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data de submissão: 21-06-2006
data de aceitação: 20-07-2006
Introdução
O vocábulo “profissão” é originariamente de
conotação religiosa e significa “profissão de fé”
ou “professar” uma religião (do latim: profiteor,
profiteri, professus su, que significa voto público,
fazer uma promessa pública, declarar publica-
mente um compromisso de fazer o bem a outros
ou bene facere).
Professar (ou confessar) é sinônimo de dispo-
nibilizar-se para um determinado serviço, consa-
grar-se a uma atividade.Assim, desde o início da
humanidade foram desenvolvidos alguns serviços
imprescindíveis à sociedade, como a consagração
(profissão) aos serviços religiosos,aos cuidados da
família, à administração da justiça e à atenção aos
enfermos.
Desde então, conceitua-se como profissio-
nal alguém consagrado a uma causa de grande
transcendência social e humana. Por seu turno,
a sociedade exige correção e retidão no desem-
penho deste mister, daí que outorga a estes cida-
dãos determinados privilégios como uma forma
de retribuição por “consagrarem” a sua vida para
servir esta mesma sociedade.
Assim, quando pessoas que assumem a respon-
sabilidade de executar funções relacionadas com
as dimensões mais sagradas da existência, como a
religião, a justiça e a saúde não atuam de forma a
respeitar a ética inerente à sua profissão ou fun-
ção, a sociedade como um todo se torna diminu-
ída em seus valores morais.
Por outro lado, a evolução dos costumes e os
desenvolvimentos do conhecimento humano
através da ciência e da tecnologia, fizeram com
que as relações sociais se tornassem mais com-
plexas, demandando o aparecimento de outras
atividades, funções e profissões e, para exercê-las,
novos profissionais.
Profissão é, pois, uma atividade humana espe-
cífica que surge em razão de uma necessidade
social,para a qual deve estar voltada com a missão
fundamental de colaborar para o bem-estar cole-
tivo, o equilíbrio e a paz social.
Para James Drane (2004), profissional é “alguém
que faz promessa pública de trabalhar para outros
e é essencial para a sociedade”. Assim, as suas
características estariam assim definidas:
1- Proporcionam serviços públicos essenciais
para o bem comum.
2- É considerada uma vocação, mais que sim-
plesmente um trabalho.
3- Para ser exercida,tem como pré-requisito um
treinamento prolongado e especializado em uma
universidade. A educação adquirida na universi-
dade inclui tanto conhecimentos teóricos como
uma prática concreta.
4- O controle para se ingressar a uma profissão é
exercido através de uma licença.Deve-se ter uma
licença específica para praticar uma profissão.
5- Os conselhos de admissão estão formados
por membros da profissão.
6- As profissões elaboram seus próprios
códigos e padrões éticos.
7- As leis concernentes à profissão são ideal-
mente influenciadas pela própria profissão. Por
exemplo, os conselhos profissionais geralmente
avaliam demandas de má prática antes de serem
julgadas publicamente.
8- Os profissionais desfrutam de autonomia na
oferta de serviços.
9- Aqueles que pagam por serviços (usuários)
não controlam ou não tem autoridade sobre
eles.
Os valores morais de uma profissão
José Geraldo de Freitas Drumond1
1
Presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, Minas Gerais, Brasil
Drumond, J. G.; (2006). Os valores morais de
uma profissão 2(3): 192-200
192 {Opinião
miolon3-vol2.indd 65 23-10-2006 20:38:26
10- Uma profissão trabalha com normas éticas
de alto caráter objetivo e com obrigações morais
altamente subjetivas.
A definição dos respectivos direitos e deveres de
uma profissão, bem como a delimitação de sua
área de atuação em relação às demais profissões,
são as condicionantes para o preenchimento dos
requisitos pessoais e técnicos daqueles que se dis-
põem a exercê-la.
O fato de se deter um conhecimento técnico e
uma prática especializada não é o bastante para
se ter uma atuação profissional adequada, porque
o conhecimento não é um fim em si mesmo,
por mais especializado que seja, mesmo quando
destinado a atender a um determinado interesse
social. Para além da técnica e da prática especia-
lizadas impõe-se um terceiro e atributo, que é a
atuação profissional no seio da sociedade.
Talcott Parsons (1964), representante da escola
sociológica tradicional, define profissionais como
sendo aqueles que têm o “controle e domínio
de um determinado campo do saber, sob a pri-
mazia da racionalidade cognitiva e orientados
para a aplicação do conhecimento a problemas
práticos”.
As conceituações modernas enfatizam mais as
estruturas sociais emergentes, ressaltando-se a
base cognitiva necessária a um profissional, des-
tacando o “ethos” na prestação de serviços e na
auto-regulação da profissão.
Parsons - que desenvolveu suas pesquisas junto
aos médicos por considerar a Medicina uma pro-
fissão paradigmática - entende que as profissões
podem ser definidas com base em quatro carac-
terísticas:universalidade,especificidade funcional,
postura objetiva e um objetivo comunitário. A
universalidade responde à exigência da sociedade
para que o profissional trate os seus membros de
igual modo, sem discriminação. A especificidade
funcional caracteriza o perfil da profissão para
uma determinada atividade, conferindo auto-
ridade e prestígio social a quem a exerce. Além
disso, o profissional deve, ainda, atuar com obje-
tividade para obter uma neutralidade afetiva e se
desincumbir adequadamente de seu mister. Por
fim, a profissão é uma exigência e uma neces-
sidade social, devendo estar sempre voltada para
a coletividade, beneficiando-a. É dever de um
profissional cumprir os misteres de sua profissão,
até mesmo em situações economicamente desfa-
voráveis, disponibilizando os seus serviços desde
que solicitado.
Entretanto, é o componente moral de uma
profissão que, de fato, lhe propicia todo o relevo
social, pois representa a aplicação da reflexão do
saber e do saber-fazer em benefício da coletivi-
dade.Quem assume tal caráter certamente desen-
volve a consciência dos limites da sua profissão
ao perceber que nem tudo aquilo que é tecnica-
mente possível realizar, resulta necessário e legí-
timo. O exercício permanente da reflexão sobre
os valores humanos e sociais é o que desenvolve
a consciência dos limites pessoais e profissionais,
permitindo-se que cada qual seja avaliado sob a
égide de princípios e normas morais.
Paul Starr (1991), utilizando o método da abor-
dagem histórico-social das profissões, corrobora-
lhes os conceitos de auto-regulação e capacitação,
que se acham baseados em conhecimentos técni-
cos e especializados. No entanto, as profissões são
definidas muito mais em razão dos serviços que
prestam à sociedade do que propriamente de seus
interesses pecuniários, ainda que, em geral, este-
jam balizadas por um código de ética.
Um ato profissional perfeito deve estar sub-
metido a três requisitos: propriedade, justeza e
adequação. Uma ação profissional apropriada é
aquela que se acha em conformidade com a téc-
nica (“Tekhne” dos gregos) e própria para uma
determinada situação, como determina a sua
arte (“Lex artis”). Além disso, esta ação deve ser
intrinsecamente benéfica (ou adequada) para
quem é destinada e resultar socialmente conse-
qüente (justa).
