sociedade, é também o maior desafio da comunicação.  Pesquisa assume contornos existenciais, porque encerra o desafio histórico-estrutural de compreender e enfrentar a desigualdade social, num processo que nunca termina.  Com isso chegamos a um ponto fundamental desta discussão, que é a visão da pesquisa no contexto dos interesses sociais.  Muitas vezes destaca-se essa questão sob o ângulo da curiosidade, que estaria na base do espírito científico pesquisador.
  • 19.  Entretanto, o móvel mais estrutural e histórico da pesquisa é sua raiz política, no contexto do diálogo interesseiro.  Outro exemplo é a pesquisa tecnológica, que adquiriu hoje o primeiro lugar como estratégia de acumulação de capital, superando já a fonte da mais-valia.  Talvez estranhe colocar essa crueza histórica no contexto da pesquisa como diálogo.  Quer dizer, não podemos transformar pesquisa em ardil.  Em seguida, cabe afirmar que, como princípio científico, a pesquisa instrumenta qualquer interesse político, principalmente quando se pinta de neutra.  Dito isso, podemos valorizar à vontade pesquisa como diálogo, na esperança social de que, através dela, se possa motivar o surgimento de alternativas sociais mais aceitáveis.  É possível alargar ainda mais a desmitificação do conceito estereotipado de pesquisa, tendo em vista que aparece naturalmente – porque necessariamente – na formação histórica do sujeito social competente.
  • 20.  De certa maneira, pesquisa se confunde com a filosofia, em seu sentido original: apreço pela sabedoria, tanto em sua modéstia que sabe antes de mais nada que pouco sabe, como em sua exuberância que a tudo questionava, inclusive a si mesma (Abbagnano, 1989).  Nesse sentido, o que faz da aprendizagem algo criativo é a pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao desafio, desfazendo tendência meramente reprodutiva.  Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa.  E isso não redunda apenas em competência técnica e científica; funda também um passo essencial no processo emancipatório.
  • 22. 1. A questão curricular  Na grade curricular aparecem matérias ordenadas dentro de algum princípio didático e de certa concatenação entre elas.  Embora façamos aqui visível caricatura, ela pode clarificar a vigência estereotipada do mero ensinar, ao lado do mero aprender.  Do lado do professor temos a visão empobrecida do ministrador de aulas, ainda em grande parte pessoas que detêm apenas graduação, sem experiência comprovada no campo científico.  Essa marcas expressam a impropriedade flagrante da função de professor, banalizada na condição de repassador barato de conhecimento alheio.  A noção de professor precisa ser totalmente revista, sem recair em preciosismos importados de fora.  Assim, vale perguntar: o que é professor? a) em primeiro lugar, é pesquisador,. b) é, a seguir, socializador de conhecimentos. c) é, por fim, quem a partir de proposta de emancipação que concebe e realiza em si mesmo, torna-se capaz de motivar o novo pesquisador no aluno, evitando de todos os modos reduzi-lo a discípulo subalterno.
  • 23.  Por exemplo, quem dá aula de introdução à educação faz isso porque é capaz de escrever – pelo menos de reescrever à sua maneira – o que seria introdução à educação.  No extremo, é impossível ser professor “de qualquer coisa”, até porque sequer seria viável ser monitor, entendendo-se por monitor alguém que, não tendo necessariamente domínio da matéria, se apresenta como instrutor útil eventual.  Essa exigência pode recair na “idiotice especializada”, quando a especialização resvala para o encerramento em detalhes que fazem perder a noção do todo, dificultando o diálogo com a realidade.  Mas parece claro que professor mais adequado de introdução à educação seria aquele que tem produção própria nessa matéria, em particular quem faz elaborações próprias, porque, além de dispor de bagagem pessoal, é capaz de comparar as várias maneiras de conceber a matéria, de imprimir forte dose de espírito crítico e autocrítico, de formular o ambiente propício ao diálogo criativo com todas as correntes, de fomentar a produção constante de argumentos alternativos na área.  Em termos muito simplificados, pode-se dizer que, no plano da teoria, é mister exigir capacidade própria de elaboração, e , no plano da prática, capacidade de recriar teoria e de unir saber & mudar.