193 { Opinião
miolon3-vol2.indd 66 23-10-2006 20:38:26
Mas nem sempre aquilo que é próprio ou
intrinsecamente bom será necessariamente justo,
do ponto de vista da moral social.Daí porque,no
exercício de uma profissão, é cada vez mais fre-
qüente o enfrentamento de demandas resultantes
de determinados atos profissionais, devido a situ-
ações contraditórias ou conflitantes em relação às
normas legais e morais, em face dos interesses do
cliente. Isto se dá porque toda atividade profis-
sional envolve um conjunto de decisões pessoais,
transações, articulações de interesses, expectativas
e satisfações.
Uma ação profissional tem como resultado a
convergência final destes diversos e dinâmicos
fatores que interagem com os fatores imanentes
daqueles que são os sujeitos de uma intervenção
especializada.
Uma ruptura neste equilíbrio dinâmico pode
resultar numa desarmonia das relações do pro-
fissional com o cliente, o que certamente reper-
cutirá na sua imagem pessoal e no conceito da
profissão perante a sociedade.
Para se exercer uma profissão se exige um deter-
minado caráter, uma predisposição ou uma voca-
ção que não se restringe às possíveis qualidades
técnicas,senão que incorpora convicções pessoais
e uma consciência social de quem nela vai atuar.
Uma profissão, para ser adequadamente pra-
ticada, deve estar fundamentada em três pilares
simétricos: a técnica, o aprimoramento profissio-
nal e a ética.
A técnica é resultado da formação científica e
cultural, originada de um conhecimento especí-
fico ou particular da ciência, que se denomina a
“Lex artis” profissional.
O aprimoramento profissional vincula-se à atu-
alização permanente da técnica, cuja atualização
é demandada de modo continuado em razão dos
avanços do conhecimento científico e da própria
técnica.
A ética profissional configura-se como um
conjunto de valores humanos adotados por uma
sociedade e aplicados especificamente à prática
de determinado ofício. Como bem refere Maria
Patrão Neves (2003), nenhuma profissão existe
para os seus membros; todas existem para servir
uma diferente necessidade que, uma vez devida-
mente satisfeita, a tornará merecedora da con-
fiança da sociedade.
Os valores humanos são imprescindíveis para
a vida, pois não se vive sem valorizar ou esti-
mar as coisas.Valorar é uma condição da essência
humana. Por isso, as decisões profissionais devem
levar em conta os valores humanos, já que estes
sempre interferem naqueles.Assim sempre estará
errada a decisão baseada apenas em fatos, por-
que não será uma decisão humana. Uma deci-
são humana só será correta, repetimos, se levar
em consideração a conjunção de fatos e valores
humanos.
As realidades humanas possuem valores pró-
prios, que se referem, por exemplo, a bem-estar
ou a mal-estar, à saúde ou a doença, à vida ou à
morte. São os chamados valores vitais ou ineren-
tes ao ser vivo.
Além disso, os seres humanos apresentam valo-
res espirituais, próprios da pessoa, que podem
ser categorizados em valores lógicos (como a
verdade ou o erro), estéticos (como o belo e o
feio) e os valores morais (bom e mau, correto e
incorreto).
Há vários sistemas de valores, conforme a tradi-
ção cultural de um povo.Assim, os anglo-saxões
têm uma filosofia de liberdade e veracidade
vinculada à luta e à busca da vitória a qualquer
preço, com o conseqüente desprezo aos derro-
tados. Para eles a verdade está na diferença entre
bons e maus, entre vencedores e perdedores, pois
só os vencedores alcançam o paraíso.
Os povos asiáticos, representados pelos japone-
ses, estabeleceram três abordagens para os valores:
a xintoísta,a confucionista e a budista.A primeira
reforça as virtudes da fidelidade e da obediên-
cia; a segunda prega o consenso e relações sociais
Os valores morais de uma profissão
José Geraldo de Freitas Drumond
194 {Opinião
miolon3-vol2.indd 67 23-10-2006 20:38:26
de respeito mútuo, a não violência, a persuasão,
a busca da harmonia e prevenção do conflito;
enquanto o budismo prioriza o bem da coletivi-
dade acima dos desejos individuais.
Já os povos latinos têm os seus valores baseados
na tradição mediterrânea. Foi no Mediterrâneo,
mais propriamente na Grécia, que nasceu a ética
ocidental, cujo sistema de valores é anterior ao
próprio cristianismo.A ética mediterrânea exibe
uma linguagem de expressão do bem e do mau,
da virtude e do vício, diferentemente da ética
anglo-saxônica,cuja linguagem se refere a direito
e poder.
Virtude é um traço do caráter humano social-
mente valorizado, enquanto a virtude moral é
aquele aspecto moralmente valorizado.A virtude
moral consiste na disposição ou no hábito de
agir de acordo com princípios, normas ou ideais
morais.Virtudes são, pois, qualidades ou excelên-
cias morais, importantes para distinguir um pro-
fissional com atributos de caráter, indispensáveis
para uma adequada atuação, especialmente para
aqueles que se dedicam a servir em áreas que têm
aplicação direta na saúde ou na qualidade de vida
do homem.
Hoje, diante do desapego da sociedade pós-
moderna aos valores espirituais e dos profissio-
nais àqueles próprios de sua especialização, con-
seqüência da competição desenfreada propiciada
pelo mercado de trabalho globalizado, cada vez
mais estreito em decorrência do número de pro-
fissionais e pela ampliação da área do conheci-
mento que, por sua vez, leva ao aparecimento de
novos profissionais para atender a multidiscipli-
naridade das profissões hodiernas,surge o apelo à
prática da ética da virtude e ao cultivo dos valores
morais.
É importante identificar qualidades morais
que possam robustecer o compromisso social da
profissão e, ao mesmo tempo, estabelecer con-
traponto com as qualidades morais da própria
sociedade, que as expressa por meio de seus cida-
dãos, ao procurar os serviços do especialista.
Para o profissional tais qualidades podem ser
inúmeras, mas, a título de contribuição, distin-
guiremos a prudência, a temperança, a coragem,
a fortaleza, a justiça, a generosidade, compaixão,
a humildade, a tolerância, a misericórdia, a fide-
lidade, a solicitude e o entusiasmo. No caso dos
clientes, razão maior da existência profissional,
é de exigir as qualidades morais da sinceridade,
confiança, probidade, equidade e tolerância.
Somente pelo exercitar destas virtudes propicia-
rão é que uma pessoa poderá se capacitar a refle-
tir e julgar as situações, muitas vezes imprevistas,
do cotidiano profissional.
A este respeito,André Comte-Sponville (1995),
assim se manifesta:
Das virtudes quase não se fala mais. Isto não significa
que não precisamos mais delas, nem nos autoriza a
renunciar a elas. É melhor ensinar virtudes, dizia Spi-
noza, do que condenar os vícios. É melhor a alegria do
que a tristeza, melhor a admiração do que o desprezo,
melhor o exemplo do que a vergonha. Não se trata de
dar lições de moral, mas de ajudar cada um a se tor-
nar seu próprio mestre, como convém, e seu único juiz.
Com que objetivo? Para ser mais humano, mais forte,
mais doce. Virtude é poder, é excelência, é exigência.
As virtudes são nossos valores morais, mas encarnados,
tanto quanto pudermos, mas vividos, mas em ato. Sem-
pre singulares, como cada um de nós, sempre plurais,
como as fraquezas que elas combatem ou corrigem.Não
há bem em si: o bem não existe, está por ser feito, é o
que chamamos de virtudes.