  • 24.  Ainda é importante repisar a necessidade de atualização constante, que faz parte da pesquisa como questionamento cotidiano, com vistas a evitar o instrutor que passa a vida toda dizendo sempre a mesma coisa, à revelia do progresso científico, o que significa precariedade dupla: apenas copiar, e surrar a cópia.  Por outra, ainda que se deva cotidianizar a pesquisa, há um mínimo de exigência qualitativa que se defronta com misérias típicas da nossa sociedade, sobretudo com o amesquinhamento profissional e salarial.  Sem chorar mágoas do subdesenvolvimento, é preciso saber encontrar equilíbrio aceitável entre a condição favorecida e desigual dos que podem dedicar-se ao estudo integral, e aquela da maioria que vai estudar depois do trabalho.  O importante é compreender que sem pesquisa não há ensino.  Se a pesquisa é a razão do ensino, vale o reverso: o ensino é a razão da pesquisa, se não quisermos alimentar a ciência como prepotência a serviço de interesses particulares.  Na carteira está sentado o aluno. Quem é ele?Em grande parte acostumado à “decoreba”, à prova e à “cola” no trajeto dos graus anteriores de ensino, chega à universidade com expectativas similares.
  • 25.  Vê-se que a miséria do professor é a mesma do aluno, o qual será, em seguida, o professor, dentro da mesma engrenagem reprodutiva.  O primeiro disparate dessa relação degradante é o seu aspecto diretivo- autoritário.  Disso se depreende que é total disparate resumir o ensino à aula, porque corresponde a reduzir a aprendizagem ao escutar passivamente.  Essa posição é muitas vezes confundida com seminário, entendido com mesa-redonda, na qual todos discutem juntos.  Para motivarmos o elaborar científico, pelo menos a nível teórico, são necessárias condições didáticas, tais como: a) indução do contato pessoal do aluno com as teorias, através da leitura, levando a interpretação própria. b) manuseio de produtos científicos e teorias, em biblioteca adequada e banco de dados. c) transmissão de alguns ritos formais do trabalho científico.  No fim das contas, o aluno não pode apenas escutar; tem que produzir, o que exige investir em tal competência.  Em certos lugares a elaboração aparece, em momentos, como desafio de fazer em casa algum trabalho que exige reflexão e leitura, como trabalho de grupo seguido de alguma elaboração, e sobretudo como trabalho de fim de curso.
  • 26. 2. A questão da teoria & prática  Em ciências sociais, parece-nos claro que a prática deve ser estritamente curricular, não somente teoria.  Uma das coisas mais ridículas em ciências sociais é a teoria sem prática, ou a teoria como prática.  Encarnam essa caricatura, hoje, sobretudo, economistas e sociólogos, entre outros, que, não por acaso, é difícil definir na prática para que servem.  O óbvio aos olhos da sabedoria popular, ou seja: que as ciências sociais se fazem para a construção de sociedades pelo menos mais toleráveis, na academia é questão espúria, pois só interessa estudar, analisar, sistematizar e discursar.  È complexo acertar meio termo entre o “especialista em generalidades” e o “idiota especializado”.  Preocupa que as ciências sociais, muitas delas de berço filosófico e crítico, insistam no especialista em generalidades, produzindo o cientista apenas bom de discussão crítica.