Cabe, pois, de modo objetivo, salientar o signi-
ficado de cada uma destas virtudes assinaladas no
contexto da vida profissional:
A Prudência
Os latinos traduziram como“prudentia”a“phro-
nésis” dos antigos gregos, que tem o significado
de equilíbrio e constitui a virtude da cautela, da
precaução, do agir com bom senso. Na prática, a
195 { Opinião
miolon3-vol2.indd 68 23-10-2006 20:38:26
prudência significa a observação sempre atenta e
vigilante do saber-fazer profissional.
Para Aristóteles, “phronésis” é uma virtude que
facilita a escolha dos meios corretos para se obter
um bom resultado. Para Cícero,“prudentia” pro-
vém de “providere”, que significa tanto prever
como prover. Não pode haver uma virtude mais
importante para aquelas profissões que trabalham
com o material mais importante do ser humano,
que é a sua saúde e qualidade de vida.
A prudência determina o agir pela busca do que
é bom e a recusa do que é mau.A prudência deve
ser uma companheira fiel de toda decisão do
médico: é o decantado bom senso profissional
Das quatro virtudes cardeais – prudência,tempe-
rança, coragem e justiça – a prudência, no enten-
der de Tomás de Aquino, deve reger as demais,
pois a prudência representa mais uma delibera-
ção,o bem agir.Para André Comte-Sponville,é a
prudência “que separa a ação do impulso, o herói do
desmiolado”. No entendimento clássico, é a vir-
tude do risco e da decisão que, hodiernamente,
tem o significado da precaução. É, enfim, o zelo
profissional.
Assim é que quando se decide pela melhor
opção possível, diz-se que houve prudência.
A Temperança
É a consciência dos limites pessoais e diz respeito
à moderação do homem na fruição dos prazeres.
Significa saber viver uma vida de moderação ou
autodisciplina sem a inconseqüente submissão
às paixões, aquilo que poderia ser caracterizado
como vício ou desregramento.Trata-se da virtude
da sobriedade,tão importante e recomendada aos
profissionais que cuidam da saúde,sendo alvos de
um elevado conceito social. A sociedade exige
mais do comportamento social e pessoal destes
profissionais que de outros, daí porque deverão
exercitar a coerência entre o discurso e a prática,
tendo a sobriedade da vida pessoal como causa
e conseqüência das suas condutas profissionais.
Aristóteles afirmava que a temperança é uma
virtude cumeada entre dois abismos opostos: a
intemperança e a insensibilidade.A temperança é
mais reconhecida pelos seus opostos do que pela
sua prática, pois, como toda virtude, está sempre
no cume, entre dois opostos ou extremos.
ParaTomás de Aquino, a temperança é uma vir-
tude cardeal, e a mais necessária, embora a cora-
gem e a justiça sejam as mais admiráveis.
A Coragem
A coragem consiste numa persistente disposição
para o enfrentamento das freqüentes dificuldades
que o exercício de uma profissão enseja, desde
a estrutura deficiente de atenção ás necessida-
des da população, até aquelas situações em que o
profissional terá que valer da sua autoridade em
favor do cliente, mesmo que isto possa contrariar
outros interesses.
Coragem não é a ausência de medos, mas a dis-
posição de superá-los e, no caso de valor moral
profissional, deverá se voltar para a defesa de um
interesse social, qual seja, do bem-estar da pessoa
e da coletividade.
É Cícero quem invoca a coragem como a arma
que permite o homem “enfrentar os perigos e
suportar os labores”.
Como virtude, a coragem se encontra no
meio (“In medio stat virtus”) entre a covardia
e a temeridade. Está no cume, como diz Aris-
tóteles, entre dois abismos, entre dois excessos:
de um lado a submissão ao medo, a inação e a
acomodação e, de outro, a despreocupação com
as conseqüências.
A Fortaleza
Fortaleza significa a disposição sempre renovada
do profissional em continuar exercendo o seu
ofício, embasado nas suas convicções morais e no
Os valores morais de uma profissão
José Geraldo de Freitas Drumond
196 {Opinião
miolon3-vol2.indd 69 23-10-2006 20:38:27
seu conhecimento técnico, sempre em benefício
do sujeito da sua atuação.
A fortaleza deve ser uma virtude continuada-
mente revigorada pelo estudo e pela atualização
permanente da arte ou técnica, associado à refle-
xão sobre os princípios filosóficos, em que deve
assentar todo o ideário profissional.
A Justiça
Justiça é a qualidade moral que compromete o
profissional com a sociedade, priorizando a sua
atenção na direção daqueles que compõem um
estrato social mais injustiçado, geralmente exclu-
ídos dos benefícios que a ciência pode propiciar.
A justiça, como qualidade moral, concorre para
a formação de um profissional preparado para
contribuir com a melhoria da qualidade de saúde
do seu povo, laborando pela equidade, ou seja,
pela oportunidade que todos devem ter, indis-
tintamente, de acesso aos serviços que a profissão
oferece.
A eqüidade está na raiz de uma justiça que tem
o pressuposto de que todos os homens nascem
iguais em direito e oportunidade e nada melhor
do que um profissional consciente de suas res-
ponsabilidades para reconhecer esta virtude e
comprovar que está exatamente na falta de acesso
aos benefícios do conhecimento especializado a
maior de todas as injustiças.
A justiça, como uma virtude professada pelo
profissional, deve ser, então, a justiça da igualdade
de oportunidades, que deve colaborar para que
haja redução das desigualdades sociais.
Uma justiça que vai além da mobilidade em
direção aos mais necessitados e excluídos,mas que
implica,também,na atitude política de denunciar
toda situação que dificulte ou impeça a conquista
de uma qualidade de vida razoável para todos,
independentemente da condição social.
A Generosidade
É uma qualidade moral inata ao profissional das
áreas social, educação e saúde, pois quem abraça
um serviço nestas áreas já possui uma vocação
para a solidariedade, para a prática do “bonum
facere”, que significa cuidar do outro, promover
ou melhorar a sua cidadania. É uma caracterís-
tica sublime da qual nenhum profissional poderá
abrir mão, sob pena de não ser mais reconhecido
como tal.
A generosidade, no entender de Comte-Spon-
ville “nos eleva em direção aos outros e, poderí-
amos, dizer, em direção a nós mesmos enquanto
libertos de nosso pequeno eu”.
A generosidade, conclui o filósofo, será sem-
pre plural: quando somada à coragem pode se
transformar em heroísmo; se adicionada à justiça,
resulta em eqüidade; se somada à paixão, gera a
benevolência; se somada à misericórdia trans-
forma-se em indulgência. Mas, ao se somar à
doçura o seu nome passará a ser bondade.
A Compaixão
Desinência latina (com: junto; paixão: sofrer) e
sinônimo do vocábulo grego “simpatia” (sim: ao
lado e pathos: doença), compaixão é a solidária
participação do profissional em relação aos sen-
timentos de seu cliente. É a compreensão da sua
dor, física ou psíquica, ou ambas. Não é apenas a
consciência de uma situação dolorosa, mas sim o
reconhecimento do sofrimento alheio, no sen-
tido de compreender, de fato, a sua necessidade
de carinho e afeto.