  • 27.  Todavia existe também o idiota especializado, mais facilmente encontrado em especializações “micros”, como o economista que reduz economia a técnica de manuseio empresarial, ou o sociólogo que reduz sociologia às suas aplicações estatísticas para levantamentos empíricos.  Por um lado, a prática não se restringe à aplicação concreta dos conhecimentos teóricos, por mais que isto seja parte integrante.  Por um lado, é fundamental defender a necessitação mútua de teoria &e prática, na maior profundidade possível de ambas, porquanto nada é mais essencial para uma teoria do que a respectiva prática e vice-versa.  É mister superar ironias do nosso destino, como a de jogar no mercado um “professor” que não sabe dar aulas, um advogado que nunca conduziu um processo judicial, um contador que nunca fez contas de uma empresa.  Tomando o exemplo da formação de educador, caberia, de partida, colocar que, em seu currículo, deve aparecer tempo inicial de preparação propedêutica, de carga mais teórica, digamos, forte dose de estudo da metodologia científica e da teoria referencial como fundamentos da formação geral comum a todo educador e como ferramenta para elaboração própria.
  • 28.  A seguir aparece o sentido da especialização, com dose crescente de prática.  Avançando no tempo, deve aparecer com total clareza a capacidade de construção do planejamento educacional pelas próprias mãos, no equilíbrio entre boa teoria e boa prática.  Será quimérico colocar essa pretensão nas condições atuais, mas este é o desafio fundamental.  Parece claro que a “aula” vai perdendo importância, à medida que surge o cientista autônomo, o novo mestre, que aprende por elaboração própria, não por imitação.  Em vez de um “professor” para cada âmbito, pode-se organizar de tal modo que no percurso de dois semestres o “aluno” elabora dois ou mais trabalhos, escolhendo temas de maior interesse  Alcançaríamos dois resultados relevantes: redefinimos o papel do professor como orientador, quase flecha inteligente que indica o caminho da biblioteca ou parceiro crítico, consciência vigilante; redefinimos o papel do alunos, motivando a capacidade de escolha e produção própria de temas.
  • 29. 3. “Dar conta de um tema”  O trabalho pessoal de pesquisa encontra expressão própria no desafio de assumir um tema para elaborar e defender, ainda que possa restringir-se à produção teórica.  Embora a pesquisa seja conquista lenta e progressiva, começa no primeiro semestre.  O professor tem seu lugar, como pesquisador e orientador, para motivar no aluno o surgimento do novo mestre.  “Dar conta de um tema significa, pois, retomar o contexto do trabalho científico, geralmente apresentado como caminho de comprovação de hipóteses.
  • 30.  Assim, não cabem nesse desafio leituras pela metade, cópias pirateadas de autores, número prévio de páginas, mera reprodução de dados.  Aqui temos um parâmetro de avaliação do novo mestre, por mais que a nossa realidade mostre o contrário: o estudante conclui o curso sem saber dar conta de um tema, não consegue escrever com clareza e sistematização, não ordena, manuseia, constrói e interpreta dados, o que revela continuar apenas “aluno”, até porque aprendeu com um “professor” que nunca saiu da condição de “aluno”.  Enfim, ressalte-se que o “trabalho de elaboração individual”, embora imprescindível, pode levar ao isolamento ensimesmado do cientista.
  • 31. 4. A questão da avaliação  A avaliação pode não respeitar o ritmo de cada um em seu desenvolvimento intelectual e social, partindo para comparações externas e de cima para baixo.  Todavia, como não adianta mascarar a desigualdade social, a avaliação acaba tornando-se inevitável em tem seu protótipo mais duro na “mercadoria”, que tem custo.  Esse mesmo contexto motivou o surgimento de escolas alternativas, nas quais se tentou minimizar o lado da disciplina comportamental, bem como da avaliação paramétrica.  A farsa reaparece hoje na universidade, quando se busca privilegiar caminhos que dispensam avaliação do desempenho, mormente a promoção por mero tempo de serviço.  Tal postura, hoje tão comum, em vez de diminuir o confronto da desigualdade, apenas o mascara, exacerbando-o.  Seria o erro oposto alijar o estudante da participação na definição curricular, pelo menos no sentido de expressar-se sobre expectativas de formação e profissionalização, de avaliar o desempenho dos professores e da instituição, de apresentar crítica a partir do seu ponto de vista, objetivando adequações necessárias no tempo.