Compaixão é qualidade moral que não pode
ser confundida com a piedade, pois esta repre-
senta tão somente o sentimento de tristeza pela
infelicidade do outro, uma atitude passiva e até
mesmo cômoda.A compaixão é postura ativa de
197 { Opinião
miolon3-vol2.indd 70 23-10-2006 20:38:27
quem vai ao encontro do sofrimento alheio, para
compreendê-lo e ajudá-lo. A compaixão é, por-
tanto, uma ação comitente e nunca passiva ou até
negligente, como é a piedade.
A Humildade
É o reconhecimento e a consciência da impotên-
cia e da fraqueza humanas. Nada mais angustiante
para um profissional dedicado ao serviço do pró-
ximo que não poder realizar, de modo adequado,
a sua missão. Isto se deve, por um lado, à própria
limitação da ciência,que é incapaz de dar respostas
para todas as indagações e ter remédios para todos
os males humanos.Ainda que a ciência tenha evo-
luído, as suas verdades continuam efêmeras. Por
seu turno, o próprio profissional possui um arca-
bouço intelectivo-cultural sujeito a limitações. É
necessário cultivar a humildade profissional como
reconhecimento permanente de sua ignorância e
disposição permanente da busca por mais conhe-
cimentos. Sócrates afirmava:“Só sei que nada sei”,
enquantoTerezinha do Menino Jesus conceituava:
“Humilde é quem sabe ser do seu tamanho, nem maior
nem menor”.
A humildade deve ser,pois,uma qualidade moral
permanentemente presente na prática profissional,
para que ele se conheça,exatamente,o“quantum”
possui de conhecimento da sua arte, não se pro-
pondo ir além do que a ciência e a sua consciência
autorizarem.
A Tolerância
A tolerância ensina reconhecer e respeitar as dife-
renças entre as pessoas.O mundo está cada vez mais
povoado de pessoas que exibem diferentes crenças,
ideologias e opiniões. Há, pois, diferentes morais
ou moralidades que são merecedoras de respeito.
Recordemos Engelhardt (1996) que cunhou o
termo “estranhos morais” para distinguir as cate-
gorias de indivíduos ou grupos sociais que não
comungam a mesma moral, ou seja, existem duas
categorias de pessoas, com respeito à moralidade:
os“amigos”e os“estranhos morais”,cujas diferen-
ças devem não só ser conhecidas, mas, sobretudo,
respeitadas pelo profissional que cuida de pessoas
em todas as suas dimensões. Assim, ele haverá de
conviver com situações conflituosas e, por vezes,
antagônicas, nas quais deverá agir com o máximo
de isenção possível, tendo como meta o respeito à
dignidade e à integridade do ser humano.
A tolerância não é uma atitude expectante ou
subserviente, mas uma disposição de respeito às
diferenças entre pessoas.
Misericórdia
É o atributo moral que propicia às pessoas releva-
rem as faltas cometidas pelos outros, incluindo as
ofensas à sua própria pessoa. Misericórdia é sinô-
nimo de perdão,esquecimento,ausência de rancor
em face de atitudes agressivas e injustas de que pro-
fissional é alvo no exercício de seu mandato social.
Incompreensões e ações infundadas de clientes ou
seus familiares podem denegrir a imagem e colo-
car sob suspeição a honra do profissional. Nestas
ocasiões, o profissional necessita reafirmar a sua
personalidade altruísta para compreender os fatos,
distinguindo o emocional do racional,procurando
dialogar com a parte beligerante no sentido de
sanar a querela.
Não é uma situação fácil de administrar e, certa-
mente,exige uma maturidade emocional de quem
já se encontra muitas vezes fatigado pela carga de
trabalho que lhe é imposta, muitas vezes além do
que a própria capacidade biológica pode suportar.
Praticar a misericórdia é ter em mente que uma
determinada profissão exige de seus cultores um
persistente exercício de desprendimento pessoal e
a compreensão.
Pode-se medir o grau de desafio desta virtude,
quando observamos a grande reflexão de Martin
Heidegger,um dos maiores filósofos contemporâ-
Os valores morais de uma profissão
José Geraldo de Freitas Drumond
198 {Opinião
miolon3-vol2.indd 71 23-10-2006 20:38:27
neos, sobre a realidade do homem atual:
Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimen-
tos tão numerosos e diversos quanto a nossa. Nenhuma
época apresentou tão bem e sob a forma mais tocante
seu saber sobre o homem. Nenhuma época conseguiu
tornar este saber tão pronto e facilmente acessível. Mas
nenhuma época,também,soube menos o que é o homem.
Em nenhuma outra o homem apareceu tão misterioso.
A Fidelidade
É a virtude do comprometimento com prin-
cípios e normas que regem a profissão. É a fiel
observância dos valores morais impregnados na
profissão. Tal virtude não significa fundamenta-
lismo doutrinário, pois o profissional não pode
ser dogmático, mas sim estar aberto à discussão
dos diferentes valores humanos,sem se afastar dos
princípios considerados fundamentais para a sua
profissão.
Fidelidade é a coerência entre o professado
e o praticado, entre o discurso e a práxis; em
suma, significa o equilíbrio entre o saber e o
saber-fazer.
A fidelidade pode e deve ser entendida, tam-
bém, como um compromisso para com o cliente,
no que tange às suas expectativas e às suas espe-
ranças. Na fidelidade existe amizade, companhei-
rismo, mas sem concessões à verdade, porque se
tal ocorresse não existiria o outro componente
essencial desta virtude, que é a lealdade.
Enfim, a fidelidade significa a prática dos prin-
cípios, a manutenção de um ideal ou de uma
vocação de servir, cujo escopo é a lealdade a uma
causa social e a quem é o sujeito dela, ou seja, o
cliente.
A Solicitude
É a virtude da disponibilidade, da predisposi-
ção em servir àqueles que necessitam de nossa
arte profissional. É não só atender com alegria
e doçura ao cliente, mas, também, ter tempo
para ouvi-lo, ajudá-lo e orientá-lo, tantas vezes e
durante todo o tempo que for necessário até se
conseguir o resultado desejado.
A solicitude pode ser encarada até como um
sacerdócio, ou seja, a dedicação permanente a
uma causa social e ao benefício dos outros, até
mesmo com sacrifícios pessoais e familiares.
O Entusiasmo
O entusiasmo é uma virtude diferente, mas tão
importante quanto às demais, pois expressa a
materialização do calor humano que deve conta-
giar todo o ambiente de trabalho. O entusiasmo
representa não só um estado de espírito em rela-
ção ao saber-fazer, mas, também, a alegria pelo
que se optou professar.O entusiasmo é a conjun-
ção da coerência com a fidelidade profissional,
além de funcionar como mecanismo de promo-
ção do relacionamento profissional/cliente, favo-
recendo os resultados almejados em um tempo
mais precoce.
Não se deve confundir entusiasmo com humor,
já que este depende de uma série de fatores e
representa somente uma manifestação pessoal
independente da relação profissional. Ou seja, o
humor não está necessariamente ligado à profissão
que se exerce, pois a sua variação ou alternância
não se dá em razão desta ou daquela atividade.
Entusiasmar-se não é apenas estar sempre dis-
posto a realizar o melhor,mas fazê-lo com alegria
e interação com o ambiente,contagiando a todos
da importância,da necessidade e até da beleza que
envolve uma profissão que trabalha em benefício
do ser humano e da humanidade.
199 { Opinião
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Referências
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Vertus. (1995) Paris: Presses Universitaires de
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Free Press, 34-49.