  • 32.  Se desfazer polêmicas pertinentes, é possível discutir alternativas de avaliação à luz do conceito de pesquisa.  É sempre muito complexo avaliar mérito acadêmico, mesmo restrito à demonstração teórica dos desafios científicos que mais escancaram os limites da ciência, tanto na dificuldade de avaliar “isentamente”, pois no fundo é impraticável, como na impossibilidade concreta de encontrar critérios concensuais e definitivos.  A par de critérios quantitativos, aparece quase sempre o de mercado, se for possível colocar assim nesse espaço.  Tudo isso se assanha sobremaneira na progressão de carreira para um dia ser titular.  Onde se destrói a avaliação acadêmica, já se exterminou a universidade, porque morreu a pesquisa.  O conceito de pesquisa leva a dizer que a avaliação do aluno precisa ser radicalmente revista, para ser coerente com o desafio de gestação do novo mestre.  Segundo, em vez da prova, a forma mais fecunda e conveniente de avaliar é motivar a produção científica em ambiente próprio, com liberdade acadêmica, na qual o estudante possa enfrentar o desafio de crescer por si.
  • 33.  Com isso o professor enfrenta outros riscos e desafios.  Deveria ser regra geral que, em cada semestre, o estudante produzisse um número de elaborações próprias, que seriam a base fundamental de avaliação.  Por tudo isso, é indispensável que no fim da graduação se produza “tese” científica convincente, na acepção exata de demonstração da capacidade do novo mestres, que aí conclui uma etapa, para ingressar na vida profissional com qualidade formal e política.  Por fim, é preciso chamar a atenção para a unilateralidade da avaliação, quando se restringe à elaboração teórica, por mais que seja avanço incomparável, porquanto falta a prática.  Por outra, prática não se resume à aplicação da teoria, embora isso seja essencial.  Como avaliar o mundo da qualidade política é questão complexíssima, assumida em manifestações como pesquisa participante, avaliação qualitativa, hermenêutica social, fenomenologia, todas tão pertinentes quanto ainda tateantes.  A avaliação apenas formal é fuga, porque atesta que não sabemos avaliar conteúdos, m as, se benfeita, já representa cuidado providencial, que resgata a noção de pesquisa como descoberta científica.
  • 35. 1. Educação, pesquisa e emancipação  Emancipação é o processo histórico de conquista e exercício da qualidade de ator consciente e produtivo.  No mesmo todo aparece o momento da prática, em dois horizontes concatenados.  Conceber e executar projeto emancipatório supõe de modo geral dois suportes mais visíveis, que são a busca de auto-sustentação e de autogestão, algo econômico e político.  Auto-sustentação significa o processo de trabalho e produção através do qual se provê a sobrevivência material e, nesse sentido, volta-se ao enfrentamento da pobreza socioeconômica, marcada pela privação material.  A compreensão adequada da emancipação somente é viável no quadro da desigualdade social, como questão histórico-estrutural.  Emancipação quer dizer recuperar o espaço próprio que outros usurparam, já que poder não é bem abundante disponível, mas apropriado no contexto do conflito social.  Emancipação não é atitude isolada, porque nada em sociedade é espontâneo estritamente.
  • 36.  Essa questão atinge o âmago da estrutura do poder.  É patente a relevância da educação e da pesquisa par a o processo emancipatório.  Educação política não se esgota na face propriamente política (da qualidade política), mas inclui sempre a face técnica, ligada à informação e ao ensino.  A escola – que não faz milagres – pode fungir papel estratégico como instrumento público de equalização de oportunidades, universalizante no 1º grau, para concepção e exercício da cidadania.  Tudo é contraditado no dia-a-dia de uma sociedade que relega educação ao nível dos piores serviços públicos, manietando professores em situação de profunda indignidade profissional.  Dentro desse contexto, o conceito de pesquisa é fundamental, porque está na raiz da consciência crítica questionadores, desde a recusa de ser massa de manobra, objeto dos outros, matéria de espoliação, até a produção de alternativas com vistas à consecução de sociedade pelo menos mais tolerável.  Talvez se possa estranhar, mas isso começa no pré- escolar, compreendido de o a 6 anos de idade, porquanto mais do que ninguém a criança, vindo ao mundo, coloca-se em estado estrutural de descoberta e criação.
  • 37. 2. Limitações do apenas ensinar No “ensinar” cabe menos o desafio da emancipação com base em pesquisa do que a imposição domesticadora que leva a reproduzir discípulos.  A sala de aulas, lugar em si privilegiado para processos emancipatórios através da formação educativa, torna-se prisão da criatividade cerceada, à medida que se instala um ambiente meramente transmissivo e imitativo de informações de segunda mão.  Vale afirmar que o problema mais agudo da escola não é o aluno, por ser pobre, inculto, mas o professor, que ainda é apenas “aluno”.  Para se falar da importância da educação é mister saber seus limites.  Para além da crítica, é fundamental perguntar por pistas de atuação alternativa.  A amplitude da aplicação do conceito de pesquisa deve ser modulada de acordo com as funções na escola, levando-se em conta a sua desmitificação, mas sem jamais afastar-se do compromisso de elaboração própria, de questionamento criativo, de desdobramento do senso pela descoberta e pela criação, chegando-se ao seu núcleo político de atuação social consciente.
  • 38.  Na luta pela valorização do profissional deve entrar com ênfase o compromisso com a pesquisa, no quadro da coerência emancipatória, que é sempre o núcleo mais digno da educação.  Desafio concreto será que o professor passe a “elaborar” suas aulas, com mão própria, acrescentando, sempre que possível e couber, pelo menos sínteses pessoais.  No começo a dificuldade de elaboração própria será considerável, recomendando modéstia, que pode iniciar com meras sínteses aproximativas.  A segunda preocupação é a reação sistemática e criativa contra os vezos tradicionais da mera “aula”.  Todavia, há lugar para a aula, como expediente informativo, para introduzir temas e unidades, para ouvir-se recados do professor.  É essencial impregnar a convivência com os alunos com estratégias de pesquisa, através das quais são motivados a toda hora a pelo menos digerir o que escutam através de exercícios pessoais.  Na concepção de Paulo Freire, é fundamental a distinção entre alfabetizar como reprodução da escrita e da leitura, e alfabetizar como ler criticamente a realidade
  • 39.  O professor precisa investir na ideia de chegar a motivar o aluno a fazer elaboração própria, colocando isso como meta da formação.  O caderno de notas precisa evoluir de simples cópia das aulas para ensaio de elaboração, pelo menos de síntese própria.  O aluno não vai reinventar a lei da gravidade ou o alfabeto.  O professor vale pelo que instrui – a criança precisa também literalmente aprender – mas sobretudo pelo que motiva a emancipação social, técnica e politicamente.
  • 40. 3. Limitações do apenas aprender  A escola continua curral formal, onde o galo é tratado.  A cola no confronto com o domador, contém típica duplicidade, como todo fenômeno político.  Na cola pode emergir algo da contra-ideologia, enquanto demonstração da capacidade de reação por parte do oprimido, e que passa pela pesquisa.  O intuito não é nem acabar simplesmente com a prova, nem elogiar a cola.  Por outra, decorar não é sempre necessariamente um mal.  Entretanto, até aqui está em jogo a “qualidade formal”, algo essencial, ma metade do todo: avalia-se se o aluno sabe e se sabe descobrir.
  • 41.  Através de tais expedientes, entra a prática, ao lado da teoria, e a pesquisa adquire seu lugar político, ao lado da teoria, e a pesquisa adquire seu lugar político, além da instrumentação formal.  O boletim sempre revela “notas” também referidas a comportamento, por vezes cultivando moralismos baratos, envoltos em disciplinas quadradas.  Moral e cívica deve ser impulso educativo à construção e definição da cidadania, nunca o fechamento em ideologias prévias, porquanto a da direita é a mesma que a da esquerda, se pretende apenas doutrinar.  Em boa parte o desafio da qualidade política está em fomentar a iniciativa do aluno, sobretudo aquela organizada.