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medicina en los Estados Unidos de América. México:
Fondo de Cultura Econômica.
Correspondência:
FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Rua Raul Pompéia 101
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FAX. +55 31 3227-3864
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Os valores morais de uma profissão
José Geraldo de Freitas Drumond
200 {Opinião
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  • 1. data de submissão: 21-06-2006 data de aceitação: 20-07-2006 Introdução O vocábulo “profissão” é originariamente de conotação religiosa e significa “profissão de fé” ou “professar” uma religião (do latim: profiteor, profiteri, professus su, que significa voto público, fazer uma promessa pública, declarar publica- mente um compromisso de fazer o bem a outros ou bene facere). Professar (ou confessar) é sinônimo de dispo- nibilizar-se para um determinado serviço, consa- grar-se a uma atividade.Assim, desde o início da humanidade foram desenvolvidos alguns serviços imprescindíveis à sociedade, como a consagração (profissão) aos serviços religiosos,aos cuidados da família, à administração da justiça e à atenção aos enfermos. Desde então, conceitua-se como profissio- nal alguém consagrado a uma causa de grande transcendência social e humana. Por seu turno, a sociedade exige correção e retidão no desem- penho deste mister, daí que outorga a estes cida- dãos determinados privilégios como uma forma de retribuição por “consagrarem” a sua vida para servir esta mesma sociedade. Assim, quando pessoas que assumem a respon- sabilidade de executar funções relacionadas com as dimensões mais sagradas da existência, como a religião, a justiça e a saúde não atuam de forma a respeitar a ética inerente à sua profissão ou fun- ção, a sociedade como um todo se torna diminu- ída em seus valores morais. Por outro lado, a evolução dos costumes e os desenvolvimentos do conhecimento humano através da ciência e da tecnologia, fizeram com que as relações sociais se tornassem mais com- plexas, demandando o aparecimento de outras atividades, funções e profissões e, para exercê-las, novos profissionais. Profissão é, pois, uma atividade humana espe- cífica que surge em razão de uma necessidade social,para a qual deve estar voltada com a missão fundamental de colaborar para o bem-estar cole- tivo, o equilíbrio e a paz social. Para James Drane (2004), profissional é “alguém que faz promessa pública de trabalhar para outros e é essencial para a sociedade”. Assim, as suas características estariam assim definidas: 1- Proporcionam serviços públicos essenciais para o bem comum. 2- É considerada uma vocação, mais que sim- plesmente um trabalho. 3- Para ser exercida,tem como pré-requisito um treinamento prolongado e especializado em uma universidade. A educação adquirida na universi- dade inclui tanto conhecimentos teóricos como uma prática concreta. 4- O controle para se ingressar a uma profissão é exercido através de uma licença.Deve-se ter uma licença específica para praticar uma profissão. 5- Os conselhos de admissão estão formados por membros da profissão. 6- As profissões elaboram seus próprios códigos e padrões éticos. 7- As leis concernentes à profissão são ideal- mente influenciadas pela própria profissão. Por exemplo, os conselhos profissionais geralmente avaliam demandas de má prática antes de serem julgadas publicamente. 8- Os profissionais desfrutam de autonomia na oferta de serviços. 9- Aqueles que pagam por serviços (usuários) não controlam ou não tem autoridade sobre eles. Os valores morais de uma profissão José Geraldo de Freitas Drumond1 1 Presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, Minas Gerais, Brasil Drumond, J. G.; (2006). Os valores morais de uma profissão 2(3): 192-200 192 {Opinião miolon3-vol2.indd 65 23-10-2006 20:38:26
  • 2. 10- Uma profissão trabalha com normas éticas de alto caráter objetivo e com obrigações morais altamente subjetivas. A definição dos respectivos direitos e deveres de uma profissão, bem como a delimitação de sua área de atuação em relação às demais profissões, são as condicionantes para o preenchimento dos requisitos pessoais e técnicos daqueles que se dis- põem a exercê-la. O fato de se deter um conhecimento técnico e uma prática especializada não é o bastante para se ter uma atuação profissional adequada, porque o conhecimento não é um fim em si mesmo, por mais especializado que seja, mesmo quando destinado a atender a um determinado interesse social. Para além da técnica e da prática especia- lizadas impõe-se um terceiro e atributo, que é a atuação profissional no seio da sociedade. Talcott Parsons (1964), representante da escola sociológica tradicional, define profissionais como sendo aqueles que têm o “controle e domínio de um determinado campo do saber, sob a pri- mazia da racionalidade cognitiva e orientados para a aplicação do conhecimento a problemas práticos”. As conceituações modernas enfatizam mais as estruturas sociais emergentes, ressaltando-se a base cognitiva necessária a um profissional, des- tacando o “ethos” na prestação de serviços e na auto-regulação da profissão. Parsons - que desenvolveu suas pesquisas junto aos médicos por considerar a Medicina uma pro- fissão paradigmática - entende que as profissões podem ser definidas com base em quatro carac- terísticas:universalidade,especificidade funcional, postura objetiva e um objetivo comunitário. A universalidade responde à exigência da sociedade para que o profissional trate os seus membros de igual modo, sem discriminação. A especificidade funcional caracteriza o perfil da profissão para uma determinada atividade, conferindo auto- ridade e prestígio social a quem a exerce. Além disso, o profissional deve, ainda, atuar com obje- tividade para obter uma neutralidade afetiva e se desincumbir adequadamente de seu mister. Por fim, a profissão é uma exigência e uma neces- sidade social, devendo estar sempre voltada para a coletividade, beneficiando-a. É dever de um profissional cumprir os misteres de sua profissão, até mesmo em situações economicamente desfa- voráveis, disponibilizando os seus serviços desde que solicitado. Entretanto, é o componente moral de uma profissão que, de fato, lhe propicia todo o relevo social, pois representa a aplicação da reflexão do saber e do saber-fazer em benefício da coletivi- dade.Quem assume tal caráter certamente desen- volve a consciência dos limites da sua profissão ao perceber que nem tudo aquilo que é tecnica- mente possível realizar, resulta necessário e legí- timo. O exercício permanente da reflexão sobre os valores humanos e sociais é o que desenvolve a consciência dos limites pessoais e profissionais, permitindo-se que cada qual seja avaliado sob a égide de princípios e normas morais. Paul Starr (1991), utilizando o método da abor- dagem histórico-social das profissões, corrobora- lhes os conceitos de auto-regulação e capacitação, que se acham baseados em conhecimentos técni- cos e especializados. No entanto, as profissões são definidas muito mais em razão dos serviços que prestam à sociedade do que propriamente de seus interesses pecuniários, ainda que, em geral, este- jam balizadas por um código de ética. Um ato profissional perfeito deve estar sub- metido a três requisitos: propriedade, justeza e adequação. Uma ação profissional apropriada é aquela que se acha em conformidade com a téc- nica (“Tekhne” dos gregos) e própria para uma determinada situação, como determina a sua arte (“Lex artis”). Além disso, esta ação deve ser intrinsecamente benéfica (ou adequada) para quem é destinada e resultar socialmente conse- qüente (justa). 193 { Opinião miolon3-vol2.indd 66 23-10-2006 20:38:26
  • 3. Mas nem sempre aquilo que é próprio ou intrinsecamente bom será necessariamente justo, do ponto de vista da moral social.Daí porque,no exercício de uma profissão, é cada vez mais fre- qüente o enfrentamento de demandas resultantes de determinados atos profissionais, devido a situ- ações contraditórias ou conflitantes em relação às normas legais e morais, em face dos interesses do cliente. Isto se dá porque toda atividade profis- sional envolve um conjunto de decisões pessoais, transações, articulações de interesses, expectativas e satisfações. Uma ação profissional tem como resultado a convergência final destes diversos e dinâmicos fatores que interagem com os fatores imanentes daqueles que são os sujeitos de uma intervenção especializada. Uma ruptura neste equilíbrio dinâmico pode resultar numa desarmonia das relações do pro- fissional com o cliente, o que certamente reper- cutirá na sua imagem pessoal e no conceito da profissão perante a sociedade. Para se exercer uma profissão se exige um deter- minado caráter, uma predisposição ou uma voca- ção que não se restringe às possíveis qualidades técnicas,senão que incorpora convicções pessoais e uma consciência social de quem nela vai atuar. Uma profissão, para ser adequadamente pra- ticada, deve estar fundamentada em três pilares simétricos: a técnica, o aprimoramento profissio- nal e a ética. A técnica é resultado da formação científica e cultural, originada de um conhecimento especí- fico ou particular da ciência, que se denomina a “Lex artis” profissional. O aprimoramento profissional vincula-se à atu- alização permanente da técnica, cuja atualização é demandada de modo continuado em razão dos avanços do conhecimento científico e da própria técnica. A ética profissional configura-se como um conjunto de valores humanos adotados por uma sociedade e aplicados especificamente à prática de determinado ofício. Como bem refere Maria Patrão Neves (2003), nenhuma profissão existe para os seus membros; todas existem para servir uma diferente necessidade que, uma vez devida- mente satisfeita, a tornará merecedora da con- fiança da sociedade. Os valores humanos são imprescindíveis para a vida, pois não se vive sem valorizar ou esti- mar as coisas.Valorar é uma condição da essência humana. Por isso, as decisões profissionais devem levar em conta os valores humanos, já que estes sempre interferem naqueles.Assim sempre estará errada a decisão baseada apenas em fatos, por- que não será uma decisão humana. Uma deci- são humana só será correta, repetimos, se levar em consideração a conjunção de fatos e valores humanos. As realidades humanas possuem valores pró- prios, que se referem, por exemplo, a bem-estar ou a mal-estar, à saúde ou a doença, à vida ou à morte. São os chamados valores vitais ou ineren- tes ao ser vivo. Além disso, os seres humanos apresentam valo- res espirituais, próprios da pessoa, que podem ser categorizados em valores lógicos (como a verdade ou o erro), estéticos (como o belo e o feio) e os valores morais (bom e mau, correto e incorreto). Há vários sistemas de valores, conforme a tradi- ção cultural de um povo.Assim, os anglo-saxões têm uma filosofia de liberdade e veracidade vinculada à luta e à busca da vitória a qualquer preço, com o conseqüente desprezo aos derro- tados. Para eles a verdade está na diferença entre bons e maus, entre vencedores e perdedores, pois só os vencedores alcançam o paraíso. Os povos asiáticos, representados pelos japone- ses, estabeleceram três abordagens para os valores: a xintoísta,a confucionista e a budista.A primeira reforça as virtudes da fidelidade e da obediên- cia; a segunda prega o consenso e relações sociais Os valores morais de uma profissão José Geraldo de Freitas Drumond 194 {Opinião miolon3-vol2.indd 67 23-10-2006 20:38:26
  • 4. de respeito mútuo, a não violência, a persuasão, a busca da harmonia e prevenção do conflito; enquanto o budismo prioriza o bem da coletivi- dade acima dos desejos individuais. Já os povos latinos têm os seus valores baseados na tradição mediterrânea. Foi no Mediterrâneo, mais propriamente na Grécia, que nasceu a ética ocidental, cujo sistema de valores é anterior ao próprio cristianismo.A ética mediterrânea exibe uma linguagem de expressão do bem e do mau, da virtude e do vício, diferentemente da ética anglo-saxônica,cuja linguagem se refere a direito e poder. Virtude é um traço do caráter humano social- mente valorizado, enquanto a virtude moral é aquele aspecto moralmente valorizado.A virtude moral consiste na disposição ou no hábito de agir de acordo com princípios, normas ou ideais morais.Virtudes são, pois, qualidades ou excelên- cias morais, importantes para distinguir um pro- fissional com atributos de caráter, indispensáveis para uma adequada atuação, especialmente para aqueles que se dedicam a servir em áreas que têm aplicação direta na saúde ou na qualidade de vida do homem. Hoje, diante do desapego da sociedade pós- moderna aos valores espirituais e dos profissio- nais àqueles próprios de sua especialização, con- seqüência da competição desenfreada propiciada pelo mercado de trabalho globalizado, cada vez mais estreito em decorrência do número de pro- fissionais e pela ampliação da área do conheci- mento que, por sua vez, leva ao aparecimento de novos profissionais para atender a multidiscipli- naridade das profissões hodiernas,surge o apelo à prática da ética da virtude e ao cultivo dos valores morais. É importante identificar qualidades morais que possam robustecer o compromisso social da profissão e, ao mesmo tempo, estabelecer con- traponto com as qualidades morais da própria sociedade, que as expressa por meio de seus cida- dãos, ao procurar os serviços do especialista. Para o profissional tais qualidades podem ser inúmeras, mas, a título de contribuição, distin- guiremos a prudência, a temperança, a coragem, a fortaleza, a justiça, a generosidade, compaixão, a humildade, a tolerância, a misericórdia, a fide- lidade, a solicitude e o entusiasmo. No caso dos clientes, razão maior da existência profissional, é de exigir as qualidades morais da sinceridade, confiança, probidade, equidade e tolerância. Somente pelo exercitar destas virtudes propicia- rão é que uma pessoa poderá se capacitar a refle- tir e julgar as situações, muitas vezes imprevistas, do cotidiano profissional. A este respeito,André Comte-Sponville (1995), assim se manifesta: Das virtudes quase não se fala mais. Isto não significa que não precisamos mais delas, nem nos autoriza a renunciar a elas. É melhor ensinar virtudes, dizia Spi- noza, do que condenar os vícios. É melhor a alegria do que a tristeza, melhor a admiração do que o desprezo, melhor o exemplo do que a vergonha. Não se trata de dar lições de moral, mas de ajudar cada um a se tor- nar seu próprio mestre, como convém, e seu único juiz. Com que objetivo? Para ser mais humano, mais forte, mais doce. Virtude é poder, é excelência, é exigência. As virtudes são nossos valores morais, mas encarnados, tanto quanto pudermos, mas vividos, mas em ato. Sem- pre singulares, como cada um de nós, sempre plurais, como as fraquezas que elas combatem ou corrigem.Não há bem em si: o bem não existe, está por ser feito, é o que chamamos de virtudes. Cabe, pois, de modo objetivo, salientar o signi- ficado de cada uma destas virtudes assinaladas no contexto da vida profissional: A Prudência Os latinos traduziram como“prudentia”a“phro- nésis” dos antigos gregos, que tem o significado de equilíbrio e constitui a virtude da cautela, da precaução, do agir com bom senso. Na prática, a 195 { Opinião miolon3-vol2.indd 68 23-10-2006 20:38:26