  • 42. 4. Vazios da escola formal  Reivindicar a pesquisa na escola formal significa, por coerência, refazer algo da autocrítica.  A influência da escola sobre a criança é cada vez mais “formal” e, neste sentido, vazia, pela artificialidade da sua organização distanciada da sociedade diária ou pela concorrência avassaladora com os meios de comunicação.  Colabora na decadência da escola pública sem dúvida a atuação estatal, que tende a retratar nela a própria pobreza de um Estado afastado dos compromissos para com a sociedade e de uma sociedade subjugada como massa de manobra.  Ainda assim, continua sendo um dos espaços mais estratégicos de equalização de oportunidades, que, não por acaso, deve ser universalizado.  Esse repto recoloca a questão da qualidade formal política.
  • 44. 1. Construindo a prática  É difícil embutir no currículo a prática, a começar pelos vícios históricos dos “estágios” e da “extensão”.  A extensão – pertinente quando intrínseca – arrasta-se no voluntariado e na ilusão de evitar o afastamento da universidade de seus compromissos sociais.  Prática não se restringe à aplicação da teoria, por mais que seja essencial  Qualidade formal não se faz sem qualidade política e vice-versa.  Essa questão se torna ainda mais congruente, se lembrarmos que as ciências sociais dedicam a pesquisar a práxis histórica do homem, algo de ostensiva praticidade e cotidianidade.  Valorizar a prática não leva a qualquer prática.  Na grade curricular, a prática deve aparecer de modo gradativo, passo a passo, como qualquer disciplina, tendo como meta a formação teórico-prática, ao longo, digamos, de 8 semestres.  Por fim, é fundamental que exista, como integralização curricular, o trabalho de conclusão do curso, no estilo de uma tese, direcionado a motivar o aluno a produzir proposta teórico- prática de realização profissional.
  • 45.  Conforme propostas alternativas, a prática tem papel fundamental de confronto e fecundação teórica, assim como vale repisar que é papel da teoria o confronto e fecundação prática.  As marcas limitantes da prática atormentam o teórico e o conduzem a fugir dela muitas vezes.  Faz parte da dialética compreender tal fecundação contrária entre teoria e prática, trazendo à cena dos critérios de cientificidade não somente os formais (coerência, consistência, lógica), mas igualmente os políticos, apanhados hoje no conceito de discutibilidade: somente se aceita como científico o que é discutível formal e politicamente.  Para chegar a mudar como projeto emancipatório, entra em cena compromisso social com um tipo de sociedade e de história, que pede posicionamento político.  No extremo, a prática isolada se torna fanatismo, ao recusar toda discussão de si mesma e a própria ideia de alternativa.  A conversa sobre transformação histórica começa a ficar séria.  Discutir a prática significa sempre também recolocar a questão da cidadania.
  • 46.  O profissional competente se realiza em dois horizontes mais marcantes: como capaz de operar a instrumentação científica em termos de aplicação prática e como capaz de ser ator eficaz na realidade histórica.  No primeiro caso temos a atitude mais comum, decorrente de elitização pela qual passa a formação dita “superior”.  Embora a qualidade política não possa ser efetivada às custas da qualidade formal, neste caso trata-se exatamente do contrário: realizar qualidade formal às expensas da qualidade política.  No segundo caso, trata-se de atitude já crítica, embora restrita à inquietude individual.  No terceiro caso, temos o cientista capaz de perceber a importância da luta histórica na ocupação dos espaços sociais, no contexto da unidade de contrários, com realce para a forma organizada de cidadania.  Não se trata de buscar limites estritos em meio a realidade tão fluida e escorregadia, como são os posicionamentos políticos.