  • 5. prudência significa a observação sempre atenta e vigilante do saber-fazer profissional. Para Aristóteles, “phronésis” é uma virtude que facilita a escolha dos meios corretos para se obter um bom resultado. Para Cícero,“prudentia” pro- vém de “providere”, que significa tanto prever como prover. Não pode haver uma virtude mais importante para aquelas profissões que trabalham com o material mais importante do ser humano, que é a sua saúde e qualidade de vida. A prudência determina o agir pela busca do que é bom e a recusa do que é mau.A prudência deve ser uma companheira fiel de toda decisão do médico: é o decantado bom senso profissional Das quatro virtudes cardeais – prudência,tempe- rança, coragem e justiça – a prudência, no enten- der de Tomás de Aquino, deve reger as demais, pois a prudência representa mais uma delibera- ção,o bem agir.Para André Comte-Sponville,é a prudência “que separa a ação do impulso, o herói do desmiolado”. No entendimento clássico, é a vir- tude do risco e da decisão que, hodiernamente, tem o significado da precaução. É, enfim, o zelo profissional. Assim é que quando se decide pela melhor opção possível, diz-se que houve prudência. A Temperança É a consciência dos limites pessoais e diz respeito à moderação do homem na fruição dos prazeres. Significa saber viver uma vida de moderação ou autodisciplina sem a inconseqüente submissão às paixões, aquilo que poderia ser caracterizado como vício ou desregramento.Trata-se da virtude da sobriedade,tão importante e recomendada aos profissionais que cuidam da saúde,sendo alvos de um elevado conceito social. A sociedade exige mais do comportamento social e pessoal destes profissionais que de outros, daí porque deverão exercitar a coerência entre o discurso e a prática, tendo a sobriedade da vida pessoal como causa e conseqüência das suas condutas profissionais. Aristóteles afirmava que a temperança é uma virtude cumeada entre dois abismos opostos: a intemperança e a insensibilidade.A temperança é mais reconhecida pelos seus opostos do que pela sua prática, pois, como toda virtude, está sempre no cume, entre dois opostos ou extremos. ParaTomás de Aquino, a temperança é uma vir- tude cardeal, e a mais necessária, embora a cora- gem e a justiça sejam as mais admiráveis. A Coragem A coragem consiste numa persistente disposição para o enfrentamento das freqüentes dificuldades que o exercício de uma profissão enseja, desde a estrutura deficiente de atenção ás necessida- des da população, até aquelas situações em que o profissional terá que valer da sua autoridade em favor do cliente, mesmo que isto possa contrariar outros interesses. Coragem não é a ausência de medos, mas a dis- posição de superá-los e, no caso de valor moral profissional, deverá se voltar para a defesa de um interesse social, qual seja, do bem-estar da pessoa e da coletividade. É Cícero quem invoca a coragem como a arma que permite o homem “enfrentar os perigos e suportar os labores”. Como virtude, a coragem se encontra no meio (“In medio stat virtus”) entre a covardia e a temeridade. Está no cume, como diz Aris- tóteles, entre dois abismos, entre dois excessos: de um lado a submissão ao medo, a inação e a acomodação e, de outro, a despreocupação com as conseqüências. A Fortaleza Fortaleza significa a disposição sempre renovada do profissional em continuar exercendo o seu ofício, embasado nas suas convicções morais e no Os valores morais de uma profissão José Geraldo de Freitas Drumond 196 {Opinião miolon3-vol2.indd 69 23-10-2006 20:38:27
  • 6. seu conhecimento técnico, sempre em benefício do sujeito da sua atuação. A fortaleza deve ser uma virtude continuada- mente revigorada pelo estudo e pela atualização permanente da arte ou técnica, associado à refle- xão sobre os princípios filosóficos, em que deve assentar todo o ideário profissional. A Justiça Justiça é a qualidade moral que compromete o profissional com a sociedade, priorizando a sua atenção na direção daqueles que compõem um estrato social mais injustiçado, geralmente exclu- ídos dos benefícios que a ciência pode propiciar. A justiça, como qualidade moral, concorre para a formação de um profissional preparado para contribuir com a melhoria da qualidade de saúde do seu povo, laborando pela equidade, ou seja, pela oportunidade que todos devem ter, indis- tintamente, de acesso aos serviços que a profissão oferece. A eqüidade está na raiz de uma justiça que tem o pressuposto de que todos os homens nascem iguais em direito e oportunidade e nada melhor do que um profissional consciente de suas res- ponsabilidades para reconhecer esta virtude e comprovar que está exatamente na falta de acesso aos benefícios do conhecimento especializado a maior de todas as injustiças. A justiça, como uma virtude professada pelo profissional, deve ser, então, a justiça da igualdade de oportunidades, que deve colaborar para que haja redução das desigualdades sociais. Uma justiça que vai além da mobilidade em direção aos mais necessitados e excluídos,mas que implica,também,na atitude política de denunciar toda situação que dificulte ou impeça a conquista de uma qualidade de vida razoável para todos, independentemente da condição social. A Generosidade É uma qualidade moral inata ao profissional das áreas social, educação e saúde, pois quem abraça um serviço nestas áreas já possui uma vocação para a solidariedade, para a prática do “bonum facere”, que significa cuidar do outro, promover ou melhorar a sua cidadania. É uma caracterís- tica sublime da qual nenhum profissional poderá abrir mão, sob pena de não ser mais reconhecido como tal. A generosidade, no entender de Comte-Spon- ville “nos eleva em direção aos outros e, poderí- amos, dizer, em direção a nós mesmos enquanto libertos de nosso pequeno eu”. A generosidade, conclui o filósofo, será sem- pre plural: quando somada à coragem pode se transformar em heroísmo; se adicionada à justiça, resulta em eqüidade; se somada à paixão, gera a benevolência; se somada à misericórdia trans- forma-se em indulgência. Mas, ao se somar à doçura o seu nome passará a ser bondade. A Compaixão Desinência latina (com: junto; paixão: sofrer) e sinônimo do vocábulo grego “simpatia” (sim: ao lado e pathos: doença), compaixão é a solidária participação do profissional em relação aos sen- timentos de seu cliente. É a compreensão da sua dor, física ou psíquica, ou ambas. Não é apenas a consciência de uma situação dolorosa, mas sim o reconhecimento do sofrimento alheio, no sen- tido de compreender, de fato, a sua necessidade de carinho e afeto. Compaixão é qualidade moral que não pode ser confundida com a piedade, pois esta repre- senta tão somente o sentimento de tristeza pela infelicidade do outro, uma atitude passiva e até mesmo cômoda.A compaixão é postura ativa de 197 { Opinião miolon3-vol2.indd 70 23-10-2006 20:38:27
  • 7. quem vai ao encontro do sofrimento alheio, para compreendê-lo e ajudá-lo. A compaixão é, por- tanto, uma ação comitente e nunca passiva ou até negligente, como é a piedade. A Humildade É o reconhecimento e a consciência da impotên- cia e da fraqueza humanas. Nada mais angustiante para um profissional dedicado ao serviço do pró- ximo que não poder realizar, de modo adequado, a sua missão. Isto se deve, por um lado, à própria limitação da ciência,que é incapaz de dar respostas para todas as indagações e ter remédios para todos os males humanos.Ainda que a ciência tenha evo- luído, as suas verdades continuam efêmeras. Por seu turno, o próprio profissional possui um arca- bouço intelectivo-cultural sujeito a limitações. É necessário cultivar a humildade profissional como reconhecimento permanente de sua ignorância e disposição permanente da busca por mais conhe- cimentos. Sócrates afirmava:“Só sei que nada sei”, enquantoTerezinha do Menino Jesus conceituava: “Humilde é quem sabe ser do seu tamanho, nem maior nem menor”. A humildade deve ser,pois,uma qualidade moral permanentemente presente na prática profissional, para que ele se conheça,exatamente,o“quantum” possui de conhecimento da sua arte, não se pro- pondo ir além do que a ciência e a sua consciência autorizarem. A Tolerância A tolerância ensina reconhecer e respeitar as dife- renças entre as pessoas.O mundo está cada vez mais povoado de pessoas que exibem diferentes crenças, ideologias e opiniões. Há, pois, diferentes morais ou moralidades que são merecedoras de respeito. Recordemos Engelhardt (1996) que cunhou o termo “estranhos morais” para distinguir as cate- gorias de indivíduos ou grupos sociais que não comungam a mesma moral, ou seja, existem duas categorias de pessoas, com respeito à moralidade: os“amigos”e os“estranhos morais”,cujas diferen- ças devem não só ser conhecidas, mas, sobretudo, respeitadas pelo profissional que cuida de pessoas em todas as suas dimensões. Assim, ele haverá de conviver com situações conflituosas e, por vezes, antagônicas, nas quais deverá agir com o máximo de isenção possível, tendo como meta o respeito à dignidade e à integridade do ser humano. A tolerância não é uma atitude expectante ou subserviente, mas uma disposição de respeito às diferenças entre pessoas. Misericórdia É o atributo moral que propicia às pessoas releva- rem as faltas cometidas pelos outros, incluindo as ofensas à sua própria pessoa. Misericórdia é sinô- nimo de perdão,esquecimento,ausência de rancor em face de atitudes agressivas e injustas de que pro- fissional é alvo no exercício de seu mandato social. Incompreensões e ações infundadas de clientes ou seus familiares podem denegrir a imagem e colo- car sob suspeição a honra do profissional. Nestas ocasiões, o profissional necessita reafirmar a sua personalidade altruísta para compreender os fatos, distinguindo o emocional do racional,procurando dialogar com a parte beligerante no sentido de sanar a querela. Não é uma situação fácil de administrar e, certa- mente,exige uma maturidade emocional de quem já se encontra muitas vezes fatigado pela carga de trabalho que lhe é imposta, muitas vezes além do que a própria capacidade biológica pode suportar. Praticar a misericórdia é ter em mente que uma determinada profissão exige de seus cultores um persistente exercício de desprendimento pessoal e a compreensão. Pode-se medir o grau de desafio desta virtude, quando observamos a grande reflexão de Martin Heidegger,um dos maiores filósofos contemporâ- Os valores morais de uma profissão José Geraldo de Freitas Drumond 198 {Opinião miolon3-vol2.indd 71 23-10-2006 20:38:27
  • 8. neos, sobre a realidade do homem atual: Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimen- tos tão numerosos e diversos quanto a nossa. Nenhuma época apresentou tão bem e sob a forma mais tocante seu saber sobre o homem. Nenhuma época conseguiu tornar este saber tão pronto e facilmente acessível. Mas nenhuma época,também,soube menos o que é o homem. Em nenhuma outra o homem apareceu tão misterioso. A Fidelidade É a virtude do comprometimento com prin- cípios e normas que regem a profissão. É a fiel observância dos valores morais impregnados na profissão. Tal virtude não significa fundamenta- lismo doutrinário, pois o profissional não pode ser dogmático, mas sim estar aberto à discussão dos diferentes valores humanos,sem se afastar dos princípios considerados fundamentais para a sua profissão. Fidelidade é a coerência entre o professado e o praticado, entre o discurso e a práxis; em suma, significa o equilíbrio entre o saber e o saber-fazer. A fidelidade pode e deve ser entendida, tam- bém, como um compromisso para com o cliente, no que tange às suas expectativas e às suas espe- ranças. Na fidelidade existe amizade, companhei- rismo, mas sem concessões à verdade, porque se tal ocorresse não existiria o outro componente essencial desta virtude, que é a lealdade. Enfim, a fidelidade significa a prática dos prin- cípios, a manutenção de um ideal ou de uma vocação de servir, cujo escopo é a lealdade a uma causa social e a quem é o sujeito dela, ou seja, o cliente. A Solicitude É a virtude da disponibilidade, da predisposi- ção em servir àqueles que necessitam de nossa arte profissional. É não só atender com alegria e doçura ao cliente, mas, também, ter tempo para ouvi-lo, ajudá-lo e orientá-lo, tantas vezes e durante todo o tempo que for necessário até se conseguir o resultado desejado. A solicitude pode ser encarada até como um sacerdócio, ou seja, a dedicação permanente a uma causa social e ao benefício dos outros, até mesmo com sacrifícios pessoais e familiares. O Entusiasmo O entusiasmo é uma virtude diferente, mas tão importante quanto às demais, pois expressa a materialização do calor humano que deve conta- giar todo o ambiente de trabalho. O entusiasmo representa não só um estado de espírito em rela- ção ao saber-fazer, mas, também, a alegria pelo que se optou professar.O entusiasmo é a conjun- ção da coerência com a fidelidade profissional, além de funcionar como mecanismo de promo- ção do relacionamento profissional/cliente, favo- recendo os resultados almejados em um tempo mais precoce. Não se deve confundir entusiasmo com humor, já que este depende de uma série de fatores e representa somente uma manifestação pessoal independente da relação profissional. Ou seja, o humor não está necessariamente ligado à profissão que se exerce, pois a sua variação ou alternância não se dá em razão desta ou daquela atividade. Entusiasmar-se não é apenas estar sempre dis- posto a realizar o melhor,mas fazê-lo com alegria e interação com o ambiente,contagiando a todos da importância,da necessidade e até da beleza que envolve uma profissão que trabalha em benefício do ser humano e da humanidade. 199 { Opinião miolon3-vol2.indd 72 23-10-2006 20:38:27
  • 9. Referências Comte - Sponville A. Petit Traité des Grandes Vertus. (1995) Paris: Presses Universitaires de France. Drane J.(2004) Paho y Bioética.¿Una relación acci- dental o un compromiso profundo? Diálogo y Coope- ración en Salud. Diez años de bioética en la OPS. Santiago: Unidad de Bioética OPS/OMS Chile. Engelhardt Jr HT. (1996) The foundations of Bio- ethics. NewYork: Oxford University Press Inc. Neves MP. (2003) Thomas Percival: tradição e inovação. Bioética. 11(1):11-22. Parsons T. (1994) “The Professions and Social Structure”. Essays in Sociological Theory. NewYork: Free Press, 34-49. Starr P. (1991) La transformación social de la medicina en los Estados Unidos de América. México: Fondo de Cultura Econômica. Correspondência: FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Rua Raul Pompéia 101 Bairro São Pedro CEP: 30.330-080 Belo Horizonte Minas Gerais, Brasil Tel. +55 31 3280-2100 FAX. +55 31 3227-3864 drumond@fapemig.br Os valores morais de uma profissão José Geraldo de Freitas Drumond 200 {Opinião miolon3-vol2.indd 73 23-10-2006 20:38:27