  • 47. 2. Pinceladas de um currículo (ISEP)  O trajeto curricular de 8 semestres começa por ano dedicado à fundamentação teórica e metodológica, como instrumentação imediata da elaboração própria.  A forma de avaliação típica é o trabalho de pesquisa para cada disciplina ao final do semestre, precedido de pelo menos 3 cumulativos, para facilitar o desdobramento crescente e a orientação do professor.  O aluno se apresenta ao respectivo orientador pelo menos 2 vezes na semana e com ele discute o trajeto semestral, inclusive a prática, sendo esta a forma principal de frequência.  Nos dois anos seguintes entra em cena o estudo profissionalizante.  A prática recebe o nome de intermediária, definida como atividade sistemática eficaz, embora limitada no tempo (média de 1 dia na semana), cabendo a extensão nesse espaço facilmente.  Tem o papel de confrontar com a realidade tudo o que se vê na teoria, de modo sistemático e eficaz, já combinando saber e mudar.
  • 48.  No quarto ano, a carga da prática será maior, descrita como prática profissional, através da qual o aluno assume papel específico institucional, de meio tempo, da forma mais integrada possível, como qualquer profissional.  Em termos de metas, poderíamos sumarias em qualidade formal e qualidade política.  Faz parte da qualidade formal o domínio teórico, a versatilidade metodológica, a capacidade de aplicação prática, o treino no manuseio de dados.  A qualidade política perpassa muitos momentos possíveis na construção curricular, desde o aparecimento do contexto social em disciplinas que isso permitam (estudos sociais, por exemplo), até maneiras de aplicação concreta que liguem saber & mudar.  Assim dita “moral e cívica, em vez de ser sermão da direita u da esquerda, poderia tornar-se algo produzido pela iniciativa discente, questionando a problemática social vigente e seus contornos culturais: família, religião, governo, Estado, justiça social, juventude, droga, sexo  A iniciativa do aluno é o maior patrimônio didático, sem o que de pouco adiantaria a competência do professor.  Na realização do currículo é sempre questão vital a relação professor/aluno, em particular nessa proposta, que supõe relacionamento capaz de conviver com a ambiência emancipatória com base na pesquisa..
  • 49.  Voltando a uma discussão metodológica sobre critérios de cientificidade, intriga sempre a presença insistente do argumento de autoridade, que, de si, jamais deveria ser argumento, mas acaba sendo o dominante.  O argumento de autoridade, todavia, torna-se mais tolerável quando ocupa o espaço da autoridade do argumento, significando a respeitabilidade de um cientista obtida a peso de seu mérito acadêmico.  Professor autoritário é aquele que se vale da posição de força porque lhe faltam argumentos ou que esbraveja agressivamente porque não tem o que ensinar, ou que tolhe a discussão crítica para evitar que se descubram os seus vazios.  Autoridade fundada no mérito convive com consciência crítica de seus limites, que cabe como uma luva no conceito de pesquisa.  4. A “rotina” do ISEP toma a seguinte forma: pela manhã, são programados pelo menos 2 eventos semanais (conferências, exposições, experiências, audiovisuais) e intermitentemente aulas estratégicas, que podem até tomar as 5 manhãs (por exemplo, um curso de estatística ou de gramática); pela tarde, há orientação, estando os orientadores integralmente disponíveis para pelo menos 2 contatos semanais com cada aluno.
  • 50.  O aluno iniciante sofre fase de profunda desestruturação, porque está manietando à cópia (aula e prova).  O aluno passa a “administrar” seu tempo: comparece às orientações, sai par a prática em média 4 horas semanais (no 1º ano), precisa ler e escrever.  Emerge “liberdade acadêmica” na escolha dos temas, na organização da orientação e da prática, na elaboração própria.  Por outra, o professor também propende a instalar-se na rotina imitativa, razão pela qual é fundamental que produza sempre textos próprios, que devem aparecer em lugar destaque na biblioteca.  Faz parte da “rotina” o tempo integral, para professor e aluno.  Espera-se um “profissional recriado”, muito diferente dos vigentes, capaz de construir um projeto próprio educativo e assistencial, ao mesmo tempo competente cientificamente e participativo politicamente.